Tribunal de Contas da União
Número do documento:
DC-0218-14/01-P
Identidade do documento:
Decisão 218/2001 - Plenário
Ementa:
Representação formulada por Procurador da República no Amazonas.
Possíveis irregularidades praticadas pelo TRE AM. Pagamento de
gratificações de presença às sessões a magistrados ausentes.
Procedência. Ilegalidade dos pagamentos. Determinação. Juntada às
contas do Órgão.
Grupo/Classe/Colegiado:
Grupo I - CLASSE VII - Plenário
Processo:
015.540/2000-0
Natureza:
Representação
Entidade:
Órgão de Origem: Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas - TRE/AM
Interessados:
Interessado: Sérgio Monteiro Medeiros, Procurador da República
Dados materiais:
ATA 14/2001
DOU de 27/04/2001
INDEXAÇÃO Representação; AM; Pagamento Indevido; Gratificação
Extraordinária; Determinação do TCU;
Sumário:
Representação contra atos da Presidência do TRE/AM, que estaria pagando
indevidamente gratificação de presença às sessões a magistrados.
Conhecimento. Ilegalidade dos pagamentos. Procedência da representação.
Determinações. Juntada às contas do Órgão. Ciência ao autor da
representação e ao TRE/AM.
Relatório:
Versa a espécie sobre representação formulada pelo Dr. Sérgio Monteiro
Medeiros, Procurador da República no Estado do Amazonas, contra atos da
Presidência do TRE/AM, que se encontraria efetuando pagamento da
gratificação prevista no art. 1º da Lei nº 8.350/91 a magistrados,
mesmo quando estes, por razões atinentes ao desempenho de suas
atribuições, não comparecem às sessões daquele Tribunal.
2.Entende o autor da representação que este fato é ilegal, uma vez que
o dispositivo legal indicado permitiria o pagamento tão-somente quando
o magistrado efetivamente comparece à sessão. Sustenta que a Lei nº
8.350/91 adotou critérios distintos para a remuneração dos juízes
eleitorais de 1º e de 2º graus. Menciona que, ainda que a lei possa ser
injusta ao não deferir o pagamento quando os magistrados ausentam-se a
serviço, a opção legislativa é clara.
3.Com a peça exordial, vieram aos autos os documentos de fls. 3/6.
4.À fl. 7, por meio de ofício dirigido a este Tribunal, o autor da
representação juntou cópia da Resolução nº 20.593/00 do Tribunal
Superior Eleitoral, que dispõe acerca do pagamento da gratificação de
presença prevista no art. 1º da Lei nº 8.350/91.
5.Em instrução lançada às fls. 19/23, a Unidade Técnica propôs a
realização de audiência do Presidente do TRE/AM, a fim de que
apresentasse defesa quanto aos pagamentos supostamente efetuados.
6. Por meio de despacho exarado à fl. 24, indeferi a realização da
audiência e determinei à SECEX/AM que, preliminarmente, diligenciasse à
Presidência do TRE/AM, a fim de que o Órgão esclarece-se se efetuou
pagamentos da gratificação eleitoral prevista no art. 1º da Lei nº
8.350/91 a magistrados, em decorrência de sessões a que esses não hajam
comparecido, bem como, caso haja realizado tais pagamentos, que
informasse quais são os fundamentos jurídicos que os amparam.
7.Em atendimento à diligência, a Presidência do TRE/AM reconheceu a
realização dos pagamentos e aduziu, em síntese, que:
a) os pagamentos foram efetuados tão-somente a magistrados que, a
despeito de não comparecem à respectiva sessão, encontravam-se ausentes
em decorrência de serviços de interesse da Justiça Eleitoral;
b) não haveria irregularidade no pagamento cumulativo de diárias e da
gratificação em questão, uma vez que as verbas teriam natureza jurídica
distintas. As diárias tratam-se de indenização, enquanto que a
gratificação de presença teria natureza jurídica remuneratória;
c) não seria justo subtrair parcela remuneratória do magistrado que
viaja a serviço e em atendimento a determinação da Presidência do
TRE/AM;
d) o corregedor do TRE/AM, quando se desloca a serviço, faz jus à
percepção da gratificação de presença;
e) o princípio constitucional da igualdade jurídica, que, nas palavras
da Presidência do TRE/AM, não admite distinção de qualquer natureza,
seria fundamento jurídico para a realização dos pagamentos aos outros
membros daquele Tribunal.
8. Em instrução lançada às fls. 31/35, a SECEX/AM pugnou pela
procedência da representação, por entender que tanto a Lei nº 8.350/91
quanto a Resolução nº 20.593/00 do TSE somente permitem o pagamento da
gratificação quando o magistrado efetivamente comparece à sessão. Nessa
linha, posicionou-se por que fosse determinado ao TRE/AM que:
a) efetue o pagamento da gratificação eleitoral de acordo com a
Resolução nº 20.593/00 do TSE e em conformidade com os limites
estabelecidos na Lei nº 8.350/1991;
b) sejam promovidos o levantamento e a devolução dos valores pagos
indevidamente a cada membro do Órgão, referentes aos dias em que não
houve o efetivo comparecimento às sessões.
É o Relatório.
Voto:
De início, importa conhecer a presente representação, uma vez que
formulada por autoridade competente e relacionada a matéria sujeita à
fiscalização por parte deste Tribunal.
2.Quanto ao mérito, a matéria sobre a qual paira a controvérsia é
exclusivamente de direito, haja vista que a Presidência do TRE/AM
admitiu haver realizado os pagamentos. O que se imputa ao TRE/AM é o
pagamento da gratificação eleitoral prevista no art. 1º da Lei nº
8.350/91a membros daquele Tribunal, a despeito de estes, por força de
atribuições inerentes ao cargo ¿ viagens a serviço da Justiça Eleitoral
¿, deixaram de comparecer a determinadas sessões do TRE/AM.
3.Atualmente, a gratificação eleitoral é devida aos membros dos
Tribunais Regionais Eleitorais por força do art. 1º da Lei nº 8.350/91,
que assim dispõem:
"Lei nº 8.350/91
Art. 1º - A gratificação de presença dos membros dos Tribunais
Federais, por sessão a que compareçam, até o máximo de oito por mês,
passa a ser calculada da seguinte forma:
I ¿ omissis;
II ¿ Tribunais Regionais Eleitorais: três por cento do vencimento
básico de Juiz do Tribunal Regional Federal."
4.Data vênia dos esclarecimentos prestados pelo TRE/AM, o comando legal
é de clareza meridiana. O fato jurídico que ampara o pagamento da
gratificação, que, diga-se de passagem, a própria lei denomina de
"gratificação de presença", é o comparecimento às sessões do respectivo
tribunal.
5.Malgrado possa parecer justo que o magistrado continue a perceber a
gratificação quando se afasta em decorrência do serviço, como bem
asseverado pelo autor da representação, essa não foi a opção
legislativa, uma vez que a Lei nº 8.350/91, em seu art. 1º, utilizou a
expressão "por sessão a que compareçam". Nesse sentido, o que conduz ao
direito de perceber a verba não é o mero exercício da função eleitoral,
mas sim a presença à sessão. Se a questão for analisada unicamente sob
a ótica da razoabilidade, abstraindo o texto legal, poder-se-ia
entender que é indiferente o fato de a prestação de serviços eleitorais
dar-se durante as sessões ou em viagens a serviço da Justiça Eleitoral.
Sem embargo de reconhecer que, em ambos os casos, o juiz está
desenvolvendo atividades de interesse público, a lei não tratou, para
fins de pagamento da gratificação, as duas situações de forma
equivalente. Por essas razões, não pode o intérprete tratar de modo
idêntico fatos que o legislador diferenciou. É preciso notar que é
função legislativa dizer qual será o suporte fático hipotético previsto
na norma jurídica. Ainda que duas situações de fato se assemelhem,
somente será capaz, regra geral, de gerar os efeitos do preceito
contido na norma o fato nela expressamente previsto, especialmente em
se tratando de remuneração de agentes políticos ou de servidores
públicos em geral, tendo em vista que a matéria orienta-se pelo
princípio da legalidade estrita.
6.Ademais a interpretação lógica do art. 1º da Lei nº 8.350/91 em
cotejo com o art. 2º da mesma Lei indica claramente a opção legislativa
de somente deferir a gratificação aos juízes de 2ª instância, quando há
o comparecimento a sessões. No art. 2º, a Lei cuida da gratificação
eleitoral devida aos juízes eleitorais de 1º grau e indica que a
parcela será mensal e correspondente a 30% do vencimento básico de Juiz
Federal, ou seja, não vincula a parcela a nenhuma atividade específica,
sendo exigível tão-somente o exercício de funções eleitorais. Se a mens
legis fosse no sentido de permitir que os juízes de 2º grau percebessem
a gratificação, que, nos seus casos, é de presença, mesmo em
decorrência do exercício de atividades eleitorais distintas do
comparecimento às sessões, a disposição referente a eles seria
semelhante à relativa aos juízes de 1º grau. Dessa forma, resta
evidenciado que a lei não objetiva a realização de pagamento da
gratificação de presença aos juízes de 2º grau, quando ausentes, ainda
que a serviço, das sessões dos respectivos tribunais.
7.Poder-se-ia argumentar que os juízes de 1º grau não comparecem a
sessões, haja vista que atuam de forma monocrática, e que, por isso,
haveria distinção no pagamento da gratificação. Todavia, esse fato
somente vem a reforçar o entendimento anteriormente desenvolvido. Certo
é que os juízes de 1ª instância atuam individualmente e que não
comparecem a sessões de julgamento em órgãos colegiados, não sendo
viável remunerá-los por sessão a que compareçam. Assim, a gratificação
a eles devida é calculada por meio de um percentual fixo. Contudo, em
relação aos juízes dos TREs, que comparecem a sessões, seria
faticamente possível remunerá-los tanto por sessão quanto por meio de
percentual fixo. O fato de Lei nº 8.350/91 haver determinado
expressamente o pagamento da gratificação "por sessão a que compareçam"
tem, em verdade, o condão de demonstrar a preferência legislativa por
remunerar o comparecimento às sessões em detrimento de estabelecer,
como seria possível, remuneração com base em percentual fixo. O que
quis a lei foi, portanto, remunerar tão-somente o comparecimento às
sessões.
8.Quanto à alegação de que não seria indevido o pagamento cumulativo de
diárias com a gratificação de presença, uma vez que as verbas têm
natureza jurídica distinta, cabe esclarecer que a ilegalidade não
decorre diretamente de vedação legal ao pagamento simultâneo de ambas
as verbas ou de identidade de natureza jurídica, mas sim da ausência de
previsão legal, como já demonstrado, para o pagamento da gratificação
quando não há o comparecimento às sessões. O que se verifica é que a
hipótese fática do pagamento de uma das verbas é excludente do
pagamento da outra. Se está afastado da sede a serviço, recebe diárias,
mas não comparece às sessões. Logo, não pode perceber a gratificação.
9.No que se refere à alegação no sentido de que o princípio
constitucional da isonomia ampararia o pagamento da gratificação aos
demais magistrados, haja vista que ao corregedor seria devida a verba,
cabe esclarecer que isonomia não significa conferir tratamento
absolutamente idêntico a todas as pessoas. Isonomia significa tratar
pessoas desiguais, de modo diferenciado, na medida de suas
desigualdades. Não se pode pretender afirmar que os demais membros dos
TREs exerçam funções idênticas ou semelhantes às do corregedor. Este,
pela natureza do cargo, exerce atribuições muito peculiares e que
demandam ausência freqüente às sessões. Note-se que esse foi o
fundamento de que se valeu o Tribunal Superior Eleitoral para deferir o
pagamento da gratificação de presença aos corregedores da Justiça
Eleitoral, mesmo quando ausentes às sessões. De acordo com esse
entendimento, o TSE editou a Resolução nº 14.494/94, que defere o
pagamento da verba exclusivamente aos corregedores, não alcançando os
demais magistrados. Distintas as situações de fato e, por via de
conseqüência, jurídicas, não há como pretender tratamento isonômico.
10.Por essas razões considera-se indevido o pagamento da gratificação
de presença, prevista no art. 1º da Lei nº 8.350/91, aos juízes do
TRE/AM, quando não há efetivo comparecimento às sessões daquele
Tribunal. Procede, portanto, a representação ora sob exame, cabendo
determinar ao Órgão que não efetue o pagamento da gratificação de
presença do art. 1º da Lei nº 8.350/1991, quando o juiz não comparecer
efetivamente à respectiva sessão.
11.No que se refere à determinação sugerida pela Unidade Técnica, no
sentido de que seja promovida a devolução dos valores pagos
indevidamente a cada membro do Órgão, referentes aos dias em que não
houve o efetivo comparecimento às sessões, entendo que é caso de
dispensar o recolhimento.
12.Sem embargo de reconhecer que a Súmula/TCU nº 235 determina a
restituição independentemente de boa-fé, ressalvadas as hipóteses de
aplicação da Súmula/TCU nº 106, a aplicação daquela Súmula deve ser
avaliada caso a caso. Conquanto a jurisprudência seja indicativa do bom
direito, não pode servir de molde a engessar o julgamento de cada
situação. Ao dizer o direito, com base em comando jurisprudencial, é
necessário verificar se o caso concreto adapta-se perfeitamente à
hipótese descrita. Nessa linha, ainda que a Súmula/TCU nº 235 determine
a devolução dos valores indevidos ainda que presente a boa-fé, pode-se
dizer que há casos em que, além da boa-fé comum, estará presente
extrema razoabilidade, à luz da própria legislação aplicável à espécie,
dos pagamentos efetuados. Nesses casos, a hipótese fática em análise
irá além dos contornos da Súmula/TCU nº 235.
13.No caso dos autos, é possível afirmar que os pagamentos decorreram
de interpretação extremamente razoável da lei, haja vista que, conforme
mencionado, malgrado não haja sido a opção legislativa, a interpretação
dada pelo TRE/AM à Lei nº 8.350/91 tem contornos de justiça. Não se
pode concluir, portanto, que houve ausência de razoabilidade na
interpretação do ordenamento jurídico.
14.Por fim, impende mencionar que a audiência do responsável não foi
realizada, sendo substituída por diligência ao TRE/AM, porque os fatos
em questão, considerada a razoabilidade da interpretação, denotam
ausência de dolo ou culpa na realização dos pagamentos, a despeito de
estes serem indevidos, não sendo o caso de vir a ser aplicada multa.
Assim, acolhendo parcialmente o parecer da Unidade Técnica, Voto por
que o Tribunal adote a Decisão que ora submeto à consideração deste
Plenário.
TCU, Sala das Sessões, em 18 de abril de 2001.
BENJAMIN ZYMLER
Ministro-Relator
Assunto:
VII - Representação
Relator:
BENJAMIN ZYMLER
Unidade técnica:
SECEX-AM
Quórum:
Ministros presentes: Humberto Guimarães Souto (Presidente), Marcos
Vinicios Rodrigues Vilaça, Bento José Bugarin, Valmir Campelo, Adylson
Motta, Walton Alencar Rodrigues, Guilherme Palmeira e os
Ministros-Substitutos José Antonio Barreto de Macedo e Benjamin Zymler
(Relator).
Sessão:
T.C.U., Sala de Sessões, em 18 de abril de 2001
Decisão:
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
8.1. ¿ conhecer a presente representação, para, no mérito, julgá-la
procedente, uma vez que é indevido o pagamento da gratificação de
presença, prevista no art. 1º da Lei nº 8.350/91, aos juízes do
Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, quando não há o efetivo
comparecimento às sessões;
8.2. ¿ determinar ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas que se
abstenha de efetuar pagamentos da gratificação de presença, prevista no
art. 1º da Lei nº 8.350/91, aos juízes, quando não houver o efetivo
comparecimento às sessões;
8.3. ¿ determinar a juntada deste feito às contas do Tribunal Regional
Eleitoral do Amazonas relativas ao exercício de 2000;
8.4. ¿ comunicar o inteiro teor desta Decisão, bem como do Relatório e
Voto que a fundamentam, à Procuradoria da República no Amazonas e ao
Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas.
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Decisão 218/2001