Joana Liberal Arnaut
Assistente da Faculdade de Direito da
Universidade Católica Portuguesa
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
Os “Elementos da Hermeneutica
do Direito Portuguez” de José Manuel Pinto de Sousa
(1754-1818) professor e diplomata
UNIVERSIDADE CATÓLICA EDITORA
LISBOA 2011
Prefácio
Num tempo em que Portugal vive o implementar de intensa reforma
no ensino universitário, o presente trabalho reporta­‑se e enquadra­‑se numa
não menos profunda reforma universitária do passado nacional.
Na verdade, a reforma pombalina da Universidade, lançada em 1772,
assente no despotismo iluminado, pretendia ser base da reforma de todo
um reino, tornando­‑o digno de pertencer à Europa cristã iluminada.
Não obstante a preocupação de enquadramento num universo europeu,
o grande esforço era de afirmação da identidade portuguesa. Isso se ma‑
nifestou especialmente no Direito. Tentou­‑se enraizar o estudo do Direito
pátrio, introduzindo nos cursos jurídicos o estudo directo das fontes e da
legislação portuguesa, auxiliado por compêndios escritos por professores
portugueses.
Este texto corresponde, quase integralmente, à dissertação de mestrado
intitulada «José Manuel Pinto de Sousa (1754-1818) – Lente da Faculdade
de Leis e Diplomata. Os seus Elementos da Hermeneutica do Direito Portuguez
(1787)», defendida a 12 de Junho de 2007 na Escola de Lisboa da Faculdade
de Direito da Universidade Católica Portuguesa. O escrito versa pois um
professor da faculdade de leis, José Manuel Pinto de Sousa, doutorado em
1778, e o seu escrito pedagógico de 1787: Elementos da Hermeneutica do
Direito Portuguez.
Autor e obra eram quase desconhecidos na historiografia do Direito
Português.
José Manuel Pinto de Sousa, na função que lhe foi confiada de leccio‑
nar a primeira cadeira analítica, na qual se deveria estudar teoricamente
e pôr em prática as regras de interpretação jurídica, procurou cumprir
a reforma no seu espírito, escrevendo umas lições de hermenêutica do
Direito Português.
Num percurso de vida muito curioso, este jurista ingressou depois na
vida diplomática, primeiro como agente paralelo e espião e, mais tarde, após
várias participações em relevantes negociações no Portugal pré­‑Invasões
Francesas, como ministro plenipotenciário junto da Santa Sé. Apesar de o
tratamento desta segunda fase da sua vida se afastar da História do Direito,
derivando para a História das Relações Internacionais, da Diplomacia e
das Ideias Políticas, acabei por versá­‑la também e com demasiada extensão.
6
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
Nas palavras do Professor José Artur Duarte Nogueira, arguente da disser‑
tação, “Por vezes a historiografia quando se debruça sobre o reinado e a
pessoa, consciente ou inconscientemente, deixa­‑se seduzir pela segunda”
(Lei e Poder Régio ­– I. As leis de Afonso II, p. 19, nota 9) Foi o que sucedeu
no caso, confessando­‑se que o interesse pelo Autor, por vezes, suplantou
o interesse pela obra.
Gostaria de agradecer de forma particular ao Senhor Professor Doutor
Nuno Espinosa Gomes da Silva, orientador desta dissertação.Teve o Senhor
Professor de me explicar e mostrar a diferença entre escrever História e
contar histórias. Ambas são actividades de maior interesse mas confundi­‑las,
resulta em grande prejuízo das duas. Assim, todas as histórias que este meu
texto indevidamente apresentar são da minha inteira autoria e a História
que eu tenha, eventualmente, logrado escrever só pode atribuir­‑se aos
ensinamentos do Senhor Professor.
Expresso também a maior gratidão ao Senhor Professor José Duarte
Nogueira pela disponibilidade manifestada em arguir esta tese e por todas
as rigorosas e justas apreciações, as quais só não foram acolhidas na ínte‑
gra por se ter optado pela publicação do texto essencialmente como foi
apresentado.
Não posso deixar de me manifestar grata à Senhora Professora Maria
da Glória Garcia, terceiro elemento do júri, que em tudo e algo mais tem
contribuído para a minha formação académica e pessoal.
Agradeço aos meus professores, colegas e alunos da Escola de Lisboa da
Faculdade de Direito da Universidade Católica e a todos os meus amigos.
Sem os seus contributos, não teria concluído esta investigação.
Expresso reconhecimento, por todo o auxílio prestado, aos funcionários
do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, da Biblioteca Nacional, do Ar‑
quivo da Universidade de Coimbra, da Biblioteca da Faculdade de Direito
de Lisboa e, evidentemente, da Biblioteca Universitária João Paulo II.
Obrigada ao meu pai, José Arnaut, à minha avó Ana Cepeda e à minha
irmã Rita por todo o apoio.
O último agradecimento é para quem mais devo, a minha mãe, Maria
Olinda Liberal Arnaut, que, por menos de um mês, já não viu, no mundo
presente, a defesa desta dissertação. Que a possa ter visto e possa ler este
agradecimento no Tempo para Além do Tempo!
Introdução
O presente trabalho tem a sua génese na «descoberta» de um texto ma‑
nuscrito, intitulado Elementos da Hermeneutica do Direito Portuguez, da autoria
do Lente de Leis, José Manuel Pinto de Sousa. O manuscrito, guardado
na Biblioteca Nacional de Lisboa e pertencente à colecção do canonista
António Ribeiro dos Santos (1745­‑1818)1, reúne características de lições
e espelha o contexto académico pós­‑reforma pombalina, contendo uma
interessante crítica à Lei da Boa Razão.
Encontramos, depois, outra versão do mesmo texto, datada de 1787, a
qual tem por título Primeiras Linhas da Hermeneutica do Direito Portuguez2.
Um manuscrito versando a hermenêutica jurídica em finais do Século
das Luzes, pela pena de um professor universitário, releva para a História
do Direito Português e para a História do ensino do Direito em Portugal.
A obra cresce ainda em importância pela raridade dos escritos sobre o
tema, anteriores ao século xx.
No ano de 1934, o civilista Manuel de Andrade, na sua conhecida tese
de doutoramento, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, lamentou:
«A doutrina da interpretação das leis é objecto que tem sido muito pou‑
co versado pelos nossos autores. Pode asseverar­‑se que não temos uma só
monografia que lhe seja dedicada, e que toda a nossa literatura sobre o
assunto se limita aos respectivos capítulos das obras gerais de direito civil,
e alguma referência incidental e quase sempre fragmentária em escritos
de outra natureza3».
É o Códice 1717 da secção de obras reservadas da Biblioteca Nacional. Trata­‑se de um
manuscrito com cinquenta folhas de tamanho 28,5 x 19 cm. Da capa consta o título e a seguinte
referência: «Compostos pelo D.or Jozé Manoel Pinto de Souza Lente de Leys na Universidade
copiados de seus mesmos originaes por diligencia do D.or Antonio Ribeiro.» O texto, redigido em
caligrafia do século xix, apresenta­‑se dividido em seis capítulos e oitenta e quatro parágrafos.
2
Pertence ao Senhor Professor Doutor Nuno Espinosa Gomes da Silva. Este manuscrito, em cali‑
grafia do século xviii, com trinta e nove folhas de tamanho 35 x 22 cm, tem os mesmos seis capítulos
mas um parágrafo a mais que corresponde a um desdobramento do § 61 dos Elementos. Apresenta
na primeira página, além do título, uma citação de Horácio, um índice dos capítulos e a menção do
ano de 1787. Desta versão consta, em «Index», nas últimas quatro folhas, uma lista de escritores do
Direito português e suas principais obras, com algumas considerações críticas às mesmas.
3
Andrade, Manuel Domingues de – Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis. Coimbra:
Arménio Amado, 1978, pp. 11 e 12.
1
8
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
Após uma primeira reflexão sobre a obra4, encontrámos uma versão, que
julgamos autógrafa, simplesmente denominada Hermeneutica do Direito Por‑
tuguez5. Esta versão apresenta o seguinte complemento de título: «Ensinada
Na Universidade de Coimbra na Cadeira de Vespera pelo opozitor de Leis
Jozé Manoel Pinto No anno de 1787.» Confirmou­‑se pois, em definitivo,
estarmos perante lições académicas efectivamente ensinadas.
Independentemente da terceira versão, que aliás difere pouco das outras,
pareceu­‑nos a obra merecedora de estudo mais aprofundado.
Para esta análise mais detida escolhemos como base os Elementos da
Hermeneutica do Direito Portuguez.
A Hermeneutica ficou excluída, à partida, por lhe faltar o último capítulo
que, todavia, consta do índice.
Por outro lado, em relação às Primeiras Linhas os Elementos estão valo‑
rizados por serem cópia directa dos originais do Autor, mandada fazer por
António Ribeiro dos Santos, o qual, além de possuidor de vasta biblioteca
jurídica, foi Bibliotecário­‑Mor e fundador da Real Biblioteca Pública6.
Além disso, beneficiam de mais correcção ortográfica e sintáctica. Pare‑
cem ainda ser posteriores, dado o aperfeiçoamento de alguns exemplos e
a maior densidade das notas.
Apresenta­‑se, em anexo, a cópia deste manuscrito, respeitando integral‑
mente a ortografia e sintaxe, e, inclusive, o que António Hespanha chama
«superabundância das palavras maiusculadas», porque, também segundo este
Autor: «a pletora das maiúsculas dava um importante contributo para o
tom efectivo, comprometido, da linguagem. Então esta assumia plenamente
a sua função valorativa: adjectivava sem hipocrisia, maiusculava sem pejo.
As palavras e o modo como elas se grafavam depunham nas coisas todo o
seu sentido expressivo»7.
4
Em Relatório de Mestrado apresentado na Faculdade de Direito da Universidade Católica
Portuguesa, Escola de Lisboa, em 2004, intitulado Lei clara e lei escura. A Hermenêutica Jurídica de
José Manuel Pinto de Sousa, escrita em 1787.
5
Trata­‑se do Manuscrito 75 da Livraria do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Com
69 páginas de tamanho 22,5 x 17 cm, está encadernada e, na lombada, ostenta as inscrições
«HERM PATR» e «J.M.P.» Tem índice dos capítulos e a numeração dos parágrafos recomeça
em cada capítulo.
Na folha de rosto figura a assinatura do proprietário «J. P. Quintella», que julgamos ser
José Pedro Quintela, Desembargador da Relação do Porto que ainda vivia em 1830. Cf. Silva,
Inocêncio Francisco da ­– Dicionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858.
6
Em 1796, o canonista foi chamado a organizar a Real Biblioteca que abriu pela primeira
vez ao público no ano seguinte. Pereira, José Esteves ­– O Pensamento Político em Portugal no século
XVIII – António Ribeiro dos Santos. Lisboa: Imprensa Nacional ­– Casa da Moeda: 1983, p. 80.
7
Hespanha, António ­– A História do Direito na História Social. Lisboa: Livros Horizonte,
1978, pp. 153 e 154
INTRODUÇÃO
9
Em favor da integralidade das lições e, sendo certo que não houve
intenção de a omitir, anexámos à versão base uma lista dos intérpretes
do Direito Português constante das Primeiras Linhas. Isto porque, tratan‑
do o Capítulo 6.º dos intérpretes do Direito português, no § 72, Pinto
de Sousa, assumindo não ter a possibilidade nem a finalidade de fazer
um juízo particular de cada um dos escritores do nosso Direito, afirma:
«Contentar­‑nos­‑emos de ajuntar huma Lista dos seus nomes por ordem
chronologica no fim deste Cap.» Mas a lista não aparece nos Elementos.
Enxertámos ainda o título do capítulo 6.º, que também só por lapso terá
sido omitido.
Os Elementos constituem um escrito académico de uma época funda‑
mental na evolução do Direito Português.
O Século das Luzes foi, em toda a Europa, um tempo de grandes refor‑
mas impulsionadas pela convicção de se ter chegado à «era em que seria
finalmente possível libertar a humanidade dos erros e das aberrações do
passado», alcançando­‑se o «lado certo da história»8.
Em Portugal, a reforma tocou mesmo a estrutura física da capital, des‑
troçada pelo violento terremoto da manhã de Todos-os-Santos de 1755.
No respeitante ao Direito, sucederam­‑se dois movimentos reformadores
nos reinados de D. José (1750­‑1777) e de D. Maria I (1777­‑1816).
À reforma josefina, presidiu a Lei de 18 de Agosto de 1769, dita Lei da
Boa Razão, que revolucionou o sistema de fontes de Direito.
Porém, compreendendo­‑se que esta transformação não se daria na prática
sem a alteração da mentalidade jurídica, a Carta de Lei de 28 de Agosto
de 1772 aprovou os Estatutos da Universidade de Coimbra, conhecidos como
Estatutos pombalinos, devido à enérgica acção reformadora do marquês.
Através da vasta regulação contida no Livro II dos Estatutos, pretendia­‑se
a formação de juristas que fizessem viver o novo Direito.
Logo em 1778, o Decreto de 31 de Março voltou a desencadear outra
reforma, com objectivo de rever o corpo de Direito Pátrio composto pelas
Ordenações Filipinas e pelas leis extravagantes.
No ano de 1787, começou a escrever­‑se sobre o aperfeiçoamento da
reforma pombalina do ensino jurídico. O legista Ricardo Raimundo No‑
gueira (1746­‑1827) redigiu uns Apontamentos para a Reforma do Curso de
Direito Civil da Universidade de Coimbra e o canonista António Ribeiro dos
Santos elaborou, oito anos depois, o Plano para o Curso de Estudos das duas
Faculdades Jurídicas que serviria de base à legislação de 1804 e 1805.
8
Calafate, Pedro – A Filosofia da História. In Calafate, Pedro (Direcção) ­– História
do Pensamento Filosófico Português, Volume III – As Luzes. Lisboa: Editorial Caminho, 2001,
pp. 24 e 27.
10
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
O desejo de que a Universidade portuguesa produzisse os seus próprios
textos pedagógicos foi talvez um dos mais intensos da reforma. Nas últimas
três décadas do século, ansiou­‑se pelos compêndios universitários.
Apesar da ordem dos Estatutos e da sua reiteração pelo Aviso Régio de
26 de Setembro de 1786, os professores não produziam textos e estendia­‑se
a solução provisória de ensinar por livros estrangeiros.
Convém antecipar que o incumprimento do dever de redigir compên‑
dios por parte dos docentes se prende com o regime vigente de censura
e aprovação régia dos mesmos compêndios. O déspota iluminado, na
tendência omnirreguladora de tudo prever e tudo controlar, estabeleceu um
mecanismo que desanimava qualquer autor académico. As normas «censó‑
rias» prejudicavam a eficácia das normas «compendiárias.»
Ricardo Raimundo Nogueira, oficialmente incumbido, em 1787, de
redigir os compêndios para a Faculdade de Leis, inclusive o de hermenêu‑
tica, não terá desempenhado essa tarefa.
O hoje mais conhecido jurista da época, Pascoal José de Melo Freire
(1738­‑1798), incluíra um capítulo sobre a interpretação na sua Historia Iuris
Civilis Lusitani que foi publicada em 1788.
Mas não se conhecia escrito específico sobre o tema.
Em 1958, o historiador do Direito Paulo Mêrea concluiu: «As cadeiras
analíticas, pela sua própria índole, não comportavam compêndios. Apenas
para as noções de hermenêutica jurídica, canónica e civil, se tornavam
necessários. Como porém nenhum dos professores encarregados de os ela‑
borar tivesse chegado a desempenhar­‑se dessa incumbência, teve também
de recorrer­‑se a obras estrangeiras»9.
Assim, as lições de hermenêutica de José Manuel Pinto de Sousa, não
sendo um compêndio oficial, surgem como primeiro escrito pedagógico
português dedicado exclusivamente à hermenêutica jurídica.
Esta obra, não sendo de autor anónimo, era de autor praticamente
abiográfico.
Buscámos alguns dados no Arquivo da Universidade de Coimbra para
tentar reconstituir o fio da vida desta personagem da História do Direito
português.
Este jurista, nascido em Lamego de união ilegítima entre os fidalgos
Rodrigo Pinto de Sousa e Maria Inácia Pinto de Vilhena, doutorado em
1778, exerceu susbtituições extraordinárias e foi nomeado lente substituto
proprietário em 1790. Todavia, entre 1797 e 1801, data da sua jubilação,
desapareceu misteriosamente da Universidade, sem que os pedidos de au‑
sência apresentem justificação.
Merêa, Paulo ­– Lance de olhos sobre o Ensino do Direito (Cânones e Leis) desde 1772 até 1804.
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra. XXXIII (1957), p. 205.
9
INTRODUÇÃO
11
Conseguimos encontrá­‑lo nos Documentos dos Negócios Estrangeiros do
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
O lente fora nomeado para se deslocar a Madrid como agente diplomá‑
tico paralelo devido à desconfiança política e profissional que o secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Luís Pinto de Sousa
Coutinho (1735­‑1804), depositava no embaixador Diogo de Carvalho e
Sampaio (1750­‑1807/1812?).
Portugal, imerso no grande conflito entre a Grã­‑Bretanha e a França,
procurava firmar a paz com a República Francesa quebrada após a nossa
participação na Guerra do Rossilhão (1793­‑1795). Espanha mediava as
negociações de forma duvidosa e pesavam sobre o nosso reino ameaças
de invasão francesa.
Pinto de Sousa, enviado para apurar a idoneidade da potência media‑
dora e para colher qualquer informação relevante, exerceu espionagem e
diligências de negociação paralela.
Quando o Directório francês aceitou negociar directamente com repre‑
sentantes portugueses, José Manuel Pinto de Sousa, nomeado secretário do
embaixador extraordinário Diogo de Noronha (1747­‑1806), rumou a Paris.
A missão fracassou e Pinto de Sousa foi acusado de conspirador pelo
governo espanhol. Contudo, o rigor das suas informações e a sua perspicácia
nas análises conjunturais agradaram ao príncipe regente D. João.
Em 1801, foi nomeado para ministro plenipotenciário na Suécia. Por
problemas de reciprocidade diplomática não chegou a partir para Estocolmo.
Ficou em Lisboa e participou na conclusão das longuíssimas e pantanosas
negociações de paz com a França, efectivada dois meses antes de Napoleão
ser proclamado imperador dos Franceses.
Escolhido, em 1804, para representar Portugal junto da Santa Sé, o di‑
plomata viveu em Roma as dificuldades imensas provocadas pela invasão
quase simultânea do Estado acreditante e do Estado acreditador. Veio a
morrer na Cidade Eterna, em 1818.
Apresentamos, antes do estudo dos Elementos da Hermeneutica do Direito
Portuguez, uma primeira construção da biografia do Autor que cremos con‑
tribuir para a História da Política Externa e da Diplomacia portuguesas10,
estreitamente ligadas à História do Direito.
10
Seguimos a concepção de José Calvet de Magalhães de acordo com a qual «política
externa» consiste no conjunto de decisões e acções de um Estado em relação ao domínio
externo e «diplomacia» é um instrumento pacífico plurilateral da política externa que opera
através de intermediários, mutuamente reconhecidos. Segundo este Diplomata: «A verdade é
que de facto a maioria ou quase totalidade das obras intituladas “história diplomática” não se
ocupa da história da diplomacia propriamente dita mas sim da história das relações externas
ou da política externa de determinados países.» Cf. Magalhães, José Calvet de – A diplomacia
pura. Venda Nova: Bertrand Editora, 1996, pp. 16 a 30.
12
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
Na segunda parte, procedemos ao enquadramento histórico­‑jurídico dos
Elementos, sem pretender fazer um estudo da hermenêutica no século xviii
ou qualquer incursão mais avançada na Filosofia do Direito mas, tão-só,
compreender a hermenêutica no iluminismo pombalino.
Na análise do conteúdo da obra, que levanta a dificuldade de constituir
a tarefa, algo pleonástica, de interpretar um texto sobre regras de interpre‑
tação, acompanhamos a divisão do Autor em deferência para com o curso
do seu pensamento. Tentamos ressaltar o pensamento jurídico e político
do lente que o texto desvenda.
Resta dizer que a interpretação unifica as duas partes do trabalho. Pinto
de Sousa, que na academia escreveu sobre a interpretação das leis, ou como
o próprio inúmeras vezes a designa, a «inteligência» das Leis, na diplomacia
foi sempre um intérprete de palavras, actos, intenções e motivações.
Antes de começar, tomamos de empréstimo as palavras do próprio
Doutor José Manuel Pinto de Sousa, no primeiro escrito desenvolvido
da sua carreira diplomática: «Os factos são verdadeiros; mas pode sêr que
a combinação seja errada: mereço porem desculpa em attenção á minha
pouca pratica de negocios d’esta natureza.»11
11
Juizo sobre a Mediação do Gabinete Hespanhol na actual Negociação da Paz entre
Portugal e a República Francêza, 1.º de Maio de 1798. ANTT. Documentos dos Negócios
Estrangeiros Correspondência das Legações portuguesas, (Madrid), 1798, Cx 644.
Índice
Prefácio . .......................................................................................................... 5
Introdução......................................................................................................... 7
Parte I
José Manuel Pinto de Sousa (1754­‑1818):
Primeiras linhas da sua biografia
1. Nascimento em Lamego e vida académica em Coimbra (1754­‑1797)........ 14
2. Das lições em Coimbra às negociações de paz com
a França (1798­‑1801).................................................................................. 38
2.1
Portugal lutando pela neutralidade....................................................... 39
2.2
Missão secreta em Espanha.................................................................. 46
2.3
Embaixada extraordinária a Paris.......................................................... 59
2.4
Regresso a Lisboa: as acusações............................................................ 68
2.5
Conflito inevitável: a Guerra das Laranjas............................................. 71
3. Nomeação para Estocolmo com permanência em Lisboa e negociação
do Tratado de Neutralidade e Subsídios com o general Lannes
(1801­‑1804)...................................................................................................75
3.1
Suspensão da partida para a Suécia e litígio com José Anselmo
Correia Henriques............................................................................... 75
3.2
Contributo para a neutralidade portuguesa na guerra entre a França
e a Grã­‑Bretanha................................................................................. 80
4. Catorze anos de representação portuguesa junto da Santa Sé............. 85
4.1
Entrega das credenciais a Pio VII e discussão do Alvará de 4 de Setembro
de 1804 em Paris................................................................................. 88
Roma: início de funções...................................................................... 92
4.2
276
A INTELIGÊNCIA DAS LEIS
4.3
Invasões Francesas em Portugal e em Roma. Permanência
do comendador Pinto no seu posto, sem carácter oficial...................... 96
4.4
A recuperação em Portugal e em Roma. Últimos anos de José
Manuel Pinto. Conflito de competências com o conde do Funchal....105
5. José Manuel Pinto de Sousa e o seu tempo..........................................114
Parte II
Os «Elementos da Hermeneutica do Direito
Portuguez» (1787)
1. Os Elementos e a Análise de D. 48. 18, 17 sobre a confissão em Processo
Penal: dois escritos para o ensino teórico­‑prático da hermenêutica.......119
2.Enquadramento histórico­‑jurídico da obra............................................126
2.1
O texto e o seu tema: hermenêutica jurídica na Idade........................126
2.2
da Metafísica iluminista.......................................................................126
O texto no seu contexto: a Universidade pós­‑pombalina....................140
2.3 O texto, seu objecto e método...........................................................157
2.4 Sistema e Constituição nos Elementos da Hermeneutica..........................171
3.Análise do conteúdo da obra...................................................................184
3.1
A necessidade da interpretação e da hermenêutica..............................186
3.2
As espécies de interpretação................................................................206
3.3
Subsídios da interpretação gramatical..................................................209
3.4
3.5
3.6
Subsídios da interpretação lógica.........................................................211
Aplicação das leis aos factos................................................................214
Os intérpretes do Direito Português...................................................220
4. José Manuel Pinto de Sousa e os seus «Elementos da
Hermeneutica do Direito Portuguez»..................................................................... 223
Anexo...............................................................................................................225
Bibliografia.......................................................................................................263
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