Declaração de intenções
Paulo Jorge de Sousa Pinto
Membro da AI nº 1054
Sou membro da Amnistia Internacional desde 1987. Era, nessa altura, um jovem estudante de
Letras, a AI era uma entidade razoavelmente desconhecida em Portugal e “direitos humanos”
era tema ainda muito politizado. Lembro-me de mencionar a minha adesão a colegas e
familiares e de ouvir comentários que oscilavam entre o “para que é que isso dá?” e o “para
que é que isso serve?”. Amigos “de esquerda” olhavam de soslaio, amigos “de direita”
lançavam piadinhas sobre o logotipo, dizendo “onde está a foice e o martelo?”.
Durante vários meses, disponibilizei algum tempo semanal para trabalhos diversos, na então
sede na R. Martens Ferrão. Depois afastei-me e a militância ativa que inicialmente planeei
acabou por ser sucessivamente adiada. Não deixei, contudo, de acompanhar a atividade da AI
Portugal e de manter durante estes anos uma ligação informada mas discreta, participando nas
campanhas, assinando petições e enviando apelos. Há já algum tempo que vinha tomando
forma uma vontade crescente de me envolver de forma mais empenhada e próxima. Este
momento pareceu-me, assim, propício. Sendo historiador e investigador, assumo e reconheço
estar mais familiarizado com a vida académica do que com o ativismo dos Direitos Humanos,
todavia esta é uma causa transversal que afeta, ou deve afetar, melhor dizendo, qualquer
exercício elementar de cidadania. Além disso, o desempenho de funções executivas e de
direção num instituto universitário durante uma década permitiu-me algum contacto com as
realidades concretas de uma direção institucional.
Sou de opinião de que o atual panorama da situação dos Direitos Humanos no mundo coloca
importantes desafios à AI e à sua missão. E que aprofundar e debater com seriedade várias
questões afins é, mais do que uma sugestão, uma necessidade. Quando me fiz membro da AI,
o seu mandato – espero não estar a cometer um erro decorrente de um lapso de memória –
estava limitado a três pontos essenciais (e que me foram relembrados quando me inscrevi):
liberdade imediata para os “prisioneiros de consciência”, julgamentos justos e imparciais para
todos as outras situações e abolição universal da tortura e da pena de morte. Desde então, o
escopo da sua intervenção alargou-se consideravelmente, e presumo que o debate sobre o que
é ou não matéria de direitos humanos continue presente e ativo.
Neste sentido, há duas ordens de questões que captam a minha atenção de forma particular e
que não gostaria de deixar de mencionar. A primeira prende-se com as arestas que dificultam
a defesa dos direitos humanos em contextos, digamos, civilizacionais distintos do que
habitualmente designamos por “mundo ocidental”: como agir onde várias formas ou hábitos
de discriminação, violência ou supressão de direitos elementares se encontram enraizados e
são tomados como tradicionais e integrantes de uma determinada cultura? Serão os Direitos
Humanos um modelo ocidental que tem que ser adaptado às realidades locais? Dada a minha
formação, interessam-me particularmente vários contextos asiáticos, desde as sobrevivências
do sistema de castas na Índia, as propaladas raízes islâmicas da excisão genital feminina ou as
tradições políticas autoritárias na China, na Malásia ou em Singapura.
A segunda é uma preocupação mais abrangente que se prende com o próprio campo de ação
da defesa dos Direitos Humanos: deverá circunscrever-se aos casos flagrantes de atrocidades
e abusos que fazem o quotidiano de tantos países, ou deverá a AI dedicar parte da sua atenção
a outras situações, como o modo como os contextos de crise na Europa e na América afetam
e reduzem a importância do respeito por direitos e liberdades (sociais, laborais, de expressão,
etc)? A “Educação para os Direitos Humanos”, vetor de ação da AI que me parece
absolutamente essencial, porque basilar da formação de uma consciência cívica ativa tantas
vezes menosprezada a favor do risco, da competição e do sucesso, confunde-se, excede ou
constitui parte de uma “Educação para a Cidadania”?
Paulo Jorge de Sousa Pinto
Nota Biográfica
Paulo Jorge de Sousa Pinto
Membro da AI nº 1054
Paulo Jorge de Sousa Pinto (Lisboa, 1966). Historiador e atualmente investigador no Centro
de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa, bolseiro de pósdoutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Licenciado em História pela
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mestre em História dos Descobrimentos e da
Expansão Portuguesa pela Universidade Nova de Lisboa, doutor em Ciências Históricas pela
Universidade Católica Portuguesa. Tem desenvolvido trabalho e investigação científica sobre
presença europeia na Ásia e história, cultura e civilização do Sueste Asiático (sécs. XVIXIX), entre livros, artigos em revistas científicas e participação em colóquios e seminários
internacionais, de que se destaca The Portuguese and the Straits of Melaka, 1575-1619:
Power, Trade and Diplomacy, Singapore University Press, 2012. Tem igualmente obra
publicada no âmbito da divulgação científica (Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100
Perguntas Sobre Factos, Dúvidas e Curiosidades dos Descobrimentos, Lisboa, Esfera dos
Livros, 2013).
Integrou a direção e assumiu o secretariado executivo do Instituto de Estudos Orientais da
Universidade Católica Portuguesa entre 2003 e 2012 e lecionou no Mestrado em Estudos
Orientais do mesmo instituto. Emite regularmente opinião no blog Jugular, desde a sua
fundação em 2007. É membro da Amnistia Internacional desde 1987.
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