MOCHILAS ESCOLARES
Crianças
de costas curvadas
Livros, cadernos, estojo, equipamento
de ginástica, leitor CD portátil, discos,
lanche e outras tantas coisas que são
necessárias ou dá jeito levar para a
escola. Vai tudo para dentro da mochila,
que fica repleta, cheia que nem um ovo.
Depois, é preciso transportá-la. Ombros
com ela! Tronco inclinado, costas
curvadas, pés para fora, andar
desajeitado... e lá vai a criança para a
escola. Toca a campainha para a saída, é
preciso mudar de sala e as mochilas
seguem às costas ou, pior ainda, num só
ombro e à mão. A cena repete-se dia
após dia, até ao fim do ano lectivo.
A descrição até pode parecer um pouco
exagerada, mas todos temos a sensação
de que as crianças transportam peso a
mais nas suas mochilas escolares. Será
mesmo verdade? Que consequências
pode ter para a saúde?
O peso do saber
estudantes transporta peso a mais, o que
pode ser perigoso para a coluna, a zona
da anca e os pés, sobretudo se ainda
estiverem em fase de desenvolvimento.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em
1999, mais de 3400 crianças deram
entrada nas urgências com lesões
relacionadas com as mochilas.
E em Portugal? Um estudo realizado por
um fisioterapeuta alerta para o elevado
número de lombalgias (dores nas costas)
em crianças e adolescentes, entre os 10
e os 18 anos, devido ao aumento da
carga e do stresse sobre a coluna.
Mochilas na balança
Para saber se as mochilas escolares
contribuem para esta situação, durante
o mês de Junho deste ano, fomos a 14
escolas, públicas e privadas, da Grande
Lisboa, onde pesámos e medimos 360
alunos e registámos o peso das
respectivas mochilas. Seleccionámos
estudantes do 5.º e 6.º anos. A maioria
tinha entre 10 e 12 anos. Este é um dos
grupos de maior risco no que se refere
ao transporte de peso, porque as
crianças ainda não têm o esqueleto
completamente formado e já têm várias
disciplinas no mesmo dia (o que implica
levar vários livros, cadernos, etc.).
Que peso!
As crianças que participaram neste
estudo pesavam entre cerca de 28 e 70
quilos e transportavam mochilas entre
▲
Vários estudos têm sido feitos para
avaliar em que medida o peso das
mochilas pode prejudicar os jovens
estudantes. Actualmente, a posição mais
consensual entre os especialistas é que a
carga máxima da mochila não deve
ultrapassar 10% do peso corporal de
quem a transporta. Assim, uma criança
com 35 a 40 quilos não deverá carregar,
às costas, mais do que 3,5 a 4 kg (ver
ilustração, na página 10). Investigações
levadas a cabo noutros países, como a
Itália e os Estados Unidos, têm
demonstrado que a maioria dos
Pesámos 360 crianças
e as respectivas mochilas
escolares, em 14 escolas
públicas e privadas, e
chegámos à conclusão de
que mais de metade
transporta peso a mais.
As consequências para
a saúde são inevitáveis,
sobretudo ao nível
da coluna vertebral
e da estrutura óssea.
TESTE SAÚDE n.º 45 Outubro/Novembro de 2003
9
▲
MOCHILAS: QUE PESO MÁXIMO
Bruno
27 kg
Margarida
20 kg
Cláudia
51 kg
Hugo
61 kg
Nuno
31 kg
Mochila
2,7 kg
Mochila
2,0 kg
Mochila
5,1 kg
Mochila
6,1 kg
Mochila
3,1 kg
A mochila não deve pesar mais do que 10% do peso da criança.
SAÚDE EM RISCO
J Uma mochila carregada, como as que encontrámos no nosso estudo, provoca uma deslocação do corpo para trás. Quanto mais pesada for a mochila, maior
será esta deslocação. Para compensar o desequilíbrio, a criança inclina o corpo
para a frente:
D uma mochila com 10% do peso do aluno implica a deslocação da zona média
superior da coluna vertebral, a chamada zona dorso-cervical;
D as mochilas com 20% do peso do estudante provocam ainda uma deslocação
da zona média inferior (lombo-sagrada);
D por fim, quando a carga é superior a 20% do peso da criança, é evidente a deslocação dos próprios ombros para a frente.
J O transporte de peso excessivo (mais de 10%
do peso da criança) também influencia a marcha. Quanto maior for a carga, maior será a
força exercida pelos pés no chão, o que pode
originar assimetria no andar, devido à má distribuição do peso e à redução do equilíbrio.
Zona
➔
Verifica-se, ainda, uma sobrecarga dos múscucervical
los e das articulações das pernas.
J A adopção repetida deste tipo de postura
pode ter consequências ao nível da saúde e
bem-estar dos estudantes. Diversos estudos
Zona
➔
revelam que as dores nas costas estão a cresdorsal
cer entre os adolescentes, especialmente
no caso das raparigas. Podem surgir também escolioses (curvatura lateral da coluna) e degeneração dos discos da coluna.
Zona
lombar ➔
Nos casos mais graves, poderá ainda haver
problemas ao nível do crescimento, sobretudo nas crianças mais novas (porque o esZona
queleto ainda não está completamente forsagrada➔
mado) e, até, raquitismo. Como é óbvio, os
problemas serão tanto mais graves quanto
mais pesada for a mochila e mais tempo a
criança andar com ela.
10
TESTE SAÚDE n.º 45 Outubro/Novembro de 2003
1 e quase 10 kg. Feitas as contas, estes
estudantes transportavam às costas, na
mochila, entre 2 e 31% do seu próprio
peso. A pior situação foi verificada para
uma criança de 11 anos, com 32 kg,
que transportava uma mochila de quase
10! Salvaguardando as devidas
proporções, será que um adulto de 70
kg estaria disposto a carregar, todos os
dias, um saco de 22 kg?
No total, mais de metade das crianças
(cerca de 53%) que participaram no
estudo transportava mochilas com peso
acima do recomendável, ou seja,
transportava uma mochila com mais de
10% do seu próprio peso (ver gráfico).
Quanto maior for o peso, piores são as
consequência para a saúde (ver caixa
Saúde em risco). A situação é tanto
mais preocupante quando sabemos que
este estudo foi feito no final do ano
lectivo, altura em que, supostamente,
muitos livros e cadernos já ficam em
casa. Durante o ano, a carga atingirá,
certamente, valores mais elevados.
Em relação à idade, verificámos que as
crianças mais novas são as que
transportam maiores cargas, em relação
ao seu peso: 61% do total de estudantes
de 10 anos transportavam cargas
excessivas, o mesmo acontecendo a
apenas 44% de 12 anos. Se analisarmos
os resultados das escolas públicas e
privadas separadamente, verificamos
que os alunos destas últimas carregam
sempre mais peso do que os seus
colegas da pública. Porquê?
Não conseguimos encontrar uma
explicação objectiva.
É de referir, ainda, que as escolas
privadas visitadas têm poucas crianças
com mais de 11 anos (a idade mais
frequente no 6.º ano de escolaridade).
MOCHILAS MUITO PESADAS
Muito peso a mais
5%
Peso correcto
47%
Peso a mais
48%
Não deixa de ser curioso, no entanto,
que as seis crianças de 12 anos destas
escolas transportavam todas peso a mais
nas suas mochilas.
Apelamos, portanto, às escolas públicas
e privadas para incluírem este assunto
na sua agenda de prioridades.
Aliviar as costas
As crianças transportam peso a mais e
isso pode ter graves consequências,
sobretudo ao nível dos músculos e dos
ossos. É, pois, fundamental aliviar as
costas dos nossos estudantes.
Não é tarefa fácil, até porque a situação
exige medidas a diversos níveis:
editoras, escolas, pais e alunos.
Editoras e Ministério da Educação
As editoras e o Ministério da Educação
poderiam seguir o exemplo dos seus
congéneres franceses, que chegaram a
um acordo para que, nos livros
escolares, fosse utilizado papel mais
fino. Com esta iniciativa, os franceses
pretendem aliviar as mochilas escolares
em cerca de dois quilos.
A distribuição dos programas por
diversos livros (separados) poderia ser
outra solução, embora os estudantes
menos organizados possam considerá-la
pouco prática.
Por fim, o aproveitamento das
potencialidades da informática, por
exemplo, disponibilizando as matérias
em suporte digital, poderá ser outra
forma de reduzir o peso (uma
enciclopédia cabe num disco com
poucos gramas de peso).
Escolas
Além de possuírem um cacifo para
cada aluno (à semelhança do que
acontece em França), as escolas
deverão distribuir as aulas pela semana,
de forma a evitar que os estudantes
andem muito carregados nuns dias e
com a mochila vazia noutros.
Os professores poderiam também ter o
peso como um factor de escolha dos
manuais escolares.
Aos pais
O excesso de peso das mochilas não se
deverá apenas ao material necessário
para as aulas. No nosso estudo, numa
mesma turma, encontrámos diferenças
de quase 5 kg no peso das mochilas.
ESCOLHER UMA BOA MOCHILA
Na altura de comprar uma mochila, é necessário prestar atenção a vários aspectos. Aqui fica a lista dos mais importantes.
J Em primeiro lugar, é indispensável que a mochila seja ligeira e adaptada ao
corpo de quem vai usá-la. Por isso, deverá levar a criança à loja, para que possa
experimentá-la.
J Tenha em atenção o tamanho. A mochila não deve ter uma capacidade superior às necessidades da criança, para evitar que esta a encha com objectos
desnecessários.
J As costas deverão ser rígidas e acolchoadas, de forma a assegurar uma distribuição correcta do peso e evitar a sensação de fadiga.
J No caso das alças, é recomendável que sejam bem acolchoadas, reguláveis em
altura e possuam uma largura mínima de quatro centímetros ao nível dos ombros.
Não devem roçar no pescoço da criança.
J Prefira uma mochila com um cinto regulável ao nível do ventre. Este evita que a
mochila oscile e ajuda a repartir o peso entre os ombros e a zona lombar.
J Por fim, é recomendável optar por um modelo que tenha uma banda reflectora,
que pode contribuir para a segurança rodoviária de quem transporta a mochila.
ENSINO PRIVADO: MAIS ALUNOS COM CARGA EXCESSIVA
Escolas
públicas
Escolas
privadas
0%
50%
100%
(Alunos)
Os alunos das escolas privadas, seja qual for
a idade, transportam mais peso do que os seus
colegas do ensino público.
Por isso, é importante que os pais
prestem atenção a este aspecto.
Assim, é aconselhável que pesem a
mochila regularmente e verifiquem, com
os seus filhos, se há objectos que podem
ficar em casa ou na escola (no caso de
haver um lugar seguro para os deixar,
obviamente).
Por outro lado, os pais deverão ensinar as
crianças a arrumar a mochila da forma
mais conveniente: os objectos maiores e
mais pesados junto das costas, de forma a
repartir melhor o peso e, deste modo,
poupar a coluna. A mochila deve ser
transportada o menos tempo possível,
pelo que é essencial lembrar com
frequência aos mais novos que devem
poisá-la sempre que estejam, por
exemplo, nos transportes públicos, à
espera das aulas, etc.
Os pais deverão, ainda, ensinar as
crianças a ajustar as alças, de modo a que
o fundo da mochila fique sempre acima
das ancas, e explicar-lhes que deverão
carregá-la sempre nos dois ombros.
O transporte num único ombro ou à mão
aumenta ainda mais o risco de má
postura. As malas com rodinhas poderão
ser uma solução mais vantajosa, mas
estas tornam-se menos práticas, por
exemplo, quando há escadas ou
pavimentos irregulares.
Por fim, é importante incentivar as
crianças a praticar exercício. Este, além
de contribuir para o desenvolvimento
harmonioso dos mais pequenos, previne
eventuais efeitos negativos da má
utilização das mochilas. ■
TESTE SAÚDE n.º 45 Outubro/Novembro de 2003
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Como escolher uma Mochila para os nossos Filhos