28 | CIÊNCIA | PÚBLICO, QUI 22 AGO 2013
Cosmos
A série mítica
inventada
por Carl Sagan
volta em 2014
A série Cosmos, que em 1980 se tornou um sucesso mundial, vai ter
continuação. Os 13 novos episódios serão apresentados por Neil
deGrasse Tyson, astrofísico e divulgador de ciência norte-americano,
que estará aos comandos da nave espacial criada por Carl Sagan na série
Divulgação científica
Nicolau Ferreira
E
m 1980, Carl Sagan
dizia: “A água parece
convidativa.” O astrofísico e famoso divulgador de ciência,
falecido em 1996 com
62 anos, referia-se ao
Universo, no primeiro episódio da série
Cosmos: Uma viagem
pessoal. Os 13 episódios que passaram na televisão, onde Sagan
explicava o início do Universo, o
aparecimento da vida, a importância da ciência ou por que é
que a humanidade tinha o dever
de manter a paz, marcaram para
sempre a divulgação da ciência.
Sagan, a mente por trás da série,
pedia ao espectador para olhar
para as estrelas e convidava-o a
sonhar com futuras viagens inte-
restelares. Poucos anos depois de se
ter caminhado na Lua e quando já se
enviava robôs para outros planetas,
o cientista desejava que a espécie
humana — pó das estrelas tornado
consciente — mergulhasse neste mar
gigante que é o cosmos.
Mas mais de 30 anos depois, as
missões propostas por Carl Sagan
parecem postas de lado. O financiamento científico está contraído
em muitos países e os voos que a
agência espacial NASA ambiciona
são mais baixos. Para contrariar esta
tendência, Ann Druyan, a terceira
ceira
e última mulher de Carl Sagan, que
esteve envolvida na série original,
inal,
voltou a esta viagem inventada pelo marido. Cosmos vem aí, com
m
13 novos episódios a estrear na
a
Primavera de 2014.
“Demos tantos saltos na
década de 1960. Havia uma
certa audácia e confiança, e
tivemos entretanto uma falta
de confiança”, afirmou Ann
Carl Sagan,
à direita com
o globo de
Marte, foi o
autor da série
de 1980; Neil
deGrasse
Tyson e Ann
Druyan, em
baixo, estão
a produzir o
novo Cosmos
Druyan na convenção Comic-Con
Internacional, que teve lugar em
Julho, em San Diego, nos Estados
Unidos. “Parte dessa falta traduzse num retrocesso em direcção ao
medo, à ignorância, à superstição,
ao pensamento mágico. A nível cultural existem ciclos, onde as pessoas
estão prontas para se abrirem [ao
conhecimento] e andarem para a
frente, e ciclos em que regridem.
Acho que estamos prontos para voltar ao caminho, essa é a mensagem
de Cosmos.”
Cosmos
Druyan falou depois da apresentação na
n convenção do trailer da
nova ssérie chamada Cosmos: A
Spacetime Odyssey. Ao seu laSpace
do estava
e
Neil deGrasse Tyson — famoso astrofísico
so
e divulgador de ciência
norte-americano que
vai ser o protagonista da
série, ou seja, estará no
lugar de Carl Sagan — e
Brannon Braga, director
PÚBLICO, QUI 22 AGO 2013 | CIÊNCIA | 29
REUTERS
executivo da rede televisiva Fox, que
está a produzir os novos episódios
juntamente com o canal National
Geographic.
Brannon Braga, que nasceu nos
Estados Unidos, mas tem origem
portuguesa, foi produtor executivo e guionista das séries 24,
Flashforward, Treshold, além de
ser o criativo de centenas de episódios de diferentes séries televisivas
do universo Star Trek. Outra estrela
envolvida na produção da novo Cosmos é Seth MacFarlane, criador das
séries animadas da Fox para adultos
Family Guy, American Dad! e The Cleveland Show, que diz ser um fã do
Cosmos.
Sabe-se pouco sobre a nova série.
O trailer, de três minutos e 24 segundos, mostra Neil deGrasse Tyson
numa nave espacial que, de acordo
com o astrofísico, pode viajar para
o passado e para o futuro consoante o seu pensamento. A nave é a
nova versão do veículo onde Sagan
se movia na série original. Vêem-se
ainda planetas, estrelas, uma descida a Marte, mas também o oceano
terrestre, uma seara e uma árvore.
Há imagens que parecem mostrar
a fisiologia humana e os microrganismos.
Os efeitos especiais saltam à vista e são intercalados com desenhos
animados sobre a evolução humana com cenas de caça dos nossos
antepassados ou de um auto-de-fé.
Na convenção Comic-Con, Brannon
Braga explicou esta inovação. Nas
passagens da série sobre o passado,
os criadores resolveram recorrer a
desenhos animados com o estilo
dos graphic novel da banda desenhada.
No trailer aparece ainda Tyson a
caminhar sobre uma versão melhorada e tridimensional do calendário
cósmico, um conceito que Carl Sagan utilizou primeiro no seu livro Os
Dragões do Eden e que depois levou
para a série. O calendário cósmico
divide em 12 meses o tempo desde o Big Bang, ocorrido há 13.800
milhões de anos, e hoje, e ajuda a
ter uma perspectiva dos períodos
de tempo que separam os grandes
acontecimentos do Universo e da
Terra.
Assim, se o Big Bang aconteceu a
1 de Janeiro, a origem da nossa galáxia, a Via Láctea, ocorreu a 1 de
Maio. O nosso sistema solar apareceu a 9 de Setembro e a Terra nasceu cinco dias depois. A origem da
vida terá sido por volta de 25 de
Setembro e os primeiros vertebrados surgiram a 19 de Dezembro. Os
dinossauros extinguiram-se a 28 de
Dezembro e, finalmente, os primeiros seres humanos apareceram às
22h30 do último dia do ano.
Série continua actual
“Esta série é sobre o mesmo, mas
contamos uma data de novas histórias, estabelecendo coordenadas de
base, para depois saltar mais longe a
partir delas”, resumiu Ann Druyan,
autora e produtora executiva.
O Cosmos foi um fenómeno. Quando se estreou na PBS, uma televisão
pública norte-americana, tornou-se
a série mais vista de sempre nos Estados Unidos, e manteve esse estatuto até 1990, quando foi destronada por A Guerra Civil. Ganhou três
Emmy e um Peabody. Desde então já
foi vista por 750 milhões de pessoas
em 175 países. Hoje está disponível
no YouTube.
Por trás deste sucesso esteve um
guião bem feito — que, além de Sagan, contou com Ann Druyan e Steven Soter, astrofísico também envolvido no novo projecto —, bem como
uma produção de três anos com 150
pessoas. Houve filmagens em 40 lugares espalhados por 12 países, o uso
inovador de efeitos especiais e o génio de Carl Sagan.
“O grande êxito de Cosmos devese à personalidade de Carl Sagan,
que tem uma capacidade de persuasão incrível”, sublinha ao PÚBLICO
o físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra e actual editor da
colecção Ciência Aberta da editora
Gradiva, onde foram publicados os
livros de Carl Sagan, incluindo o
Cosmos, uma versão escrita da série, editada no mesmo ano.
“Pôs a sua inteligência ao servi-
Não há nada mais
perigoso do que um
adulto no poder com
iliteracia científica
Neil deGrasse Tyson
Astrofísico
ço da comunicação e passou essa
inteligência para nós. Sentimo-nos
inteligentes ao ler o Cosmos”, refere
o físico, que ainda hoje mostra partes da série aos jovens quando faz
divulgação de ciência. “Fixa-lhes a
atenção. Continua actual e fresco.”
As primeiras palavras de Carl Sagan na série ainda ressoam em nós:
“O cosmos é tudo o que existe, existiu ou existirá.” Durante 13 episódios, o cientista, numa linguagem
simples mas cientificamente correcta, fala sobre estrelas, planetas, galáxias, evolução, ADN ou moléculas
orgânicas. Visita a Grécia Antiga e
vai até Marte, explica as raízes do
método científico e aborda temas
que lhe eram caros, como a possibilidade da existência de vida noutros
planetas ou a capacidade destrutiva
do homem, tão presente durante a
Guerra Fria, quando, muitas vezes,
parecia estar iminente um conflito
nuclear. “Somos nós que nos responsabilizamos pela Terra. Devemos a
nossa obrigação de sobreviver não
só a nós próprios, mas ao cosmos,
vasto e antigo, de onde despontámos”, defende Carl Sagan, encerrando o último capítulo.
Para Neil deGrasse Tyson, estamos numa altura óptima para
voltar à viagem inventada por
Carl Sagan. “Não queremos esperar mais de uma geração para
contar de novo a história de quem
somos e onde queremos ir neste
Universo”, disse o astrofísico na
Comic-Con.
Tyson é um reconhecido divulgador de ciência, já ganhou vários
prémios, além de ser o director
do Planetário Hayden do Museu
Americano de História Natural de
Nova Iorque. O seu estilo é completamente diferente do de Carl
Sagan – é fisicamente possante,
mistura humor e gesticulação
com um toque de pregador e tem
grande facilidade em lançar sound
bites no discurso. “É talvez uma
das maiores figuras da divulgação
de ciência de hoje”, diz Carlos Fiolhais. “Mas tem a sombra de Sagan
por trás.”
O norte-americano é um acérrimo defensor do cepticismo, da
procura do erro, do papel da razão
na ciência. Mas, tal como Sagan,
não deixa de ser um sonhador.
“Hoje em dia ninguém anda a sonhar com o futuro. A NASA sabe
como é que se sonha com o futuro”, disse em 2010 numa conferência na Universidade de Buffalo, em
Nova Iorque, onde defendeu que
haja mais dinheiro para a agência
espacial dos Estados Unidos. Todavia, há um lado pragmático quanto
à escolha do seu público, quando
está a divulgar ciência. “Os adultos sempre foram o meu objectivo.
Porque não há nada mais perigoso
do que um adulto no poder com
iliteracia científica”, referiu em Julho em San Diego.
Pode, por isso, antecipar-se o carácter universal do próximo Cosmos. Simples, informativo, ambicioso, científico e sonhador. Afinal,
somos uma espécie inteligente — a
única que, para já, conhecemos —,
a viver à volta de uma estrela de
meia-idade, num braço da Via Láctea. O que queremos fazer com o
futuro, para onde queremos olhar
e como podemos tornar o mundo
melhor? “O século começou com a
queda das Torres Gémeas [em Nova Iorque] e instalou-se uma nova
confusão nos assuntos humanos
que impediu de olhar para as estrelas”, avalia Carlos Fiolhais. “Há
muitas coisas a dividir as pessoas
neste planeta, mas a ciência é um
assunto que une.”
O físico português espera ver
tratados na série os novos temas
que se tornaram importantes nos
últimos 30 anos na física, como a
energia negra e a matéria negra:
“Tenho uma enorme curiosidade.”
O cosmos continua a chamar por
nós.
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