Universidade Cândido Mendes Pós-Graduação “Lato Sensu” Projeto “Vez do Mestre” A IMPORTÂNCIA DA TERAPIA E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA A FAMÍLIA DE BAIXA-RENDA QUE TEM EM SEU CONVÍVIO UM DEPENDENTE QUÍMICO O QUAL EVITA SE TRATAR. Nome do Autor: Paulo Cardoso de Moura Neto. Orientadora: Mary Sue Rio de Janeiro, 29 de julho de 2004. Universidade Cândido Mendes Pós-Graduação “Lato Sensu” Projeto “Vez do Mestre” A IMPORTÂNCIA DA TERAPIA E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA A FAMÍLIA DE BAIXA-RENDA QUE TEM EM SEU CONVÍVIO UM DEPENDENTE QUÍMICO O QUAL EVITA SE TRATAR. Objetivo: Este trabalho será apresentado à Universidade Cândido Mendes, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação (lato sensu) em Terapia de Família. 2 Agradecimentos A todos que me ajudaram a finalizar esse trabalho como professores da pós-graduação, amigos, parentes, colegas de turma e que colaboraram em mais uma empreitada para meu conhecimento e prática na minha profissão. 3 Dedicatória Dedico a minha mãe, Enal Fernandes de Moura, que faleceu recentemente e que me deu força a começar esse curso e para encarar a vida de frente, começando sempre novas etapas, seja no estudo, seja no trabalho, enfim, na vida, como também a meu pai e minha irmã primogênita que também já se foram. Dedico a minha irmã, Enal Fernandes Cardoso de Moura, aos parentes e amigos que realmente me ajudaram a passar essa dificuldade de perder um ente querido e dar força para estar na vida e continuar a ter persistência para melhorar meu desempenho como estudante, como profissional e como ser humano. 4 Resumo Em Instituições Públicas, os técnicos (assistentes sociais e psicólogos) que atendem os usuários de álcool e outras drogas e as suas famílias (na maioria dos casos, são de classes média-baixa e baixa). Mas chega-se a um impasse, pois algumas vezes, a pessoa que foi encaminhada para fazer o tratamento (que é o dependente químico) não quer ir de jeito nenhum à instituição; ou já faleceu, mas a família ainda sente a sua ausência e quanto foi difícil se relacionar com o drogadicto no momento que ele entra no mundo das drogas; ou até mesmo esse interrompe o tratamento, nas várias recaídas que lhe acomete e a família fica desesperada sem ter o que fazer e como lidar com o problema, acarretando sintomas diversos nos familiares como angústia, depressão, baixa auto-estima, frustração, culpa, entre outras. Tratar e elaborar atividades sociais com a família de baixa renda faz que com ela lide melhor com o problema com relação à dependência do parente usuário, e assim faça a retirada de formação de sintomas dos membros familiares (ou pelo menos, amenizar a situação) e a família pode vir futuramente ajudar o usuário (caso ainda esteja vivo) a sair do mundo das drogas (como por exemplo, convencer a procurar um tratamento especializado), pois o ambiente familiar sendo acolhedor, propício há mudanças que o auxilie, pode levá-lo a encontrar formas dele não se drogar e encontrar o bem-estar tão esperado. 5 Metodologia A metodologia empregada foi apenas bibliográfica na qual foi consultado alguns livros e monografias das bibliotecas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nacional no Rio de Janeiro, Estadual do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a consulta aos periódicos foram feitos na Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro. Algumas das bibliografias citadas já eram de minha posse e outras foram sugestões de pessoas (profissionais) ligadas à área de dependência química e à terapia familiar. Também foi utilizada a internet e visitei os sites das bibliotecas, como foi utilizado um trecho de uma entrevista que foi consultado na web. 6 Sumário Introdução: 8 Capítulo I – As drogas e o sistema social 9 Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito? 14 Capítulo III – A família (baixa-renda) do usuário de drogas. 18 Capítulo IV – E agora família? Quando o parente dependente de drogas não quer se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros familiares. 21 Capítulo V – A família-paciente vai à instituição: Os motivos para se tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano. 26 Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar a família em questão. 30 Capítulo VII – A assistência social em voga: a prática dos(as) assistentes sociais no atendimento e atenção aos familiares dos dependentes químicos. 36 Conclusão: 39 Anexos: 40 Bibliografia: 41 Atividades Culturais: 45 Índice: 46 7 Introdução O uso de drogas foi disseminado durante milênios entre vários povos. Porém o consumo abusivo das substâncias psicoativas destaca-se nas últimas décadas. O sujeito que consome drogas tenta evitar a pressão da realidade, do sofrimento e a intoxicação é a forma de se esquivar e de encontrar um prazer mesmo que momentâneo. O usuário na medida em que vai entrando cada vez mais no mundo das drogas, a família fica a mercê, colocada à prova, pois tenta de qualquer maneira tira-lo do sufoco do consumo e das conseqüências problemáticas que geram essa “entrada”. A família desesperada pensa que ela é a culpada do envolvimento do parente usuário com as drogas e às vezes provocando além desse mencionado, outros sintomas que comprometem o bemestar do meio familiar. Existem instituições públicas criadas de alguns anos para cá visando o tratamento, a reincerção social do sujeito usuário de drogas para que largue o vício. Praticamente os que vão nessas instituições são pessoas de baixa-renda, já que não tem condições financeiras de pagar uma clínica particular. Porém nem sempre o dependente quer se tratar por conta do seu envolvimento da droga, ou até procura no primeiro momento, mas tem várias recaídas pelo prazer de se intoxicar com a substância. Então a família é também é tratada, pois mesmo que o usuário não procure o tratamento, a família (ou um ou mais membros desta) pode ir à instituição para falar, expor suas questões para os profissionais diante do problema existente e do ambiente familiar que não está bem, e assim visa o trabalho institucional retirá-la dessa situação limite que afeta todos os familiares. 8 Capítulo I – As drogas e o sistema social. Há milênios, fatos assinalam que o homem nunca dispensou a utilização de substâncias com o propósito de conseguir prazer através de um certo grau de relaxamento da consciência. Como facilitador da relação de grupo, em reuniões sociais; como intermediário do encontro com o divino, em ritos religiosos; como medicamento, na medicina, as substâncias psicoativas sempre foram usadas pelo homem. As drogas não se constituíram num problema social, tal como presenciamos nos dias atuais. Não podemos, portanto diminuir a questão das drogas a uma possível suscetibilidade biológica dos indivíduos, nem ao fato do homem lançar mão de substâncias para impedir o desprazer. A questão se dá no século XX, e em especial nas últimas décadas, quando o uso de drogas, com implicação psicoativa toma características especiais. A situação do uso abusivo de drogas que assistimos hoje em dia, só foi deflagrado no contexto da modernidade (Araújo, 1999). Importantes modificações ocorreram no cenário político e econômico no Brasil e no mundo nas últimas décadas do século XX. Neste período, cada vez mais aparecia uma versão mais selvagem do capitalismo. Com a estratégia neoliberal, a competição aumentava e mais uma vez, os trabalhadores constituíam a parte sacrificada. As garantias trabalhistas e outras formas de apoio social (como as políticas de saúde, educação, habitação e assistência social) foram progressivamente retiradas, enquanto a reestruturação das empresas gerava no mundo todo, aumento de desemprego e má distribuição de renda. A vinda da política neoliberal, o uso perverso de avanços tecnológicos e a reestruturação das empresas – também conhecida por reengenharia – a função exercida pela parcelas de pobres perde a utilidade: aqueles indivíduos tornam-se a ser dispensáveis, retira-se a base social e eles são facilmente excluídos. E como não há mais empregos, os projetos de vida tornam-se impossíveis, inviabilizando a construção de identidades que tem papel fundamental na determinação social das escolhas particulares sobre as drogas (Cruz & Ferreira, 2001). 9 Além das mudanças econômicas, o final do século assistiu a mudanças mundiais nas relações do poder político. Com a diminuição da influência política, os sindicatos e movimentos populares perderam força e se desestruturaram, tendo seu papel enfraquecido nas negociações trabalhistas. Em função das modificações estratégias econômicas – principalmente com o crescimento do desemprego, do emprego temporário ou informal e o descaso do estado com ações do apoio social - a zona de pobreza estável retrai aumentando a de vulnerabilidade e a de excluídos (Cruz e Ferreira, 2001). Neste processo, os jovens são particularmente vulneráveis, pois a alternância entre emprego e sub-emprego não lhes deixa definir uma trajetória profissional estabilizada. Assim a relação dos jovens de grupos onde se juntam outros jovens excluídos de emprego e de projetos para o futuro é uma entre as possíveis estratégias para suportar com a circunstância adversa. Os “novos marginalizados” podem ser classificados em diversos grupos, mas estes são, de modo dinâmico, intercambiáveis. O que têm em comum é um duplo desinteresse: do trabalho e da inserção relacional, sendo por isso descrito por Castel como desafiliados. Incluem toxicômanos, populações de rua, indivíduos mental ou fisicamente inabilitados entre outros (Cruz & Ferreira, 2001). A frustrante procura pelo consumo ilimitado prometido pelo mercado (legal ou ilegal) produz insatisfação e a sensação de constante incompletude, e sendo assim, realimenta a procura da satisfação no consumo exaltado seja de bens de consumo, seja de drogas. Nas relações interpessoais, tanto quanto nas do trabalho, recusa-se a fixação de compromissos, sustentando as alternativas abertas. Essa mudança de arranjo é favorecida por um “mercado inteiramente organizado em torno da procura do consumidor e vigorosamente interessado em manter essa procura permanentemente insatisfeita” (Bauman em Cruz & Ferreira, 2001). O curioso é aquele que não é seduzido pela modificação constante promovida pelo mercado consumidor. São os consumidores falhos, aqueles que faltam recursos para consumir. Transformações profundas nas relações sociais também têm acontecido de modo a provocar a desestabilização da relação do indivíduo com seu grupo social e até do indivíduo com suas próprias opções. No que tem sido descrito como a crise de identidades, observa-se 10 hoje em dia, a renúncia de modos tradicionais de definição pelo coletivo da localização social de cada indivíduo. A sociedade fornecia aos indivíduos evidências claras de sua posição e de sua trajetória de vida no passado. Com a globalização existe a possibilidade de partilhar identidades com pessoas que vivem há milhares de quilômetros, que são de outras culturas. Os indivíduos passam a assumir várias identidades, algumas delas conflitantes entre si. Como mostra Hall (em Cruz & Ferreira, 2001), “o próprio processo identificatório...” “torna-se provisório, variável e problemático”. No Brasil, a partir da década de oitenta, mudança paralelas seguiram-se ao período de crescimento econômico com maior concentração de renda, corrosão dos salários em função da inflação e conseqüente ampliação da desigualdade na distribuição da riqueza (Zaluar, em Cruz & Ferreira, 2001). Paralelamente, observa-se um espantoso aumento dos índices de criminalidade, principalmente nas grandes cidades. O uso de drogas muitas vezes se faz de forma compulsiva e os usuários podem perder capacidade de conter suas despesas. Enquanto os que são oriundos das classes média e alta acham meios de financiar seu uso, os mais pobres freqüentemente adquirem dívidas com os traficantes. Alba Zaluar descreve o conjunto baixa escolaridade/baixo salários/atração pelas quadrilhas como os fatores de estímulo para que os jovens pobres se associem ao tráfico (Cruz & Ferreira, 2001). Mas, no Brasil, nem sempre o uso de substâncias psicoativas era um fato tão preocupante. O consumo difuso do álcool, por exemplo, continuou ao longo de todo o século XX, formando junto com o tabaco, as práticas de uso de drogas legais mais importantes no país. Nas favelas do Rio e São Paulo, indivíduos que faziam parte da contravenção ou de pequenos delitos passaram a lucrar com a venda da maconha. Multiplicaram os postos de vendas, até hoje chamados de boca de fumo, mesmo que, atualmente, seu produto seja a cocaína. Na década de setenta, a relação de membros destes grupos e de outros assaltantes com presos políticos, os habilitou a empreender assaltos mais ambiciosos a bancos e a gerar uma estrutura organizacional. Na década de oitenta, o Brasil tornou-se rota alternativa. Com isso, a droga passou a atravessar a extensa fronteira noroeste e oeste e cruzar o Brasil em direção aos portos do Rio de Janeiro e Santos. A partir do estabelecimento dessa nova 11 rota, na década oitenta, parte da carga que atravessava o país passou a ser destinada para o consumo interno (Cruz & Ferreira, 2001). O mercado dessas drogas gera a violência entre vendedores e compradores sob uma quantidade enorme de pretextos e circunstâncias, roubo de dinheiro ou da própria droga, ou quantidade, disputa de territórios de tal forma que a violência se torna uma estratégia para disciplinar o mercado e os subordinados. Ou seja, o narcotráfico potencializa e torna mais complexo o repertório das violências e da delinqüência organizada; a violência social dispersa; a promovida por grupos de extermínio, e também de gangues juvenis. No Brasil, o crime organizado prosperou e institucionalizou a partir da década de 80, espalhando o medo, acrescentando as estatísticas dos homicídios e tornando uma verdadeira resposta social ao mercado de trabalho, sobretudo para os jovens pobres das periferias e favelas, sem esperanças de obter emprego formal e que buscam satisfazer os sonhos de pobres jovens da favela (Minago, 1997). Ao Estado incumbe-se de assegurar os direitos sociais, políticos e civis e os de quarta geração (os ecológicos) dos cidadãos. Mas o Estado, no caso do uso das drogas ilícitas tem apresentado sua outra aparência: a de repressor das atividades condenadas criminalmente, como no caso do consumo e tráfico de drogas. Além desse fato, Zaluar (1993) aponta tem se desrespeitado às garantias constitucionais que restringem a ação da polícia: Revistas ilegais, provas plantadas, processo pelo porte de drogas com a caracterização de crime de tráfico (o que é considerado hediondo), estando sujeito ao arbítrio policial, resultam em prisões injustas ou extorsões ilegais. No Brasil, a maconha é a droga mais consumida ainda é conhecida, com maior incidência entre os jovens, seguida da cocaína, com grande incidência também entre os adultos, sobretudo nos grandes centros, no eixo Rio-São Paulo. A revista Veja publicou que o Brasil consome atualmente 100 toneladas de cocaína, entre cerca de um milhão de consumidores e movimenta um faturamento bruto em torno de 1 bilhão de reais. A estatística faz referência apenas a uma espécie de droga que alcança uma pequena parte da sociedade, por ser no nosso meio, uma droga cara. Portanto, se abrangermos na estatística, o consumo de maconha, crack, ecstasy, merla e outros 12 composições derivadas, teremos uma cifra enorme no mercado consumidor de drogas no Brasil, que segundo a mesma fonte, já disputa, o segundo lugar no consumo de tóxico no mundo, permanecendo atrás somente nos Estados Unidos (Oliveira, 2002). 13 Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito? Na literatura encontram-se algumas proposições sobre as “formas de consumo de drogas”. No presente trabalho, é tomada como referência a sugestão de Helen Nowlis (1982), que indica a seguinte classificação para usuários de drogas (Caldeira, 2004): a) Experimentador – limita-se a experimentar uma ou várias drogas, em geral por curiosidade, sem dar continuidade ao uso. b) Usuário Ocasional (ou Recreativo) – utiliza uma ou várias substâncias quando disponível ou ambiente favorável, sem rupturas nas relações afetivas, sociais ou profissionais. c) Usuário Habitual (ou Funcional) - faz uso freqüente, ainda controlado, mas já se observa sinais de ruptura. d) Usuário Dependente (ou disfuncional) - vive pela droga e para a droga, descontroladamente, com rupturas em seus vínculos sociais, com marginalização e isolamento (também referido como “toxicômano”, “drogadito”, ou ‘dependente químico’). Para Calvi & Santos Silva (1997), na dependência à droga, a relação entre indivíduo e a droga ocorre de tal forma que ela se torna necessária à sua vida cotidiana; sem a droga, seu funcionamento orgânico, físico, social, afetivo entre outros, é totalmente modificado. Ele passa mal e fica ansioso, rompendo com estas relações. É quando acaba o uso da droga pelo prazer e ela passa a ser usada para evitar o desprazer que a falta dela causa à sua vida. Ao contrário de pensar as drogas como elementos externos e perturbadores de uma sociedade que funcionaria “muito bem sem elas”, é necessário que se busque compreender que as drogas e seus usos servem a funções específicas nesta sociedade, mesmo que sejam usos e funções muito diferentes dos que ocorriam anteriormente. No Brasil na época da ditadura militar, a propagação do consumo de drogas representava ao mesmo tempo a opção por um “ethos” pacifista e de contracultura. Hoje, o uso de drogas perdeu essa função de contestação do passando e passa a ter, entre outros significados, a ligação com a 14 marginalidade e a criminalidade. São comum relatos em que usuários se identificam como “drogados” ou “viciados”, e associam essas categorias a ser diferente, pobre, favelado, mau exemplo, errado e sem moral, zero à esquerda que ninguém confia (Garcia em Cruz & Ferreira, 2001). A droga também é vista como inimigo externo (tóxico ou agente infeccioso) do qual o indivíduo deve ser libertado ou desintoxicado. Essa idéia sustenta a política vigente de que a droga é o inimigo “que vem de fora”, estranho, exterior e não sendo produto (ainda que ilícito) da sociedade. Como é ressaltada por Joel Birman (em Cruz & Ferreira, 2001), nos países consumidores de drogas, a substância estariam longe do registro simbólico de estar relacionado em sistemas rituais, em um contexto cultural específico enraizado em crenças e valores próprios, como acontece nos países produtores de drogas. E assim, as substâncias psicoativas tornam-se um dos meios de abrandar o sofrimento psíquico. Birman comenta também que o desenvolvimento das iniciativas das indústrias farmacêuticas que tenta abrandar o mal-estar, seja através de psicofármacos, seja através do uso de drogas, sempre pela visada de um pretenso estado “ideal de estesia psíquica”, em um esforço da pósmodernidade de construir uma cultura centrada no bloqueio da dor e do sofrimento psíquicos. Claude Olivenstein (em Cruz & Ferreira, 2001) põe o consumo de drogas em relação à perda dos sentidos da norma e das margens sociais. Aponta a perda de nitidez das funções sociais, a necessidade de exploração cada vez mais rápida de novas fronteiras, o conseqüente aparecimento de novas margens e a extensão dos campos dos excluídos. Destaca a desestabilização dos pactos coletivos, o abalo das estruturas sociais e do imaginário coletivo, como o status da instituição familiar e a relativização do papel destinado aos costumes. Condenados à marginalidade, esses usuários dificilmente poderão explicar seus usos e efeitos, sujeitando o usuário a uma condenação em bloco, o que pode dificultar a transparência no suportar com questões relacionadas ao abuso, imprimindo novas marcas originárias do estigma (Garcia, 1997). A partir da experiência com pessoas que buscam tratamento em instituição especializada vemos que, embora esses pacientes referem-se esses sentimentos como resultantes do uso 15 de drogas na narração de suas histórias de vida, pode-se prosseguir na compreensão do drama existencial dessas pessoas, onde um dado estado emocional passa, a partir de uma situação de uma situação de transgressão a abranger sentimentos de estigmatização. O usuário compra não apenas um produto, mas um estilo de vida implícita onde ao lado de drogas hoje se vende a imagem valorizada do sucesso e do poder. O que sobra é o sujeito dividido e danificado, no limite pouco preciso entre a transgressão pelo o uso de um psicoativo ilícito, a absorção dos valores consumistas e o estrito convívio com o crime, especialmente nas camadas populares. Na toxicomania, o objeto consumido torna-se ilusoriamente o valor de objeto incondicional, insubstituível, e por isso é um dos mais bem-sucedidos dentre tantos outros objetos oferecidos pela sociedade de consumo, pois seu uso dá ao sujeito, com maior agilidade, uma experiência de muito prazer e um afastamento da realidade (Gonçalves, Delgado & Garcia, 2003). O que representa o incomum e o estranho é germe da insegurança e terror, por colocar em risco a ordem constituída. Os indivíduos que se acham nesses estados intersticiais são por isso rebaixados e penitenciados pela mancha de que são portadores, na medida em que tornam evidentes os estados e condutas do grupo. Diante da censura coletiva do grupo, o individuo se torna no seu próprio algoz (Garcia, 1997). A travessia da adolescência também causará uma série de escolhas, perdas e abandonos, em respostas as exigências não somente parentais, mas também advindas do social mais amplo. Em funções das modificações ocorridas na modernidade, são precisamente os jovens que se encontram mais particularmente vulneráveis às vicissitudes inerentes a um processo de constituição de uma identidade profissional. Cabe reconhecer que a modernidade vem impondo não só aos jovens – embora sejam estes os mais afetados pela radicalidade destas mudanças – mas a todos, permanente questionamentos e negociações. Em muitos casos a renúncia dos valores tradicionais, engolfados pelas mudanças rápidas nas relações sociais e num contexto de crescimento da valorização de mercado, do consumismo, do imediatismo e do individualismo, têm produzido, entre outras conseqüências perversas, uma ausência de referencial social. O consumo de drogas vem 16 surgindo como uma opção, especialmente para os mais jovens e menos privilegiados (Cruz & Ferreira, 2001). Segundo Guattari (em Caldeira, 2004), quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos com as palavras de uma língua que dizem respeito a cem milhões de pessoas; nós a vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertencem a todo um campo social; nós a vivemos com representações de modos de produção totalmente serializados. No entanto, nós vamos viver e morrer numa relação completamente particular com esse cruzamento. Portanto, podemos pensar que tratar o fenômeno do consumo de drogas (sejam elas lícitas ou ilícitas), significa compreender a complexidade das relações sociais constituídas nesse contexto, suas representações e significados, levando-se em consideração a história de vida do indivíduo, sua subjetividade e sua visão de mundo. Além disso, deve-se buscar entender o lugar que a droga ocupa na vida desse indivíduo e na sociedade, e o tipo de relação que esse indivíduo e essa sociedade se colocam diante de determinadas substâncias (Caldeira, 2004). Há de se pensar também, sobre a transversalidade dos fatores que atuam nessas relações (históricos, políticos, econômicos, sociais, religiosos, psíquicos, etc.) e de que forma esses fatores contribuem para a produção de subjetividade e para a viabilização do processo de singularização (e na implicação do individuo com a droga)1. 1 Citação minha. 17 Capítulo III - A família (baixa-renda) do usuário de drogas. A principal característica da família do drogado é a sensação de insegurança e desnorteamento (Mendes, 1989). O adoecimento de um membro representa, em geral, um forte abalo. Para a maioria das pessoas a enfermidade constitui uma grande ruptura no rumo existencial. A vivência de catástrofe desestrutura as formas freqüentes de lidar com as situações do dia-a-dia. Muitos familiares não estão prontos para os problemas, não sabem como agir. Encarando as dificuldades, tentando explicar o aparecimento da doença, essas pessoas mergulham na turbulência de suas dúvidas e conflitos (Melman, 2001). Por mais compreensíveis que sejam os familiares, é quase impossível que não ocorram “brigas e jogação” de culpas de uns sobre os outros. É muito difícil que cada um admita sua parte nas responsabilidades presentes e futuras na condição e na recuperação de um toxicômano, bem como que de vez em quando não se sinta tentado em esquivar dessa circunstância incômoda. Às vezes, nas famílias acontecem casos de não ver que o usuário está se drogando compulsivamente, de culpá-lo, suportar passivamente o problema, esconder das demais pessoas (sem ser os parentes) que ele se droga, não fazer nada: o problema é de quem se droga, ou até de colocá-lo em uma instituição psiquiátrica (Mendes, 1989). Como diz Shenker (1994), a família permanece cega, desatenta ao assunto, terminando por tomar ciente do fato através de terceiros ou pelos “sinais” deixados pelo próprio dependente – papelotes ou material da aplicação de cocaína, resto de cigarro de maconha pela casa, etc. Com relação a sua identidade de drogado, há uma idéia recorrente de que fazem algo que é motivo de vergonha capaz de chocar e manter distante dos que estão próximos e que entre os mais velhos, deve ser mantido escondido, como algo à parte do cotidiano. Há uma forte alusão à família, e uma certeza de serem uma vez descobertos, serem acusados e condenados pelo fato de usarem drogas (Garcia, 1997). 18 No caso do adolescente, torna-se fácil compreender como a desagregação familiar se torna uma catástrofe, considerando as repercussões que provoca no espírito do adolescente que por ela perde toda a certeza, todo ponto de apoio, toda a referência vital. Desse modo, ele entra no universo patológico onde se movem numa lúgrube fraternidade, aqueles que sofrem o mal de viver (Charbonneau, 1982). Vários autores apresentam o dependente de drogas como aquele membro da família que, ao mesmo tempo em que solicita socorro desesperadamente, indica um conflito familiar que já existe (Costa em Palatnik, 1994), acabando com a visão preconceituosa de que a droga é a razão dos conflitos familiares. Ou seja, há de fato um espaço e dinâmicas familiares que possibilitam – ou pelo menos não evitam o uso abusivo de drogas. Quando compreende que não tem mais nada fazer entre esses dois seres que se torturam (mãe e pai), o adolescente procura escapar. Nada talvez, e tão universalmente reconhecido quanto o aspecto de fuga, de alienação que toda a droga desenvolve. Ela garante a existência fora da existência, ela modifica a realidade pelo sonho, permite fugir àquele que se sente acuado, faz desaparecerem as cadeias que o mal havia forjado. A droga é a salvação contra a negra e densa realidade dos insucessos que se acumularam (ou que alguém acumulou) na vida (Charbonneau, 1982). Porém os casos não podem ser generalizados, pois como diz Berenstein (1998) que pensar que a família determina o distúrbio mental de um dos seus integrantes ou que o paciente determina por meio da sua doença, supõe pensar em termos de causalidade linear. Não se pode saber se a família é a causa do distúrbio de um dos seus membros ou se esse último condiciona a família que seja assim observada. Quando se diz em família de baixa-renda relaciona-se que a pobreza no Brasil está intimamente relacionada à remuneração do fator trabalho, depende, portanto tanto da qualidade e quantidade da mão-de-obra ofertada pela família quanto da qualidade dos empregos a que são accessíveis a seus membros familiares. Em suma, uma família é pobre ou porque poucos membros trabalham ou porque aqueles que trabalham ganham baixos-sálarios. No primeiro caso, a causa da pobreza relaciona-se à composição e à estrutura familiar, enquanto no segundo caso, a causa relaciona-se ao mercado de trabalho (Barros & Mendonça, 1995). 19 A família que tem difíceis condições financeiras não difere com relação ao receber a informação que um dos seus membros familiares está se drogando. A dinâmica familiar (independente de classe social) difere de família para família e os comportamentos e atitudes não são iguais ao constatar que um filho, um pai, enfim que membro da família abusa de drogas. Com relação à família sócio-econômicas diferentes, não se forma um impedimento para a compreensão das famílias e do membro dependente. Embora desenvolvam noutros moldes familiares e com outros tipos de liderança, as famílias apresentam os mesmos fenômenos estruturais. Cabe reiterar, só modificam os personagens, os cenários e até pouco tempo, o tipo de droga (Kalina, 1991). No caso de um drogadicto de condições financeiras desfavoráveis é mais complicado obter a droga, já que não tem dinheiro para obtê-la. Então esses acabam por se envolver em situações de roubos e violência e até se relacionar com o tráfico, embora ocorra isso também em classes altas, mas com menos freqüência (Mesquita & Seibel, 2000). É penoso para as famílias verem seus parentes além de se drogarem estarem envolvidos em situações ilícitas como roubo, violência e até mesmo, assassinatos. No caso de um tratamento, obviamente famílias com rendas melhores têm condições de internarem ou fazerem tratamentos em clínicas particulares especializadas em dependência química enquanto as famílias de baixo-orçamento não têm condições e, portanto (dependendo da dinâmica familiar) ou não procuram tratamento para tratar o membro familiar dependente ou vão até instituições públicas que se envolvem com esse tipo de questão. 20 Capítulo IV - E agora família? Quando o parente dependente de drogas não quer se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros familiares. Reportagem do jornal “O Globo” de 18/04/2003: “O advogado aposentado Paulo César da Silva, de 62 anos matou ontem seu filho Paulo Eduardo Olinda da Silva, de 28 com quatro tiros, na Ilha do Governador. Segundo a mãe, Ângela Olinda da Silva, Paulo Eduardo era viciado há 13 anos e costumava bater nos pais quando estava drogado”. “Paulo Eduardo chegou em casa drogado e queria levar a televisão para trocar por cocaína. Paulo César tentou impedir e os dois discutiram. Durante a briga, Paulo Eduardo ameaçou o pai de morte e quebrou vários objetos da casa”. “A mãe chegou a sair de casa para pedir ajuda a vizinhos. Eles telefonaram para a PM, que teria informado que só o Corpo de Bombeiros recolhe pessoas drogadas. Quando Ângela voltou para casa, o filho tentou agredi-la. Nesse momento, segundo Ângela, seu marido pegou a arma do próprio filho e deu quatro tiros no peito de Paulo Eduardo”. Reportagem do jornal “O Globo” de 1°/04/2003. “Ele disse à polícia que discutia muito com Rodrigo desde que o rapaz começar a usar drogas, há sete anos. Nessas brigas, o filho teria ameaçado o pai de morte. Ele contou que perdeu a cabeça e disparou uma vez – disso o delegado Renato Fernandes do 20° Distrito Policial, da Água Fria, para onde o aposentado foi levado depois de preso”. 21 Reportagem do jornal “O Globo” de 02/04/2003. “..., a dona de casa Sofia Vizoto Santos Cortellini reagiu com um desabafo. Ela tirou a arma das mãos do marido, o aposentado Amador Cortellini, de 68 anos. E ali, encostada à parede, em frente ao corpo de Rodrigo, disse ao marido uma frase que, naquele instante, resumia o sofrimento de uma mãe que, por dez anos dedicou em vão, a tentar afastar o filho das drogas e do álcool: “Do jeito que estava, era você ou ele”. “A família deve entregar à polícia as fitas da secretária-eletrônica em que estão gravadas as ameaças de Rodrigo. Eram tão constantes, que o pai e a mãe passaram a dormir em quartos separados caso o filho decidisse cumprir a ameaça. Colecionador de armas, Amador desfez há quatro anos da coleção por temer que Rodrigo usasse um dos revólveres contra o casal. Manteve apenas o revólver que guardava há 40 anos e que no domingo usou para matar o filho”. Reportagem do Jornal “O Globo”, 26/04/2003. “O aposentado Amador Cortellini, de 68 anos que matou o filho viciado não suportou a tragédia familiar e morreu às 19 horas no Hospital do Coração na zona sul de SP, vítima de acidente vascular cerebral”. Nesses dois casos, os parentes (no caso os pais dos dois drogadictos) chegaram ao extremo e não suportaram a pressão dos filhos para conseguir drogas e os mataram. Obviamente, nem todas as histórias familiares não terminam de uma forma tão trágica, mas esses dois casos servem para ilustrar como os familiares ficam desesperados e às vezes, sem ter o que fazer diante de um membro dependente químico. É nos familiares que mais se envolvem e menos toleram as mudanças geradas a partir do desencadeamento de um transtorno mental que vamos achar as maiores dificuldades em 22 lidar com a nova realidade de vida. Para algumas pessoas, apresentar um irmão ou filho doente é um fato terminantemente insuportável, inadmissível (Melman, 2001). No dizer dos familiares e de tantos outros, apresenta uma aparência de um sentimento de culpa, principalmente dos pais em relações aos filhos. Narrativas do cotidiano de familiares de pessoas que padecem com transtornos mentais severos – carregadas de culpa, perplexidade, o inconformismo e o afastamento afetivo e social – produzem uma construção grupal na qual mães, pais, irmãos, maridos, mulheres tentam pôr uma coerência de trocas onde só existem o temor e a inquietação. Freqüentemente, um familiar necessita ficar ‘cuidando’ da pessoa adoecida, o que impossibilita seu acesso ao trabalho, obrigando-o ampliar sua jornada produtiva para fazer frente às novas necessidades financeiras geradas pela situação. No caso de um membro familiar drogadicto, ele geralmente quer mais dinheiro para sustentar seu vício, e às vezes, os parentes dão para que ele se acalme e para voltar a uma “suposta paz familiar”. Mas, como ele não consegue parar de usar drogas não procura tratamento e a família não consegue convencê-lo a parar com vício ou procurar uma assistência, a situação de dependência da substância faz com que ele peça mais dinheiro aos familiares, ou comece pegar seus pertences ou roubar objetos dentro e fora de casa, a fazer terror psicológico com a família, ou até mesmo parta para a agressão física e verbal para conseguir o que quer, e sem esquecer que alguns dependentes se envolvem com outros “amigos” consumidores e gangues ou até entram no submundo do tráfico para continuar a se drogar e, portanto, os familiares ficam mais assustados e angustiados com o ambiente que está sendo gerado. O drogadicto é uma pessoa que já não crê nas palavras e faz uma regressão defensiva às se ligando com a química, ou é alguém que jamais chegou a acreditar nas palavras, pois aprendeu uma linguagem de ação e que este contradizia as palavras usadas para acompanhá-lo (Kalina, 1991), por isso a não-procura de tratamento para se livrar das drogas. Ainda há outro agravante que compromete a ida dos usuários às instituições de saúde que é a precariedade do serviço, já que não se tornam sedutores ou atrativos para eles, principalmente se falando nas instituições públicas. Os dependentes já são indivíduos que já 23 criam uma resistência ao tratamento até mesmo por causa da substância psicoativa e não tendo uma infra-estrutura interna, profissionais capacitados, enfim meios que garantam que eles adiram à instituição, esses não permanecem e abandonam o tratamento. Carlos Dias (2001) classificou os tipos de dependentes químicos relativo à resistência ao tratamento e especificamente sobre os que estão com comprometimento grave: falta de motivação para mudanças; ausência de conscientização da sua situação em relação à droga e das perdas socio-econômicas e relacionais; falta de disponibilidade para a abstinência; ausência de expectativa ou expectativa não-favorável relativo ao tratamento; rejeição das orientações terapêuticas recebidas. Segundo este mesmo autor, os dependentes químicos com comprometimento grave que tem resistência a um prosseguimento do tratamento apresentam as seguintes características: dificuldades de aderência ao tratamento; várias tentativas anteriores de tratamentos específicos e abandono dos mesmos; faltas, atrasos, interrupções freqüentes devido a fatores não totalmente conscientes, e a grande multiplicidade causal que geram insatisfações com as formas terapêuticas propostas. Segundo Melman (2001), do ponto de vista emocional, o estresse as vivências de instabilidade e incerteza, os conflitos freqüentes nas relações fazem parte do dia-a-dia dessas famílias. O fato do uso das drogas e do álcool, por algum membro da família, torna-se um segredo familiar, inibe que a família e como não podia deixar de ser, o usuário busquem uma ajuda terapêutica. Dessa forma, certos comportamentos danosos podem ser conservados em segredo pela pessoa ou seus familiares por vergonha ou estigmatização (medo ao rótulo) por causa dessas condutas estranhas. O que não é falado pode se tornar muito mais grave o que o é na realidade (Hintz, 2000). As vivências de fracassos repetidos geram uma ferida narcísica no membro familiar que está doente e nos familiares, que passam a fugir de novas situações que possam gerar mais frustração e dor. Spivack chamou este quadro de “espiral pela estabilização crônica”, que resulta num crescente afastamento e empobrecimento ambiental (em Melman, 2001). Uma enfermidade mental importuna o poder coletivo que une e resguarda determinada família e esse poder existe para até viverem e aprenderem juntos e para a se protegerem nas 24 situações difíceis. Além disso, gera sentimentos de impotência e vitimização, alimenta amarguras. Naqueles casos em que a seriedade do quadro é maior e a duração dos sintomas se estende por mais tempo, os repetidos fracassos sociais, os problemas de comunicação e interação, quando o membro-dependente não quer tratamento, ou tentou, mas sofreu uma recaída ou várias voltando assim, a se drogar, ou até mesmo, as lembranças dolorosas quando esse usuário já falecido, principalmente por causa das drogas ou das circunstâncias que ele se envolveu por causa das substâncias psicoativas, produzem mais frustração e desespero e são um convite o afastamento à vida comunitária, acarretando sintomas nos próprios membros familiares. Suas vidas ficam esvaziadas, muito abaixo de suas possibilidades existenciais. 25 Capítulo V - A família-paciente vai à instituição: Os motivos para se tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano. Ajudar os familiares na interação e na gestão da vida cotidiana dos membros familiares dependentes abranda o peso dos encargos, facilita o processo de estabelecimento de uma cooperação, atenua os fatores estressantes de ocorrências de crise, estimula a criação de possibilidades participativas, melhorando a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas (Melman, 2001). Geralmente o que se tem observado em centros de tratamento de dependência química é que os membros familiares que mais aparecem mesmo vindo sozinhas às instituições são as mães (até mesmo por serem esses parentes histórica, social e emocionalmente) mais preocupadas com que ocorrem principalmente com seus filhos. Elas vêm em desespero e em angústia, procurando alguém que as ajude. Querem e (precisam de) apoio para dar um alívio a seu sofrimento, derivado de terem “criado” um filho dependente de drogas (e além de quererem uma solução milagrosa para resolver o problema dos filhos) (Palatnik, 1994). Em várias situações, os profissionais da área de saúde se deparam com familiares com expectativas muito pessimistas em relação à possibilidade de melhoria do quadro (do membro da família que está doente). A reversão dessas expectativas é muito importante. Resgatar a esperança é essencial em qualquer projeto de cuidado. Construir esse cuidado consiste na elaboração de um corpo teórico e o desenvolvimento de tecnologias que possam dar conta da complexidade e da amplidão do desafio. A III Conferência de Saúde Mental organizou propostas e estratégias para realizar e solidificar um modelo de atenção em saúde mental que seja humano, de qualidade e com participação e controle social. Esse relatório visa uma projeção dos objetivos principais, condensados democraticamente, a serem obtidos por meio de ações de curto, médio e longo prazo, dando orientações indispensáveis para gestores, prestadores, trabalhadores, movimentos sociais, organizações civis, usuários e familiares envolvidos e interessados no campo de atenção à saúde mental no País (SUS, 2002). 26 No campo de atenção aos usuários de álcool e outras drogas é fundamental que o Ministério da Saúde determine políticas de atenção aos usuários de álcool e outras drogas que deverão ser baseadas no respeito aos direitos humanos, nos princípios e diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Reforma Psiquiátrica. Com essa perspectiva, foi aprovada a seguinte proposta com relação aos usuários e a seus familiares: “Garantir que o atendimento as pessoas usuárias de álcool e outras drogas e seus familiares seja integral e humanizado, realizado por equipe multidisciplinar, na rede de serviços públicos (UBS – Unidade Básica de Saúde; CS – Conselho de Saúde; PSF – Programa de Saúde à Família, NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial; CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, hospital-dia e unidade mista para tratamento de farmacodependência, serviço ambulatorial especializado, atendimento 24 horas), de acordo com a realidade local”. Na Legislação de Saúde Mental do Ministério da Saúde foi ressaltado na portaria/ GM nº 816 (Brasil, abril de 2002), relativo aos usuários e seus familiares: Art, 1°: Instituir, no ambiente do Sistema Único de Saúde, o Programa de Atenção Comunitária Integrada a Usuário de Álcool e Outras Drogas, a ser desenvolvido de forma articulada pelo Ministério da Saúde e pelas Secretárias de Saúde dos estados, Distrito Federal e municípios tendo por objetivo: “IV – Realizar ações de atenção/ assistência aos pacientes e familiares, de forma integral e abrangente, com atendimento individual, em grupo, atividades comunitárias, orientação profissional, suporte medicamentoso, psicoterápico, de orientação e outros”. Já foram e estão sendo implantados centros de atenção/assistência aos usuários e suas famílias como CAPS, NAPS, hospitais-dia pelo Brasil, mas são ainda muitas poucas instituições públicas que até agora funcionam nesse regime ou/e que atendem essa clientela. Há o projeto, como foi enfocado, do Ministério da Saúde articulado com os estados e municípios para que no futuro haja mais centros de atenção e assistência espalhados pelo país, já que o próprio Ministério considera na mesma portaria (GM n°816) (Brasil, abril de 2002), que houve um aumento do consumo de álcool e outras drogas, entre crianças e adolescentes, confirmado por estudos e pesquisas; os crescentes problemas relacionados ao uso de drogas pela população adulta e economicamente ativa; a necessidade de reformulação e ajuste do modelo de assistência oferecida pelo Sistema Único de Saúde 27 (SUS), a usuários de álcool e outras drogas, aperfeiçoando-a e qualificando-a; e como também a de estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência centrada na atenção comunitária relacionada à rede de serviços de saúde e sociais, que tenha destaque na reabilitação e reinserção social dos usuários. Além de atender e dar assistência ao usuário, também há o direcionamento à atenção da família do mesmo dentro dos centros. Não se sabe se em todas instituições públicas ou privadas do país que tratam dessa questão e que já funcionam atendam os familiares, já que como acontece com a loucura, a dependência de drogas também é vista como um estigma pela sociedade e tanto o usuário de álcool e outras drogas como seus familiares sofrem com o preconceito em relação a eles. Os familiares se sentem sozinhos e impotentes para compreender suas vivências. Na maioria das vezes, esse familiar não está buscando ajuda pela primeira vez. Freqüentemente leva consigo uma bagagem de experiências anteriores, nem sempre muito felizes e animadores. É comum que as pessoas cheguem resistentes, armadas de respostas prontas e de mecanismos defensivos bastante estruturados. Desconfiados, ficam com o radar ligado à espera de qualquer comentário culpabilizante (Melman, 2001). A aproximação do universo desses familiares pede paciência e sensibilidade na procura dos sentidos que brotam de suas histórias de vida. Estar a serviço da subjetividade dos familiares sugere a estratégia de procurar conhecê-los de uma maneira mais global e abrangente, em suas múltiplas dimensões existenciais, tentando, desse modo desenvolver modalidades de cuidado mais apropriada às suas necessidades. No entanto, essas necessidades não podem ser generalizadas. Não existe um modelo universal de família. Cada pessoa tem um estilo singular e de lidar com as situações da vida. Cada um tem sua maneira particular de olhar e reagir em relação às doenças mentais. No caso deve-se a aprender a ouvir, e reconhecer a demanda que está querendo por trás de um pedido de resposta, pois o problema familiar com o membro familiar do drogadicto pode estar envolvendo um problema íntimo, mais antigo dessa própria pessoa que veio pedir ajuda profissional ou esse problema da drogadição está escondendo algo que não está sendo dito entre os familiares e então, o ambiente familiar está sendo tão penoso tanto para o usuário como para os outros parentes. 28 Há de se notar que o discurso de indivíduos de classes menos favorecidas pode diferir do universo de entendimento e compreensão dos técnicos. Estes últimos devem estar atentos a esse “abismo” de subjetividade entre pacientes-servidores de saúde mental. Como diz Bezerra Jr.(2000): “Para esses profissionais de saúde que lidam no seu cotidiano com pessoas oriundas dos mais diversos estratos sociais, faixas etárias e regiões culturais esta questão se torna fundamental. Nem sempre estaremos diante de pessoas com as mesmas noções que as nossas acerca do adoecimento psíquico. As idéias e sentimentos do terapeuta e do paciente acerca do que é a doença, como se instala, suas causas, o que entendem por cura, tratamento, saúde, etc., podem ser contrastantes e é preciso não se deixar levar pela ilusão universalista para poder enxergar a diversidade. Se isto não acontece a escuta do terapeuta se empobrecerá pelo etnocentrismo dos seus ouvidos”. Em outra parte do texto, Bezerra Jr. (2000) diz: “Com ouvido atento e olho aberto este (o terapeuta) este poderá passar da fase da decepção para o da curiosidade e daí para o da pesquisa séria em busca do código específico de descrição dos estados subjetivos utilizado pelo paciente e aí encontrar terreno fértil”. É possível transformar a realidade quando um membro familiar adoece. Os familiares podem achar outras formas de lidar com os problemas. É possível ampliar as possibilidades de intervenção, deslocando o olhar para ‘fora’ das questões da família, abrindo pequenas aberturas, permitem alargar o cenário terapêutico, ao mesmo tempo em que se desenvolve o espaço de participação dos familiares na implementação das práticas em saúde mental (Melman, 2001). Servindo-se de múltiplas estratégias, pode-se instigar processos de subjetivação, entendidos como processos de individuação que possibilitam aos sujeitos, entradas para as multiplicidades que os atravessam em todos os sentidos e direções. Portanto, as intervenções familiares podem estimular experiências e práticas para procurar outras maneiras de ver e viver a vida (Melman, 2001). 29 Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar a família em questão. Para se dar início a uma terapia, não importa qual a idéia se tenha sobre sua necessidade, mas é necessário existir um ingrediente em comum: alguma confusão, dúvida, ou ainda, um desejo de se pensar dentro do ciclo vital do grupo familiar (ou quando um ou mais membros da família que procura(m) ajuda para ele(s) próprio(s))2 (Dias, 1990). A ampliação do campo terapêutico tem a potencialidade de tirar os familiares do isolamento e sentirem culpados, às voltas com suas tentativas de explicar o fenômeno do adoecer psíquico. Trata-se de restabelecer aos sujeitos a possibilidade de participar do jogo social, resignificando suas vivências, seus valores e representações. O cuidado em relação aos familiares pode auxilia-los a sair da rigidez que o congelamento da identidade familiar produz para que possam aparecer formas singulares de estar no mundo (Melman, 2001). Ouvir o relato de outra pessoa pressupõe uma disponibilidade para acolher o sofrimento e a angústia do outro e no processo de terapia ir diminuindo ou retirando os seus sintomas que lhe aflige. Mesmo que nem todos os membros da família vão e até mesmo o parente que faz o uso e/ou abuso de drogas, a pessoa que chega à instituição deve ser acolhida e ouvida diante da demanda de ajuda que ela está pedindo e assim ela poderá enfrentar as dificuldades do diaa-dia, até mesmo no convívio com o parente usuário de drogas com mais “força” e persistência, mesmo sendo uma tarefa penosa para se enfrentar. Como diz Dias (1990): “Concorda-se que é preciso haver alguma dose de “dor psíquica”, que mobilize e justifique um voltar-se para dentro; a investigação do mundo interior subjetivo. Quando se conhece melhor a realidade interna e externa, ganham-se mais recursos para enfrentar os conflitos”. Os técnicos foram conduzidos a uma reflexão e a uma revisão de suas teorias e práticas, após a Reforma Psiquiátrica. A nova situação impunha desenvolver estudos que passassem a buscar novos cenários, organizados em torno da interação dos atores envolvidos: usuários 2 Citação minha. 30 (no seguinte contexto da psicose), familiares, técnicos e o restante da sociedade (Melman, 2001). Obviamente, os modelos, técnicas e objetivos de terapia familiar se aplicam também a outros tipos de transtornos mentais como é o caso da dependência química. Aqui são apresentadas duas dentre as formas psicoterapêuticas de se tratar os membros da família3: Terapias familiares de abordagem psicanalítica: Freud nunca desenvolveu em sua obra técnicas ou instrumentos teóricos para o atendimento familiar. A constituição de um campo de terapia familiar ou de intervenções familiares de base psicanalítica envolveu muitos autores na busca de aplicar e adaptar os conceitos fundamentais da psicanálise à nova circunstância terapêutica (Melman, 2001). As intervenções psicanalíticas dão destaque a resolução de conflitos interpessoais a partir de elucidações das motivações inconscientes dos membros da família. A presença do terapeuta é conduzida a elucidação do significado inconsciente do funcionamento do grupo familiar, analisando sua natureza, suas origens e o papel que desempenha na manutenção de um determinado nível de constância da estrutura. A família é um grupo agitado por movimentos pulsionais, diante dos quais constrõem defesas. Para que o desejo individual se delimite, pensa-se que o desejo que pode tudo dos membros familiares que surge das expectativas irrealistas, da ilusão de um funcionamento eterno sem conflito nem modificações, deve de certa forma haver uma mudança para que haja uma reestruturação na dinâmica familiar. (Eiguer, 1987). Muitos clínicos compartilham a hipótese de que a família persegue seus objetivos e seus ideais e concretiza suas tarefas e seus mitos ao custo do sacrifício de um dos seus membros. O papel desempenhado pelo paciente seria uma forma de segurança para que pais e irmãos conservem seu equilíbrio psicológico e uma adaptação social satisfatória (Morel em Melman, 2001). Segundo o modelo psicanalítico, cada pessoa dentro de uma dinâmica familiar são atribuídos papéis e funções. O paciente ao carregar o papel de doente do grupo, permite que 3 Não significa que outras formas psicoterápicas não poderão ser utilizadas. Essas duas que estão sendo citadas são as que mais aparecem em bibliografias com relação à terapia de famílias. 31 outros caminhem relativamente bem e se encontrem protegidos dos sintomas mais graves que aparece na dinâmica familiar e até mesmo com outro membro da família que não é o doente escolhido. Parece que este tipo de abordagem facilita de maneira direta ou indireta, movimentos de culpabilização da família, porém a teoria não se propõe em denunciar uma pessoa, mas sim as relações colocadas entre seus membros e as representações mentais inconscientes das pessoas em questão. Os afetos transferidos para o terapeuta são assim constatados e torna-se possível o desimpedimento dos pensamentos. A família percebe que pode reproduzir um outro enquadre de emoções e fantasias. Mudar não significa refazer tudo, mas fazer o novo com aquilo que se tem, e diante de diversas situações que venham a surgir, se posicionar de uma forma mais saudável e sem conflitos. A família viverá então, para si mesma com seus novos mitos e sua nova história (Eiguer, 1987)4. Segundo Kalina (1991), nas famílias que tem pessoas que recorrem aos tóxicos para encarar os problemas tem uma história com significados particulares e que se apresentam com uma intensidade muito maior que as outras. A culpa, a vergonha, o medo e, sobretudo a desvalorização acham-se implicados entre os seus membros familiares, e em torno disso, através da ressonância fantasmática a família circula. É a partir dessa circulação fantasmática inconsciente que estava impedido que o grupo familiar se transforma em um conjunto de indivíduos diferenciados, buscando a autonomia. A família pode então, desempenhar um papel funcional, ingressando na ordem do simbólico, restabelecendo a dialética da lei e do desejo, fazendo a distinção das funções 4 Sabe-se que não existe o puro sujeito do inconsciente como uma entidade abstrata fora das condições socioculturais que o geram. A população de baixa renda torna o “social” como condição insuperável ao tratamento. Determinações sociais como pobreza miserável, mortes violentas, estupros, espancamentos, todas as formas de problemas que não são encontrados no consultório. A tarefa do analista é dar uma possibilidade de tematizar, resignificar, e elaborar sua “miséria” (Figuereido, 1997). Porém o terapeuta deve estar atento e diferenciar o que é o indivíduo que suas questões psicológicas e a realidade social para não virar em uma psicoligização de tudo que ele diz no tratamento. 32 maternas, paterna e filial, o que também lhes restitui a possibilidade de novos valores, abrindo espaço para a criatividade e a criação (Carvalho, 1997). A terapia familiar sistêmica: O grupo de Palo Alto inovou ao abordar e estudar padrões comunicacionais predominantes nas relações dos pacientes esquizofrênicos com seus familiares. A teoria que se baseia no Duplo Vínculo se tornou um conceito muito difundido, defendendo a tese de que os fenômenos paradoxais na comunicação de famílias de pacientes esquizofrênicos poderiam ser responsáveis pelo surgimento da doença. O resultado de uma pesquisa comandada por Gregory Bateson, foi a construção do conceito do ‘duplo vínculo’: um padrão de comunicação repetitivo que contém injunções contraditórias impossibilidade em distintos níveis de comunicação e que juntamente com uma do paciente de abandonar o campo relacional estaria na base do relacionamento do aparecimento dos sintomas esquizofrênicos (Rapiso, 1996). A partir dos estudos do grupo de Palo Alto, apresentou-se um domínio para a terapia familiar sistêmica que passou a enfocar em seu trabalho, a mudança dos modelos interativos no seio da família. Influenciados pela Teórica Cibernética os referidos pesquisadores trocaram o aspecto linear (causa e efeito), pelo enfoque circular, baseado na reciprocidade de fatores causais. Na primeira teoria cibernética encontra-se a idéia de que o funcionamento familiar é acionado por desvios do padrão relacional estabelecido. Tal desvio é avisado ao sistema que realiza modificações adaptativas para conservar o funcionamento da família sem modificações significativas (Melman, 2001). Segundo Haley (em Rapiso, 1996), cada participante da família tenderia a controlar, regular o comportamento dos outros, num processo comparável a um mecanismo Cibernético. Este tipo de observação sobre o equilíbrio do sistema familiar também foi colocado por Jackson como homeostase, sendo que seu conceito é uma das pedras fundamentais do primeiro movimento da terapia sistêmica de família, conhecido como a 1ª cibernética. Homeostase é vista como: a) modo de funcionamento do sistema; b) fim que o sistema busca alcançar; c) resistência à mudança. 33 Dentro deste modelo, o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família que mantinha e nutriam o sintoma, que é uma resposta a um prenúncio de desiquilíbrio do sistema familiar. Observavam seqüências comportamentais recorrentes que deviam ser interrompidas e alteradas. As técnicas destinavam a “burlar” a homeostase e induzir uma crise na família que reorganizava-se funcionalmente sem a necessidade do sintoma. Na segunda cibernética ressalta que os sistemas vivos, biológicos e mesmos sociais funcionam afastados do equilíbrio. A evolução de um sistema se dá numa combinação de acaso e história, onde a cada patamar surgem novas instabilidades que amplificadas geram novas ordens e assim por diante. Para Morin (em Rapiso, 1996), a crise é um aumento de desordem e de dúvida no seio de um sistema. Sistemas hipercomplexos como os sociais funcionam sempre no limite da crise, na medida em que operam e organizam-se a partir da desordem. Não é possível para estes sistemas a regra ideal, a norma pré-concebida, que garanta a sua otimização. A resolução da crise gera soluções novas, mas nem sempre tem o significado de ‘progresso’. A 2ª cibernética enfatiza a indução da crise como a provocação e o paradoxo que buscam variar os parâmetros atuais de entendimento do sistema, e provocar a emergência de recursos internos ao sistema para a mudança. A entrevista terapêutica ganha ênfase: perguntas, reconstrução da história, redefinição de significados, está é o serviço da terapia. A linguagem da família, sua singularidade e originalidade são as aberturas de entrada do terapeuta ao sistema familiar. Nesse tipo de abordagem o terapeuta é menos diretivo e mais curioso. O terapeuta não tem mais que fazer a família “resistente” mudar. Vai atuar mais no sentido de mobilizar recursos familiares, levantar e ampliar informações que até agora não eram importantes para a família Vai procurar pelo não conhecido, não valorizado, periférico que funcione como alavanca para a mudança (Rapiso, 1996). Na intervenção terapêutica sistêmica, os membros familiares não são vistos como culpados pelo uso de drogas do parente dependente tornando-se ajudantes no processo terapêutico que permite a família passar para a nova fase do ciclo da vida. As estratégias de tratamento anti-social são as abordagens ecológicas que lidam com contextos sociais múltiplos: família, amigos, escola, comunidade e sistema legal. Na medida em que as pessoas 34 expressam seus anseios em palavras, abre-se novas perspectivas para mudanças. As famílias que tem um toxicômano se calcificam diante de seu sintoma, impedindo a fluidez do movimento do sistema, e passam com a ajuda do terapeuta, a fluir, a transformar aquilo que está impedido para uma nova experiência e para co-construção de um contexto saudável (Minayo & Shenker, 2003). Osório & Valle (2002) destacam intervenções individuais em psicoterapias familiares em que se mostram proveitosas quando apropriadamente indicadas e inseridas na prática psicoterápica nos pacientes individuais. É uma abordagem inusitada, mas apoiada na sólida experiência dos terapeutas, e no propósito de ajudar os referidos pacientes a promoverem as mudanças necessárias para saírem de suas situações estereotipadas, nisso parece residir a principal razão para o sucesso das intervenções propostas. 35 Capítulo VII – O Serviço Social em voga: A prática dos(as) assistentes sociais no atendimento e atenção aos familiares dos dependentes químicos. Como diz Silva (1984): “Em decorrência dos próprios objetivos da instituição e de acordo com como é definida a função da assistente social, a ênfase ora recai sobre a orientação individual, ora sobre a prestação de serviços”. No trabalho individual, a atividade principal é a orientação tanto no sentido de “ajudar” a achar soluções, quanto na conscientização da problemática, ou do aconselhamento dentro do ambiente familiar. No campo da assistência o aspecto principal se dá na prestação de serviços, ou desenvolvimento de programas que levam em conta o atendimento mais global da necessidade do cliente, enquanto pessoa e membro da família. O trabalho do assistente social está no tratamento, na pesquisa, e no levantamento de recursos. No tratamento, os assistentes sociais participam de todas as atividades, exceto os Grupos de Psicoterapia (que são feito por psicólogos), Aconselhamento, Recreação e Terapia Ocupacional (Abreu Pereira, 2003). O atendimento individual do Serviço Social com relação aos familiares é envolver a família e o local de trabalho na formação de uma rede para suporte na prevenção de recaídas. O (a) assistente social faz grupo de familiares – sugerem trocas de experiências, vivências, conflitos e sofrimentos associados aos problemas que apareceram através do alcoolismo e drogadição do seu familiar; acompanhamento sócio-familiar – estudo social do caso, da situação social, laborativa e acadêmica do paciente, apoio e assistência a esse paciente (quando vai ao tratamento)5 e seus familiares, Visitas domiciliares – na finalidade de favorecer a reinserção do usuário (quando este deixou o tratamento) e família no processo terapêutico. Além do que foi dito, o (a) assistente social faz acolhimento e entrevistas e orientação com familiares, reuniões de estudo de casos, palestra para os membros da família sobre o tema de drogadição (Abreu Pereira, 2003). 5 Citação minha. 36 A situação do (a) assistente social começou a mudar em serviços mais relacionados às orientações e à construção da reforma psiquiátrica, já que antes a atuação desse (a) profissional ficava muito restrita dentro das instituições e puderam perceber sua posição distinta para criar novos projetos de intervenção como, por exemplo, atenção domiciliar, projetos de trabalho e moradia, atenção psicossocial, etc. O contato privilegiado com a família e a realidade social do usuário passou a expressar um novo potencial de trabalho a ser realizado, onde o (a) assistente social poderia expor para outros profissionais e para a instituição, dimensões da vida do usuário (seja ele paciente psiquiátrico, dependente de drogas, ou que tenha outro tipo de questão), que antes não eram privilegiadas pela psiquiatria tradicional (Pereira, 1999). Outro aspecto que ser destacado no Serviço Social é sua disponibilidade para escuta de demandas imediatas, no cotidiano, dos usuários e seus familiares. Embora não seja dada a devida importância pela instituição e pelos outros profissionais, pode servir numa perspectiva de interdisciplinaridade. Severino (em Pereira, 1999) defende a interdisciplinaridade ao fazer crítica sobre o legado do positivismo que mostra uma visão fragmentária e unilateral dos fenômenos, ao invés de considerarmos o todo como meio fundamental para o entendimento dos aspectos da existência humana. Deve haver, portanto, uma ‘troca’ de informações entre os profissionais das diversas áreas para se entender melhor o adoecimento e o sofrimento do paciente que procura a instituição, e assim traçar estratégias para tratamento e recuperação do sujeito em questão. É importante que os profissionais da área de Saúde Mental, de modo especial os assistentes sociais propiciem à família possibilidades de superar dificuldades vividas no convívio com o membro portador de transtorno mental (Pereira, 1999). O Serviço Social situado no conjunto de mecanismos destinados a atenuar os impactos perversos do capitalismo a nossa população usuária constitui-se muitas vezes em uma referência, um apoio na ampliação dos direitos mais elementares, podendo ainda abrir espaços para experiências coletivas capazes de revelar novas formas de expressão social e politização do cotidiano destes. 37 Aceitar os rebatimentos gerados nas contradições do capitalismo e as acomodações exigidas pela reestruturação capitalista, deverá ser muito mais complexo e difícil do que trabalhar contradições. Compreender intrinsecamente as relações entre sujeito e força de trabalho, entre macro-micro estrutura, os processos históricos, sociais, políticos, e econômicos, articulando com as contribuições que se pode oferecer inclusive em intervenções individuais institucionais, poderá mudar até mesmo as formas de inclusão do Serviço Social enquanto força de trabalho (Costa, 2003). Deve-se procurar avançar com rigor teórico nas discussões dos (as) assistentes sociais, problematizar as preocupações, sistematizar a prática e divulgá-la aos interessados e escutala propondo debates, alternativas e estratégias de enfrentamento da questão colocada. É nessa perspectiva que o Serviço Social também tem ampla possibilidade de intervenção no que se refere ao uso/abuso de álcool e outras drogas nos diversos níveis de Prevenção. Como por exemplo, intervenções em centros de tratamento, empresas, universidades, igrejas, comunidades, etc., de modo a proporcionar assistência a crianças e adolescentes, idosos, trabalhadores urbanos e rurais, famílias6, bem como a setores sociais específicos, tais como, pessoas portadoras de deficiência e população em situação de rua entre outros, com objetivo de demonstrar que a temática é uma questão de Saúde Pública, com gravíssimas conseqüências sociais (Costa, 2003). Um dos grandes desafios a enfrentar é estar atento para que o (a) assistência social não seja cooptado no cotidiano dos serviços, no sentido de desenvolver uma prática mecânica na atenção das carências sociais graves que deixaram de ser atendidas pelas políticas sócioeconômicas setoriais, não se pode deixar tornar sujeito aos acasos do bom senso e do improviso, pois irá então cair no mecanismo: assistência/ emergência / ausência de programa. 6 Grifo meu 38 Conclusão: Os familiares de baixa-renda necessitam de lugares e de profissionais que os ajudem (quando a família achar que precisa de ajuda) a enfrentar os problemas e superar os obstáculos no convívio com o membro familiar que é dependente químico. Havendo esses lugares e contato com profissionais poderá haver mudanças significativas de instigar vivências e práticas de ver e viver a situação de outra forma e assim sentimentos como culpa, inconformidade, instabilidade, insegurança, stress emocional, o isolamento afetivo e social e outros sintomas podem começar a dissipar ela e poderá enfrentar as dificuldades do cotidiano, até mesmo no convívio com o parente usuário de drogas com mais “força” e perseverança, e os familiares procurarem até meios de convencer o membro da família drogadicto a procurar também tratamento, mesmo sendo uma tarefa árdua e difícil de modificar sua posição diante da droga. Sem procurar fatores que as culpem ou vitimizem, as famílias diante de um membro que se droga, é nesse ambiente que tem que se gerar a solidariedade, uma boa convivência uns com os outros, a tolerar, a respeitar e suplantar as rivalidades e os pré-conceitos que podem existir no seio familiar, enfim a buscar outros meios de observar e viver a vida, e assim construindo uma base social sólida e ajudando a todos entre si, inclusive, o membro familiar dependente químico, podendo proporcionar-lhe meios para alcançar a saúde física e psicológica e um bem-estar próprio. 39 Anexos: ___________– Pai mata filho viciado durante briga. Discussão começou porque rapaz queria trocar televisão por cocaína. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 18 de abril de 2003, Caderno: ‘Rio’. Freire, Flávio – Pai mata filho viciado em drogas. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 1° de abril de 2003, caderno: O País. ___________ – Mãe perdoa o marido que matou o filho viciado. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 2 de abril de 2003, caderno: O País. ____________ - Derrame mata pai que matou filho viciado. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 26 de abril de 2003, caderno: O País. 40 Bibliografia: Abreu Pereira, Patrícia Aline de – Dependência Química, Serviço Social e Sociedade. Trabalho de conclusão de curso para obtenção de título de assistente social. Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social da UFRJ, janeiro de 2003. Araújo, Maria Elizabeth da Costa – Drogas e Dependência – Um desafio. Em: “Drogas: Qualidade de Vida e Cidadania”. Rio de Janeiro, Gestão Comunitária. Instituto de Investigação e Ação Social, 1999. p. 34. Barros, Ricardo Paes de & Mendonça, Rosane S. Pinto de – Pobreza, estrutura familiar e trabalho. Brasília, DF. Instituto de Pesquisa Aplicada Brasileira, fevereiro de 1995. Berenstein, Isidoro – Família e Doença Mental. São Paulo, Editora Escuta, 1988. Bezerra Jr., Benilton – “Considerações terapêuticas em ambulatórios de serviço mental”. Em: Cidadania e Loucura. 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Rio de Janeiro, Editora Imago, 1993. p. 259. 44 Atividades Culturais: 45 Índice Introdução: 8 9 Capítulo I – As drogas e o sistema social. Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito? Capítulo III – A família (baixa-renda) do usuário de drogas. 14 18 Capítulo IV – E agora família? Quando o parente dependente de drogas não quer se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros 21 familiares. Capítulo V – A família-paciente vai à instituição: Os motivos para fazer se tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano. 26 Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar da família em questão. 30 Capítulo VII – A assistência social em voga: a prática dos (as) assistentes sociais no atendimento e atenção aos familiares dos dependentes químicos. 36 Conclusão: 39 Anexo Bibliografia: 40 41 46 Atividades Culturais: Índice: 45 46 47