A FORMAÇÃO DA PRIMEIRA TURMA DE PROFESSORAS
DA ESCOLA NORMAL DE CAMPANHA:
NOTÍCIAS NO PRIMEIRO JORNAL FEMINISTA BRASILEIRO
- “O SEXO FEMININO” (CAMPANHA/MG – 1873) -
SERRANO, Cristina Souza Kraüss – Acadêmica de História da Universidade Federal
de São João del-Rei (UFSJ)
RESENDE, Maria Ângela Araújo – Orientadora e Professora Doutora do Curso de
Letras da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
“A Campanha tem de gravar em letras de ouro nas páginas de sua história o dia 7 de
janeiro de 1873, dia memorável que veio proporcionar às jovens campanhenses o
importante e feliz ensejo de se instruírem, ornando os seus nomes com o honroso
qualitativo de normalistas.”
(Francisca Senhorinha da Motta Diniz, in: O Sexo Feminino, 1873, no 1, p.2)
O presente trabalho faz parte de um projeto de pesquisa aprovado pelo CNPq,
intitulado “As Mulheres Escrevem a Pátria: gênero e nação em ‘O Sexo Feminino’”,
dentro da Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural que integra o Grupo de
Estudos Interdisciplinares de Gênero e Sexualidade (GEIGS) da Universidade Federal
de São João del-Rei (UFSJ).
Tem como objeto a proposta de educação feminina desenvolvida no periódico ‘O
Sexo Feminino’, a partir de notícias da Escola Normal da cidade sul-mineira de
Campanha. O referido jornal foi editado, em sua primeira fase, nesta mesma cidade,
de 1873 a 1875, pela feminista, professora e jornalista são-joanense Francisca
Senhorinha da Motta Diniz, fase esta que se configura como a preocupação inicial
desta pesquisa. Posteriormente, o jornal prossegue no Rio de Janeiro, de 1887 a
1889, ainda com a mesma denominação e, por fim, com a Proclamação da República,
numa terceira fase que vai de 1890 a 1896, o nome do jornal é alterado para ‘O
Quinze de Novembro do Sexo Feminino’.
O trabalho apresenta como objetivo geral a análise do papel exercido pelo discurso
de Francisca Diniz em prol da educação feminina, notadamente na Escola Normal, e
a sua importância na construção do sonho da nação, dentro de uma proposta de
compreensão do movimento feminista a partir das três últimas décadas do século XIX,
na região sul-mineira, tendo como objetivos específicos, inicialmente, o resgate do
periódico em questão como uma obra escrita por mulher; posteriormente, o
entendimento do lugar ocupado pelo ‘bello sexo’ na educação e na imprensa de
Campanha e região, bem como de Minas Gerais e do Brasil, especialmente nesse
recorte temporal da formação dessas primeiras normalistas campanhenses. E, por fim,
a compreensão como a categoria ‘gênero’, construída em textos diversos escritos
por/sobre/para mulheres, interfere na construção de um ‘sonho de nação’ no contexto
da República.
AS ESCOLAS NORMAIS NO BRASIL
Durante o período colonial, a mulher brasileira não teve acesso à escola. Os
estabelecimentos escolares eram mantidos e administrados pelos jesuítas e
destinavam-se apenas a homens. As mulheres deveriam se preocupar apenas com
atividades consideradas próprias ao seu sexo: costurar, bordar, lavar, fazer rendas e
cuidar das crianças.
Somente após a Independência é que essa situação passou a sofrer alterações.
Pela Lei de 15 de outubro de 1827, a mulher adquiriu o direito à educação, mediante a
criação de escolas de primeiras letras para meninas. Com isso também surgiram as
primeiras vagas para o sexo feminino no magistério primário e sua possibilidade de
instrução foi ampliada. Contudo, essas mudanças também tiveram por efeito acentuar
a discriminação sexual.
Por ocasião da criação das primeiras Escolas Normais, um projeto de lei de 1830
determinava que no magistério primário das escolas públicas se daria preferência às
mulheres. No entanto, todas as Escolas Normais criadas recebiam apenas o público
masculino. Mas, com o passar do tempo – já nos últimos anos do Império –, a situação
se alterou e pouco a pouco as mulheres foram sendo admitidas na Escola Normal e
acabaram por transformá-la num espaço predominantemente feminino.
Durante o Império, o ensino secundário era propedêutico e destinava-se àqueles
que pretendiam prosseguir os estudos em nível superior, não sendo, entretanto, este
último permitido às mulheres. A Escola Normal passou, então, a representar uma das
poucas oportunidades, senão a única, de as mulheres prosseguirem seus estudos
além do primário. Ela abrigou tanto mulheres que pretendiam lecionar efetivamente
como outras que buscavam apenas dar continuidade aos estudos e adquirir boa
formação geral antes de se casarem.
As Escolas Normais no Brasil foram criadas a partir do Ato Adicional de 1834, que
transferia para as províncias a regulamentação e promoção do ensino primário,
secundário e a formação dos professores.
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AS ESCOLAS NORMAIS EM MINAS
Em Minas Gerais, a mulher só teve acesso à Escola Normal em 1840.
Em 1835, dois jovens mineiros, Francisco de Assis Peregrino e Fernando Vaz de
Mello, foram contratados para estudar na França, com o objetivo de organizar o ensino
na província mineira através, sobretudo, da criação de uma Escola Normal. Assis
Peregrino, em relatório sobre a educação primária, apresentou ao governo mineiro
diversas sugestões sobre o melhor método a ser adotado nas escolas públicas para
aprimoramento do ensino. Assim surgiam, então, as Escolas Normais em Minas.
Diferentes métodos foram experimentados em Minas Gerais para aprimoramento
do ensino público durante todo o século XIX. Até a Independência generalizou-se na
província a aplicação do método didático individual; o contato do professor com os
alunos era individual por meio de argüição, cada qual com seu livro, sua lição, seu
tempo exíguo.
Sob a influência francesa e com o aumento do número de alunos e escolas, foi
adotado o método de ensino mútuo: o professor ensinava aos melhores alunos,
chamados monitores ou decuriões, e incumbia-os de transmitir aos outros alunos, em
grupos de dez, o que tinham aprendido, com a autoridade e as atribuições de
professor, com o direito, inclusive, de premiar e castigar. Esse método foi difundido por
Joseph Lancaster em diversos países da Europa, tendo durado quinze anos na
legislação brasileira.
Foi experimentado também o método simultâneo, pelo qual os alunos eram
divididos em grupos que usavam os mesmos livros e davam as mesmas lições
diretamente ao professor, e assim toda a escola era mantida em trabalho de forma
concomitante.
Na tentativa de solucionar os vários problemas surgidos, buscou-se a utilização de
um outro método que reunisse os saldos positivos de cada um. Entra em prática o
método misto, que reuniria ensino individual, grupos, monitores; mas ao professor
caberia dirigir-se aos alunos, individualmente ou em grupos, para as lições, os
exercícios, a aplicação da disciplina. Aos monitores caberia apenas auxiliar o mestre.
Tal método foi largamente utilizado na Escola Normal, que iniciara suas atividades
na Capital da Província, Ouro Preto, em 1840, tendo
sido fechada em 10 de
dezembro de 1842 e reaberta em princípios de 1847, sob a direção do professor
Antônio José Ozório de Pina Leitão.
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A ESCOLA NORMAL DE CAMPANHA: NOTÍCIAS NO PRIMEIRO JORNAL
FEMINISTA BRASILEIRO – “O SEXO FEMININO” (CAMPANHA/MG – 1873)
A Escola Normal de Campanha, a segunda instalada em Minas Gerais, foi criada
pela Lei Provincial no 1769, de 1871, e suas atividades se iniciaram em 1873.
Paralelamente à educação oferecida pela família e também institucionalizada a
partir do século XVIII, percebe-se um outro modo informal de atingir a educação
feminina no século XIX, os jornais. O aparecimento das mulheres escritoras acontece
notadamente a partir do século XIX, no contexto da crescente importância da imprensa
e do início de movimentos em prol dos direitos das mulheres.
O periódico ‘O SEXO FEMININO’ e suas notícias sobre a Escola Normal de
Campanha foi utilizado nas últimas décadas do século XIX como instrumento de
difusão da idéia de emancipação e instrução da mulher.
Pesquisas revelam que o periódico apresentou três fases.
A primeira, de 1873 a 1875, em Campanha, no sul de Minas Gerais.
A segunda ocorre alguns anos depois, no Rio de Janeiro, de 1887 a 1889, para
onde Francisca Senhorinha havia-se transferido.
Depois, entusiasmada com a Proclamação da República, mudou o nome do jornal
para ‘O Quinze de Novembro do Sexo Feminino’ e passou a defender com mais
ênfase o direito das mulheres ao estudo secundário, superior e ao trabalho e a
denunciar a educação mesquinha oferecida às meninas. Era a terceira fase do
periódico, que vai de 1890 a 1896.
Na primeira fase, que é objeto desta pesquisa, encontramos nas análises do
corpus notícias sobre a Escola Normal de Campanha, que podem ser identificadas
como três momentos na proposta de educação feminina veiculada pelo periódico.
Inicialmente, há uma recomendação para uma educação meramente orientada
pela moral e pela religiosidade, e para a formação de mães de família modelo.
“Se a mulher não for inteligente, cultivada pela instrução (...), se não
tiver no coração o gérmen de uma religião pura e santa, si não possuir
uma educação apurada, jamais será uma virtuosa filha, uma mãe de
família modelo, uma verdadeira educadora de sua prole: não passará
de uma figura de cera, ou de uma estátua de carne.”
O Sexo Feminino, 11 de outubro de 1873, no 6, p. 4.
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Evoluiu-se para uma educação e instrução nas letras através das escolas normais,
instituições responsáveis pela formação das mulheres que seriam responsáveis pela
educação dos filhos, os futuros condutores da nação.
“Escola Normal da cidade de Campanha
Teremos
professoras-modelos,
verdadeiras
garantias do futuro
glorioso da juventude confiada as suas luzes pedagógicas, a sua
instrução, moralidade e educação. Quem mal aprende ensina pior:
quem bem aprende melhor ensina.
A Campanha tem de gravar em letras de ouro nas páginas de sua
história o dia 7 de janeiro de 1873, dia memorável que veio
proporcionar às jovens campanhenses o importante e feliz ensejo de
se instruírem, ornando os seus nomes com o honroso qualitativo de
normalistas.”
O Sexo Feminino, 7 de setembro de 1873, nº 1, p.2
E, por fim, a sugestão e depois a reivindicação dos direitos a uma
profissionalização através do ensino superior, o que atestou, por parte de Francisca
Senhorinha da Motta Diniz, uma ampliação dos propósitos iniciais:
“Doutoras em Medicina nos Estados Unidos
Noticias desta nação nos fazem certas de que não será coisa estranha
vermos brasileiras formadas em igual sciencia.”
O Sexo Feminino, 20 de setembro de 1873, no 3, p.4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que as notícias veiculadas no periódico feminista “O Sexo Feminino”
sobre a Escola Normal de Campanha sempre buscaram ressaltar a capacidade
intelectual das mulheres e o seu protagonismo na formação das pessoas.
Porém, a atuação da feminista Francisca Diniz não se limitou a desenvolver e
difundir apenas uma proposta pedagógica de educação feminina. Ela fez ecoar as
reivindicações pela educação da mulher como fundamento da transformação do seu
papel na sociedade.
A professora, a jornalista e a feminista Francisca Senhorinha da Motta Diniz foi um
instrumento inestimável da luta pela disseminação da idéia de emancipação e
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instrução da mulher e do seu papel na construção da nação junto à primeira turma de
normalistas da Escola Normal de Campanha, a partir do rincão sul-mineiro para o
restante do país. Em sua intrépida e inovadora trajetória empreendedora angariou
adeptas, conquistou espaços, consolidou conquistas, contribuiu, enfim, para a
construção da identidade feminina brasileira.
Assim, considerando a singular trajetória inicial sobre a formação institucionalizada
dos professores destinados às escolas primárias elementares (hoje denominadas
primeiras séries de ensino fundamental) no sul de Minas, constatamos a
imprescindibilidade de uma acurada pesquisa sobre a história das Escolas Normais
em Minas Gerais.
Referências bibliográficas
Fontes Documentais:
Fontes Primárias Impressas:
O SEXO FEMININO. Semanário dedicado aos interesses da mulher – 1873 a 1889 –
Typographia do Monarchista em Campanha (MG); Typographia e Livraria de
Lombaerts e filhos e Typographia Americana no Rio de Janeiro (RJ).
O MENTOR DAS BRASILEIRAS. Semanário são-joanense – 1829 a 1832 –
Typographia do Astro de Minas em São João del-Rey (MG).
O MONITOR SUL-MINEIRO. Semanário campanhense – 1872 a 1896 – Typographia
do Monitor Sul-Mineiro em Campanha (MG).
O COLOMBO. Semanário campanhense – 1873 a 1875 (1a fase) e 1878 a 1885 (2a
fase) –Typographia do Colombo em Campanha (MG).
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