Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo: 04627/04 - VISEU Secção: 2ª Secção - Contencioso Tributário Data do Acordão: 26-06-2008 Relator: Fonseca Carvalho Descritores: IRC - MÉTODOS INDICIÁRIOS – PRESSUPOSTOS - SUPRIMENTOS Sumário: I – Os suprimentos traduzem-se em empréstimos de dinheiro efectuado pelos sócios à sociedade ou pela dilação da cobrança de um crédito da sociedade para com estes, por um período superior a um ano. II – A sua normal é a de garantir fluidez de caixa e na medida em que são indispensáveis para o funcionamento normal da sociedade devem ser qualificados como custos fiscalmente dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC. III – Tendo a AF em acção de fiscalização demonstrado que as quantias contabilizadas como suprimentos não correspondiam a reais e efectivos mútuos a AF deve desconsiderá-los como custos fiscalmente dedutíveis. IV – Se para alem disto a contabilidade do sujeito passivo contem irregularidades ou anomalias que impossibilitam a AF de comprovar e quantificar a matéria colectável fica legitimada para se socorrer dos métodos indiciários no apuramento da matéria colectável – artigo 51 e 52 do CIRC. V – Todavia o uso dos métodos indiciários há-de considerar-se ilegal no caso dos autos na medida em que a AF se limitou a presumir como compras e vendas omitidas o montante dos suprimentos efectuado em cada exercício numa mera contraposição contabilística e sem que explique as razões por que concluiu corresponderem os montantes contabilizados como suprimentos a vendas ou compras presumidas. VI – O critério valorimétrico ou quantitativo não se mostra fundamentado e como tal a quantificação da matéria colectável e a consequente liquidação estão formalmente viciadas não podendo manter-se. Aditamento: Parecer Ministério Publico: 1 Decisão Texto Integral: Não se conformando com a sentença do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Visoveste – , Ldª, contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 1992 no montante global de 995.295$00 veio a Fazenda Pública dela interpor recurso para o TCAN concluindo assim as suas alegações: A)- A presente impugnação vem interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1992; B)- tal liquidação teve por base correcções à matéria tributável encontrada através da aplicação dos métodos indiciários, cujos pressupostos para a sua aplicação, se mostram devidamente preenchidos; C)- A impugnante só a partir de Julho de 1994 é que passou a vender peças a retalho; até aí, apenas vendia por grosso sendo que as facturas não evidenciavam os formalismos que a lei impunha; D)- Os suprimentos contabilizados, eram de montante muito elevado e não estavam apoiados em documentos idóneos, não se sabendo a sua origem; E)- Ao contrário do dado como provado, tais suprimentos não foram reais, o que se pode inferir do depoimento da testemunha ao afirmar não ter visto ou assistido a qualquer entrega nem viu qualquer tipo de documento; E)- Contabilisticamente, os suprimentos estão documentados apenas por uma nota interna sem qualquer outro suporte de acordo, aliás, com o que foi afirmado em auto de declarações junto aos autos; G)- Existe especificação quanto à determinação do lucro tributável e a razão de ser da não consideração dos prejuízos declarados por serem fictícios e não reais; H)- Não é, assim, relevado contabilisticamente, o circuito financeiro decorrente da actividade da impugnante; H)- As correcções às vendas declaradas têm suporte legal e estão devidamente explanadas no relatório; I)- Ao contrário do que se refere na douta sentença recorrida, o acto tributário impugnado, mostra-se suficientemente fundamentado, sendo possível extrair todo o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática; J)- A douta sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do disposto nos art°s 51°, 52° e 98°, todos do CIRC, e ainda, do disposto nos art°s 82° a 87° do CIVA, com a redacção ao tempo dos factos. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente e por não provada a presente impugnação, com as legais consequências. Não houve contra alegações. O MP pronuncia-se pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos cumpre decidir. Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal «a quo» deu como provada: A) A impugnante exerce a actividade de “comércio por grosso e retalho de vestuário”, CAE 51421, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, dispondo de contabilidade regularmente organizada (cfr. fls. 36 e 37 dos autos); B) Na sequência de uma acção de fiscalização a Administração Fiscal concluiu que a contabilidade não merece credibilidade, razão pela qual se apurou o novo lucro tributável, para os exercícios de 1992 a 1995, inclusive, conforme mapas dos valores declarados e corrigidos (anexos XV a XVIII) com recurso à aplicação dos métodos indiciários, de acordo com o estipulado na alínea d), do n°1, do art. 51°, nomeadamente pelos seguintes motivos: -Saldos credores de Caixa (Exercícios de 1992); -Suprimentos muito elevados sem suporte documental; -Facturas sem identificar devidamente o cliente; e -Sonegação de custos à contabilidade. Nomeadamente, de combustível. Assim, propuseram que fossem corrigidas as vendas declaradas nos exercícios de 1992 a 1994, acrescendo a estas, os valores dos suprimentos efectuados nos montantes de 3.800.000$00, 3.200.000$00 e 1.900.000$00, respectivamente. Para o exercício de 1995, uma vez que foi feito investimento em imobilizado no valor de 8.280.190$00, sendo 6.000.000$00 financiado por crédito externo, aceitaram que a diferença desses valores (2.280.190$00) foi efectuado através de suprimentos. Deste modo, para o exercício de 1995, as vendas foram corrigidas, apenas, no montante de 4.629.310$00 resultante da diferença entre os suprimentos do ano e o autofinanciamento para imobilizado através de suprimentos = (6.909.500$00 — 2.280.190$00) (cfr. fls. 43 e 44 dos autos — Relatório de fiscalização e anexos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); C) Não se conformando com tal decisão a impugnante deduziu reclamação para a Comissão Distrital de Revisão, tendo-se por acordo (que o vogal do contribuinte relutantemente também assinou) chegado aos seguintes indicadores: Ano de 1992 IRC — Lucro Tributável 1.537.412$00; IVA — Volume de Negócios 5.205.029$00; IVA — Imposto em falta 608.000$00; * Ano de 1993: IRC — Lucro Tributável 406.249$00; IVA — Volume de Negócios 7.267.900$00; IVA — Imposto em falta 512.000$00; * Ano de 1994: IRC — Lucro Tributável 737.511$00; IVA — Volume de Negócios 5.432.041$00; IVA — Imposto em falta 304.000$00; * Ano de 1995 IRC — Lucro Tributável 195.697$00; IVA — Volume de Negócios 8.664.744$00; IVA — Imposto em falta 646.969$00; (cfr. fls. 20 e 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); D) Em 15-09-1997, o Sr. Chefe de Repartição de Finanças do Concelho de Viseu confirmou o acordo efectuado (cfr, despacho aposto a fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); E) A impugnante veio deduzir a presente impugnação na ia Repartição de Finanças de Viseu no dia 12-01-1998; F) Do depoimento da testemunha, de fls. 108 e 109 dos autos, prestado com precisão e revelando conhecimento dos factos, resulta ainda provada que a forma como a impugnante exercia a sua actividade no período em causa (à porta fechada e vendendo essencialmente fatos de cerimónia) levou a que nesse período se verificassem prejuízos, os quais foram suportados através de realização de suprimentos. FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da impugnação. Foi perante esta factualidade que o M.mo Juiz «a quo» se debruçou sobre o invocados vícios fundamentos da impugnação que consistiriam segundo a impugnante na falta de fundamentação para tributação por métodos indiciários e na errada quantificação dos valores apurados por recurso a tal método. No fundo o que se questiona é a existência ou não dos pressupostos legais que legitimam a AF a apurar o lucro tributável através do recurso a métodos indiciários e esta violação de lei não pode nunca ser confundida como vício de falta de fundamentação por esta ilegalidade ser meramente formal. No caso dos autos o M.mo Juiz considerou que a liquidação impugnada se mostrava insuficientemente fundamentada por não ser possível extrair dos elementos dos autos o percurso cogniscitivo seguido pela AF e que culminou na liquidação impugnada. A Fazenda Pública insurge-se contra esta decisão e desde logo questiona a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal «a quo» designadamente não aceitando que se dêem como provados o factos constantes da alínea f) do probatório. Refere a recorrente que resulta do relatório da fiscalização que a impugnante iniciou a sua actividade em 1990 tendo em Maio de 1994 apresentado uma declaração de alterações em que se propunha exercer também o comércio a retalho de vestuário actividade esta que iniciou em 08/07/1994. Daqui inferir-se-ia que só a partir de Julho de 1994 é que a impugnante passou a vender peças a retalho pelo que sem mais não se pode inferir do depoimento da testemunha que os prejuízos acumulados tenham a ver com esta forma de comércio. E tendo a testemunha dito que no que concerne à contabilidade e suprimentos nada sabia tem tal depoimento de restringir-se à actividade e ao período a partir de Julho de 1994 que nada tem a ver com o período a que esta liquidação respeita. Ou seja os factos descritos na alínea f) não seriam causais dos prejuízos referentes a 1993 período que respeita ao IVA. Refere depois que os suprimentos por não estarem alicerçados em documento idóneo não devem dar-se como efectivamente efectuados. E se bem analisarmos os autos e o teor do relatório da inspecção constatamos que o depoimento da testemunha que a M.ma Juíza erige como base da prova dos factos dados como provados na alínea F) do probatório da sentença recorrida a aproveitar-se apenas relevaria relativamente à factualidade respeitante ao período posterior a Julho de 1994 altura em que a impugnante passou a exercer aquela actividade pela testemunha descrita à porta fechada e traduzida essencialmente na venda de fatos de cerimónia. Ou dizendo por outras palavras o depoimento da testemunha não aproveita nem pode aproveitar para prova dos prejuízos referentes aos exercícios de 1992 e 1993 discriminados e constatados no relatório da inspecção que não são assim justificados. E por isso os factos constantes da alínea f) do probatório da sentença recorrida não podem dar-se como provados pelo que se determina a eliminação do probatório da factualidade nela dada como provada. Será que se pode afirmar como o fez o M.mo Juiz «a quo» que a liquidação se não encontra suficientemente fundamentada por dos autos não se ficar a saber com clareza o “iter cognoscitivo” e pelo facto de não se mostrarem especificados os prejuízos na determinação do lucro tributável. E será que os suprimentos tiveram real existência? A impugnante logrou provar tal factualidade? Não restam dúvidas de que como afirma o M.mo Juiz e a lei impõe a fundamentação dos actos administrativos deve traduzir-se numa exposição ainda que suscinta das razões de facto e de direito que determinaram a entidade administrativa a decidir em determinado sentido e não noutro. È o que o CPA preceitua cfr. artigo 124.º e 125.º sendo equivalente a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição e insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto de facto e de direito. Efectivamente visando a lei com tal exigência o controlo da legalidade na formação da vontade da do órgão da administração emitente do acto designadamente o seu controlo judicial a imposição daqueles requisitos e a sua concretização de forma clara lógica e congruente pode desde logo levar ao convencimento do destinatário do acto e quando não acatada pode garantir uma melhor defesa do mesmo além de obrigar o emitente a ponderar as razões e legalidade da sua decisão contribuindo para uma efectiva transparência da actividade administrativa. No caso dos autos. A Administração Fiscal constatou que de 1992 a 1995 a impugnante vem acumulando os prejuízos especificados em cada um dos exercícios descritos a folhas 39 dos autos – relatório da inspecção sendo que relativamente ao exercício de 1993 o prejuízo do exercício é de 3.323.999$00 e o prejuízo acumulado se cifra nos 9.155.424$00 com uma indiciação de suprimentos na ordem de 3.200.000$00 e suprimentos acumulados de 9.000.000$00. Relativamente à Caixa como se vê de folhas 40 no exercício de 1993 a impugnante fez um depósito de 200.000$00 em numerário e suprimentos de 450.000$00 sendo que em 01/01/1993 apresentava o saldo de apenas de 13.827$00. Por outro lado a AF constatou que os depósitos de elevado montante se efectuavam em numerário e as quantias pequenas em cheques o que não é muito normal. Relativamente aos suprimentos eles são uma constante ao longo de toda a actividade da firma, são normalmente idênticos ao montante dos custos menos as vendas aparecendo para suportar os encargos normais da actividade. Os suprimentos estão documentados apenas em nota interna sem qualquer outro suporte. Portal facto não é possível comprovar a sua veracidade. E a impugnante em parte alguma conseguiu provar a existência dos mesmos. Porque a escrita da impugnante face à omissão de uma correcta contabilização dos suprimentos e ausência de elementos contabilísticos fiáveis e porque as facturas relativas a vendas não obedecem ao preceituado no artigo 35º do CIVA e porque o circuito financeiro analisado da empresa não é relevado contabilisticamente com recurso sistemático aos suprimentos para efeitos de demonstração do equilíbrio das contas não merece credibilidade a AF ficou impossibilitada de comprovar e quantificar directamente o lucro tributável vendo-se na necessidade de recorrer aos método indiciários para tal apuramento como afirma a folhas 27 dos autos. Como se sabe integram o conceito de suprimentos os montantes em dinheiro ou bens de natureza fungível que a título de mútuo o sócio ou os sócios emprestam à sociedade ficando aquela obrigada a restituição idêntica em quantidade género e qualidade. Os suprimento são, como se vê, uma forma de combater a subcapitalização nominal das empresas sobretudo nas sociedades por quotas. Efectuam-se as mais das vezes para acorrer a necessidades temporárias de falta de liquidez. Tem também a natureza de suprimento a dilação aceite de um crédito de um sócio sobre a sociedade cfr. artigo 243.º, n.º 1 do CSC desde que o prazo de reembolso seja superior a um ano. Apresentam a vantagem em relação aos mutuantes de poderem ser restituídos aos sócios em qualquer altura além de poderem vencer juros. Ora neste sentido os suprimentos apresentam em sede de IRC a natureza de custos fiscalmente relevantes cfr. artigo 23.º al. c) do CIRC. Ora o que se constata é que no caso dos autos a impugnante não comprova que as quantias que contabilizou como suprimentos tenham sido efectivamente prestados e daí que a AF os não aceite e qualifique de custos fiscais dedutíveis. Efectivamente como bem salienta a FP os documentos onde a impugnante alicerça aprova desses suprimentos apenas provam que os indivíduos neles referidos aceitaram aquelas letras e livranças e nada mais do que isso. Porque a impugnante não logrou por em causa estes factos o TCAN dá aqui como provados todo os factos constantes do probatório da sentença recorrida com excepção dos referidos na alínea F) pelas razões anteriormente expostas. As razões do recurso aos métodos indiciários estão explicitadas como se disse a folhas 27 e integram as situações previstas no artigo 51.º, n.º 1 do CIRC ao mesmo tempo que são causais da impossibilidade da AF poder de forma directa comprovar e quantificar o lucro tributável e são elas as legitimadores do uso subsidiário de tal metodologia. Dito de outro modo. As anomalias e inexactidões detectadas na escrita na medida em que impossibilitam também o apuramento exacto e directo da matéria colectável são de per si legitimadoras do recurso aos métodos indiciários. Só que no caso dos autos a AF não demonstra um critério adequado usado no apuramento da matéria colectável. Efectivamente a constatação de que as quantias declaradas como suprimentos não têm existência real não sendo aceites como tal pela AF apenas justifica que essas quantias não sejam aceites como custos fiscalmente dedutíveis artigo 23.º do CIRC e nada mais. O apuramento do volume de negócios com a simples contraposição do montante dos suprimentos como base do montante das compras ou vendas presumidas assenta numa mera presunção e tal método não é aceitável nem legal sendo contrário à própria definição de presunção cfr. 349.º artigo do CC. Daí que se não possa afirmar que a AF cumpriu com a prova de todos os pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indiciários. E nesta medida pode mesmo afirmar-se que o “iter cognoscitivo” da quantificação do imposto em causa se mostra obscuro sendo insuficiente a sua fundamentação. Assim e embora com diferente fundamentação acordam os Juízes do TCAN em negar provimento ao recurso. Sem custas. Notifique e registe. Porto, 26/06/2008 José Maria da Fonseca Carvalho Moisés Rodrigues Dulce Neto