Lembranças do Sistema Cantareira - Laércio Zanini
Lendo o texto enviado pelo José Rosa Coelho, eu também fiz parte daquela
barragem quando a superintendência de operação (SPR) recebeu a mesma da
diretoria de Obras e ser o primeiro Encarregado de Operação e Manutenção da
mesma e como também passei por alguns momentos interessantes, dos quais cito
quatro a seguir. Em 1974, como encarregado tive meu primeiro problema quando
se opera uma barragem e graças um ano de pluviometria acima da média, a
chuvarada na região provocou a elevação do nível normal operacional em que
durante alguns dias cheguei a manter as descargas de jusante para a continuidade
do Juqueri apenas pela válvula de fundo com apenas 1 m3/s e não pela
comporta, porque o município de Franco da Rocha estava com seu centro
inundado graças o referido rio que corta a cidade. A situação de Franco da Rocha
foi motivo da visita do seu prefeito cujo nome se não falha a memória era Gino,
que veio esbravejar acusando-me de provocar a enchente em sua cidade. Levei o
prefeito até a comporta e mostrei a ele que para evitar um mal maior ao município
eu mantinha apenas uma descarga mínima através da referida válvula para
descarga de fundo que em absoluto provocaria o problema reclamado por ele,
mas, frisei que se continuasse a subir o nível da barragem, aí sim eu seria
obrigado abrir a comporta que estava fechada mas já extravasava em cerca de 5
cm e, se não tomasse tal atitude poderia ocorrer um problema maior com o
rompimento do extravasor de emergência e provocaria uma descarga de volume
muito maior rio abaixo e consequências piores, além de mais a frente ter um
rebaixamento de nível difícil de recuperar mais tarde. Disse a ele que melhor seria
rezar para diminuir a chuvarada. Outra situação que traz lembranças,
mas ótimas, foi quando enchimento da primeira adutora de agua tratada que saía
da ETA Guaraú, quando após 12 horas de abertura da válvula borboleta que
abastecia a referida tubulação o liquido não chegava ao destino, o reservatório do
Lausane. Por volta das duas horas da madrugada do dia seguinte, já desanimado
entrei no poço de visita onde se localizava a válvula e contrariando as orientações
ousei abrir mais uns 20 % no equipamento e fiquei ali na expectativa de caso
necessário fechar, quando percebi algo que ainda não presenciara em
equipamentos como aquele e nem sei porque aconteceu, ao ver que o volante
para manobra estava retrocedendo e provocando a diminuição de abertura da
mesma. No momento creio que certo ou errado, abri mais voltas e apanhando um
caibro que estava no poço travei o equipamento, fiquei mais uns momentos para
ver se funcionava e saí do poço para esperar na picape alguma notícia. Por volta
das sete horas da manhã, o auxiliar que eu deixara no reservatório de destino
avisou-me pelo rádio que a agua chegara. Fui conferir e ao chegar no local foi com
emoção que observei que a válvula que faria a conexão com o reservatório não
estava totalmente fechada e provocava um pequeno vazamento, que parecia um
chuveiro e a molecada e outros moradores da vizinhança se molhavam naquele
esguicho porque significava que daí em diante teriam em suas casas o preciosos
liquido. Sinto até hoje não ter levado uma câmera para fotografar e datar o evento.
Também entre muitas outras passagens, uma foi cômica, quando acompanhado
de um auxiliar subi até a fonte de agua potável que abastecia o escritório e demais
instalações da barragem do Juqueri e que ficava num morro ao lado da ombreira
direita. Subindo a trilha que levava ao local, de repente a barulheira de um bando
de macacos que acontecia no local que ainda era mata fechada, de repente tudo
silenciou e ao olharmos para cima assistimos um grupo de bugios a nos observar e
esses, segundo a vizinhança tinham o costume de jogar suas fezes em seres
humanos e mesmo crendo que não passava de lenda, eu e o acompanhante não
paramos para testar se verdade ou não, descemos a trilha numa carreira
desenfreada morro abaixo sob o barulho da macacada. Outra situação, essa de
susto, ocorreu numa manhã quando descendo a estrada de Santa Inês numa
picape dirigida pelo motorista Mauro e já próximo a Barragem de Aguas Claras, de
repente dois animais cruzaram rapidamente a estrada e quase que atropelados
entraram numa moita ao lado da pista. Curioso desci para ver qual animal era e ao
abrir uma moita dei de cara com duas pequenas jaguatiricas que levantaram as
pata e por pouco não me arranharam o rosto. Assustado corri para a picape e com
o Mauro rindo, comentou que era para deixar de ser curioso. Espero que as matas
da Serra da Cantareira ainda tenham animais como os citados. Aposentei-me
acerca de uns 20 anos mas tenho saudades da empresa, do pessoal e das minhas
obrigações, principalmente nos últimos anos que foram dedicados a Proteção de
Mananciais e guardo fotos do locais e pessoas da Comasp-Sabesp por onde
passei. Também sinto tristeza ao ver o Jaguari com o solo de fundo gretado como
nas áreas secas nordestinas, quando antes parecia um mar de agua doce. Envio
e autorizo o texto para conhecimento do interessados em ler. Ele é
uma recordação de uma fase bonita de minha vida e sem quaisquer pretensão
para literatura. Meu abraço a todos e perdoem-me por não citar nomes da legião
de companheiros com os quais convivi, para não esquecer alguns.
Laércio Zanini
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