MR- Formação docente e políticas públicas Componentes: Adair Mendes NacaratoUSF/SP GEPFPM/CEMPEM/FE/UNICAMP; Lúcia Helena Lodi- Diretora de Ensino Médio/SENTEC-MEC E S i l k e Ve r b e r - U F P E - P E Coordenação: Maria Auxiliadora Vilela Paiva- CESAT-ES Nesse debate, sugerido pelo GT7, um dos grupos de trabalho da SBEM, que se constitui num grupo cooperativo de pesquisadores que discutem e analisam pesquisas sobre “Os Saberes Profissionais e a Formação de Professores que ensinam Matemática”, a professora Lúcia Helena Lodi abordará a questão da política do Ensino Médio para a formação continuada de professores, com destaque para a estratégia de valorização docente discutida no âmbito do Ministério da Educação. A professora Silke Weber fará um retrospecto da problemática da formação docente, de 1930 aos dias atuais e, em seguida discutirá a legislação educacional recente e a formação acadêmica, destacando tópicos que findaram se impondo na realidade. Ressalta os aspectos a serem considerados na formação tanto em nível institucional como curricular e traz para o debate a forma de averiguação escolhida pelo MEC ao certificar conhecimentos e competências e habilidades dos professores da Educação Básica, como instância reguladora e avaliadora que contribui para profissionalização docente. A professora Adair Mendes Nacarato propõe para o debate as questões relativas às pesquisas nacionais sobre formação do p r o f e s s o r, o c o n t e x t o d e r e f o r m u l a ç ã o d a s l i c e n c i a t u r a s e a realidade dos cursos de Licenciatura em Matemática, apontando convergências e divergências quanto a esses três aspectos da formação. Em síntese mostra que as pesquisas acadêmicas produzidas pela comunidade de educadores matemáticos apontam alternativas que podem dar conta de alguns problemas relacionados à formação docente, quer inicial, quer continuada. Essas e outras questões deverão ser trazidas para o debate e espera-se que os objetivos que têm orientado as ações de cada um dos segmentos envolvidos na formação docente sejam explicitados e debatidos. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 2 Formação de Professores e Políticas Educacionais S i l k e We b e r – U F P E A questão da formação de professores em nível superior constitui hoje o principal desafio tanto das instituições de ensino s u p e r i o r, c o m o d a s i n s t â n c i a s r e s p o n s á v e i s p e l a o f e r t a d a E d u c a ç ã o Básica. É bem verdade que não se trata de uma questão nova tanto é que durante o século 20 foi objeto de algumas controvérsias. Importa, pois, fazer um rápido retrospecto da problemática da formação docente, em seguida, mencionar tópicos da legislação educacional recente a esse respeito e, finalmente, destacar aspectos que findaram se impondo, na atualidade. 1.A formação docente em nível superior A questão da formação docente constituiu um tópico importante do debate educacional dos anos de 1930, sendo aspecto que mereceu consideração no Manifesto dos Pioneiros da Educação N o v a , n a s u a c r í t i c a a o a c a d e m i c i s m o d a e d u c a ç ã o e s c o l a r. A necessidade de qualificação de pessoas aptas ao exercício do magistério foi incluída no Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, quando foi criada a Faculdade de Educação, Ciências e Letras e persiste como preocupação em 1937 quando da criação da Universidade do Brasil (Lei n°452) e da Faculdade Nacional de Educação destinada a formar trabalhadores intelectuais, realizar pesquisa e preparar candidatos ao magistério que, uma vez titulados e recrutados por concurso público, atuariam no então ensino primário. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 3 No âmbito da regulamentação da Faculdade Nacional de E d u c a ç ã o , p e l o D e c r e t o n ° 11 9 0 / 1 9 3 9 , f o i c r i a d o o t í t u l o d e b a c h a r e l , em três anos, a ser complementado com mais um ano de Didática. Com tal decisão teria sido instituída a licenciatura, cujo objetivo seria ensinar como organizar a apresentação dos conhecimentos produzidos em determinada área, do ponto de vista didático. A Lei n°4024, de 1961, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, substituiu o Estatuto das Universidades e criou o Conselho Federal de Educação com a tarefa, entre outras, de fixar os currículos mínimos a serem vivenciados nos diferentes cursos de nível s u p e r i o r. E s p e c i a l i s t a s d e f i n e m , e n t ã o , o s c o n t e ú d o s c u r r i c u l a r e s e o s diplomas dependem do cumprimento das disciplinas e conteúdos estabelecidos. A Lei n° 5540/1968 instituiu a Reforma Universitária e com ela foi criada a Faculdade de Educação voltada para a formação de professores de nível médio e a oferta de matérias pedagógicas da licenciatura, lugar específico para tratar das questões educacionais. Va l e agora fazer uma pequena digressão para melhor entender o patamar em que se colocou o debate educacional a partir da década de 1970. No âmbito da luta em favor da democracia, as várias dimensões da realidade brasileira eram enfrentadas, sobretudo, pela instância universitária, ganhando relevo as questões da educação, entre as quais a da formação do professorado, considerando importância da materialização de uma educação cidadã. a Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda Era o momento em 4 que, internacionalmente, havia a redescoberta da desigualdade social e do papel da escola na sua manutenção, tanto pela sua organização, como pelo que ensinava e pelo modo de fazê-lo, tal como demonstrado pelas teorias denominadas reprodutivista1 Nesse compensatórias debate permeado instituiu-se, no de Brasil, experiências a escolares polarização entre competência técnica e competência política, sendo a escola posta sob suspeita porque lugar de reprodução das relações sociais de produção e o professorado passou a ser percebido como um dos agentes da desigualdade social. O aprofundamento desse debate, no entanto, conduziu ao resgate da importância da educação escolar para a construção da democracia e ao seu reconhecimento como direito social básico. Assiste-se, então, à elaboração da concepção de escola como instância de formação e exercício de cidadania e ao conseqüente esboço de crítica à visão de escola como mecanismo de conservação do poder ou canal de ascensão social, embora se mantenha a visão de que consiste importante aparelho ideológico de Estado. É, pois, no contexto desse debate sobre a qualidade do ensino e da educação e do seu papel na construção da sociedade brasileira democrática que é sancionada a Lei n° 9394 de 1996, marco da discussão atual sobre a formação de professores. 2 . A l e g i s l a ç ã o e d u c a c i o n a l re c e n t e e a p ro d u ç ã o a c a d ê m i c a 1 Principais vertentes sendo representadas por ALTHUSSER,Louis 1971 “Les appareils ideologiques d’État” Pensée. 70:3-33; BOURDIEu, Pierre e PASSERON, Jean Claude (1971) La Reproduction Paris:Minuit Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 5 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada em 1996, traz avanços porque: a) com base na produção acadêmica disponível estabelece incumbências do professorado da Educação Básica (art. 13) e da escola (art. 12), que se tornam referências para a formação docente; b) fixa a formação superior – licenciatura plena – como requerimento para o exercício profissional, no prazo de 10 anos (art. 87 β 4°). Mas a mencionada Lei também cria polêmica porque define novo espaço de formação – os Institutos Superiores de Educação (ISE) - e novo curso para a formação de professores da Educação Básica - o Curso Normal Superior - ao lado do tradicional espaço universitário, tal como exposto nos seus artigos n° 62, 63 e 65, não incorporando, assim, especificamente, o debate sobre formação de professores que ocorria no país. É evidente que a controvérsia suscitada por esta regulamentação tem favorecido o aprofundamento da discussão sobre a identidade dos cursos de Formação de Professores, sendo reativada a polarização dos anos 1980 entre competência técnica e compromisso político, que havia sido reduzida durante o debate constitucional e o período da formulação de propostas iniciais para a LDB. Entretanto, o que parece novo é o desafio de pensar uma formação de professores que possa dar conta dos conteúdos e práticas a serem desenvolvidos ao longo da Educação Básica, assuntos que têm sido, freqüentemente, objetos de estudo de programas pós-graduação das diversas áreas, nas últimas décadas, instados que foram a e n f r e n t a r a q u e s t ã o d o f r a c a s s o e s c o l a r. As contribuições formuladas nesse período proporcionaram a ampliação da literatura especializada sobre questões Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 6 relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem e à dinâmica e s c o l a r, d e s v e l a n d o a d i s c r i m i n a ç ã o d e q u e é a l v o o a l u n o e o i m p a c t o relativo da adoção de formas de intervenção compensatórias. Além disso, destacaram a dificuldade de a escola considerar as experiências de vida dos alunos, bem como a importância do envolvimento de pais e c o m u n i d a d e n o p r o c e s s o e s c o l a r. E s s a p r o d u ç ã o a c a d ê m i c a t e m influenciado a formulação de políticas educacionais nas duas últimas décadas até porque número significativo de professores pesquisadores passou a geri-las. Ta i s p o l í t i c a s v o l t a d a s , s o b r e t u d o , p a r a a r e f o r m u l a ç ã o d a organização da aprendizagem, incluem a oferta de oportunidades de formação inicial e continuada para professores o que tem propiciado o confronto de perspectivas teóricas e de abordagens pedagógicas e o reforço de posturas defensoras da competência técnica ou da competência política no exercício da docência. Assim, desde a década de 1980 a produção acadêmica recente, tanto a internacional como a brasileira, em relação à escola e ao aluno vem sendo socializada e criticada, ao mesmo tempo em que foi ficando evidente a complexidade envolvida na atividade docente. Entretanto, o debate sobre a formação docente no Brasil deixou de ser delineado a partir de uma discussão nacional permeado pelo debate internacional, denominado de movimento interno, para ter como referência experiências de reformas educacionais realizadas em diversos países e recomendações de órgãos internacionais acordados em convênios ou contratos, classificado como movimento externo.2 2 Este assunto foi tratado em WEBER, Silke (2003) “Políticas educacionais, práticas escolares e objetivos de aprendizagem: repercussões na sala de aula” in Verbena M. S. de S. Lisita e Luciana F. E.C.P. Sousa(org) Políticas Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda Nesse contexto 7 situa-se a questão da formação de professores pelo desenvolvimento de competências e de habilidades, proposta provinda do debate francês e suíço sobre a complexidade da atividade docente. Pela via de políticas educacionais definidas pelo MEC que, a partir de 1993, retomou a ação coordenadora da educação nacional nos seus diferentes níveis, estabelece-se um paradigma de formação de professores que se contrapõe ao teor do debate acadêmico predominante no país, que se desenrolava desde 1978, em t o r n o d a b a s e c o m u m d a f o r m a ç ã o d o e d u c a d o r. A s s i m , é n a o p o s i ç ã o entre base comum nacional e diretrizes curriculares nacionais que se situa o principal obstáculo à implementação efetiva das exigências da LDB. Ora o são as que está estabelecido do ponto de vista normativo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de P r o f e s s o r e s d a E d u c a ç ã o B á s i c a e m n í v e l s u p e r i o r, t e n d o c o m o n ú c l e o orientador o desenvolvimento de competências, visando a coerência entre formação oferecida pelas instituições formadoras e a prática e s p e r a d a d o f u t u r o p r o f e s s o r, c o m e m b a s a m e n t o n a p e s q u i s a e f o c o n o p r o c e s s o d e e n s i n o e a p r e n d i z a g e m e n a d i n â m i c a e s c o l a r. Ta i s d i r e t r i z e s d e v e r ã o o r i e n t a r a f o r m u l a ç ã o d o p r o j e t o pedagógico das licenciaturas, todas elas instadas a integrar os conteúdos curriculares da Educação Básica como objeto de ensino e aprendizagem. É claro que a assimilação e a experimentação de formatos de preparação profissional inspirados em tais diretrizes, Educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, p. 11-24. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 8 independentemente da resistência existente, vão requerer um tempo determinado e deverão ser objeto de avaliação por ocasião do processo de reconhecimento de cada licenciatura, para que possam ser feitos as necessárias reformulações. De todo modo, o Brasil dispõe hoje de referências para o estabelecimento de formatos de preparação para o magistério da Educação Básica – Educação Infantil e anos iniciais da Educação Fundamental – e também de diretrizes para o ensino médio, principal referência para a formação de professores deste nível de ensino. É evidente que a qualidade do projeto pedagógico formulado em cada licenciatura depende, sobretudo, da composição do corpo docente da instituição formadora, das condições de trabalho a ele oferecida, de seu compromisso profissional expresso pela valorização da sua formação continuada, do acompanhamento que faz do debate educacional e das iniciativas de intercâmbio que toma e, ainda, de sua disposição para relacionar-se com os sistemas de ensino. Diferentemente do currículo mínimo, no entanto, a formulação de um projeto pedagógico orientado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais requer um trabalho coletivo não podendo constituir tarefa a ser cumprida apenas pelo coordenador do curso. Alguns aspectos que se vêm impondo como referência no debate sobre a formação docente merecem destaque e serão a seguir tematizados. 3 . A s p e c t o s a c o n s i d e r a r n a f o r m a ç ã o d e p ro f e s s o re s Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 9 A formação de professores da Educação Básica em nível superior passou a constituir tarefa de todas as áreas de conhecimento, cada uma delas devendo explicitar em seus projetos pedagógicos as suas próprias especificidades no processo de transformação do conhecimento científico e tecnológico, da arte e da cultura em objeto d e e n s i n o e d e a p r e n d i z a g e m a s e r a b o r d a d o n o c o n t e x t o e s c o l a r, b e m como indicar suas prioridades temáticas e práticas. Às instituições formadoras, por outra parte, cabe a tarefa de formular um projeto institucional orgânico de formação de professores que articule as propostas pedagógicas advindas das diferentes licenciaturas. Alguns dos aspetos que importam ser considerados em ambos os contextos são a seguir destacados: 1. do ponto de vista institucional: pedagógico que tenha a- elaborar um projeto como referência as diferentes etapas e modalidades da Educação Básica, o que pressupõe por parte do Colegiado de Curriculares Curso Nacionais claro conhecimento para a Educação das Diretrizes Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, bem como das propostas curriculares, informadas ou não pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, adotadas pelas Secretarias de Educação do Estado e dos Municípios, com as quais a instituição formadora se relaciona; b- acompanhar propostas e experiências em curso em relação a cada uma das etapas ou modalidades da Educação Básica, especialmente, aquela que concerne a sua área de atuação; c- compartilhar propostas pedagógicas e avaliações com os sistemas de ensino e as escolas selecionadas como campo de prática, além das próprias comunidades em que tais escolas se inserem; Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 10 d- espaços formadores, incluindo os diversificar meios os eletrônicos, de comunicação de massa, as diversas tecnologias, e incentivando a produção cultural. 2. do ponto de vista curricular: deficiências escolares e a– prever formas de superar de ampliar o repertório de conhecimentos e de sentidos dos professores em formação; b- promover o diálogo com o conhecimento produzido na academia e em outras instituições de pesquisa na perspectiva de sua reinterpretação para contextos escolares; c- tematizar questões sociais atuais e incentivar o enriquecimento cultural; d- incluir como componente curricular a participação do estudante no projeto pedagógico de escolas, o relacionamento com os seus alunos e a comunidade que as circunda; evivenciada articular a prática como componente curricular e aquela desenvolvida em estágio obrigatório à reflexão e à investigação sobre as diversas dimensões da atuação escolar; f- explorar a dimensão investigativa da prática como forma de criação e recriação de conhecimento; gespecificidades próprias do alunado prática, das etapas e modalidades das considerar escolas campo as de da Educação Básica e das áreas de conhecimento que compõem os quadros curriculares; Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 11 h- suscitar a reflexão sistemática sobre o exercício profissional à luz do conhecimento disponível e de experiências realizadas; i- enfatizar situações problema cuja solução requer a articulação entre conhecimentos, práticas, vivências, ou seja, uma ação teórico-prática. A consideração dessas referências conduzirá necessariamente ao desenho de uma matriz curricular que supere a organização por disciplina, tal como, aliás, já vem sendo experimentado em algumas instituições formadoras sob a forma de núcleos temáticos ou de temas geradores, de modo a favorecer: a -o desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional; b- a compreensão de conceitos e relações nos processos de ensino e aprendizagem; c- a transformação dos objetos de conhecimento em objetos de ensino; d- a construção de perspectiva interdisciplinar; e- a aplicação dos conhecimentos aprendidos no período de formação e em outras vivências; f- o relacionamento freqüente entre alunos e professores; g- a produção coletiva; 4 E como fica a certificação? A questão da certificação do docente galvanizou o debate educacional no Brasil a partir da publicação, pelo MEC, da Portaria n°1403 de 09 de junho de 2003 instituindo o Sistema Nacional de Certificação e Formação Contínua de entretanto, se a certificação não consistiria Professores. Pergunta-se, seqüência das Diretrizes Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda Curriculares Nacionais para 12 a Formação em nível superior de professores da Educação Básica (Parecer CNE/CP n°21/2001 e Perecer CNE/CP n°28/2002), formuladas no âmbito do debate mais amplo sobre a profissionalização da atividade docente no país? Com efeito, embora todo processo de profissionalização tenha as marcas da história própria das sociedades em que ele se desenvolve, a literatura disponível indica que ele geralmente se compõe das iniciativas tomadas, no âmbito de uma atividade do mundo do padrões trabalho, de para qualidade do estabelecer trabalho competências desenvolvido e específicas, explicitar os b e n e f í c i o s q u e t r a z a u m a s o c i e d a d e d e t e r m i n a d a . Tr a t a - s e d e u m processo ao cabo do qual uma atividade ocupacional procura adquirir o direito exclusivo sobre a realização de um tipo de trabalho, o controle sobre a formação e o acesso ao trabalho, bem como o direito de delimitar e avaliar a forma como o trabalho é realizado. Desse modo, na sua tarefa de elaborar e de coordenar a política educacional, o MEC como instância reguladora e avaliadora da educação nacional teria legitimidade para além da formação, contribuir para a profissionalização docente esclarecendo os fundamentos do desempenho das tarefas docentes, e assim certificar conhecimentos, Educação competências Básica. A crítica e habilidades deveria se dos voltar professores para a forma da de averiguação escolhida, a de um exame nacional, de participação voluntária, dirigido a todos os profissionais habilitados ao exercício da docência. A crítica, entretanto, restringiu-se ao fato de não ter sido previamente discutida com a comunidade educativa, de recorrer a um exame nacional e de confirmar o professorado como principal Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda responsável pelas notórias 13 deficiências observadas nos diversos níveis e modalidades da Educação Básica. Nessa reação, no entanto, a proposta de acreditação das escolas pode ser instigante na medida que tem como foco o projeto pedagógico ali desenvolvido. Mas, a força desta proposta se ofusca tendo em vista que se propugna um amplo diagnóstico da situação escolar antes de confirmar o domínio de conhecimento e o desenvolvimento de competências e de habilidades relacionadas à docência. Ora esse diagnóstico está feito e refeito pela p r o d u ç ã o a c a d ê m i c a n a c i o n a l e d o p r ó p r i o M E C a t r a v é s d o I N E P, d a s duas últimas décadas. Importa assim, verificar como a situação educacional desvelada vem sendo enfrentada pelas escolas e por políticas educacionais estaduais e municipais e encontrar meios para fazê-las avançar na obtenção de patamares mais elevados de qualidade. É claro, por outra parte, que se impõe aprofundar o reforço de políticas de melhoria institucional e de valorização do magistério pautadas pela melhoria das condições de trabalho, principalmente, o estabelecimento de um piso salarial nacional. 5.Algumas Considerações É, no entanto, na experimentação efetiva de projetos pedagógicos, no seu acompanhamento e na avaliação crítica que decorrerão as linhas gerais que podem se impor em médio prazo para a formação de professores. Desse modo, prosseguirá a disputa pelas tônicas a serem dadas aos projetos de formação e de profissionalização docente dando dinâmica própria às propostas que serão formuladas e vivenciadas, esperando-se sociedade que sejam brasileira favoráveis democrática que ao aprofundamento possa superar em de uma moldes Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda próprios as formas de 14 exploração e de dominação que hoje a caracterizam. Que as diferentes licenciaturas implantem criticamente as diretrizes curriculares vigentes de modo a que se possa encontrar pontos de convergência que permitam, do ponto de vista pedagógico, encontrar caminhos que façam avançar a construção de uma educação básica de qualidade. Enfim, urge que a comunidade acadêmica encontre formas de aprofundar convergências em torno da formação de professores naqueles aspectos que possam resultar em proveito da aprendizagem dos alunos, aprendizagem que constitui direito inalienável das novas gerações e reconhecida como condição para o exercício da plena cidadania. Maio de 2004. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 15 A F O R M A Ç Ã O D O P R O F E S S O R Q U E E N S I N A M AT E M Á T I C A : P E R S P E C T I VA S E D E S A F I O S F R E N T E À S P O L Í T I C A S PÚBLICAS Adair Mendes Nacarato -USF/SP e GEPFPM/CEMPEM/FE/UNICAMP [email protected] Resumo O objetivo da minha intervenção no debate sobre as políticas públicas de formação de professores é provocar reflexões, trazendo questões específicas sobre formação do professor que ensina matemática. A discussão se centra em três eixos que, no meu entender, devem estar articulados: 1) as pesquisas nacionais sobre formação de professores. Para isso, utilizo os dados dos estudos que estão sendo realizados pelo GEPFPM/CEMPEM/UNICAMP e dos trabalhos apresentados no II SIPEM; 2) o contexto de reformulação das licenciaturas, para o qual utilizo os documentos produzidos pela SBEM em 2002 e 2003, quando das discussões sobre a licenciatura em Matemática; 3) a realidade dos cursos de Licenciatura em Matemática, destacando o perfil do licenciado em Matemática, utilizando-me dos dados apresentados pelo INEP no Exame Nacional de Cursos (Provão, 2003). O propósito é apontar convergências e divergências quanto a esses três aspectos, destacando as interferências do Banco Mundial na elaboração das políticas públicas de formação de professores e suscitando questões para o debate. Introdução O objetivo central do debate desta mesa redonda é discutir as políticas públicas de formação de professor. Nesse contexto não poderíamos deixar de trazer para o debate as questões específicas da formação do professor que ensina Matemática. Ao utilizarmos a expressão “professor que ensina Matemática” estamos nos referindo tanto ao professor especialista que atua de 5a a 8a série e Ensino Médio, quanto ao professor que atua na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental – que, embora não tendo uma formação específica, também é professor de Matemática. As questões que trarei para o debate centrar-se-ão em 3 eixos: as pesquisas nacionais sobre formação de professores, o contexto de reformulação das licenciaturas e a Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 16 realidade dos cursos de Licenciatura em Matemática. Tenho como propósito apontar convergências e divergências quanto a esses três aspectos. A formação do professor que ensina Matemática: perspectivas apontadas pelas pesquisas X políticas implantadas em consonância com pautas internacionais O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores de Matemática (GEPFPM), vinculado ao CEMPEM/PRAPEM, Faculdade de Educação, Unicamp, constituído por professores de instituições públicas e privadas que atuam na formação docente, pós-graduandos em Educação Matemática e professores da rede de ensino, vem se debruçando sobre as pesquisas nacionais relativas à formação de professores que ensinam Matemática, confrontando-os com estudos internacionais. Inicialmente (FIORENTINI et al, 2002), o grupo apresentou um balanço de 25 anos da pesquisa brasileira nessa linha de investigação – período de 1978 a 2002, compreendendo 112 pesquisas. Complementando esse estudo, o grupo vem se dedicando a mapear as pesquisas acadêmicas produzidas na área e os focos desses estudos vêm sendo direcionados para aspectos apontados nesse balanço que indicam caminhos interessantes para promover a formação docente e o desenvolvimento profissional (NACARATO et al., 2003; PASSOS, et al., 2004). Além dessas produções, estarei considerando também os trabalhos que vêm sendo produzidos pelos membros do GT 7 da SBEM, principalmente aqueles apresentados no II SIPEM, em 2003. Mesmo entendendo que, atualmente, não há sentido em dicotomizar a formação docente em inicial e continuada, por essa ser entendida como um continuum, ainda em termos de pesquisas não há como desconsiderar essa clássica divisão, mesmo porque, os programas de formação para cada uma dessas modalidades de formação vêm apresentando objetivos, lógicas e perspectivas diferenciadas. Dessa forma, no que se refere à formação inicial as pesquisas vêm apontando avanços, desafios e lacunas. No que se refere aos avanços, destacam-se: O trabalho coletivo nas instituições formadoras, quer na construção e consolidação dos projetos pedagógicos, quer na implementação de mudanças curriculares ou de novas tecnologias vem se evidenciando como uma necessidade. É nos processos de Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 17 interação e compartilhamento de experiências e saberes matemáticos – específicos, pedagógicos e curriculares – que o formador se constitui, produz e reelabora saberes necessários à formação do futuro professor de Matemática. As pesquisas apontam que os projetos mais bem sucedidos de licenciatura são aqueles em que seus membros estão engajados e comprometidos com a formação docente. O papel desempenhado pela Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, desde que contemplem a discussão e reflexão sobre a prática docente. As pesquisas mais recentes apontam que esse espaço na formação docente possibilita a constituição dos saberes docentes e a re-significação dos saberes escolares durante a Prática de Ensino e o Estágio, tendo como eixo de formação a pesquisa e/ou a reflexão sistemática sobre a prática.(FIORENTINI et al., 2002, p. 145 ) As contribuições das atividades extracurriculares e espaços institucionais paralelos ou marginais trazem para a formação docente. Esses espaços compreendem: disciplinas extracurriculares, cursos de extensão, uso de laboratórios de ensino, grupos de estudos, dentre outros. A implantação de novos cursos de Graduação, dentro do novo modelo, atendendo às orientações das Diretrizes Curriculares para a Formação do Professor da Educação Básica (2001), com destaque para atividades que propiciem a inserção do licenciando na prática pedagógica desde o início do curso. As experiências em disciplinas específicas do curso de Licenciatura que possibilitam a produção de saberes pedagógicos sobre determinados tópicos da matemática escolar. Somente no II SIPEM foram apresentadas seis pesquisas que abordavam conteúdos da formação do professor, na concepção de saberes docentes necessários à prática profissional. No que se refere aos desafios, destaca-se, principalmente, o papel fundamental do professor formador de professores. Os estudos – em consonância com o contexto mundial – apontam que pouco se sabe ainda sobre os saberes necessários ao professor formador. Sabe-se que, ainda, em muitos cursos, a abordagem dada às disciplinas específicas dos cursos de graduação ainda se pauta na dimensão técnico-formal. No entanto, existem pesquisas sinalizando o diferencial dos cursos que contam com formadores que buscam uma ruptura com tal abordagem. Evidencia-se a necessidade de se investir mais Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 18 na constituição de um saber pedagógico disciplinar nos cursos de licenciatura. Esse papel está nas mãos do formador. Não é apenas o professor das disciplinas pedagógicas que forma o futuro professor, mas a equipe de docentes que atua na licenciatura. Nesse sentido, pesquisas nacionais e internacionais apontam o quanto o futuro professor constrói modelos de docência a partir dos modelos vivenciados. Quanto às lacunas, no meu entender, a mais significativa diz respeito a pouca existência de pesquisas discutindo a formação matemática do professor que irá atuar na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Sabemos que, se o início do desenvolvimento do pensamento matemático do aluno não for bem trabalhado, esse aluno enfrentará problemas nas séries posteriores. Nesse sentido, acreditamos ser necessário um olhar mais cuidadoso para os cursos de Pedagogia que, via de regra, principalmente os das instituições privadas não contemplam as metodologias específicas, o que acaba comprometendo seriamente a formação específica desse professor polivalente. No que se refere à formação continuada, as pesquisas – nacionais e internacionais – apontam que a virada paradigmática ocorreria a partir dos anos 90 (...) essa virada representa uma mudança não apenas epistemológica, em relação ao modo de produção de conhecimentos para a prática pedagógica, mas, além disso, uma mudança político-pedagógica que inclui a dimensão dos valores. (FIORENTINI, 2002, p.157 ) A principal contribuição das pesquisas nessa área diz respeito ao próprio olhar do formador para com o professor atuante. Este passa a ser visto como um produtor de saberes. Assim, os projetos de formação melhor sucedidos mostram uma mudança de foco: das pesquisas sobre professores passa-se à pesquisa com os professores. Surgem em cena novos conceitos como: parceria formador ou pesquisador/professor, trabalho coletivo, trabalho cooperativo e trabalho colaborativo. A colaboração, segundo Hargreaves (1998), “transformou-se num metaparadigma da mudança educativa e organizacional da idade pós-moderna”, sobretudo, de um lado, pelo seu “princípio articulador e integrador da ação, do planejamento, da cultura, do desenvolvimento, da organização e da investigação” e, de outro, “como resposta produtiva a um mundo no qual os problemas são imprevisíveis, as soluções são pouco claras e as exigências e expectativas se intensificam”. O trabalho individual, neste contexto, tem sido visto como uma heresia; algo que deve ser reprimido a todo custo. (NACARATO et al., 2003, p.14). Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 19 Pode-se destacar também pesquisas que vêm sendo realizadas em cursos de especialização e/ou extensão, mediados ou não pela utilização de tecnologias. Essas pesquisas apontam a ressignificação dos saberes docentes dos professores participantes desses contextos de formação. Evidenciou-se nas pesquisas que nos programas de formação, os conteúdos matemáticos precisam ser visitados e revisitados, mas sob a ótica do saber pedagógico disciplinar e da prática pedagógica – que deve ser tomada como ponto de partida nos programas de formação. Em síntese, o que as pesquisas brasileiras sobre formação de professores que ensinam Matemática vêm apontando não difere muito da formação em outras áreas do conhecimento e convergem para as discussões internacionais sobre o assunto. O professor vem sendo considerado um produtor de saberes e um ator do processo educacional que deve ser ouvido e participar dos projetos que lhe dizem respeito, quer no âmbito das políticas públicas, que no âmbito do contexto escolar. O lócus de formação vem se revelando diversificado. Há experiências bem sucedidas com grupos de formação na própria escola, com a presença de professores universitários, como há também experiências bem sucedidas nas instituições de ensino superior. Assim, entendemos que a problemática não está em onde ocorre a formação, mas na forma como essa ocorre e, nesse contexto, o formador acaba sendo peça fundamental. Como já explicitado, os programas ou projetos de formação – tanto a inicial quanto a continuada – melhor sucedidos são exatamente aqueles nos quais o formador sabe ouvir e dar voz ao (futuro) professor; pesquisa com ele e compartilha saberes e experiências. Os pesquisadores do GT 7 da SBEM entendem que a comunidade de educadores matemáticos já dispõe de material significativo que possa dar suporte às políticas públicas de formação de professores. No entanto, constata-se que as pesquisas desenvolvidas na área pouco ou nada têm contribuído para a implantação de novas políticas públicas de educação. O que temos presenciado nos últimos anos é a apropriação, por parte dos órgãos públicos, de conceitos construídos no âmbito da pesquisa acadêmica. Muitas vezes esses conceitos são resignificados para atingir interesses e modelos até mesmo antagônicos aos contextos nos quais foram gerados. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 20 Atualmente, não raro, encontramos nos documentos oficiais a utilização de termos como “professor reflexivo”, “professor pesquisador”, “trabalho coletivo na escola”, dentre outros, sem que aos professores sejam dadas as condições mínimas de trabalho, para que ele possa refletir, pesquisar e trabalhar coletivamente. Fala-se na necessidade do professor desenvolver-se continuamente; no entanto, este não pode se ausentar da sala de aula, nem mesmo para participar de eventos da área. Fala-se na importância do professor estar sempre se atualizando; no entanto, os baixos salários não lhe permitem nem mesmo adquirir livros e bons periódicos na área de atuação para que se mantenha atualizado. Falase na importância do trabalho coletivo na escola, mas o pouco espaço que é dado ao professor – quando dado – geralmente é preenchido com os problemas burocráticos da escola. Qual o significado em se falar em professor reflexivo e/ou investigador, com classes numerosas, carga desumana de trabalho e o stress da profissão? Pensar em implantação – em larga escala – de políticas públicas que contemplem os resultados que as pesquisas vêm apontando, requer se pensar nas condições profissionais do professor e, principalmente, na valorização docente, com salários dignos e condições decentes de trabalho. Acreditamos não ser com realização de Exames Nacionais de Certificação de Professores que promoveremos mudanças nas práticas escolares. A formação deve se pautar em processos de promoção de desenvolvimento e autonomia profissional e não em processos de avaliação vinculados à lógica de mercado, nos quais o que conta são as “competências”. A comunidade educacional tem defendido a necessidade de um maior diálogo entre governo, professores, pesquisadores e órgãos representativos dessa comunidade. Os programas de formação devem atender às necessidades internas do país e não pautas internacionais que traçam prioridades e estratégias com vistas aos investimentos na educação brasileira. O diálogo deve ocorrer com os especialistas internos e não com técnicos do Banco Mundial que, tomando por base estudos realizados, principalmente na América Latina, apontam metas para os países no que se refere às políticas de formação de professores. Com o objetivo de suscitar reflexões em nosso debate, destacarei algumas dessas políticas de formação docente impostas pelo Banco Mundial, com as quais temos convivido nos últimos anos. Para isso, apropriar-me-ei dos estudos de Rosa María Torres. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 21 Ênfase na formação continuada, relegando à inicial a instituições não comprometidas com ensino, pesquisa e extensão. Segundo Torres (1998, p.176), a maioria de “projetos de melhoramento da qualidade da educação” financiados pelo Banco Mundial nos países em desenvolvimento, quando possuem um componente de capacitação docente, é de capacitação em serviço. Ainda segundo a autora, a ênfase atual na capacitação em serviço fundamenta-se, entre outras, na idéia de que não é preciso contratar novos professores, trata-se apenas de redistribuir racionalmente (e até depurar) e “reciclar” os existentes. A redução da contratação pode ser obtida por meio do aumento da relação aluno/professor – fato a que já estamos assistindo em nosso país com o aumento do número de alunos em sala de aula. Essa lógica imposta à formação pode ser constatada pelas recentes discussões sobre a criação dos Institutos Superiores de Educação, retirando a possibilidade da pesquisa na formação inicial. A prioridade para programas de educação/capacitação à distância: neste contexto, a educação a distância é promovida como alternativa importante para se massificar a capacitação docente em serviço (TORRES, 1998, p. 177). Nesse sentido, temos assistido a uma série de programas e projetos envolvendo capacitação à distância. Não se trata de descartar essa modalidade de formação, mas analisar sua eficácia. Nesse sentido, as pesquisas sobre essa modalidade vêm destacando a necessidade de encontros presenciais. A prioridade para a tecnologia educativa e o livro didático: segundo Torres (1998, p.178), na América Latina essa ênfase vem ocorrendo em mão dupla: livro didático para o aluno e manual para o professor, vistos como a solução para o problema da capacitação docente (...) uma estratégia compensatória dos maus salários, da má ou nenhuma capacitação, do escasso tempo disponível para se atualizar e preparar as aulas. Entendemos haver, ainda nesse item, uma lacuna nas pesquisas brasileiras que analisem as relações que o professor estabelece com o livro didático e se este, de fato, contribui para a sua formação continuada. A capacitação docente como dimensão isolada: os programas de formação continuada são implantados, de cima para baixo, à margem de tudo o mais, à margem da reforma curricular ou administrativa, à margem de outras dimensões que afetam o trabalho e a vida dos professores (políticas de recrutamento e salarial, ambiente de Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 22 trabalho, etc.) (TORRES, 1998, p. 179). Nesse sentido, as pesquisas apontam que a formação não pode ser isolada, ela deve envolver o coletivo da escola, partir das necessidades do corpo docente. A formação continuada desconectada da formação inicial: essa formação vem se pautando na oferta de cursos, geralmente avulsos e sobre temas avulsos, sem uma articulação adequada entre teoria e prática, sem levar em consideração a complexidade da prática docentes. Hoje, cada vez mais, presenciamos uma grande contradição: ao mesmo tempo em que se defende a necessidade de uma “nova escola” e um “novo papel docente”, em um mundo cada vez mais interconectado e complexo, com enormes exigências sociais e educacionais insatisfeitas, a capacitação docente diminui e se estreita, tanto no tempo quanto em seus objetivos e alcances, em sua qualidade e permanência. O abismo entre o professor ideal suposto pelas reformas educativas e o professor real, de carne e osso, que ensina diariamente nas salas de aula, não está diminuindo, mas, pelo contrário, está crescendo. O professor com o qual contam as reformas educativas contemporâneas, no discurso e no papel, ainda não foi inventado, ainda não existe (TORRES, 1998, p. 180). Constatamos a pouca ou nenhuma vinculação dos programas de formação continuada com a formação inicial. Quais as instituições que vêm promovendo a formação continuada? Qual é o seu comprometimento com a formação inicial? Quem são os formadores? A qualidade e seriedade dessas instituições podem ser avaliadas apenas por licitações públicas? A ausência dos professores na definição de políticas e programas: segundo Torres, os burocratas e técnicos responsáveis pela formulação de políticas continuam não sabendo quem são os professores para os quais as reformas se destinam, como pensam, como ensinam, com vivem, como aprendem... Embora a autora apresente outras diretrizes do Banco Mundial, as aqui assinaladas já são suficientes para se entender o contexto das políticas educacionais relativas à formação docente, implantadas no Brasil nos últimos 10 anos. Nesse sentido, reafirmo meu entendimento sobre a necessidade de um diálogo mais amplo e aberto, incluindo formadores, pesquisadores e, principalmente, os professores. Não se trata da apropriação dos conceitos construídos pelas pesquisas, mas de se buscar uma interlocução Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 23 com os diferentes atores do processo educativo para se estabelecer ações convergentes em termos de significados para esses conceitos. Enfim, acredito que a formação docente deva ser o centro de qualquer reforma educativa e não apenas um apêndice. O contexto de reformulação das Licenciaturas Desde a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (CNE/CP 1, de 18/02/2002) e a subseqüente publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Matemática, a comunidade de educadores matemáticos, liderada pela SBEM, vem se debruçando em discussões e debates sobre os rumos da licenciatura em Matemática no Brasil. Esse debate tem trazido a público as convergências e divergências entre aqueles envolvidos na formação do professor de Matemática. Durante o primeiro semestre de 2002, a SBEM promoveu os fóruns regionais nos diferentes estados para a discussão desses documentos relativos à licenciatura. Essa discussão foi ampliada no I Fórum Nacional de Licenciatura em Matemática, realizado na PUC-São Paulo, em agosto de 2002. Naquela ocasião, a comunidade de educadores matemáticos considerou relevante a produção de um documento que analisasse as contradições entre o CNE/CP 1 e as diretrizes curriculares, para posterior envio ao MEC. Dentre as contradições apontadas pelo documento, destacam-se: A diferenciação feita entre a formação do bacharel e do licenciando. Enquanto ao primeiro prevê-se uma sólida formação, ao segundo, uma formação ‘menos sólida’, o suficiente para que este adquira algumas ‘visões’. Dessa forma, não especifica a necessidade da licenciatura preparar um profissional específico para o ensino, com sólida formação em Matemática e em Educação Matemática. É reservada apenas ao bacharel a formação visando à pesquisa e o ensino superior. Retira, assim, da licenciatura a formação do pesquisador e do professor do ensino superior, ou seja, a formação do formador de professores. Após a realização desse fórum, houve uma certa mobilidade da comunidade, no sentido de elaborar um documento para subsidiar as discussões nas diferentes instituições de ensino superior que formam o professor de Matemática. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 24 Uma primeira versão desse documento foi apresentado, em abril de 2003, no Seminário Nacional: Construindo propostas para os cursos de Licenciatura em Matemática, realizado em Salvador/Bahia. Nesse seminário, a diretoria da SBEM apresenta o documento síntese sobre licenciaturas, o qual foi amplamente discutido. Essas discussões geraram nova versão que ainda vem passando por re-elaborações, a partir das sugestões e colaborações dos educadores matemáticos. Ocorre que, nesse espaço de tempo, vem se acirrando o debate público entre as diferentes sociedades ligadas à Matemática e, em especial, entre a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e a SBEM. No entanto, esse debate pouco tem contribuído para se avançar nas discussões, uma vez que a SBM também não considera a ampla pesquisa realizada em Educação Matemática nos últimos vinte e cinco anos e, em especial, no que diz respeito à formação do professor. A ênfase da discussão continua sendo posta no conteúdo matemático específico, desconsiderando que o saber disciplinar é apenas uma das dimensões do saber docente e que esse saber disciplinar, se desprovido de uma abordagem pedagógica e curricular, não possibilita ao futuro professor as condições mínimas para o exercício da profissão docente na escola básica. Além disso, algumas posturas públicas de membros da SBM desconsidera as três dimensões da profissão docente: o saber, o saber-fazer e o saberser. Outro aspecto diz respeito à polêmica entre as duas formações: bacharelado X licenciatura. Nessa discussão, um importante fato vem sendo deixado de lado, qual seja, essa duplicidade de formação só existe nas universidades públicas. Nas universidade privadas, em via de regra, existe apenas a licenciatura. Nesse sentido, qual seria a representatividade das instituições privadas no cenário da formação docente? Considero necessário a realização de um mapeamento das instituições formadoras de professores de Matemática, principalmente no que diz respeito às condições de funcionamento desses cursos, as grades curriculares, o tempo de duração, a qualificação do corpo docente, dentre outros. E, principalmente, que se tenha uma visão ampla sobre a questão: em que medida essas instituições estão comprometidas com a formação do professor e com o desenvolvimento de pesquisas? Somente com uma análise dessa questão Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 25 pode-se pensar em políticas públicas de formação docente. Quem, de fato, vem formando o professor de Matemática nesse país? Ou, de fato, o MEC vem seguindo à risca as determinações do Banco Mundial, relegando a formação inicial em um segundo plano? Outra questão ainda que merece nossa reflexão: qual é o perfil do licenciando em Matemática? A quem se destina os cursos de licenciatura? A realidade dos cursos de licenciatura: o perfil do licenciado em Matemática Embora já seja de domínio público o estudo analítico que o INEP realiza, anualmente, com base nos resultados do Exame Nacional de Cursos, sobre o perfil socioeconômico dos participantes desse exame, considero importante trazer alguns desses dados para complementar a discussão anterior. Para tal, utilizarei apenas os dados de 2003, destacando alguns deles. No Exame Nacional do Curso de Matemática, em 2003, participaram 379 cursos, dos quais, 40,4% se concentram na Região Sudeste, com o estado de São Paulo detendo 50% deles. Enquanto nas regiões Norte e Nordeste a maioria dos cursos são de instituições públicas (federais), nas demais é representativo o número de instituições privadas. Estas representam 49,3% das instituições de ensino superior que formam professores de Matemática. Somente o estado de São Paulo, por exemplo, contém 62,5% das instituições privadas do país. Esses dados já respondem a questão anterior, ou seja, as instituições privadas vem sendo ocupando muito espaço na formação do professor de Matemática. E, pelo sucateamento que as universidade públicas vêm sofrendo, a tendência é que a rede privada ocupe todo o espaço de formação. A maioria dos concluintes do curso de Matemática3 é do sexo feminino (58,2%), o que confirma a tendência do magistério ser predominantemente feminino. No entanto, vale destacar que os homens representam a maioria nas instituições federais. Esses graduandos são de família com renda inferior a R$ 2.400,00; a maioria trabalhou durante o curso (40 horas semanais – 35,5% e 20 horas semanais – 20,1%). A 3 É importante destacar que no Relatório Síntese do ENC, o INEP não diferencia o bacharel do licenciado. Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 26 maioria deles possuía pais e mães com escolaridade até 4a série, ou seja, ensino fundamental incompleto. A grande maioria (69,3%) cursou todo o ensino médio em escola pública, sendo 39% provenientes de cursos de ensino médio regular; 32,4% provenientes de curso de Magistério e 22,9%, de cursos técnicos. Acredito que apenas esses dados já possibilitam uma visão de quem é esse professor que está sendo formado, anualmente, pelas instituições de ensino superior. Defendo, ser impossível num curso de formação inicial de curta duração – tal como sugere o próprio Banco Mundial4 – formar um professor no seu sentido mais amplo. Em algumas instituições já é possível constatar o cuidado de organizar um primeiro ano do curso que resgate os conteúdos matemáticos da educação básica, principalmente em decorrência do alto índice de alunos provenientes de cursos técnicos e, com bastante ascensão, de cursos de magistério – nos quais os conteúdos matemáticos são pouco enfatizados. Há outros dados bastante interessantes para que se possa analisar quem é o professor de Matemática que está ingressando na profissão. Por exemplo, a maioria só tem a televisão como meio de atualização; contaram apenas com a biblioteca da instituição para acesso a livros; raramente participaram de atividades acadêmicas, mesmo porque as instituições não ofereceram; poucos tiveram envolvimento com projetos de pesquisa; raramente participaram de eventos na área (congressos, seminários, encontros) e apenas um terço desses graduados possui computador em casa. Nesse sentido, o ingresso na profissão – com os baixos salários pagos ao professor – vai garantir maior acesso a uma literatura especializada para atualização profissional? Como se pensar em educação à distância se 4 Vale citar uma das recomendações do Banco Mundial , em seu documento de 1995: Priorities and strategies for education: a World Bank sector review: A formação inicial consiste em educação geral e capacitação pedagógica. Esta combinação a torna muito cara, especialmente devido ao tempo investido na educação geral [...] Esta educação geral – o conhecimento das matérias – pode ser fornecida no ensino secundário a mais baixo custo, entre 7 e 25 vezes mais barato do que a formação inicial. A capacitação pedagógica, pelo contrário, é muito apropriada para as instituições de formação docente. Para os professores da escola de primeiro grau, portanto, o caminho que apresenta melhor relação custo-benefício é uma educação secundária seguida de cursos curtos de formação inicial centralizados na capacitação pedagógica. (Apud TORRES, 1996, p. 165). Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 27 apenas um terço desses profissionais tem computador em casa? Como implementar propostas inovadoras em sala de aula, com o uso de tecnologia, se essa pouco se fez presente na formação do aluno? (a maioria considera que a graduação pouco contribuiu para a formação de competências necessárias à utilização de recursos de informática). Quanto ao projeto pedagógico das instituições de origem desses graduados e a sua articulação com aspectos sociais, políticos e culturais da realidade brasileira, a equipe responsável pela análise das respostas dos graduados, assim se posiciona: é possível afirmar, diante das respostas, que a reflexão crítica a respeito dos problemas sociais enfrentados no Brasil vem sendo, de maneira geral, parcialmente valorizada pelos Cursos de Matemática. A formação na área de Matemática, para alguns, pode estar identificada com a frieza dos números e caracterizada pelo distanciamento de aspectos importantes da vida cotidiana (p. 130). Como, diante dessa formação que o professor recebe, pode-se falar em temas transversais, em interdisciplinaridade e contextualização como preconizam os parâmetros curriculares de Matemática do ensino fundamental e médio? Caberia à educação continuada dar conta de suprir as lacunas deixadas pela formação inicial? Embora o documento contenha outras informações bastante relevantes, considero que as assinaladas já são suficientes para suscitar o debate. Em que medida o professor de Matemática está ingressando na profissão com um conhecimento mínimo que lhe possibilite enfrentar a complexidade da prática pedagógica? Aqui me refiro tanto ao professor especialista quanto ao polivante. Qual o sentido de se avaliar o conhecimento do licenciando egresso por meio de exames nacionais de curso? Ou de exames de certificação? Como atender a diversidade de contextos e de condições econômicas existentes em nosso país? Essas constatações e inquietações, sem dúvida, nos remetem para a necessidade de não apenas se discutir e rever os programas de licenciatura no Brasil, mas também de se pensar em modalidades de formação continuada que dêem conta de suprir todas as lacunas que a formação inicial não deu conta. Em síntese, pode-se dizer que, de um lado, as pesquisas acadêmicas produzidas pela comunidade de educadores matemáticos, vêm apontando alternativas que podem dar conta de alguns problemas relacionados à formação docente – quer a inicial, Anais do VIII ENEM – Mesa Redonda 28 quer a continuada; de outro, os dados do relatório do INEP apontam o desafio que está posto para o desenvolvimento de programas de formação. No entanto, acredito que esse desafio poderá ser melhor vencido se houver um diálogo constante entre os diferentes segmentos da comunidade educacional envolvidos com a formação docente. Mas, que nesse processo, não fique de fora o maior interessado e a quem se destinam os projetos e políticas propostos: o professor. Que esse passe a ter voz e ser ouvido. Referências bibliográficas BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Relatório do Exame Nacional de Cursos 2003. Matemática, volume 21. 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