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Acidentes de trabalho provocam sete mortes
por dia e dizimam famílias
Ana D'Angelo - Correio Braziliense
Publicação: 06/11/2011 08:00 Atualização: 06/11/2011 09:01
Desde o falecimento do marido, há 10 meses, Marta e os filhos Oziel e Micael
vivem um tormento. Com uma pensão de apenas R$ 800 por mês, ela está
ficando cega. Os meninos ainda choram e vão mal na escola
“Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução,
duas pra ir...”. Em 20 de janeiro deste ano, a música não terminou para o servente de obra José
Moraes Freitas, de 54 anos. Ele não pegou as duas conduções de volta para casa. Quatro horas depois
que o ônibus o deixou próximo à obra do novo prédio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tocada pela
construtora Via Engenharia, a plataforma onde ele trabalhava a sete metros de altura cedeu. O colega
que estava junto ainda tentou agarrá-lo pela mão, mas não aguentou. E José caiu. Levado com vida
ao hospital, morreu horas depois, sem atendimento, à espera de uma vaga na UTI.
Dez meses depois, sentada no sofá da casa humilde e silenciosa em Águas Lindas de Goiás, cabeça
baixa, Marta Ana, 43, viúva de José, tem o olhar fixo num canto da sala da casa, que ele comprou
ainda solteiro. Ela está ficando cega. Só enxerga vultos de objetos e das pessoas. À rua, não pode sair
sozinha. “A vida virou do avesso”, diz, inconformada e incrédula em muitos momentos. Os dois filhos
do casal, Oziel, 11, e Micael, 10, são muito pequenos para entender a falta que o pai fará em suas
vidas. Choram escondidos à noite, na cama, de saudade. Não sabem que o pai virou estatística de
acidentes de trabalho fatais no Brasil.
A cada dia, quase 2 mil trabalhadores
como Freitas se acidentam defendendo o
pão da família. Desses, 43 não retornam
mais ao batente, ou porque ficaram
incapacitados para sempre, ou porque
morreram. Dados divulgados pelo
Ministério da Previdência Social, o órgão
que dispõe de informações mais
confiáveis sobre essa faceta dramática
do trabalho brasileiro, trazem uma boa e
uma má notícia. A quantidade de
acidentes em geral vem em queda desde
2008, quando houve 755.980 ocorrências.
Em 2010, foram 701.496 — 7% menos. Mas
os casos fatais, que tinham caído entre
2008 e 2009, voltaram a aumentar no ano
passado: 2.712 pessoas — em média, sete
por dia — perderam a vida trabalhando,
152 a mais que nos 12 meses anteriores,
quando o total de mortes foi de 2.560.
Também têm crescido os acidentes
durante o trajeto de ida para o serviço e
de volta para a casa, conforme os
indicadores fornecidos pelas empresas
por meio da Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), que é obrigatória. Em 2008, foram 88.742 e, em 2010, 94.789, 7% a mais. A Previdência,
no entanto, contabiliza em torno de 200 mil por ano os casos que não são comunicados, mas são
identificados e classificados como acidente pelos médicos peritos e funcionários do Instituto Nacional
7/11/2011 09:27
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do Seguro Social (INSS) quando o segurado pede o benefício. A falha é que o órgão não os classifica por
motivos.
Indenizações
O número das vítimas que se machucam e morrem enquanto trabalham, porém, é bem maior. Os dados
da Previdência só anotam os casos de empregados registrados ou que venham a comprovar o vínculo
empregatício, que geraram o pagamento de algum benefício decorrente de acidente, como auxíliodoença, auxílio-acidente, auxílio-suplementar, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Há
muitas ocorrências que não são comunicadas, pois os empregados ficam afastados temporariamente
com salário pago pelas firmas, sem recebimento de benefício previdenciário.
Ficam de fora também das estatísticas os acidentes envolvendo os demais trabalhadores brasileiros —
autônomos, profissionais liberais, servidores públicos, empregados domésticos e todos aqueles que
atuam na informalidade nas cidades e nas lavouras. Eles representam 60% da força de trabalho. O
drama fica maior ao se constatar que boa parte desses profissionais exerce suas obrigações com muito
menos segurança que os empregados formais, para os quais o governo exige cumprimento às normas
mínimas.
Mesmo entre os trabalhadores com carteira assinada, é comum o desrespeito às poucas regras
existentes. Quando caiu da plataforma que cedeu em janeiro deste ano, o operário José Freitas não
estava com o cinto de segurança obrigatório do tipo paraquedista, conforme apontou o laudo pericial
da Polícia Civil. Em casos assim, a morte é praticamente certa.
Pressão alta
José foi substituído logo por outro operário na obra. A 54 quilômetros dali, no entanto, o destino de
uma mãe e seus filhos era revisto, para pior. Os menores Oziel e Micael tiveram de mudar de escola,
pois chegavam chorando por causa dos comentários dos coleguinhas sobre o fato de o pai deles “ter
despencado do alto”. Desde a morte de José, as notas do mais velho pioraram. As de Micael já eram
baixas, pois ele tem dificuldade de fala e, por isso, aprende pouco nas aulas.
A mãe começou a tomar remédios para pressão alta, e as noites de insônia passaram a ser comuns.
Com a visão sumindo, e sem o companheiro que fazia os reparos na casa e cuidava da organização das
contas, das compras e dos filhos, Marta teme o futuro incerto. “Não consigo mais dormir direito. A
preocupação passou a ser minha companheira.”
Solteirão, tímido e reservado, José conheceu Marta, servente de escola, e se apaixonou por ela 11
anos atrás. Criou como seu o garoto Thiago, então com 6 anos, o filho que Marta já tinha — hoje com
18 anos. Não sem muita razão, os dois meninos nascidos quando quarentão eram a grande alegria de
José. Pai amoroso, para onde ia, nos dias de folga, levava as crianças consigo. Jamais imaginou
deixá-las tão cedo e tão necessitadas da sua presença. “Ele sonhava em vê-los formados”, relembra
ela, que recebe pensão de R$ 800 do
INSS deixada pelo marido. Agora, parte do futuro de Oziel e Micael repousa em um gabinete da Justiça
do Trabalho em Brasília, onde corre a ação pedindo a indenização pela morte do pai.
Saiba mais...
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provocam acidentes de trabalho
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maioria das vezes, superficiais
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