SEGREGAÇÃO E PRECARIZAÇÃO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
E MORADIA DOS FEIRANTES VENDEDORES DE CARNE SUÍNA
Leila Sobreira Bastos 1
Maryela Janaina Barbosa 2
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar as condições de trabalho e moradia dos
trabalhadores feirantes de Goiânia e Aparecida de Goiânia, em especifico os que trabalham
com o segmento de carne suína. Tal escolha justifica-se pela dificuldade enfrentada pelos
“feirantes açougueiros” em trabalhar com este gênero de produto, a mercadoria requer um
tratamento diferenciado, exigindo desde infraestrutura básica para exposição, transporte e
comercialização, assim como a liberação por parte da Vigilância Sanitária, órgão fiscalizador
da qualidade do produto oferecido ao consumidor. Fundamentamos a análise das condições de
trabalho e moradia a partir do estudo de três famílias que trabalham nas feiras de Goiânia e
Aparecida de Goiânia. Embora saibamos que tal amostra é um número pequeno comparado
ao total de feirantes, esta é suficiente para elucidar questões comuns aos demais feirantes que
comercializam carne suína. Pretende-se, com base na amostragem, apontar quais elementos
dificultam o trabalho e as condições de moradia dos sujeitos pesquisados, bem como sugerir
soluções para os problemas elencados.
Palavras-chave: Precarização, Segregação, Feirante, Carne Suína.
Introdução
O homem, ao apropriar-se da natureza para se reproduzir está socialmente
determinando o que entendemos por trabalho. As sociedades existem, dentre outros fatores, a
partir do trabalho (que é determinado socialmente) e este é transformado ao passo que as
relações de produção também se transformam e, nas sociedades capitalistas, as
transformações na organização do trabalho são explicadas por leis de acumulação do capital.
Historicamente, as feiras surgiram a partir do momento que a produção ultrapassa em
quantidade o que seria destinada a subsistência, o que por sua vez viabiliza as trocas
comerciais. Assim a feira se desenvolve enquanto espaço organizado para a realização da
troca, culminado como uma alternativa de trabalho.
Embora seja uma tradição remota, as feiras resistem a metropolização, diante de uma
sociedade que o uso as rua é mediado pelo automóvel e concorrendo com as novas formas de
varejo moderno, entendidos aqui, como os supermercados e hipermercados. Mesmo diante
dos obstáculos, a feira resiste e impõe o seu papel de abastecimento, lugar de sociabilidade e
1
Graduanda do curso de Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio Ambientais da Universidade Federal de
Goiás – IESA/UFG. Bolsista do Programa de Educação Tutorial - PET
2
Graduanda do curso de Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio Ambientais da Universidade Federal de
Goiás – IESA/UFG. Estagiária do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
2
alternativa de trabalho a um contingente cada vez maior de desempregados.
De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico – SEDEM,
órgão responsável pelas feiras de Goiânia, atualmente na Capital, existem cento e oito feiras
livres cadastradas. Números cedidos pela Secretaria de Regulação Urbana 3 do município de
Aparecida de Goiânia, apontam para a existência de oitenta e três feiras livres cadastradas,
além de aproximadamente 8 mil trabalhadores feirantes cadastrados, o que nos leva a concluir
que o número de trabalhadores tende a ser maior, ao passo que o envolvimento de toda a
família neste tipo de trabalho é comum.
As formas tradicionais de comércio, como as feiras livres, não escapam à
normatização por parte dos ditos “organizadores do espaço”, entendidos aqui como os órgãos
responsáveis pela regulamentação e organização das feiras, o que permite questionar se estas
são realmente “livres”. Nesse sentido retomamos o que foi exposto sobre as transformações
que o modo de acumulação capitalista insere nas inúmeras formas de trabalho existentes na
sociedade, criando novas formas de organizá-lo, assim a feira ilustra perfeitamente o processo
de transformação no modo de acumulação capitalista exige.
Muitas destas formas de trabalho são extremamente precarizadas, seja para maximizar
o lucro obtido pelo que é produzido pelo trabalhador, ou mesmo pela massa de
desempregados que se submete a trabalhos tidos como informais, também extremamente
precarizados.
Dentre estas formas de trabalho, destacamos o trabalhador feirante que lida com o
segmento de carne suína. Estes atualmente têm enfrentado dificuldades em se adequar as
exigências do mercado suíno, em que determinam que o processamento de carnes seja feito
em frigoríficos, devido às questões sanitárias e às próprias cobranças do setor varejista, o que
diretamente, vem a forçar para que as mercadorias vendidas na feira sejam obrigatoriamente
fornecidas por estes estabelecimentos. Vale ressaltar que a criação de suínos, feita de forma
rudimentar (criados soltos ou em chiqueiros) para a venda em feiras livres é tida como ilegal,
o criador não recebe o alvará de licença cedido pela vigilância sanitária, tal alvará só é cedido
mediante a nota fiscal fornecida pelos frigoríficos. Contudo, em municípios que, segundo os
feirantes, a vigilância não é tão presente, ainda é comum encontrar produtores que se ariscam
a comercializar a mercadoria sem nota fiscal. Assim optamos por pesquisar aqueles que
trabalham dentro ou fora da legalidade, abarcando tanto o trabalhador feirante que desenvolve
3
Os dados da Secretaria de Regulação Urbana de Aparecida de Goiânia, bem como os dados fornecidos pela
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, foram cedidos mediante contato telefônico, em que
falamos diretamente com os seus respectivos secretários.
3
suas atividades conforme as normas exigidas, como o trabalhador produtor que se arisca
trabalhando a margem da legislação.
Metodologia
A presente pesquisa foi desenvolvida por meio de observação em uma feira livres em
Goiânia, GO e uma em Aparecida de Goiânia, GO. Tal observação baseou-se em dados
obtidos por meio de entrevistas com os feirantes e de órgãos responsáveis pelas feiras,
observação in loco da preparação das mercadorias comercializados nas feiras, e das
residências dos sujeitos estudados, bem como de levantamento bibliográfico a cerca do tema
aqui proposto.
Para composição de nosso banco de dados pesquisamos a Feira CEPAL Jardim
América localizada na Praça C-108 entre Rua 105, 115 e C-01, Jardim América, Goiânia –
Goiás e a Feira do Garavelo localizada Av. Tropical, Jardim Tropical, Aparecida de Goiânia Goiás. Foi realizada também visita à casa dos feirantes para observação das condições de
moradia e de produção das mercadorias a serem vendidas nas feiras.
As entrevistas realizadas com os feirantes foram compostas de perguntas sobre a rotina
diária dos mesmos, com coleta de dados sobre família, trabalho, moradia e produção.
Tentamos nos ater as dificuldades enfrentadas pro essa classe trabalhadora, como horário de
execução das atividades diárias, e a excepcionalidade que é a feira, sua rotina e a falta de
qualidade no convívio familiar. Para tanto foi preciso conviver com os entrevistados em seu
ambiente de trabalho – a feira – e tentar extrair a essência dos percalços que os mesmos
enfrentam.
Precarização e segregação dos trabalhadores pesquisados
O termo precarização advém de precário, de acordo com a definição da 34° edição do
Dicionário Globo, refere-se a “pouca duração; contingente; incerto; inseguro; difícil; escasso;
minguado; frágil; delicado”. Tais definições auxiliam na compreensão do que o conceito de
precarização tem a acrescentar as discussões propostas neste trabalho.
A definição do termo, de acordo com Mattoso (1999) “refere-se ao aumento do caráter
precário das relações de trabalho pela ampliação do trabalho assalariado sem carteira
profissional e do trabalho independente (por conta própria)”. Em geral, é identificado pela
ausência de contribuição da Previdência Social, portanto, sem direito à aposentadoria.
Antunes (2007), contribui significativamente com a discussão a respeito da
precarização do trabalho ao analisá-lo a partir das mudanças em escala mundial do
4
desemprego estrutural e as novas formas de trabalho que surgem com a flexibilização
produtiva. Nas palavras do autor: “O trabalho estável torna-se, então (quase virtual). Estamos
vivenciando, portanto, a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no sec.
XX”.
Diante do que foi exposto, podemos enquadrar o trabalho do feirante no que
entendemos por precarização, uma vez que apenas uma das famílias pesquisadas afirmou
contribuir com a previdência social, os demais trabalham sem vínculo empregatício, se
submetem a uma jornadaque extrapola 14h diárias de trabalho, sem intervalo para almoço,
convivendo com as intempéries do tempo, lidando ora com a chuva, frio da madrugada,
outrora com o sol escaldante debaixo da lona.
Trabalhos precários tem ligação direta com os usos feito por parte do trabalhador, para
com os lugares da cidade, não apenas o uso que faz da cidade enquanto trabalha, mas também,
dos lugares da moradia e lazer. O que direciona para uma inter-relação entre segregação e
precarização.
Ao observarmos as trajetórias diárias dos feirantes pesquisados, é visível a
interdependência entre o lugar onde estes residem e as condições de trabalho encontradas nos
locais de trabalho, percebemos que segregação e precarização complementam-se. Nesse
enfoque, vemos a materialização do que Arrais (2006, p.94) denomina de território de destino
e territórios de partida. Nas palavras do autor:
Ao propormos considerar a mobilidade a partir da análise das relações entre
o território de destino e os territórios de partida, estamos destacando a
importância de leituras que possam complementar a perspectiva
quantitativa...A análise da renda constitui-se um bom parâmetro para a
compreensão dos territórios de partida, uma vez que tem relação direta com
o deslocamento, pois acarreta em um custo que influencia a “escolha” dos
bairros periféricos da RMG para moradia.
Para ilustrar a rotina do feirante açougueiro, assim como as características que o fazem
encaixar no que entendemos por segregação e precarização, iremos, nos parágrafos seguintes,
transcrever o que observamos, e ouvimos dos feirantes no decorrer das visitas, entrevistas e
questionários. Para facilitar a compreensão, além de dividirmos por famílias pesquisadas,
também iremos dividir por feirantes legais e ilegais, referenciando aqueles que trabalham ou
não dentro das normas exigidas pela vigilância sanitária.
Família do Sr. Adão / “feirante ilegal”
A família do Sr. Adão é composta por ele, a esposa e dois filhos, um rapaz de 18 anos
5
e uma menina de 16. Sua família reside no município de Aragoiânia – GO a aproximadamente
36 km da Capital, Goiânia. Apesar de morarem na Zona Urbana de Aragoiânia.
O Sr. Adão trabalha na Zona Rural em uma propriedade de 10 hectares onde o mesmo
cria gado e porco. Os animais criados nesta propriedade são os que serão vendidos pelo Sr.
Adão na feira, seriam a “matéria-prima” para a produção das linguiças bovinas/suínas e dos
cortes suínos que o feirante vende. Os porcos criados nessa propriedade são alimentados com
sora da fabricação de queijo e com o milho plantado pelo próprio feirante. O entrevistado
vende na feira além de linguiça e cortes suínos frango e linguiça, mas só cria porcos “dá
menos trabalho”.
O Sr. Adão é feirante há quase 20 anos e foi um dos primeiros a se instalar na feira do
Garavelo, que acontece todos os domingos na Av. Tropical, no Setor Jardim Tropical em
Aparecida de Goiânia. Em Aparecida de Goiânia a fiscalização é menos intensa e os feirantes
são registrados como vendedores de frango e queijo, mas vendem porco caipira, o que não
ocorre na Capital.
Segundo o entrevistado hoje a maior dificuldade enfrentada pelos feirantes é a
concorrência com os grandes supermercados, neste caso específico a instalação de um
Supermercado da Rede Bretas na região da feira do Garavelo, de uns cinco anos pra cá alterou
muito o fluxo de compra na feira. Antes da instalação do Bretas, o feirante vendia cerca de
cinco porcos por semana, hoje vende de dois a três porcos por semana.
Como rotina de trabalho o entrevistado enfrenta uma realidade dura. No sábado é o dia
de abate dos porcos e preparação das linguiças e produtos que serão vendidos na feira no
domingo. Já no domingo o Sr. Adão saí de casa às 3 horas da manhã com todos os produtos a
serão comercializados em Aparecida de Goiânia. Como o feirante não conta com nenhum
ajudante sua rotina torna-se ainda mais maçante, e o mesmo só retorna a sua casa por volta
das 16 horas, quando tem que descarregar o carro e estocar os produtos excedentes.
Ao ser questionado sobre os maiores problemas enfrentados pelos feirantes, o
entrevistado enfatiza o número de horas trabalhadas sem descanso, o tempo limitado para ir
ao banheiro e beber água e o excesso de peso que ele precisa carregar para montar sua
barraca. Além disso, o entrevistado queixa-se da falta de infraestrutura nas feiras, da
hostilidade do ambiente, com brigas e discussões semanais.
Família do Sr. José / “feirante ilegal”
Moradores da área rural do município de Aragoiânia, naturais deste município,
trabalham nas feiras a aproximadamente vinte e quatro anos. A fazenda onde a família reside é
6
de propriedade do Pai da Sra. Vécia, esposa do Sr. José. A família é composta por três
pessoas, sendo o Sr. José; Sra. Vécia e uma filha de vinte anos de idade.
A rotina da família é bem dinâmica, cada dia da semana é destinado a uma atividade
específica. Na segunda feira, o casal acorda às 3h da manhã para providenciar o abate dos
suínos e também de alguns frangos para serem comercializados nas feiras, além do abate,
trabalham com o preparo da carne. A filha do casal tem uma rotina à parte, voltada aos
estudos na capital, tendo que acordar as 5h da manhã para poder pegar o transporte que a leva
para a faculdade, só retornando por volta da meia noite.
A terça feira da Família é destinada a fabricação de lingüiças e também para a entrega
nos estabelecimentos comerciais que adquirem tal produto. Já a quarta feira, é o dia em que
trabalham para que toda a mercadoria esteja devidamente organizada para a feira que acontece
na quinta feira.
A feira que acontece na quinta é em Aragoiânia, para trabalhar nesta feira a família
tem que acordar as 4h da manhã, retornando para casa por volta das 14h, totalizando uma
carga horária ininterrupta de aproximadamente dez horas.
O roteiro de trabalho da sexta feira é semelhante ao de segunda feira, já que ambos os
dias são destinados ao abate dos suínos e aves. O abate é feito na propriedade do casal, bem
como em propriedades vizinhas, visto que a demanda extrapola o número de porcos e frangos
criados pela família, fazendo com que comprem de outros criadores.
O sábado e o domingo é o dia mais “corrido”, são os dias que tem que se deslocar para
Aparecida de Goiânia para fazer a feira, conhecida como feira do Bambú (no sábado), e a
feira do Garavelo que acontece aos domingos. Nos respectivos dias, acordam às 3h da manhã
para poder organizar toda a mercadoria a tempo de chegar à feira antes que esteja cheia de
bancas a ponto de inviabilizar que entrem com o carro.
O retorno ao território de destino acontece por volta das 15h, vale pontuar que a rotina
de trabalho não é encerrada no momento que chegam em casa, esta estende-se por toda a
tarde, pois ao chegarem, ainda tem que lidar com as carnes que não foram vendidas e com
limpeza das bancas, freezers, facas etc. Ao final do dia, o que resta para o “lazer” é o jantar
em família frente a televisão. Vécia e José, disseram que a rotina de um feirante vai contra a
rotina de outras pessoas. Os finais de semana, que seriam destinados ao lazer, é o dia em que
mais trabalham. Convites para reuniões familiares, com amigos, eventuais viagens são sempre
deixadas para segundo plano.
As famílias acima se encaixam no que definimos como “feirante ilegal” pelos
seguintes motivos: trabalham sem nota fiscal, sem liberação da vigilância sanitária e sem o
7
freezer adaptado, deixando as carnes em caixas de isopor ou mesmo expostas.
Família do Sr. Edival / feirante “legal”
A família do Sr. Edival representa a típica família migrante, vieram do interior do
estado do Ceará com destino à Goiânia na década de 1970 com perspectivas de melhoria na
qualidade de vida. Ao chegarem, com poucas qualificações para o mercado de trabalho, viram
no mercado informal uma possibilidade de renda. As feiras foram a porta que os acolheram. A
princípio eles trabalhavam com suínos criados em fazendas, contudo, devido às exigências já
referenciadas, fizeram com que mudassem a forma de trabalhar. Hoje, trabalham
predominantemente, com mercadorias adquiridas dos frigoríficos.
Os dois filhos do Sr. Edival (um com 34 e outro com 28 anos de idade) também
exercem a mesma profissão. Para efeito ilustrativo, iremos descrever apenas a rotina de um
dos filhos do Sr. Edival, visto que as trajetórias se assemelham. Este, então com 34 anos,
morador do setor Jardim Europa, enfrenta uma rotina de trabalho nos seis dias da semana,
fazendo feiras de terça a domingo, conforme a tabela seguinte.
Dia da semana
Localização da feira
Terça-feira
Nova Suíça - GO
quarta-feira
Parque Amazônia - GO
quinta-feira
Jardim América - GO
sexta-feira
Setor Pedro Ludovico - GO
sábado
Parque das Laranjeiras - GO
domingo
Jardim América - GO
Ao observarmos os bairros que este trabalhador desenvolve suas atividades é possível
fazer uma relação com a forma que este trabalhador desenvolve suas atividades, referenciado
neste trabalho, como o “feirante legal”, uma vez que o mem responde as exigências por parte
da Vigilância Sanitária, trabalhando com nota fiscal, roupas adequadas e com o freezer
adaptado. Todas as feiras estão localizadas em Goiânia, onde, conforme os relatos dos demais
feirantes, a fiscalização é mais presente.
A rotina deste indivíduo, não difere das rotinas já expostas neste trabalho, em que é
necessário acordar de madrugada, deslocar-se até as feiras, lidar com chuva, frio, calor,
cansaço e pessoas. O que difere este relato das demais famílias é o fato deste trabalhar de
8
acordo com as normas impostas, o que facilita o trabalho, porém limita os lucros, uma vez que
tem que pagar a um atravessador (o frigorífico) e não diretamente a um criador, em que
geralmente o preço é mais acessível. De acordo com o relato deste indivíduo:
Quando meu pai começou a fazer feira, a gente criava porco na chácara de
um tio meu, que também trabalhava com feira. A chácara dele ficava no
Jardim América, perto do córrego Cascavel. Na época era tranquilo, tinha
pouca casa, mas dai o bairro foi ficando “chique”, foi tendo muita casa, logo
o barulho na hora do abate começou a incomodar a vizinhança, até que
denunciaram a gente, dai tivemos que parar por um tempo. Logo meu tio
mudou de lá, depois a vigilância começou a pegar no pé. Por isso hoje a
gente trabalha certo, pra não ter dor de cabeça.
Os caminhos trilhados por esta família revelam como a urbanização e as cobranças por
parte do setor varejista, bem como questões sanitárias, reverberam diretamente na forma de
trabalho de um simples feirante o condicionando a encaixar-se às exigências impostas. Ao não
se adequar, corre o risco de ser novamente segregado e empurrado para demais municípios
que ainda toleram as formas rudimentares de trabalho.
Na medida em que as técnicas de trabalho se tornam obsoleta aos olhos do sistema
dominante, a precarização e segregação acentuam-se sobremaneira. Tal fato fica evidente, na
fala do feirante, quando este cita que teve que abandonar as práticas, até então comuns a ele
(de abate dos suínos). O procedimento era feito em uma chácara, no Setor Jardim América,
setor que da década de 1970 até os dias atuais, apresenta mudanças consideráveis, o que
explica a intolerância por parte dos moradores com respeito ao barulho, fazendo com que a
propriedade fosse vendida em meados da década de 1980, fazendo com que a família fosse
em busca de outro local de moradia adequado a profissão.
Possíveis soluções
Ao estudarmos a rotina do trabalhador feirante nos deparamos com os problemas
enfrentados pelos mesmos, problemas esses que na maioria das vezes vão de encontro com a
expansão do mercado varejista e com o aumento do número de supermercados nas grandes
cidades. Uma das soluções por nos propostas, seria o fechamento dos supermercados aos
domingos. Segundo entrevista com os próprios feirantes, isso já melhoraria o aumento de
frequentadores das feiras, e consequentemente o aumento de possíveis compradores. Algumas
capitais adotaram esta proposta, a exemplo de Aracajú- SE e Vitória- ES.
Outra proposta seria flexibilizar as exigências para liberação de verba a estes
trabalhadores. No atual momento político, estão sendo liberadas linhas de crédito aos feirantes
9
(por meio do Goiás Fomento), no entanto a burocracia limita o uso e a aquisição dos recursos
disponíveis. Os feirantes pesquisados que tentaram adquirir o recurso, afirmaram que as
normas exigidas não condizem com a realidade, de acordo o relato do Sr. José:
Para conseguir a verba é necessário provar que é feirante a mais de três anos e
também provar que é um miserável. Eu não poderia ter nada no meu nome, nem um
carro velho. Ora, se existir uma profissão que eu fique nela durante três anos e não
consiga comprar nada no meu nome, eu não quero ficar nessa profissão. O que eles
pensam? Que estamos passando fome? Queria a verba para conseguir o “selo” da
vigilância sanitária, daí eu ia poder vender lingüiça, queijo, iria comprar o
balcão/freezer e iria fazer feira em Goiânia.
Considerações finais
Tornou-se lugar comum na geografia afirmar que o homem, por intermédio do
trabalho, entendido enquanto ação produtiva, bem como as técnicas (meios, modos e
instrumentos de trabalho) produz o espaço geográfico. Contudo, apenas pontuar esta relação é
empobrecedor caso não haja esforços no sentido de realizar pesquisas concretas, valorizando
o dia a dia dos trabalhadores, dando aplicabilidade as teorias.
Considerando a pesquisa dos trabalhadores feirantes, foi possível fazer uma relação
direta com as mudanças nas formas organizativa do trabalho, assim como as exigências sobre
os modos e instrumentos de trabalho já elencadas, também a alteração de toda uma cadeia
produtiva, tendo em vista que antes da chegada dos frigoríficos e do moderno varejo, as
formas rudimentares de criação e comercialização eram outras, embora ainda existam, estão
marginalizadas, a beira da ilegalidade.
Ao passo que as técnicas de determinado trabalho se tornam complexas, acontece, por
outro lado, de as técnicas tradicionais se tornam ultrapassadas, fazendo com que as formas
rudimentares sejam encaradas como impróprias, ou até mesmo anormais. Há nesse
movimento, uma co-relação entre segregação não apenas da moradia, mas também do
trabalho.
As discussões aqui propostas estão longe de se encerrarem, todavia é importante
questionar o que podemos fazer para que estes trabalhadores possam adequar-se as normas.
Não somos contra as exigências sanitárias, pelo contrário, estas são necessárias. No entanto, é
necessário procurar meios de promover a qualificação destes trabalhadores, oferecendo
cursos, palestras e recursos, uma vez que adequar-se exige um esforço financeiro. Diante do
quadro de desemprego, é valido elencar propostas para que determinadas formas de trabalho
não sejam encaradas como ilegais, e sim que sejam adequadas no sentido de permanecer
oferecendo uma alternativa de trabalho.
10
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Dimensões da Precarização Estrutural do Trabalho.
ARRAIS, T. A. Acionando territórios: a mobilidade na região metropolitana de Goiânia e em
Aparecida de Goiânia. In: Boletim Goiano de Geografia. v. 26, n.1 jan./jun.2006.
MATTOSO, J. O. O Brasil desempregado: como foram destruídos mais de 3 milhões de
empregos nos anos 90. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 1999.
MASCARENHAS, Gilmar. Feira Livre: Territorialidade Popular e cultura na metrópole
contemporânea– Ateliê Geográfico, v.2, n.4. Goiânia, 2008.
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico – SEDEM
Secretaria de Regulação Urbana de Aparecida de Goiânia
Sites consultados
http://www.fomento.goias.gov.br acessado em 01/06/2012
http://www.goiania.go.gov.br/html/principal/goiania/feiras/feiras.shtml
25/05/2012
acessado
em
Download

Artigos - Rede de Estudos do Trabalho