Gleitman, Henry; Fridlund, Alan J.; Resiberg, Daniel - Psicologia. 6ª ed. Lisboa:
FCG, 2003. cap. 1, 1-14.
Notas prévias:
Produzido pelos Serviços de Documentação da Universidade de Aveiro.
Organização da paginação: topo da página.
Notas de rodapé numeradas sequencialmente e no final do texto.
[1]
CAPÍTULO 1 - Introdução
O que é a psicologia? É um campo de pesquisa por vezes definido como a
ciência do espírito, outras como a ciência do comportamento. Interessa-se pelo
como e pelo porquê do que os organismos fazem. Porque uivam os lobos para
a lua e os filhos se rebelam contra os pais; porque voam os pássaros e voam
as borboletas na direcção da chama; porque nos lembramos de como montar
uma bicicleta, vinte anos após a última vez; porque falam, amam e guerreiam
os homens. Tudo isto são comportamentos e a psicologia é a ciência que os
estuda a todos.
O CAMPO DA PSICOLOGIA
Os fenómenos que a psicologia considera do seu domínio abrangem uma
extensão imensa. Alguns confinam com a biologia, outros fazem fronteira com
as ciências sociais, como a antropologia e a sociologia. Alguns dizem respeito
ao comportamento dos animais, muitos outros pertencem ao comportamento
dos homens. Uns referem-se à experiência consciente, outros concentram-se
no que as pessoas fazem, independentemente do que possam pensar ou sentir
por dentro. Alguns ocupam-se das pessoas ou dos animais isolados, outros
debruçam-se sobre o que fazem em grupo. Vários exemplos poderão
proporcionar uma primeira compreensão do campo da psicologia.
[2]
Imagens Electricamente Provocadas
Considere-se a relação entre mecanismos biológicos e fenómenos
psicológicos. Uns investigadores desenvolveram uma técnica de estimulação
eléctrica dos cérebros de pacientes humanos, em vésperas de se sujeitarem a
uma cirurgia cerebral. Estas operações são efectuadas geralmente com
anestesia local e não geral. Deste modo, os pacientes continuam conscientes e
as suas informações podem orientar o neurocirurgião no decurso da operação.
Este e outros procedimentos mostraram que diferentes partes do cérebro
exercem diferentes funções psicológicas. Por exemplo, ao serem estimulados
em certas partes do cérebro, os pacientes têm experiências visuais - vêem
faixas de cores ou luzes a tremeluzir. Quando estimulados noutras regiões,
ouvem estalidos ou zunidos. A estimulação de outras áreas pode produzir o
movimento involuntário de uma parte do corpo (Penfield e Roberts, 1959;
Penfield, 1975).
Resultados próximos provêm de estudos que observam o índice de
circulação do sangue pelas diferentes partes do cérebro. Quando uma qualquer
parte do corpo está particularmente activa, verifica-se aí um afluxo de sangue traz oxigénio e alimento e leva os produtos inúteis - e o cérebro não é
excepção. A questão que se levanta é a de se saber se a grandeza do afluxo
do sangue depende daquilo que o paciente faz. A resposta é afirmativa. Se o
paciente lê silenciosamente, certas regiões do cérebro recebem mais sangue
(e assim presume-se que estejam mais activas) do que outras. Verifica-se uma
diferente medida de fluxo sanguíneo, quando a pessoa lê alto; outra ainda,
quando observa uma luz a mover-se, e assim por diante (Lassen, Ingvar e
Skinhoj, 1978).
Figuras e Sons Ambíguos
Muitos fenómenos psicológicos são melhor estudados não ao nível
biológico mas psicológico. Um exemplo é a percepção de formas visuais
ambíguas. Repare-se na Figura 1.1, que é uma fotografia de um vaso criado
para a Rainha Isabel II, por ocasião das suas Bodas de Prata. É geralmente
vista como um vaso, mas pode também ser vista como os perfis da rainha e do
seu consorte, o Príncipe Filipe.
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.1 com o título Figura
reversível. Fotografia de um vaso que celebra o vigésimo quinto ano de reinado
da Rainha Isabel II, em 1977. Consoante a figura for perceptivelmente
organizada, veremos o vaso ou os perfis da Rainha Isabel II e do Príncipe
Filipe. (Gentileza de Kaiser Porcelain Ltd.)
A maneira como se percepcionam as figuras ambíguas depende muitas
vezes do que se viu imediatamente antes. Considere-se a Figura 1.2, que pode
ser vista ou como um rato ou como um senhor com óculos bonacheirão. Se nos
mostrarem primeiro uma figura não ambígua de um rato, a figura ambígua será
vista como um rato. Se nos mostrarem primeiro um rosto não ambíguo, a figura
ambígua será vista como um rosto.
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.2 intitulada Viés perceptivo. (A)
Forma ambígua que pode ser vista como (B) um rato ou como (C) um homem
com óculos. (Bugelski e Alampay, 1961)
O que é válido para as formas visuais é-o igualmente para a linguagem.
Muitas expressões verbais são ambíguas.
[3]
Quando apresentadas fora de contexto, podem ser compreendidas de muitos
modos diferentes. Vejamos a seguinte frase, por exemplo:
O governador deu ordem à polícia para acabar com a bebida.
Esta frase pode ser uma ordem para impor sobriedade na população em
geral. Pode também ser um apelo para que se acabe com a embriaguez na
polícia. O modo exacto como for compreendida dependerá do contexto. Uma
conversa anterior sobre vagabundos ou derrapagens estridentes levará talvez à
primeira interpretação; uma conversa sobre alcoolismo entre empregados da
cidade é provável que leve à segunda.
O Mundo Perceptivo dos Bebés
Fenómenos do género dos que acabámos de apresentar atestam o
grande efeito da experiência anterior no que vemos e fazemos. Tal não
significa, porém, que todas as nossas competências psicológicas sejam
adquiridas com a experiência. Algumas parecem fazer parte do equipamento
inato que todos trazemos ao nascer. Um exemplo é o da reacção do bebé à
altura.
Os bebés que gatinham parecem ser notavelmente eficientes na detecção
de precipícios, na vida do dia-a-dia. Uma demonstração é a do precipício
visual. Trata-se de uma mesa de vidro grande, dividida no meio por uma tábua
de madeira. Num dos lados da tábua, colocou-se um padrão quadriculado por
baixo do vidro; no outro o mesmo padrão encontra-se colocado no chão, cerca
de 90 centímetros abaixo. Para os adultos, esta disposição assemelha-se a um
desnível súbito, no centro da mesa. Os bebés de seis meses parecem vê-lo em
grande medida da mesma maneira. Quando se coloca o bebé na tábua ao
meio, e a mãe o chama, a reacção depende de onde se encontra o menino,
quando ela gesticula chamando-o. Se estiver no lado plano, ele gatinhará
rapidamente ao seu encontro. Mas se o chamar do lado do precipício aparente,
vence a prudência sobre a coragem e o bebé fica onde está (Figura 1.3).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.3 com o título O precipício
visual. (A) Coloca-se o bebé sobre uma tábua no centro de uma forte chapa de
vidro e a mãe chama-o. Se ela estiver do lado "fundo" do precipício, ele não
gatinhará ao longo do precipício aparente. (Gentileza de Richard D.Walk. (B)
Reacção similar num gatinho. (Gentileza de William Vandivert)
[4]
Este resultado sugere que, pelo menos em certa medida, a percepção da
profundidade não é aprendida com a experiência mas está integrada no nosso
sistema desde o início.
Exibições e a Evolução da Comunicação
Até agora, os exemplos dados referiram-se a comportamentos de
indivíduos. Mas grande parte do objecto da psicologia é, por inerência, social.
Isto tanto vale para os animais como para os homens. Virtualmente, todos os
animais interagem com outros das respectivas espécies, seja como
companheiros, como progenitores, como prole ou como rivais.
Nos animais, muitas das interacções sociais contam, em grande medida,
com formas inatas de comunicação. Um exemplo é o da corte nos pássaros.
Muitas espécies desenvolveram estruturas corporais ou rituais elaborados com
os quais um dos sexos - geralmente o macho - corteja o outro. As modalidades
do namoro dependem das espécies. Certos machos fazem a corte, fazendo-se
notar: o pavão espalha em leque as magníficas penas da cauda, a ave-doparaíso ostenta a plumagem enquanto se pendura dum ramo de cabeça para
baixo, e a fragata vermelha enche de ar a bolsa avermelhada da garganta.
Outros machos efectuam uma aproximação mais romântica: o pássarojardineiro constrói um ninho que decora com frutos e flores coloridos. Os
machos de outras espécies dão prendas. Em todos os casos, a mensagem
fundamental é a mesma: "Sou um pavão (ou ave-do-paraíso ou fragata ou o
que seja) saudável, pretendente, e espero que as tuas intenções sejam
semelhantes às minhas" (Figura 1.4).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.4 intitulada Pássaros a
cortejar. Os pássaros desenvolveram gradualmente diversos padrões de
comportamento de corte que são fundamentalmente parte integrante e
característicos de cada espécie. (A) O pavão exibe as penas da cauda.
(Fotografia de Ed Reschke/Peter Arnold, Inc.) (B) A ave-do-paraíso azul
ostenta a plumagem enquanto dependurada dum ramo. (Fotografia de David
Gillison/Peter Arnold, Inc.) (C) A fragata enche a bolsa vermelha da garganta.
(Fotografia de Fred Bavendam/Peter Arnold, Inc.)
Estas comunicações sociais baseiam-se em exibições que são próprias
de cada espécie em particular, e que surgiram em consequência da selecção
natural. São modos de um indivíduo informar um outro do seu estatuto e das
suas intenções presentes. Algumas são exibições de acasalamento, como é o
caso dos rituais de corte. Outras são ameaças ("Desaparece, senão!"; Figura
1.5A). Outras ainda são apelos à paz ("Não me faças mal. Sou inofensivo!").
Algumas exibições inatas constituem a base das expressões nos homens. Um
exemplo é o sorriso, uma reacção que se encontra em todos os bebés, mesmo
nos nados-cegos que não puderam tê-lo aprendido por imitação.
Frequentemente, é considerado um sinal pelo qual os homens dizem entre
si:"Sê bom para mim. Eu quero-te bem" (Figura 1.5B).
[5]
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.5 com o título Exibições. (A)
Exibição de ameaça do mandril macho, um macaco grande da África Ocidental
(fotografia de George H. Harrison); (B) O sorriso humano. (Fotografia de Peter
Hendrie/The Image Bank)
Comportamento Social Complexo nos Homens
As interacções sociais humanas são geralmente muito mais subtis e
flexíveis do que as dos outros animais. Os pavões têm uma única maneira de
fazer a corte: espalham as penas da cauda e aguardam. Os homens e as
mulheres são, como em muitas outras manifestações sociais, muito mais
complexos a fazer a corte.Tentam uma aproximação e, se falhar, voltam a
tentar outra e outra ainda. Se estas também não forem bem sucedidas, os
parceiros farão o possível por preservar a reputação do outro. Neste sentido,
muito da vida social assenta na apreciação racional pelo indivíduo de como o
outro reagirá às suas próprias acções:"Se eu fizer isto... ele irá pensar nisto...
terei então de fazer isto...", e assim por diante. Tais subtilezas ultrapassam o
pavão. Se os seus rituais de corte falharem, ele não dispõe de qualquer
estratégia alternativa. Não irá tentar construir ninhos nem oferecer flores; tudo
quanto pode fazer é estender as penas da cauda repetidamente.
Embora o comportamento social humano encerre uma forte componente
racional, existem certas excepções óbvias em que parecemos agir com
escasso pensamento ou razão. Isso dá-se especialmente, quando nos
encontramos em grandes grupos. O pânico é um exemplo (Figura 1.6).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.6 intitulada Pânico. Richard
Bosman, 1982. (Colecção de Robert H. Helmick; gentileza de Brooke
Alexander, Nova Iorque)
[6]
Quando alguém grita "Fogo!", num auditório completamente cheio, o pânico
gerado poderá vir a provocar maior número de vítimas do que o próprio
incêndio. No virar do século, um incêndio num teatro de Chicago provocou
mais de seiscentos mortos, muitos dos quais asfixiados ou esmagados pela
massa apavorada atrás deles. Nas palavras dum sobrevivente, "As marcas dos
saltos dos sapatos nas faces mortas dão o testemunho mudo desse facto cruel
que é o de os animais humanos, possuídos pelo pavor, serem tão loucos e
insensíveis como um rebanho assustado em debandada" (Brown, 1965). É
tarefa da psicologia procurar compreender por que razão a multidão agiu de
maneira diferente de como cada um dos seus membros actuaria se estivesse
só.
UMA CIÊNCIA COM MUITOS ROSTOS
Os exemplos descritos mostram o campo imenso da psicologia, cujo
terreno confina com as ciências biológicas, por um lado, e com as ciências
sociais, por outro. Esta vastidão torna a psicologia um campo de múltiplas
perspectivas, uma ciência de muitos rostos.
Para tornar este aspecto mais claro, iremos concentrar-nos num
fenómeno psicológico e mostrar como é possível encará-lo de múltiplos e
fecundos pontos de vista. Esse fenómeno são os sonhos. O sonho é em si
mesmo um tema interessante, mas é também um exemplo particularmente feliz
de como a psicologia se debruça sobre qualquer fenómeno isolado, não numa
única perspectiva mas em várias.
Vamos começar por descrever o sonho como todos o conhecemos.
Adormecer é o único preço exigido para entrar nesta espécie de drama
nocturno. Em geral, trata-se de uma série de cenas, umas vezes inteiramente
comuns, outras vezes estranhas e desarticuladas, onde o sujeito que sonha
figura, com frequência, como participante. Enquanto se desenrola, a
representação do sonho é, em regra, experimentada como real. Parece, com
efeito, tão real que a pessoa, ao acordar, pergunta-se a si mesma se os
acontecimentos sonhados não teriam acontecido realmente. Como escreveu,
há mais de dois mil anos, um sábio chinês, "Uma vez eu, Chuang-tzu, sonhei
que era uma borboleta, adejando por aqui e por ali... Subitamente
acordei...Agora, não sei se sou um homem sonhando que é uma borboleta, se
uma borboleta sonhando que é um homem" (MacKenzie, 1965).
Como poderão estes eventos subtis e breves tornar-se alguma vez
matéria apropriada para a questão científica?
Os Sonhos como Experiências Mentais
Um modo de encarar os sonhos é como experiências mentais
conscientes. Segundo uma descrição antiga, que remonta ao filósofo grego
Aristóteles, a ocorrência dos sonhos constitui reevocações de imagens e de
sons que surgiram durante a vigília do indivíduo que sonha.
[7]
Aristóteles pensava que a sucessão das imagens do passado que aparecem
nos sonhos é sentida como real, enquanto dura, porque não existe, durante o
sono, qualquer competição por parte da realidade vígil e porque o intelecto fica
"entorpecido" (Aristóteles, ca. 330 a. C).
Investigações recentes tentaram relacionar o conteúdo dos sonhos das
pessoas com o que lhes acontece antes e durante o sono. Uma questão referese ao efeito das experiências em estado de vigília. Aparentemente, Aristóteles
tinha razão ao pensar que acontecimentos recentes reapareciam muitas vezes
nos sonhos. Assim é, em especial quando a experiência consciente recente é
fortemente emocional. Por exemplo, as pessoas que passaram pela
experiência de um tremor de terra podem reviver essa experiência em
pesadelos (Wood et al., 1992).
Alguns escritores sugeriram que as imagens do passado no sonho são
complementadas com acontecimentos externos que afectam o sonhador no
presente. Um exemplo amplamente citado é o do despertador que, com
frequência, se diz transformar-se, no sonho, em repique de sinos de igreja ou
em bomba de incêndio. Para verificar esta hipótese, vários investigadores
estudaram os efeitos da aplicação de diversas modalidades de estimulação
externa, durante o sono. Numerosos indivíduos adormecidos foram sacudidos,
submetidos a cócegas, borrifados com água e chamados aos gritos - tudo para
ver se, posteriormente, contariam um sonho que se referisse a estas
experiências. Alguns deles fizeram-no. Um exemplo é o sonho contado ao
acordar, após um experimentador ter gritado "Socorro" aos ouvidos do
indivíduo adormecido: "Vinha de regresso a casa no carro. Ouvi um grito e
parámos. Um carro tinha-se virado de lado, na estrada. Desci e vi que o veículo
estava tombado na berma da estrada... Havia uma mulher gravemente ferida.
Levámo-la para o hospital" (Hall, 1966, p. 6). É difícil não aceitar a conclusão
de que, de alguma maneira, o indivíduo ouviu e compreendeu o grito "Socorro",
mesmo adormecido, e o incorporou na narrativa do sonho.
Os Sonhos como Comportamento
Os
sonhos
como
experiências
mentais
conscientes
são
fundamentalmente pessoais: passam-se "no interior" do indivíduo. Sendo
assim, eles podem ser encarados como uma forma de comportamento, vista de
dentro, como se o actor estivesse a observar as suas próprias acções. Os
psicólogos, contudo, estudam a maioria dos aspectos do comportamento de
"fora", pois a maior parte do que fazemos é manifestamente evidente e pode,
por conseguinte, ser facilmente visto pelos outros. Os homens e os animais
agem. Correm, voam e esfalfam-se; comem, lutam e acasalam; muitas vezes
levam a cabo novos efeitos para atingir os seus fins.
COMPORTAMENTO MANIFESTO
Será possível estudar o sonho a partir de fora tomando esta perspectiva
de acção orientada?
[8]
À primeira vista, o panorama não parece muito brilhante, pois, durante o sono,
o corpo está de modo geral imóvel. Mesmo assim, existe uma maneira. É a de
que a pessoa adormecida, enquanto sonha, faz algo que pode ser observado
de fora: mexe os olhos.
Este facto surgiu após se ter verificado a existência de dois tipos de sono:
o sono lento e o sono paradoxal. Durante o sono lento, os ritmos respiratórios e
cardíacos são lentos e regulares, enquanto os olhos estão imóveis. Durante o
sono paradoxal, porém, o padrão é diverso. Os ritmos respiratório e cardíaco
aceleram e - o mais característico de tudo - os olhos movem-se para trás e
para a frente, por detrás das pálpebras cerradas, em movimentos rápidos e
irregulares. Períodos de sono lento e de sono paradoxal (este frequentemente
designado sono REM em virtude dos movimentos rápidos dos olhos) alternam
durante a noite, com um total de cerca de noventa minutos REM (Figura 1.7).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.7 com o título Sono lento e
sono paradoxal. Registo dos movimentos dos olhos captados por elétrodos ao
lado de cada olho. O registo mostra o traçado do movimento dos olhos, durante
o sono paradoxal, o período em que os indivíduos adormecidos sonham. Os
dois olhos movem-se rapidamente e em sincronia. (Segundo Dement, 1974)
Durante o sono REM temos sonhos visuais vívidos. Quando se despertam
os indivíduos - aqueles cujo comportamento está a ser estudado - num período
de sono REM, cerca de 80 por cento referem um sonho nítido (Dement, 1974),
conquanto a razão por que se movem os olhos no sono REM permaneça um
mistério.
BASES NEUROLÓGICAS DO COMPORTAMENTO
Uma outra chave da natureza dos sonhos diz respeito à sua base
neurológica. A maior parte dos psicólogos tem como certo que tudo quanto
façamos ou pensemos tem uma base física na actividade do cérebro. Mas
como deveremos estudar o cérebro adormecido? Um instrumento importante é
o electroencefalógrafo ou EEG, que mede a actividade eléctrica global do
cérebro. O registo gráfico do EEG representa os traçados muitas vezes
designados de ondas cerebrais (Figura 1.8).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.8 intitulada Sono e EEG. A
figura representa registos de EEG em vigília, nos estádios progressivamente
mais profundos do sono lento e do sono paradoxal. (Gentileza de William C.
Dement)
Os traços EEG de sono e de vigília diferem acentuadamente. À medida
que o indivíduo adormece, nos estádios cada vez mais profundos do sono, as
ondas do cérebro tornam-se lentas, longas e bastante regulares, indicando um
nível mais baixo de actividade cerebral. Mas isto só é válido para períodos de
sono lento. Quando este é interrompido pelo sono paradoxal (isto é, REM), o
EEG torna-se muito semelhante ao que se encontrou, quando o indivíduo está
acordado. Isto faz sentido pois sugere que, durante o sono REM, o cérebro se
encontra razoavelmente desperto e activo - tanto quanto deve estar, porquanto
estamos activamente ocupados no sonho vivo.
Os Sonhos como Cognição
Como muitos outros fenómenos psicológicos, os sonhos reflectem o que
conhecemos, o que experimentámos, recordámos ou pensámos - actividades a
que os psicólogos chamam cognição.
[9]
Claro que os acontecimentos do sonho não se passaram realmente. De facto,
não voámos pelo ar nem tomámos chá com a Rainha Isabel. Mas os seus
componentes foram seguramente extraídos do conhecimento próprio de quem
sonha, isto é, da informação que possui sobre voar e sobre a rainha de
Inglaterra. Como foi recuperado esse conhecimento e composto na história do
sonho? Como foi lembrado esse sonho mais tarde ao despertar? E por que
razão todos nós nos lembramos de tão poucos sonhos?
Alguns psicólogos tentaram debruçar-se sobre estas e outras questões
indagando acerca dos factores que contribuem para uma melhor lembrança
dos sonhos. Apresentaram provas de que as pessoas que melhor se lembram
dos sonhos possuem mais probabilidades de terem imagens visuais mentais
mais nítidas da vida vígil; talvez os seus sonhos sejam mais memorizáveis por
serem experimentados segundo uma forma pictórica mais viva (Cory et al,
1975). Outro factor é o saber-se em que medida a experiência do sonho sofre a
interferência do que acontece imediatamente após o indivíduo acordar. Em
determinado estudo, os indivíduos deviam telefonar para a estação
meteorológica assim que acordassem; a seguir, tinham de redigir uma
descrição minuciosa de quaisquer sonhos tidos nessa noite. Os resultados
revelaram que os relatos meteorológicos interferiam com a lembrança dos
sonhos. Aqueles que fizeram a chamada lembravam-se, de um modo geral,
que haviam tido um sonho, mas a maioria não conseguia lembrar-se do que
sonhara (Cohen eWolfe, 1973).
Os Sonhos e a Selecção Natural
Os homens podem não ser os únicos que sonham. Muitos donos de cães
têm visto os seus a mexerem-se, choramingar e latir enquanto dormem.
Estarão os cães a sonhar? Será que os outros animais também sonham? E se
o sonho se encontra difundido nos animais não-humanos, proporcionará então
alguma vantagem evolutiva?
Não podemos interrogar os outros animais sobre se sonham, mas
podemos verificar se têm sono REM. Os estudos sobre esta questão usam a
perspectiva comparativa segundo a qual muitas espécies são examinadas
tendo em vista a compreensão das funções possíveis e da história evolutiva do
comportamento. Estes estudos mostram que os anfíbios e os peixes não
apresentam sono REM, que os répteis podem apresentar e que os pássaros e
mamíferos apresentam (com apenas duas excepções até agora - o ouriço
formigueiro e o golfinho). Mas dizer que os indivíduos do reino animal com
sono REM têm realmente vidas de sonho não passa de mera conjectura.
Os Sonhos e o Comportamento Social
A vida humana raramente é solitária, mas passada entre uma grande
quantidade de pessoas - desconhecidos e amigos, companheiros e rivais,
consortes potenciais e reais.
[10]
O que é válido para a existência vígil, é-o igualmente para os sonhos. Alguns
sonhos representam temas de agressão, como competição, ataque e
submissão. Outros dizem respeito à amizade e por vezes ao sexo. Mas, seja
qual for a trama, o elenco inclui geralmente outras pessoas. Mais de 95 por
cento dos nossos sonhos são povoados por outras pessoas e a maior parte
gira à volta das nossas relações com elas (Hall e Van de Castle, 1966).
Os Sonhos e a Cultura
Os sonhos tocam os principais assuntos da vida da pessoa, mas têm
lugar no âmago de uma estrutura mais vasta - a própria cultura de quem sonha.
Na nossa sociedade, um sonho vulgar é aparecer despido entre desconhecidos
e ficar embaraçado. Mas tal seria improvável entre aborígenes australianos que
não usam qualquer vestuário. Também não é provável que os americanos das
cidades tenham pesadelos em que são apanhados por vacas, o que todavia se
verifica ser um sonho comum no Gana ocidental (Barnouw, 1963).
A cultura não afecta só o conteúdo dos sonhos mas também o que o
sonhador pensa, quando mais tarde se lembra dele. Em algumas sociedades,
inclusive a nossa, os sonhos são geralmente postos de lado como fantasias
absurdas, irrelevantes para a vida real. Muitas culturas pré-letradas têm deles
uma visão diferente (Figura 1.9).
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.9 que representa uma Máscara
de palha de milho Iroquesa para a cerimónia do sonho. Os índios iroqueses
viam os sonhos como meios importantes para revelar desejos ocultos e
festejavam com cerimónias formais invocativas dos sonhos, durante as quais
usavam máscaras especiais. (Gentileza de Staatlicher, Museum für
Völkerkunde, Munique).
Algumas olham o sonho como uma visão sobrenatural e comportam-se em
conformidade. Outras tomam-no muito a sério, ainda que o encarem como algo
que ocorre naturalmente. Os Senoi, uma tribo da Malásia, agem como se todos
eles tivessem frequentado vários cursos de psicanálise. Pensam que os
sonhos indicam algo de importante sobre a vida interior e que possuem os
elementos para prevenir problemas, antes que estes se tornem sérios. Todas
as manhãs, as crianças senoi contam ao pai o que sonharam nessa noite. O
pai ajuda-as a interpretar os sonhos. Podem revelar um conflito incipiente com
outrem, como o de ter sido agredido por um amigo. Neste caso, o pai pode
aconselhar o filho a compor a questão, por exemplo, dando um presente ao
amigo (Stewart, 1951).
Os Sonhos e o Conflito Interno
A feição social do sonho encontra-se na origem das preocupações duma
famosa (e controversa) teoria dos sonhos proposta por Sigmund Freud.
Segundo Freud, os sonhos são um produto dum conflito elaborado entre duas
forças opostas - as pulsões inconscientes primitivas da nossa herança
biológica e as coacções educativas impostas pela sociedade. Nos sonhos,
umas vezes vemos um lado do combate, outras vezes o lado oposto. Diversos
impulsos proibidos - quase sempre sexo e agressão - emergem, mas depressa
são contrariados pelos não-deves da nossa primeira educação. O resultado é
um compromisso.
[11]
Nota do revisor: a seguir encontra-se a Figura 1.10 com o título Simbolismo nos
sonhos. Um filme sobre o início da carreira de Freud refere a sequência dum
sonho em que ele penetra num túnel profundo que acaba por o levar a uma
caverna, onde está sentada a mãe, sorrindo, num trono como o de Cleópatra.
O sonho constitui uma expressão simbólica e concisa de como Freud se via a
si próprio: um explorador dos motivos inconscientes subterrâneos que
revelavam a concupiscência oculta da infância de todos os homens e mulheres.
(Do filme Freud de John Huston, de 1963, com Montgomery Clift. Gentileza do
Museu de Arte Moderna/Arquivo de Cartazes de Filmes)
O material interdito passa mas apenas sob a forma de simulação furtiva e
censurada (Figura 1.10). Isto explica a razão por que os sonhos são tantas
vezes estranhos e sem sentido. A sua falta de sentido é apenas superficial,
uma máscara habilidosa que nos permite ser indulgentes com o desejo
inaceitável, sem nos darmos conta de que é inaceitável (Freud, 1900).
Os Sonhos e o Desenvolvimento Humano
Temos estado a considerar os sonhos como os adultos os conhecem.
Mas, naturalmente, eles ocorrem também na infância. Os psicólogos
interessados no curso do desenvolvimento mental humano consideraram as
maneiras diferentes como as crianças e os adultos interpretam os sonhos.
Os psicólogos desenvolvimentistas querem saber como adquirem as
crianças as operações intelectuais básicas que são parte do pensamento
humano adulto - como aprendem a contar, a compreender que os
acontecimentos têm causas, e assim por diante. Por exemplo, desejam saber
como aprendem as crianças que existe uma diferença entre dois reinos de
fenómenos - os que se chamam subjectivos (pensamento, crenças e, claro, os
sonhos) e os que se chamam objectivos (o mundo das coisas tangíveis "cá
fora"). Inquirir sobre o modo como se estabelece esta distinção é outra forma
de saber como alcançamos a noção adulta de realidade objectiva, como se tem
a certeza de que a árvore no jardim - ao contrário do sonho - continuará ali,
após um fechar de olhos.
Esta distinção está longe de ser nítida no início da infância. Por isso, as
crianças pequenas têm grande dificuldade em distinguir os sonhos da vida vígil.
Uma criança de três anos acorda e diz para os pais que gostou imenso dos
elefantes, ontem, no circo.
[12]
Os pais corrigem-na: não estivera no circo na véspera. Mas ela defende,
indignada, a sua história e apela ao irmão para a apoiar, pois "ele também
estava lá". Quando o irmão abana negativamente a cabeça, começa a chorar,
insistindo zangada que dissera a verdade. Por fim, aprende que há toda uma
série de experiências que as pessoas mais velhas chamam "apenas sonhos",
independentemente de lhes parecerem ou não reais (Levy, J., 1979).
O facto de a criança acabar por reconhecer os elefantes do circo - e os
ladrões e as feiticeiras dos pesadelos - como sonhos não significa que tenha
adquirido uma concepção adulta do que sejam os sonhos. As crianças mais
pequenas tendem a imaginar que são objectos físicos. Quando interrogada
sobre se os sonhos podem ser altos, uma criança de quatro anos responde,
"Sim. De que altura? Grande, grande, grande (estende os braços). Onde estão
os sonhos? Na cama. E de dia? Não, estão fora... Como são eles? São feitos
de pedra. Podiam ser pesados? Sim; e também não se partem" (Keil, 1979,
pp.109-10).
Leva muito tempo até que a criança tenha uma ideia dos sonhos como a
dos adultos. Aos seis ou sete anos, pensa que os sonhos vêm pelo ar, talvez
com o vento ou com os pombos. Finalmente, é claro, reconhecem que, como
dizia um menino de onze anos, "A gente sonha com a cabeça e o sonho está
na cabeça" (Piaget, 1972).
Esta compreensão de que os sonhos são factos subjectivos não é um
conhecimento menor. Como veremos mais adiante, não se limita aos sonhos
mas abrange muitas outras capacidades conceptuais respeitantes à natureza
básica do universo físico e psicológico.
Nota do revisor: a seguir encontra-se uma imagem de um quarto com um
menino. A imagem contém a informação: Naquela mesma noite, cresceu uma
floresta no quarto de Max.
Nota do revisor: a seguir encontra-se uma imagem de um menino na floresta. A
imagem contém a informação: A distinção entre os sonhos e a realidade vígil
nem sempre é clara na infância. (Sendak, 1963)
Os Sonhos e as Diferenças Individuais
Uma outra face dos sonhos é a de eles reflectirem as diferenças
existentes entre as pessoas. Estas variam naquilo que, caracteristicamente,
fazem, pensam e sentem. E muitas dessas diferenças vão reflectir-se nos
sonhos, algumas das quais dizem simplesmente respeito às diversas
circunstâncias da vida de quem sonha. Este ponto foi estabelecido há dois mil
anos pelo poeta romano Lucrécio que registou o modo como, à noite, os
advogados defendem os seus casos, os generais combatem nas batalhas e os
marinheiros travam luta com os ventos (Woods, 1974).
Mais interessantes são as diferenças reveladoras de algo sobre a
personalidade dos sonhadores. Um exemplo é a comparação dos sonhos das
pessoas normais e dos pacientes diagnosticados com esquizofrenia, um estado
geralmente tido como a desordem psiquiátrica mais grave do nosso tempo. A
diferença entre os dois grupos é enorme. Os esquizofrénicos referem sonhos
fortemente estranhos e mórbidos. O indivíduo sonha que é devorado vivo por
um crocodilo; que há guerras nucleares e cataclismos mundiais. Os temas de
mutilação corporal são bastante correntes, por exemplo, um sonho em que
uma mulher mata o marido e depois mete partes do corpo dentro da cabeça de
um camelo.
Nota do revisor: a seguir encontra-se a imagem do quadro O Sonho de Pablo
Picasso, 1932. (Gentileza de Ganz Collection/ArtResouces).
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Pelo contrário, os sonhos das pessoas normais são, comparativamente,
moderados e comuns. Estes resultados concordam com o que se sabe da
esquizofrenia. Os esquizofrénicos saltam muitas vezes duma ideia para outra
sem terem uma linha consistente de pensamento. E, por consequência, o seu
comportamento afigura-se estranho. Parece que os sonhos extremamente
bizarros e mórbidos destes doentes não são mais do que um excesso de uma
condição já presente na vida vígil (Carrington, 1972).
Perspectivas da Psicologia
Vimos como os sonhos são considerados experiências mentais
conscientes, aspectos da cognição, indicações dos modelos sociais, reflexo do
desenvolvimento humano e expressões da individualidade do sonhador. O que
se diz dos sonhos deve dizer-se da maioria dos restantes fenómenos
psicológicos: todos podem ser encarados segundo várias perspectivas. Cada
uma delas é válida mas nenhuma se completa sem as demais, pois a
psicologia é um campo com muitas faces e, para o ver na totalidade, temos que
as conhecer todas.
Dado o carácter plurifacetado da psicologia, não surpreende que aqueles
que a enriquecem provenham de vários quadrantes. Alguns detiveram a
denominação de psicólogos com cargos universitários próprios desta área,
inclusive dois dos seus fundadores, Wilhelm Wundt, da Alemanha, e William
James, dos Estados Unidos da América do Norte. A psicologia, porém, não se
construiu apenas com psicólogos. Longe disso. Entre os seus arquitectos,
contam-se os filósofos, desde Platão e Aristóteles até aos nossos dias, os
médicos e muitos especialistas em outras matérias, por exemplo, a
antropologia e, mais recentemente, a linguística e a ciência dos computadores.
A psicologia, o campo com muitas faces, é pela sua própria natureza um
campo com muitas origens.
Nota do revisor: a seguir encontra-se uma imagem do psicólogo Wilhelm Wundt
(1832-1920). (Gentileza de Archives of the History of American Psichology)
Ao apresentar a matéria que é o objecto da psicologia, temos que fazer
justiça a esta multiplicidade de ângulos. Na tentativa de o conseguir, este livro
foi organizado segundo cinco temas que salientam perspectivas ligeiramente
diferentes do campo total. Os cinco temas reflectem as diversas maneiras
como foram encarados os sonhos: acção, cognição, comportamento social,
desenvolvimento e diferenças individuais.
A TAREFA DA PSICOLOGIA
Por vezes, a psicologia é considerada um domínio que incide nas vidas
íntimas e secretas dos indivíduos - por que razão Maria detesta a mãe e Jorge
é tão tímido com as raparigas? Questões deste género, todavia, não
constituem o principal interesse da psicologia. Existe, é claro, um ramo
aplicado desta ciência que trata de vários problemas de adaptação, o qual
consiste apenas num sector especial do domínio. As questões fundamentais
que a psicologia suscita são dum tipo mais geral.
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O seu objectivo não é descrever as características distintivas de determinado
indivíduo, mas alcançar os factos comuns a toda a humanidade.
A razão é simples. A Psicologia é uma ciência e, como todas as outras
ciências, procura os princípios gerais - as uniformidades subjacentes que os
diversos acontecimentos têm em comum: um único acontecimento em si
mesmo pouco significa; e o que conta é o que qualquer acontecimento - ou
objecto ou pessoa - tem em comum com outros. Finalmente, a psicologia - de
novo, como as demais ciências - espera descobrir uma via de regresso para
compreender o acontecimento individual. Tenta descobrir, digamos, certos
princípios gerais do conflito do adolescente ou das relações mãe-filha para
explicar a razão por que Jorge é tão tímido com as raparigas e Maria é tão
áspera com a mãe. Uma vez obtidos esses conhecimentos, eles podem ter
aplicações práticas: ajudar o aconselhamento e a orientação, e talvez, a
realizar mudanças desejáveis. Mas, pelo menos no início, a preocupação
essencial da ciência é a descoberta de princípios gerais.
Haverá algum domínio de esforço cujo interesse essencial resida nas
pessoas individuais, que se preocupe com um Jorge e uma Maria em nada
semelhantes a alguém que alguma vez tenha vivido ou venha a viver? Esse
domínio é a literatura. Os grandes novelistas e dramaturgos deram-nos retratos
de indivíduos activos e vivos existentes em determinado tempo e lugar. Nada
existe de abstracto e geral na angústia de Hamlet ou na ambição criminosa de
Macbeth. São indivíduos concretos, particulares, com amores e medos
especiais, peculiarmente seus. Mas a partir destas particularidades,
Shakespeare dá-nos uma visão do que é comum a toda a humanidade, o que
Hamlet e Macbeth têm de comum com todos nós. A ciência e a arte têm muito
que dizer sobre a natureza humana, mas tomam direcções opostas. A ciência
tenta descobrir princípios gerais e aplica-os em seguida ao caso individual. A
arte concentra-se no caso particular e utiliza-o depois para ilustrar o que é
universal em todos nós.
A ciência e a arte complementam-se. Para conseguir uma compreensão
da nossa própria natureza necessitamos de ambas. Atentemos na descrição de
Hamlet:
Que obra-prima é o homem; que nobre a sua razão; que infinitas as suas
expressões e movimentos; como é capaz e admirável nas suas acções, como,
no seu entendimento, se assemelha a um anjo, a um deus: é a beleza do
mundo, o modelo do reino animal! (Hamlet, Acto II, cena 2).
Compreender e apreciar esta "obra-prima" é tarefa imensa para qualquer
domínio do esforço humano - arte, filosofia ou ciência. Tentaremos aqui
esquematizar os intentos da psicologia com vista àquele objectivo, para
mostrar o que conseguimos saber e como o conseguimos. E, talvez o mais
importante, o quanto ainda nos resta aprender.
Começaremos com o tema da acção. A primeira pergunta é o que faz
mover os homens e os animais.
Nota do revisor: a seguir encontra-se uma imagem do psicólogo William James
(1842-1910). (Gentiliza de The Warder Collection)
Notas de rodapé:
Nota 1 Tradução de Danilo R. Silva.Voltarnota1
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Capítulo 1 - Introdução