Universidade Cândido Mendes
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Projeto “Vez do Mestre”
A IMPORTÂNCIA DA TERAPIA E DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL PARA A FAMÍLIA DE BAIXA-RENDA QUE TEM
EM SEU CONVÍVIO UM DEPENDENTE QUÍMICO O QUAL
EVITA SE TRATAR.
Nome do Autor: Paulo Cardoso de Moura Neto.
Orientadora: Mary Sue
Rio de Janeiro, 29 de julho de 2004.
Universidade Cândido Mendes
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Projeto “Vez do Mestre”
A IMPORTÂNCIA DA TERAPIA E DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL PARA A FAMÍLIA DE BAIXA-RENDA QUE TEM
EM SEU CONVÍVIO UM DEPENDENTE QUÍMICO O QUAL
EVITA SE TRATAR.
Objetivo: Este trabalho será apresentado à Universidade
Cândido Mendes, como requisito parcial para a conclusão
do curso de Pós-Graduação (lato sensu) em Terapia de
Família.
2
Agradecimentos
A todos que me ajudaram a finalizar esse trabalho como
professores da pós-graduação, amigos, parentes, colegas de
turma e que colaboraram em mais uma empreitada para meu
conhecimento e prática na minha profissão.
3
Dedicatória
Dedico a minha mãe, Enal Fernandes de Moura, que faleceu
recentemente e que me deu força a começar esse curso e para
encarar a vida de frente, começando sempre novas etapas, seja
no estudo, seja no trabalho, enfim, na vida, como também a
meu pai e minha irmã primogênita que também já se foram.
Dedico a minha irmã, Enal Fernandes Cardoso de Moura, aos
parentes e amigos que realmente me ajudaram a passar essa
dificuldade de perder um ente querido e dar força para estar na
vida e continuar a ter persistência para melhorar meu
desempenho como estudante, como profissional e como ser
humano.
4
Resumo
Em Instituições Públicas, os técnicos (assistentes sociais e psicólogos) que atendem os
usuários de álcool e outras drogas e as suas famílias (na maioria dos casos, são de classes
média-baixa e baixa). Mas chega-se a um impasse, pois algumas vezes, a pessoa que foi
encaminhada para fazer o tratamento (que é o dependente químico) não quer ir de jeito
nenhum à instituição; ou já faleceu, mas a família ainda sente a sua ausência e quanto foi
difícil se relacionar com o drogadicto no momento que ele entra no mundo das drogas; ou
até mesmo esse interrompe o tratamento, nas várias recaídas que lhe acomete e a família
fica desesperada sem ter o que fazer e como lidar com o problema, acarretando sintomas
diversos nos familiares como angústia, depressão, baixa auto-estima, frustração, culpa,
entre outras.
Tratar e elaborar atividades sociais com a família de baixa renda faz que com ela lide
melhor com o problema com relação à dependência do parente usuário, e assim faça a
retirada de formação de sintomas dos membros familiares (ou pelo menos, amenizar a
situação) e a família pode vir futuramente ajudar o usuário (caso ainda esteja vivo) a sair do
mundo das drogas (como por exemplo, convencer a procurar um tratamento especializado),
pois o ambiente familiar sendo acolhedor, propício há mudanças que o auxilie, pode levá-lo
a encontrar formas dele não se drogar e encontrar o bem-estar tão esperado.
5
Metodologia
A metodologia empregada foi apenas bibliográfica na qual foi consultado alguns livros e
monografias das bibliotecas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nacional no Rio de
Janeiro, Estadual do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a
consulta aos periódicos foram feitos na Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Algumas das bibliografias citadas já eram de minha posse e outras foram sugestões de
pessoas (profissionais) ligadas à área de dependência química e à terapia familiar. Também
foi utilizada a internet e visitei os sites das bibliotecas, como foi utilizado um trecho de uma
entrevista que foi consultado na web.
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Sumário
Introdução:
8
Capítulo I – As drogas e o sistema social
9
Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito?
14
Capítulo III – A família (baixa-renda) do usuário de drogas.
18
Capítulo IV – E agora família? Quando o parente dependente de drogas não quer
se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros familiares.
21
Capítulo V – A família-paciente vai à instituição: Os motivos para
se tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano.
26
Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar
a família em questão.
30
Capítulo VII – A assistência social em voga: a prática dos(as) assistentes sociais
no atendimento e atenção aos familiares dos dependentes químicos.
36
Conclusão:
39
Anexos:
40
Bibliografia:
41
Atividades Culturais:
45
Índice:
46
7
Introdução
O uso de drogas foi disseminado durante milênios entre vários povos. Porém o consumo
abusivo das substâncias psicoativas destaca-se nas últimas décadas.
O sujeito que consome drogas tenta evitar a pressão da realidade, do sofrimento e a
intoxicação é a forma de se esquivar e de encontrar um prazer mesmo que momentâneo.
O usuário na medida em que vai entrando cada vez mais no mundo das drogas, a família
fica a mercê, colocada à prova, pois tenta de qualquer maneira tira-lo do sufoco do
consumo e das conseqüências problemáticas que geram essa “entrada”. A família
desesperada pensa que ela é a culpada do envolvimento do parente usuário com as drogas e
às vezes provocando além desse mencionado, outros sintomas que comprometem o bemestar do meio familiar.
Existem instituições públicas criadas de alguns anos para cá visando o tratamento, a
reincerção social do sujeito usuário de drogas para que largue o vício. Praticamente os que
vão nessas instituições são pessoas de baixa-renda, já que não tem condições financeiras de
pagar uma clínica particular. Porém nem sempre o dependente quer se tratar por conta do
seu envolvimento da droga, ou até procura no primeiro momento, mas tem várias recaídas
pelo prazer de se intoxicar com a substância. Então a família é também é tratada, pois
mesmo que o usuário não procure o tratamento, a família (ou um ou mais membros desta)
pode ir à instituição para falar, expor suas questões para os profissionais diante do
problema existente e do ambiente familiar que não está bem, e assim visa o trabalho
institucional retirá-la dessa situação limite que afeta todos os familiares.
8
Capítulo I – As drogas e o sistema social.
Há milênios, fatos assinalam que o homem nunca dispensou a utilização de substâncias
com o propósito de conseguir prazer através de um certo grau de relaxamento da
consciência. Como facilitador da relação de grupo, em reuniões sociais; como intermediário
do encontro com o divino, em ritos religiosos; como medicamento, na medicina, as
substâncias psicoativas sempre foram usadas pelo homem. As drogas não se constituíram
num problema social, tal como presenciamos nos dias atuais. Não podemos, portanto
diminuir a questão das drogas a uma possível suscetibilidade biológica dos indivíduos, nem
ao fato do homem lançar mão de substâncias para impedir o desprazer. A questão se dá no
século XX, e em especial nas últimas décadas, quando o uso de drogas, com implicação
psicoativa toma características especiais. A situação do uso abusivo de drogas que
assistimos hoje em dia, só foi deflagrado no contexto da modernidade (Araújo, 1999).
Importantes modificações ocorreram no cenário político e econômico no Brasil e no mundo
nas últimas décadas do século XX. Neste período, cada vez mais aparecia uma versão mais
selvagem do capitalismo. Com a estratégia neoliberal, a competição aumentava e mais uma
vez, os trabalhadores constituíam a parte sacrificada. As garantias trabalhistas e outras
formas de apoio social (como as políticas de saúde, educação, habitação e assistência
social) foram progressivamente retiradas, enquanto a reestruturação das empresas gerava no
mundo todo, aumento de desemprego e má distribuição de renda.
A vinda da política neoliberal, o uso perverso de avanços tecnológicos e a reestruturação
das empresas – também conhecida por reengenharia – a função exercida pela parcelas de
pobres perde a utilidade: aqueles indivíduos tornam-se a ser dispensáveis, retira-se a base
social e eles são facilmente excluídos. E como não há mais empregos, os projetos de vida
tornam-se impossíveis, inviabilizando a construção de identidades que tem papel
fundamental na determinação social das escolhas particulares sobre as drogas (Cruz &
Ferreira, 2001).
9
Além das mudanças econômicas, o final do século assistiu a mudanças mundiais nas
relações do poder político. Com a diminuição da influência política, os sindicatos e
movimentos populares perderam força e se desestruturaram, tendo seu papel enfraquecido
nas negociações trabalhistas. Em função das modificações estratégias econômicas –
principalmente com o crescimento do desemprego, do emprego temporário ou informal e o
descaso do estado com ações do apoio social - a zona de pobreza estável retrai aumentando
a de vulnerabilidade e a de excluídos (Cruz e Ferreira, 2001).
Neste processo, os jovens são particularmente vulneráveis, pois a alternância entre emprego
e sub-emprego não lhes deixa definir uma trajetória profissional estabilizada. Assim a
relação dos jovens de grupos onde se juntam outros jovens excluídos de emprego e de
projetos para o futuro é uma entre as possíveis estratégias para suportar com a circunstância
adversa.
Os “novos marginalizados” podem ser classificados em diversos grupos, mas estes são, de
modo dinâmico, intercambiáveis. O que têm em comum é um duplo desinteresse: do
trabalho e da inserção relacional, sendo por isso descrito por Castel como desafiliados.
Incluem toxicômanos, populações de rua, indivíduos mental ou fisicamente inabilitados
entre outros (Cruz & Ferreira, 2001).
A frustrante procura pelo consumo ilimitado prometido pelo mercado (legal ou ilegal)
produz insatisfação e a sensação de constante incompletude, e sendo assim, realimenta a
procura da satisfação no consumo exaltado seja de bens de consumo, seja de drogas.
Nas relações interpessoais, tanto quanto nas do trabalho, recusa-se a fixação de
compromissos, sustentando as alternativas abertas. Essa mudança de arranjo é favorecida
por um “mercado inteiramente organizado em torno da procura do consumidor e
vigorosamente interessado em manter essa procura permanentemente insatisfeita” (Bauman
em Cruz & Ferreira, 2001). O curioso é aquele que não é seduzido pela modificação
constante promovida pelo mercado consumidor. São os consumidores falhos, aqueles que
faltam recursos para consumir.
Transformações profundas nas relações sociais também têm acontecido de modo a provocar
a desestabilização da relação do indivíduo com seu grupo social e até do indivíduo com
suas próprias opções. No que tem sido descrito como a crise de identidades, observa-se
10
hoje em dia, a renúncia de modos tradicionais de definição pelo coletivo da localização
social de cada indivíduo. A sociedade fornecia aos indivíduos evidências claras de sua
posição e de sua trajetória de vida no passado.
Com a globalização existe a possibilidade de partilhar identidades com pessoas que vivem
há milhares de quilômetros, que são de outras culturas. Os indivíduos passam a assumir
várias identidades, algumas delas conflitantes entre si. Como mostra Hall (em Cruz &
Ferreira, 2001), “o próprio processo identificatório...” “torna-se provisório, variável e
problemático”.
No Brasil, a partir da década de oitenta, mudança paralelas seguiram-se ao período de
crescimento econômico com maior concentração de renda, corrosão dos salários em função
da inflação e conseqüente ampliação da desigualdade na distribuição da riqueza (Zaluar, em
Cruz & Ferreira, 2001). Paralelamente, observa-se um espantoso aumento dos índices de
criminalidade, principalmente nas grandes cidades.
O uso de drogas muitas vezes se faz de forma compulsiva e os usuários podem perder
capacidade de conter suas despesas. Enquanto os que são oriundos das classes média e alta
acham meios de financiar seu uso, os mais pobres freqüentemente adquirem dívidas com os
traficantes. Alba Zaluar descreve o conjunto baixa escolaridade/baixo salários/atração pelas
quadrilhas como os fatores de estímulo para que os jovens pobres se associem ao tráfico
(Cruz & Ferreira, 2001).
Mas, no Brasil, nem sempre o uso de substâncias psicoativas era um fato tão preocupante.
O consumo difuso do álcool, por exemplo, continuou ao longo de todo o século XX,
formando junto com o tabaco, as práticas de uso de drogas legais mais importantes no país.
Nas favelas do Rio e São Paulo, indivíduos que faziam parte da contravenção ou de
pequenos delitos passaram a lucrar com a venda da maconha. Multiplicaram os postos de
vendas, até hoje chamados de boca de fumo, mesmo que, atualmente, seu produto seja a
cocaína. Na década de setenta, a relação de membros destes grupos e de outros assaltantes
com presos políticos, os habilitou a empreender assaltos mais ambiciosos a bancos e a gerar
uma estrutura organizacional. Na década de oitenta, o Brasil tornou-se rota alternativa.
Com isso, a droga passou a atravessar a extensa fronteira noroeste e oeste e cruzar o Brasil
em direção aos portos do Rio de Janeiro e Santos. A partir do estabelecimento dessa nova
11
rota, na década oitenta, parte da carga que atravessava o país passou a ser destinada para o
consumo interno (Cruz & Ferreira, 2001).
O mercado dessas drogas gera a violência entre vendedores e compradores sob uma
quantidade enorme de pretextos e circunstâncias, roubo de dinheiro ou da própria droga, ou
quantidade, disputa de territórios de tal forma que a violência se torna uma estratégia para
disciplinar o mercado e os subordinados.
Ou seja, o narcotráfico potencializa e torna mais complexo o repertório das violências e da
delinqüência organizada; a violência social dispersa; a promovida por grupos de
extermínio, e também de gangues juvenis.
No Brasil, o crime organizado prosperou e institucionalizou a partir da década de 80,
espalhando o medo, acrescentando as estatísticas dos homicídios e tornando uma
verdadeira resposta social ao mercado de trabalho, sobretudo para os jovens pobres das
periferias e favelas, sem esperanças de obter emprego formal e que buscam satisfazer os
sonhos de pobres jovens da favela (Minago, 1997).
Ao Estado incumbe-se de assegurar os direitos sociais, políticos e civis e os de quarta
geração (os ecológicos) dos cidadãos. Mas o Estado, no caso do uso das drogas ilícitas tem
apresentado sua outra aparência: a de repressor das atividades condenadas criminalmente,
como no caso do consumo e tráfico de drogas. Além desse fato, Zaluar (1993) aponta tem
se desrespeitado às garantias constitucionais que restringem a ação da polícia: Revistas
ilegais, provas plantadas, processo pelo porte de drogas com a caracterização de crime de
tráfico (o que é considerado hediondo), estando sujeito ao arbítrio policial, resultam em
prisões injustas ou extorsões ilegais.
No Brasil, a maconha é a droga mais consumida ainda é conhecida, com maior incidência
entre os jovens, seguida da cocaína, com grande incidência também entre os adultos,
sobretudo nos grandes centros, no eixo Rio-São Paulo.
A revista Veja publicou que o Brasil consome atualmente 100 toneladas de cocaína, entre
cerca de um milhão de consumidores e movimenta um faturamento bruto em torno de 1
bilhão de reais. A estatística faz referência apenas a uma espécie de droga que alcança uma
pequena parte da sociedade, por ser no nosso meio, uma droga cara. Portanto, se
abrangermos na estatística, o consumo de maconha, crack, ecstasy, merla e outros
12
composições derivadas, teremos uma cifra enorme no mercado consumidor de drogas no
Brasil, que segundo a mesma fonte, já disputa, o segundo lugar no consumo de tóxico no
mundo, permanecendo atrás somente nos Estados Unidos (Oliveira, 2002).
13
Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito?
Na literatura encontram-se algumas proposições sobre as “formas de consumo de drogas”.
No presente trabalho, é tomada como referência a sugestão de Helen Nowlis (1982), que
indica a seguinte classificação para usuários de drogas (Caldeira, 2004):
a) Experimentador – limita-se a experimentar uma ou várias drogas, em geral por
curiosidade, sem dar continuidade ao uso.
b) Usuário Ocasional (ou Recreativo) – utiliza uma ou várias substâncias quando
disponível ou ambiente favorável, sem rupturas nas relações afetivas, sociais ou
profissionais.
c) Usuário Habitual (ou Funcional) - faz uso freqüente, ainda controlado, mas já se
observa sinais de ruptura.
d) Usuário Dependente (ou disfuncional) - vive pela droga e para a droga,
descontroladamente, com rupturas em seus vínculos sociais, com marginalização e
isolamento (também referido como “toxicômano”, “drogadito”, ou ‘dependente
químico’).
Para Calvi & Santos Silva (1997), na dependência à droga, a relação entre indivíduo e a
droga ocorre de tal forma que ela se torna necessária à sua vida cotidiana; sem a droga, seu
funcionamento orgânico, físico, social, afetivo entre outros, é totalmente modificado. Ele
passa mal e fica ansioso, rompendo com estas relações. É quando acaba o uso da droga pelo
prazer e ela passa a ser usada para evitar o desprazer que a falta dela causa à sua vida.
Ao contrário de pensar as drogas como elementos externos e perturbadores de uma
sociedade que funcionaria “muito bem sem elas”, é necessário que se busque compreender
que as drogas e seus usos servem a funções específicas nesta sociedade, mesmo que sejam
usos e funções muito diferentes dos que ocorriam anteriormente. No Brasil na época da
ditadura militar, a propagação do consumo de drogas representava ao mesmo tempo a
opção por um “ethos” pacifista e de contracultura. Hoje, o uso de drogas perdeu essa
função de contestação do passando e passa a ter, entre outros significados, a ligação com a
14
marginalidade e a criminalidade. São comum relatos em que usuários se identificam como
“drogados” ou “viciados”, e associam essas categorias a ser diferente, pobre, favelado, mau
exemplo, errado e sem moral, zero à esquerda que ninguém confia (Garcia em Cruz &
Ferreira, 2001). A droga também é vista como inimigo externo (tóxico ou agente
infeccioso) do qual o indivíduo deve ser libertado ou desintoxicado. Essa idéia sustenta a
política vigente de que a droga é o inimigo “que vem de fora”, estranho, exterior e não
sendo produto (ainda que ilícito) da sociedade.
Como é ressaltada por Joel Birman (em Cruz & Ferreira, 2001), nos países consumidores
de drogas, a substância estariam longe do registro simbólico de estar relacionado em
sistemas rituais, em um contexto cultural específico enraizado em crenças e valores
próprios, como acontece nos países produtores de drogas. E assim, as substâncias
psicoativas tornam-se um dos meios de abrandar o sofrimento psíquico. Birman comenta
também que o desenvolvimento das iniciativas das indústrias farmacêuticas que tenta
abrandar o mal-estar, seja através de psicofármacos, seja através do uso de drogas, sempre
pela visada de um pretenso estado “ideal de estesia psíquica”, em um esforço da pósmodernidade de construir uma cultura centrada no bloqueio da dor e do sofrimento
psíquicos.
Claude Olivenstein (em Cruz & Ferreira, 2001) põe o consumo de drogas em relação à
perda dos sentidos da norma e das margens sociais. Aponta a perda de nitidez das funções
sociais, a necessidade de exploração cada vez mais rápida de novas fronteiras, o
conseqüente aparecimento de novas margens e a extensão dos campos dos excluídos.
Destaca a desestabilização dos pactos coletivos, o abalo das estruturas sociais e do
imaginário coletivo, como o status da instituição familiar e a relativização do papel
destinado aos costumes.
Condenados à marginalidade, esses usuários dificilmente poderão explicar seus usos e
efeitos, sujeitando o usuário a uma condenação em bloco, o que pode dificultar a
transparência no suportar com questões relacionadas ao abuso, imprimindo novas marcas
originárias do estigma (Garcia, 1997).
A partir da experiência com pessoas que buscam tratamento em instituição especializada
vemos que, embora esses pacientes referem-se esses sentimentos como resultantes do uso
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de drogas na narração de suas histórias de vida, pode-se prosseguir na compreensão do
drama existencial dessas pessoas, onde um dado estado emocional passa, a partir de uma
situação de uma situação de transgressão a abranger sentimentos de estigmatização.
O usuário compra não apenas um produto, mas um estilo de vida implícita onde ao lado de
drogas hoje se vende a imagem valorizada do sucesso e do poder. O que sobra é o sujeito
dividido e danificado, no limite pouco preciso entre a transgressão pelo o uso de um
psicoativo ilícito, a absorção dos valores consumistas e o estrito convívio com o crime,
especialmente nas camadas populares.
Na toxicomania, o objeto consumido torna-se ilusoriamente o valor de objeto
incondicional, insubstituível, e por isso é um dos mais bem-sucedidos dentre tantos outros
objetos oferecidos pela sociedade de consumo, pois seu uso dá ao sujeito, com maior
agilidade, uma experiência de muito prazer e um afastamento da realidade (Gonçalves,
Delgado & Garcia, 2003).
O que representa o incomum e o estranho é germe da insegurança e terror, por colocar em
risco a ordem constituída. Os indivíduos que se acham nesses estados intersticiais são por
isso rebaixados e penitenciados pela mancha de que são portadores, na medida em que
tornam evidentes os estados e condutas do grupo. Diante da censura coletiva do grupo, o
individuo se torna no seu próprio algoz (Garcia, 1997).
A travessia da adolescência também causará uma série de escolhas, perdas e abandonos, em
respostas as exigências não somente parentais, mas também advindas do social mais amplo.
Em funções das modificações ocorridas na modernidade, são precisamente os jovens que se
encontram mais particularmente vulneráveis às vicissitudes inerentes a um processo de
constituição de uma identidade profissional. Cabe reconhecer que a modernidade vem
impondo não só aos jovens – embora sejam estes os mais afetados pela radicalidade destas
mudanças – mas a todos, permanente questionamentos e negociações.
Em muitos casos a renúncia dos valores tradicionais, engolfados pelas mudanças rápidas
nas relações sociais e num contexto de crescimento da valorização de mercado, do
consumismo, do imediatismo e do individualismo, têm produzido, entre outras
conseqüências perversas, uma ausência de referencial social. O consumo de drogas vem
16
surgindo como uma opção, especialmente para os mais jovens e menos privilegiados (Cruz
& Ferreira, 2001).
Segundo Guattari (em Caldeira, 2004), quando vivemos nossa própria existência, nós a
vivemos com as palavras de uma língua que dizem respeito a cem milhões de pessoas; nós
a vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertencem a todo um campo social;
nós a vivemos com representações de modos de produção totalmente serializados. No
entanto, nós vamos viver e morrer numa relação completamente particular com esse
cruzamento.
Portanto, podemos pensar que tratar o fenômeno do consumo de drogas (sejam elas lícitas
ou ilícitas), significa compreender a complexidade das relações sociais constituídas nesse
contexto, suas representações e significados, levando-se em consideração a história de vida
do indivíduo, sua subjetividade e sua visão de mundo. Além disso, deve-se buscar entender
o lugar que a droga ocupa na vida desse indivíduo e na sociedade, e o tipo de relação que
esse indivíduo e essa sociedade se colocam diante de determinadas substâncias (Caldeira,
2004).
Há de se pensar também, sobre a transversalidade dos fatores que atuam nessas relações
(históricos, políticos, econômicos, sociais, religiosos, psíquicos, etc.) e de que forma esses
fatores contribuem para a produção de subjetividade e para a viabilização do processo de
singularização (e na implicação do individuo com a droga)1.
1
Citação minha.
17
Capítulo III - A família (baixa-renda) do usuário de drogas.
A principal característica da família do drogado é a sensação de insegurança e
desnorteamento (Mendes, 1989).
O adoecimento de um membro representa, em geral, um forte abalo. Para a maioria das
pessoas a enfermidade constitui uma grande ruptura no rumo existencial. A vivência de
catástrofe desestrutura as formas freqüentes de lidar com as situações do dia-a-dia. Muitos
familiares não estão prontos para os problemas, não sabem como agir. Encarando as
dificuldades, tentando explicar o aparecimento da doença, essas pessoas mergulham na
turbulência de suas dúvidas e conflitos (Melman, 2001).
Por mais compreensíveis que sejam os familiares, é quase impossível que não ocorram
“brigas e jogação” de culpas de uns sobre os outros. É muito difícil que cada um admita sua
parte nas responsabilidades presentes e futuras na condição e na recuperação de um
toxicômano, bem como que de vez em quando não se sinta tentado em esquivar dessa
circunstância incômoda.
Às vezes, nas famílias acontecem casos de não ver que o usuário está se drogando
compulsivamente, de culpá-lo, suportar passivamente o problema, esconder das demais
pessoas (sem ser os parentes) que ele se droga, não fazer nada: o problema é de quem se
droga, ou até de colocá-lo em uma instituição psiquiátrica (Mendes, 1989).
Como diz Shenker (1994), a família permanece cega, desatenta ao assunto, terminando por
tomar ciente do fato através de terceiros ou pelos “sinais” deixados pelo próprio dependente
– papelotes ou material da aplicação de cocaína, resto de cigarro de maconha pela casa, etc.
Com relação a sua identidade de drogado, há uma idéia recorrente de que fazem algo que é
motivo de vergonha capaz de chocar e manter distante dos que estão próximos e que entre
os mais velhos, deve ser mantido escondido, como algo à parte do cotidiano. Há uma forte
alusão à família, e uma certeza de serem uma vez descobertos, serem acusados e
condenados pelo fato de usarem drogas (Garcia, 1997).
18
No caso do adolescente, torna-se fácil compreender como a desagregação familiar se torna
uma catástrofe, considerando as repercussões que provoca no espírito do adolescente que
por ela perde toda a certeza, todo ponto de apoio, toda a referência vital. Desse modo, ele
entra no universo patológico onde se movem numa lúgrube fraternidade, aqueles que
sofrem o mal de viver (Charbonneau, 1982).
Vários autores apresentam o dependente de drogas como aquele membro da família que, ao
mesmo tempo em que solicita socorro desesperadamente, indica um conflito familiar que já
existe (Costa em Palatnik, 1994), acabando com a visão preconceituosa de que a droga é a
razão dos conflitos familiares. Ou seja, há de fato um espaço e dinâmicas familiares que
possibilitam – ou pelo menos não evitam o uso abusivo de drogas.
Quando compreende que não tem mais nada fazer entre esses dois seres que se torturam
(mãe e pai), o adolescente procura escapar. Nada talvez, e tão universalmente reconhecido
quanto o aspecto de fuga, de alienação que toda a droga desenvolve. Ela garante a
existência fora da existência, ela modifica a realidade pelo sonho, permite fugir àquele que
se sente acuado, faz desaparecerem as cadeias que o mal havia forjado. A droga é a
salvação contra a negra e densa realidade dos insucessos que se acumularam (ou que
alguém acumulou) na vida (Charbonneau, 1982).
Porém os casos não podem ser generalizados, pois como diz Berenstein (1998) que pensar
que a família determina o distúrbio mental de um dos seus integrantes ou que o paciente
determina por meio da sua doença, supõe pensar em termos de causalidade linear. Não se
pode saber se a família é a causa do distúrbio de um dos seus membros ou se esse último
condiciona a família que seja assim observada.
Quando se diz em família de baixa-renda relaciona-se que a pobreza no Brasil está
intimamente relacionada à remuneração do fator trabalho, depende, portanto tanto da
qualidade e quantidade da mão-de-obra ofertada pela família quanto da qualidade dos
empregos a que são accessíveis a seus membros familiares.
Em suma, uma família é pobre ou porque poucos membros trabalham ou porque aqueles
que trabalham ganham baixos-sálarios. No primeiro caso, a causa da pobreza relaciona-se
à composição e à estrutura familiar, enquanto no segundo caso, a causa relaciona-se ao
mercado de trabalho (Barros & Mendonça, 1995).
19
A família que tem difíceis condições financeiras não difere com relação ao receber a
informação que um dos seus membros familiares está se drogando. A dinâmica familiar
(independente de classe social) difere de família para família e os comportamentos e
atitudes não são iguais ao constatar que um filho, um pai, enfim que membro da família
abusa de drogas.
Com relação à família sócio-econômicas diferentes, não se forma um impedimento para a
compreensão das famílias e do membro dependente. Embora desenvolvam noutros moldes
familiares e com outros tipos de liderança, as famílias apresentam os mesmos fenômenos
estruturais. Cabe reiterar, só modificam os personagens, os cenários e até pouco tempo, o
tipo de droga (Kalina, 1991).
No caso de um drogadicto de condições financeiras desfavoráveis é mais complicado obter
a droga, já que não tem dinheiro para obtê-la. Então esses acabam por se envolver em
situações de roubos e violência e até se relacionar com o tráfico, embora ocorra isso
também em classes altas, mas com menos freqüência (Mesquita & Seibel, 2000). É penoso
para as famílias verem seus parentes além de se drogarem estarem envolvidos em situações
ilícitas como roubo, violência e até mesmo, assassinatos.
No caso de um tratamento, obviamente famílias com rendas melhores têm condições de
internarem ou fazerem tratamentos em clínicas particulares especializadas em dependência
química enquanto as famílias de baixo-orçamento não têm condições e, portanto
(dependendo da dinâmica familiar) ou não procuram tratamento para tratar o membro
familiar dependente ou vão até instituições públicas que se envolvem com esse tipo de
questão.
20
Capítulo IV - E agora família? Quando o parente dependente de drogas
não quer se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros
familiares.
Reportagem do jornal “O Globo” de 18/04/2003:
“O advogado aposentado Paulo César da Silva, de 62 anos matou ontem seu filho Paulo
Eduardo Olinda da Silva, de 28 com quatro tiros, na Ilha do Governador. Segundo a mãe,
Ângela Olinda da Silva, Paulo Eduardo era viciado há 13 anos e costumava bater nos pais
quando estava drogado”.
“Paulo Eduardo chegou em casa drogado e queria levar a televisão para trocar por cocaína.
Paulo César tentou impedir e os dois discutiram. Durante a briga, Paulo Eduardo ameaçou
o pai de morte e quebrou vários objetos da casa”.
“A mãe chegou a sair de casa para pedir ajuda a vizinhos. Eles telefonaram para a PM, que
teria informado que só o Corpo de Bombeiros recolhe pessoas drogadas. Quando Ângela
voltou para casa, o filho tentou agredi-la. Nesse momento, segundo Ângela, seu marido
pegou a arma do próprio filho e deu quatro tiros no peito de Paulo Eduardo”.
Reportagem do jornal “O Globo” de 1°/04/2003.
“Ele disse à polícia que discutia muito com Rodrigo desde que o rapaz começar a usar
drogas, há sete anos. Nessas brigas, o filho teria ameaçado o pai de morte. Ele contou que
perdeu a cabeça e disparou uma vez – disso o delegado Renato Fernandes do 20° Distrito
Policial, da Água Fria, para onde o aposentado foi levado depois de preso”.
21
Reportagem do jornal “O Globo” de 02/04/2003.
“..., a dona de casa Sofia Vizoto Santos Cortellini reagiu com um desabafo. Ela tirou a arma
das mãos do marido, o aposentado Amador Cortellini, de 68 anos. E ali, encostada à
parede, em frente ao corpo de Rodrigo, disse ao marido uma frase que, naquele instante,
resumia o sofrimento de uma mãe que, por dez anos dedicou em vão, a tentar afastar o filho
das drogas e do álcool: “Do jeito que estava, era você ou ele”.
“A família deve entregar à polícia as fitas da secretária-eletrônica em que estão gravadas as
ameaças de Rodrigo. Eram tão constantes, que o pai e a mãe passaram a dormir em quartos
separados caso o filho decidisse cumprir a ameaça. Colecionador de armas, Amador desfez
há quatro anos da coleção por temer que Rodrigo usasse um dos revólveres contra o casal.
Manteve apenas o revólver que guardava há 40 anos e que no domingo usou para matar o
filho”.
Reportagem do Jornal “O Globo”, 26/04/2003.
“O aposentado Amador Cortellini, de 68 anos que matou o filho viciado não suportou a
tragédia familiar e morreu às 19 horas no Hospital do Coração na zona sul de SP, vítima de
acidente vascular cerebral”.
Nesses dois casos, os parentes (no caso os pais dos dois drogadictos) chegaram ao extremo
e não suportaram a pressão dos filhos para conseguir drogas e os mataram. Obviamente,
nem todas as histórias familiares não terminam de uma forma tão trágica, mas esses dois
casos servem para ilustrar como os familiares ficam desesperados e às vezes, sem ter o que
fazer diante de um membro dependente químico.
É nos familiares que mais se envolvem e menos toleram as mudanças geradas a partir do
desencadeamento de um transtorno mental que vamos achar as maiores dificuldades em
22
lidar com a nova realidade de vida. Para algumas pessoas, apresentar um irmão ou filho
doente é um fato terminantemente insuportável, inadmissível (Melman, 2001).
No dizer dos familiares e de tantos outros, apresenta uma aparência de um sentimento de
culpa, principalmente dos pais em relações aos filhos. Narrativas do cotidiano de familiares
de pessoas que padecem com transtornos mentais severos – carregadas de culpa,
perplexidade, o inconformismo e o afastamento afetivo e social – produzem uma
construção grupal na qual mães, pais, irmãos, maridos, mulheres tentam pôr uma coerência
de trocas onde só existem o temor e a inquietação.
Freqüentemente, um familiar necessita ficar ‘cuidando’ da pessoa adoecida, o que
impossibilita seu acesso ao trabalho, obrigando-o ampliar sua jornada produtiva para fazer
frente às novas necessidades financeiras geradas pela situação.
No caso de um membro familiar drogadicto, ele geralmente quer mais dinheiro para
sustentar seu vício, e às vezes, os parentes dão para que ele se acalme e para voltar a uma
“suposta paz familiar”. Mas, como ele não consegue parar de usar drogas não procura
tratamento e a família não consegue convencê-lo a parar com vício ou procurar uma
assistência, a situação de dependência da substância faz com que ele peça mais dinheiro aos
familiares, ou comece pegar seus pertences ou roubar objetos dentro e fora de casa, a fazer
terror psicológico com a família, ou até mesmo parta para a agressão física e verbal para
conseguir o que quer, e sem esquecer que alguns dependentes se envolvem com outros
“amigos” consumidores e gangues ou até entram no submundo do tráfico para continuar a
se drogar e, portanto, os familiares ficam mais assustados e angustiados com o ambiente
que está sendo gerado.
O drogadicto é uma pessoa que já não crê nas palavras e faz uma regressão defensiva às se
ligando com a química, ou é alguém que jamais chegou a acreditar nas palavras, pois
aprendeu uma linguagem de ação e que este contradizia as palavras usadas para
acompanhá-lo (Kalina, 1991), por isso a não-procura de tratamento para se livrar das
drogas.
Ainda há outro agravante que compromete a ida dos usuários às instituições de saúde que é
a precariedade do serviço, já que não se tornam sedutores ou atrativos para eles,
principalmente se falando nas instituições públicas. Os dependentes já são indivíduos que já
23
criam uma resistência ao tratamento até mesmo por causa da substância psicoativa e não
tendo uma infra-estrutura interna, profissionais capacitados, enfim meios que garantam que
eles adiram à instituição, esses não permanecem e abandonam o tratamento.
Carlos Dias (2001) classificou os tipos de dependentes químicos relativo à resistência ao
tratamento e especificamente sobre os que estão com comprometimento grave: falta de
motivação para mudanças; ausência de conscientização da sua situação em relação à droga
e das perdas socio-econômicas e relacionais; falta de disponibilidade para a abstinência;
ausência de expectativa ou expectativa não-favorável relativo ao tratamento; rejeição das
orientações terapêuticas recebidas.
Segundo este mesmo autor, os dependentes químicos com comprometimento grave que tem
resistência a um prosseguimento do tratamento apresentam as seguintes características:
dificuldades de aderência ao tratamento; várias tentativas anteriores de tratamentos
específicos e abandono dos mesmos; faltas, atrasos, interrupções freqüentes devido a
fatores não totalmente conscientes, e a grande multiplicidade causal que geram
insatisfações com as formas terapêuticas propostas.
Segundo Melman (2001), do ponto de vista emocional, o estresse as vivências de
instabilidade e incerteza, os conflitos freqüentes nas relações fazem parte do dia-a-dia
dessas famílias.
O fato do uso das drogas e do álcool, por algum membro da família, torna-se um segredo
familiar, inibe que a família e como não podia deixar de ser, o usuário busquem uma ajuda
terapêutica. Dessa forma, certos comportamentos danosos podem ser conservados em
segredo pela pessoa ou seus familiares por vergonha ou estigmatização (medo ao rótulo)
por causa dessas condutas estranhas. O que não é falado pode se tornar muito mais grave o
que o é na realidade (Hintz, 2000).
As vivências de fracassos repetidos geram uma ferida narcísica no membro familiar que
está doente e nos familiares, que passam a fugir de novas situações que possam gerar mais
frustração e dor. Spivack chamou este quadro de “espiral pela estabilização crônica”, que
resulta num crescente afastamento e empobrecimento ambiental (em Melman, 2001).
Uma enfermidade mental importuna o poder coletivo que une e resguarda determinada
família e esse poder existe para até viverem e aprenderem juntos e para a se protegerem nas
24
situações difíceis. Além disso, gera sentimentos de impotência e vitimização, alimenta
amarguras. Naqueles casos em que a seriedade do quadro é maior e a duração dos sintomas
se estende por mais tempo, os repetidos fracassos sociais, os problemas de comunicação e
interação, quando o membro-dependente não quer tratamento, ou tentou, mas sofreu uma
recaída ou várias voltando assim, a se drogar, ou até mesmo, as lembranças dolorosas
quando esse usuário já falecido, principalmente por causa das drogas ou das circunstâncias
que ele se envolveu por causa das substâncias psicoativas, produzem mais frustração e
desespero e são um convite o afastamento à vida comunitária, acarretando sintomas nos
próprios membros familiares. Suas vidas ficam esvaziadas, muito abaixo de suas
possibilidades existenciais.
25
Capítulo V - A família-paciente vai à instituição: Os motivos para se
tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano.
Ajudar os familiares na interação e na gestão da vida cotidiana dos membros familiares
dependentes abranda o peso dos encargos, facilita o processo de estabelecimento de uma
cooperação, atenua os fatores estressantes de ocorrências de crise, estimula a criação de
possibilidades participativas, melhorando a qualidade de vida de todas as pessoas
envolvidas (Melman, 2001).
Geralmente o que se tem observado em centros de tratamento de dependência química é
que os membros familiares que mais aparecem mesmo vindo sozinhas às instituições são as
mães (até mesmo por serem esses parentes histórica, social e emocionalmente) mais
preocupadas com que ocorrem principalmente com seus filhos. Elas vêm em desespero e
em angústia, procurando alguém que as ajude. Querem e (precisam de) apoio para dar um
alívio a seu sofrimento, derivado de terem “criado” um filho dependente de drogas (e além
de quererem uma solução milagrosa para resolver o problema dos filhos) (Palatnik, 1994).
Em várias situações, os profissionais da área de saúde se deparam com familiares com
expectativas muito pessimistas em relação à possibilidade de melhoria do quadro (do
membro da família que está doente). A reversão dessas expectativas é muito importante.
Resgatar a esperança é essencial em qualquer projeto de cuidado.
Construir esse cuidado consiste na elaboração de um corpo teórico e o desenvolvimento de
tecnologias que possam dar conta da complexidade e da amplidão do desafio.
A III Conferência de Saúde Mental organizou propostas e estratégias para realizar e
solidificar um modelo de atenção em saúde mental que seja humano, de qualidade e com
participação e controle social. Esse relatório visa uma projeção dos objetivos principais,
condensados democraticamente, a serem obtidos por meio de ações de curto, médio e longo
prazo, dando orientações indispensáveis para gestores, prestadores, trabalhadores,
movimentos sociais, organizações civis, usuários e familiares envolvidos e interessados no
campo de atenção à saúde mental no País (SUS, 2002).
26
No campo de atenção aos usuários de álcool e outras drogas é fundamental que o Ministério
da Saúde determine políticas de atenção aos usuários de álcool e outras drogas que deverão
ser baseadas no respeito aos direitos humanos, nos princípios e diretrizes do SUS (Sistema
Único de Saúde) e da Reforma Psiquiátrica.
Com essa perspectiva, foi aprovada a seguinte proposta com relação aos usuários e a seus
familiares: “Garantir que o atendimento as pessoas usuárias de álcool e outras drogas e seus
familiares seja integral e humanizado, realizado por equipe multidisciplinar, na rede de
serviços públicos (UBS – Unidade Básica de Saúde; CS – Conselho de Saúde; PSF –
Programa de Saúde à Família, NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial; CAPS – Centro de
Atenção Psicossocial, hospital-dia e unidade mista para tratamento de farmacodependência,
serviço ambulatorial especializado, atendimento 24 horas), de acordo com a realidade
local”.
Na Legislação de Saúde Mental do Ministério da Saúde foi ressaltado na portaria/ GM nº
816 (Brasil, abril de 2002), relativo aos usuários e seus familiares: Art, 1°: Instituir, no
ambiente do Sistema Único de Saúde, o Programa de Atenção Comunitária Integrada a
Usuário de Álcool e Outras Drogas, a ser desenvolvido de forma articulada pelo Ministério
da Saúde e pelas Secretárias de Saúde dos estados, Distrito Federal e municípios tendo por
objetivo: “IV – Realizar ações de atenção/ assistência aos pacientes e familiares, de forma
integral e abrangente, com atendimento individual, em grupo, atividades comunitárias,
orientação profissional, suporte medicamentoso, psicoterápico, de orientação e outros”.
Já foram e estão sendo implantados centros de atenção/assistência aos usuários e suas
famílias como CAPS, NAPS, hospitais-dia pelo Brasil, mas são ainda muitas poucas
instituições públicas que até agora funcionam nesse regime ou/e que atendem essa clientela.
Há o projeto, como foi enfocado, do Ministério da Saúde articulado com os estados e
municípios para que no futuro haja mais centros de atenção e assistência espalhados pelo
país, já que o próprio Ministério considera na mesma portaria (GM n°816) (Brasil, abril de
2002), que houve um aumento do consumo de álcool e outras drogas, entre crianças e
adolescentes, confirmado por estudos e pesquisas; os crescentes problemas relacionados ao
uso de drogas pela população adulta e economicamente ativa; a necessidade de
reformulação e ajuste do modelo de assistência oferecida pelo Sistema Único de Saúde
27
(SUS), a usuários de álcool e outras drogas, aperfeiçoando-a e qualificando-a; e como
também a de estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência centrada na atenção
comunitária relacionada à rede de serviços de saúde e sociais, que tenha destaque na
reabilitação e reinserção social dos usuários.
Além de atender e dar assistência ao usuário, também há o direcionamento à atenção da
família do mesmo dentro dos centros. Não se sabe se em todas instituições públicas ou
privadas do país que tratam dessa questão e que já funcionam atendam os familiares, já que
como acontece com a loucura, a dependência de drogas também é vista como um estigma
pela sociedade e tanto o usuário de álcool e outras drogas como seus familiares sofrem com
o preconceito em relação a eles. Os familiares se sentem sozinhos e impotentes para
compreender suas vivências.
Na maioria das vezes, esse familiar não está buscando ajuda pela primeira vez.
Freqüentemente leva consigo uma bagagem de experiências anteriores, nem sempre muito
felizes e animadores. É comum que as pessoas cheguem resistentes, armadas de respostas
prontas e de mecanismos defensivos bastante estruturados. Desconfiados, ficam com o
radar ligado à espera de qualquer comentário culpabilizante (Melman, 2001).
A aproximação do universo desses familiares pede paciência e sensibilidade na procura dos
sentidos que brotam de suas histórias de vida. Estar a serviço da subjetividade dos
familiares sugere a estratégia de procurar conhecê-los de uma maneira mais global e
abrangente, em suas múltiplas dimensões existenciais, tentando, desse modo desenvolver
modalidades de cuidado mais apropriada às suas necessidades.
No entanto, essas necessidades não podem ser generalizadas. Não existe um modelo
universal de família. Cada pessoa tem um estilo singular e de lidar com as situações da
vida. Cada um tem sua maneira particular de olhar e reagir em relação às doenças mentais.
No caso deve-se a aprender a ouvir, e reconhecer a demanda que está querendo por trás de
um pedido de resposta, pois o problema familiar com o membro familiar do drogadicto
pode estar envolvendo um problema íntimo, mais antigo dessa própria pessoa que veio
pedir ajuda profissional ou esse problema da drogadição está escondendo algo que não está
sendo dito entre os familiares e então, o ambiente familiar está sendo tão penoso tanto para
o usuário como para os outros parentes.
28
Há de se notar que o discurso de indivíduos de classes menos favorecidas pode diferir do
universo de entendimento e compreensão dos técnicos. Estes últimos devem estar atentos a
esse “abismo” de subjetividade entre pacientes-servidores de saúde mental. Como diz
Bezerra Jr.(2000): “Para esses profissionais de saúde que lidam no seu cotidiano com
pessoas oriundas dos mais diversos estratos sociais, faixas etárias e regiões culturais esta
questão se torna fundamental. Nem sempre estaremos diante de pessoas com as mesmas
noções que as nossas acerca do adoecimento psíquico. As idéias e sentimentos do terapeuta
e do paciente acerca do que é a doença, como se instala, suas causas, o que entendem por
cura, tratamento, saúde, etc., podem ser contrastantes e é preciso não se deixar levar pela
ilusão universalista para poder enxergar a diversidade. Se isto não acontece a escuta do
terapeuta se empobrecerá pelo etnocentrismo dos seus ouvidos”.
Em outra parte do texto, Bezerra Jr. (2000) diz: “Com ouvido atento e olho aberto este (o
terapeuta) este poderá passar da fase da decepção para o da curiosidade e daí para o da
pesquisa séria em busca do código específico de descrição dos estados subjetivos utilizado
pelo paciente e aí encontrar terreno fértil”.
É possível transformar a realidade quando um membro familiar adoece. Os familiares
podem achar outras formas de lidar com os problemas. É possível ampliar as possibilidades
de intervenção, deslocando o olhar para ‘fora’ das questões da família, abrindo pequenas
aberturas, permitem alargar o cenário terapêutico, ao mesmo tempo em que se desenvolve o
espaço de participação dos familiares na implementação das práticas em saúde mental
(Melman, 2001).
Servindo-se de múltiplas estratégias, pode-se instigar processos de subjetivação, entendidos
como processos de individuação que possibilitam aos sujeitos, entradas para as
multiplicidades que os atravessam em todos os sentidos e direções. Portanto, as
intervenções familiares podem estimular experiências e práticas para procurar outras
maneiras de ver e viver a vida (Melman, 2001).
29
Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar a
família em questão.
Para se dar início a uma terapia, não importa qual a idéia se tenha sobre sua necessidade,
mas é necessário existir um ingrediente em comum: alguma confusão, dúvida, ou ainda, um
desejo de se pensar dentro do ciclo vital do grupo familiar (ou quando um ou mais
membros da família que procura(m) ajuda para ele(s) próprio(s))2 (Dias, 1990).
A ampliação do campo terapêutico tem a potencialidade de tirar os familiares do
isolamento e sentirem culpados, às voltas com suas tentativas de explicar o fenômeno do
adoecer psíquico. Trata-se de restabelecer aos sujeitos a possibilidade de participar do jogo
social, resignificando suas vivências, seus valores e representações. O cuidado em relação
aos familiares pode auxilia-los a sair da rigidez que o congelamento da identidade familiar
produz para que possam aparecer formas singulares de estar no mundo (Melman, 2001).
Ouvir o relato de outra pessoa pressupõe uma disponibilidade para acolher o sofrimento e a
angústia do outro e no processo de terapia ir diminuindo ou retirando os seus sintomas que
lhe aflige.
Mesmo que nem todos os membros da família vão e até mesmo o parente que faz o uso
e/ou abuso de drogas, a pessoa que chega à instituição deve ser acolhida e ouvida diante da
demanda de ajuda que ela está pedindo e assim ela poderá enfrentar as dificuldades do diaa-dia, até mesmo no convívio com o parente usuário de drogas com mais “força” e
persistência, mesmo sendo uma tarefa penosa para se enfrentar.
Como diz Dias (1990): “Concorda-se que é preciso haver alguma dose de “dor psíquica”,
que mobilize e justifique um voltar-se para dentro; a investigação do mundo interior
subjetivo. Quando se conhece melhor a realidade interna e externa, ganham-se mais
recursos para enfrentar os conflitos”.
Os técnicos foram conduzidos a uma reflexão e a uma revisão de suas teorias e práticas,
após a Reforma Psiquiátrica. A nova situação impunha desenvolver estudos que passassem
a buscar novos cenários, organizados em torno da interação dos atores envolvidos: usuários
2
Citação minha.
30
(no seguinte contexto da psicose), familiares, técnicos e o restante da sociedade (Melman,
2001).
Obviamente, os modelos, técnicas e objetivos de terapia familiar se aplicam também a
outros tipos de transtornos mentais como é o caso da dependência química. Aqui são
apresentadas duas dentre as formas psicoterapêuticas de se tratar os membros da família3:
Terapias familiares de abordagem psicanalítica: Freud nunca desenvolveu em sua obra
técnicas ou instrumentos teóricos para o atendimento familiar. A constituição de um campo
de terapia familiar ou de intervenções familiares de base psicanalítica envolveu muitos
autores na busca de aplicar e adaptar os conceitos fundamentais da psicanálise à nova
circunstância terapêutica (Melman, 2001).
As intervenções psicanalíticas dão destaque a resolução de conflitos interpessoais a partir
de elucidações das motivações inconscientes dos membros da família. A presença do
terapeuta é conduzida a elucidação do significado inconsciente do funcionamento do grupo
familiar, analisando sua natureza, suas origens e o papel que desempenha na manutenção
de um determinado nível de constância da estrutura.
A família é um grupo agitado por movimentos pulsionais, diante dos quais constrõem
defesas. Para que o desejo individual se delimite, pensa-se que o desejo que pode tudo dos
membros familiares que surge das expectativas irrealistas, da ilusão de um funcionamento
eterno sem conflito nem modificações, deve de certa forma haver uma mudança para que
haja uma reestruturação na dinâmica familiar. (Eiguer, 1987).
Muitos clínicos compartilham a hipótese de que a família persegue seus objetivos e seus
ideais e concretiza suas tarefas e seus mitos ao custo do sacrifício de um dos seus membros.
O papel desempenhado pelo paciente seria uma forma de segurança para que pais e irmãos
conservem seu equilíbrio psicológico e uma adaptação social satisfatória (Morel em
Melman, 2001).
Segundo o modelo psicanalítico, cada pessoa dentro de uma dinâmica familiar são
atribuídos papéis e funções. O paciente ao carregar o papel de doente do grupo, permite que
3
Não significa que outras formas psicoterápicas não poderão ser utilizadas. Essas duas que estão
sendo citadas são as que mais aparecem em bibliografias com relação à terapia de famílias.
31
outros caminhem relativamente bem e se encontrem protegidos dos sintomas mais graves
que aparece na dinâmica familiar e até mesmo com outro membro da família que não é o
doente escolhido.
Parece que este tipo de abordagem facilita de maneira direta ou indireta, movimentos de
culpabilização da família, porém a teoria não se propõe em denunciar uma pessoa, mas sim
as relações colocadas entre seus membros e as representações mentais inconscientes das
pessoas em questão.
Os afetos transferidos para o terapeuta são assim constatados e torna-se possível o
desimpedimento dos pensamentos. A família percebe que pode reproduzir um outro
enquadre de emoções e fantasias. Mudar não significa refazer tudo, mas fazer o novo com
aquilo que se tem, e diante de diversas situações que venham a surgir, se posicionar de uma
forma mais saudável e sem conflitos. A família viverá então, para si mesma com seus
novos mitos e sua nova história (Eiguer, 1987)4.
Segundo Kalina (1991), nas famílias que tem pessoas que recorrem aos tóxicos para
encarar os problemas tem uma história com significados particulares e que se apresentam
com uma intensidade muito maior que as outras.
A culpa, a vergonha, o medo e, sobretudo a desvalorização acham-se implicados entre os
seus membros familiares, e em torno disso, através da ressonância fantasmática a família
circula.
É a partir dessa circulação fantasmática inconsciente que estava impedido que o grupo
familiar se transforma em um conjunto de indivíduos diferenciados, buscando a autonomia.
A família pode então, desempenhar um papel funcional, ingressando na ordem do
simbólico, restabelecendo a dialética da lei e do desejo, fazendo a distinção das funções
4
Sabe-se que não existe o puro sujeito do inconsciente como uma entidade abstrata fora das
condições socioculturais que o geram. A população de baixa renda torna o “social” como condição
insuperável ao tratamento. Determinações sociais como pobreza miserável, mortes violentas,
estupros, espancamentos, todas as formas de problemas que não são encontrados no consultório. A
tarefa do analista é dar uma possibilidade de tematizar, resignificar, e elaborar sua “miséria”
(Figuereido, 1997). Porém o terapeuta deve estar atento e diferenciar o que é o indivíduo que suas
questões psicológicas e a realidade social para não virar em uma psicoligização de tudo que ele diz
no tratamento.
32
maternas, paterna e filial, o que também lhes restitui a possibilidade de novos valores,
abrindo espaço para a criatividade e a criação (Carvalho, 1997).
A terapia familiar sistêmica: O grupo de Palo Alto inovou ao abordar e estudar padrões
comunicacionais predominantes nas relações dos pacientes esquizofrênicos com seus
familiares.
A teoria que se baseia no Duplo Vínculo se tornou um conceito muito difundido,
defendendo a tese de que os fenômenos paradoxais na comunicação de famílias de
pacientes esquizofrênicos poderiam ser responsáveis pelo surgimento da doença.
O resultado de uma pesquisa comandada por Gregory Bateson, foi a construção do conceito
do ‘duplo vínculo’: um padrão de comunicação repetitivo que contém injunções
contraditórias
impossibilidade
em distintos níveis de comunicação e que juntamente com uma
do paciente de abandonar o campo relacional estaria na base do
relacionamento do aparecimento dos sintomas esquizofrênicos (Rapiso, 1996).
A partir dos estudos do grupo de Palo Alto, apresentou-se um domínio para a terapia
familiar sistêmica que passou a enfocar em seu trabalho, a mudança dos modelos
interativos no seio da família.
Influenciados pela Teórica Cibernética os referidos pesquisadores trocaram o aspecto linear
(causa e efeito), pelo enfoque circular, baseado na reciprocidade de fatores causais.
Na primeira teoria cibernética encontra-se a idéia de que o funcionamento familiar é
acionado por desvios do padrão relacional estabelecido. Tal desvio é avisado ao sistema
que realiza modificações adaptativas para conservar o funcionamento da família sem
modificações significativas (Melman, 2001).
Segundo Haley (em Rapiso, 1996), cada participante da família tenderia a controlar, regular
o comportamento dos outros, num processo comparável a um mecanismo Cibernético.
Este tipo de observação sobre o equilíbrio do sistema familiar também foi colocado por
Jackson como homeostase, sendo que seu conceito é uma das pedras fundamentais do
primeiro movimento da terapia sistêmica de família, conhecido como a 1ª cibernética.
Homeostase é vista como: a) modo de funcionamento do sistema; b) fim que o sistema
busca alcançar; c) resistência à mudança.
33
Dentro deste modelo, o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família
que mantinha e nutriam o sintoma, que é uma resposta a um prenúncio de desiquilíbrio do
sistema familiar. Observavam seqüências comportamentais recorrentes que deviam ser
interrompidas e alteradas. As técnicas destinavam a “burlar” a homeostase e induzir uma
crise na família que reorganizava-se funcionalmente sem a necessidade do sintoma.
Na segunda cibernética ressalta que os sistemas vivos, biológicos e mesmos sociais
funcionam afastados do equilíbrio. A evolução de um sistema se dá numa combinação de
acaso e história, onde a cada patamar surgem novas instabilidades que amplificadas geram
novas ordens e assim por diante.
Para Morin (em Rapiso, 1996), a crise é um aumento de desordem e de dúvida no seio de
um sistema. Sistemas hipercomplexos como os sociais funcionam sempre no limite da
crise, na medida em que operam e organizam-se a partir da desordem. Não é possível para
estes sistemas a regra ideal, a norma pré-concebida, que garanta a sua otimização. A
resolução da crise gera soluções novas, mas nem sempre tem o significado de ‘progresso’.
A 2ª cibernética enfatiza a indução da crise como a provocação e o paradoxo que buscam
variar os parâmetros atuais de entendimento do sistema, e provocar a emergência de
recursos internos ao sistema para a mudança.
A entrevista terapêutica ganha ênfase: perguntas, reconstrução da história, redefinição de
significados, está é o serviço da terapia. A linguagem da família, sua singularidade e
originalidade são as aberturas de entrada do terapeuta ao sistema familiar. Nesse tipo de
abordagem o terapeuta é menos diretivo e mais curioso.
O terapeuta não tem mais que fazer a família “resistente” mudar. Vai atuar mais no sentido
de mobilizar recursos familiares, levantar e ampliar informações que até agora não eram
importantes para a família Vai procurar pelo não conhecido, não valorizado, periférico que
funcione como alavanca para a mudança (Rapiso, 1996).
Na intervenção terapêutica sistêmica, os membros familiares não são vistos como culpados
pelo uso de drogas do parente dependente tornando-se ajudantes no processo terapêutico
que permite a família passar para a nova fase do ciclo da vida. As estratégias de tratamento
anti-social são as abordagens ecológicas que lidam com contextos sociais múltiplos:
família, amigos, escola, comunidade e sistema legal. Na medida em que as pessoas
34
expressam seus anseios em palavras, abre-se novas perspectivas para mudanças. As
famílias que tem um toxicômano se calcificam diante de seu sintoma, impedindo a fluidez
do movimento do sistema, e passam com a ajuda do terapeuta, a fluir, a transformar aquilo
que está impedido para uma nova experiência e para co-construção de um contexto
saudável (Minayo & Shenker, 2003).
Osório & Valle (2002) destacam intervenções individuais em psicoterapias familiares em
que se mostram proveitosas quando apropriadamente indicadas e inseridas na prática
psicoterápica nos pacientes individuais. É uma abordagem inusitada, mas apoiada na sólida
experiência dos terapeutas, e no propósito de ajudar os referidos pacientes a promoverem
as mudanças necessárias para saírem de suas situações estereotipadas, nisso parece residir a
principal razão para o sucesso das intervenções propostas.
35
Capítulo VII – O Serviço Social em voga: A prática dos(as) assistentes
sociais no atendimento e atenção aos familiares dos dependentes
químicos.
Como diz Silva (1984): “Em decorrência dos próprios objetivos da instituição e de acordo
com como é definida a função da assistente social, a ênfase ora recai sobre a orientação
individual, ora sobre a prestação de serviços”.
No trabalho individual, a atividade principal é a orientação tanto no sentido de “ajudar” a
achar soluções, quanto na conscientização da problemática, ou do aconselhamento dentro
do ambiente familiar.
No campo da assistência o aspecto principal se dá na prestação de serviços, ou
desenvolvimento de programas que levam em conta o atendimento mais global da
necessidade do cliente, enquanto pessoa e membro da família.
O trabalho do assistente social está no tratamento, na pesquisa, e no levantamento de
recursos. No tratamento, os assistentes sociais participam de todas as atividades, exceto os
Grupos de Psicoterapia (que são feito por psicólogos), Aconselhamento, Recreação e
Terapia Ocupacional (Abreu Pereira, 2003).
O atendimento individual do Serviço Social com relação aos familiares é envolver a família
e o local de trabalho na formação de uma rede para suporte na prevenção de recaídas. O (a)
assistente social faz grupo de familiares – sugerem trocas de experiências, vivências,
conflitos e sofrimentos associados aos problemas que apareceram através do alcoolismo e
drogadição do seu familiar; acompanhamento sócio-familiar – estudo social do caso, da
situação social, laborativa e acadêmica do paciente, apoio e assistência a esse paciente
(quando vai ao tratamento)5 e seus familiares, Visitas domiciliares – na finalidade de
favorecer a reinserção do usuário (quando este deixou o tratamento) e família no processo
terapêutico. Além do que foi dito, o (a) assistente social faz acolhimento e entrevistas e
orientação com familiares, reuniões de estudo de casos, palestra para os membros da
família sobre o tema de drogadição (Abreu Pereira, 2003).
5
Citação minha.
36
A situação do (a) assistente social começou a mudar em serviços mais relacionados às
orientações e à construção da reforma psiquiátrica, já que antes a atuação desse (a)
profissional ficava muito restrita dentro das instituições e puderam perceber sua posição
distinta para criar novos projetos de intervenção como, por exemplo, atenção domiciliar,
projetos de trabalho e moradia, atenção psicossocial, etc.
O contato privilegiado com a família e a realidade social do usuário passou a expressar um
novo potencial de trabalho a ser realizado, onde o (a) assistente social poderia expor para
outros profissionais e para a instituição, dimensões da vida do usuário (seja ele paciente
psiquiátrico, dependente de drogas, ou que tenha outro tipo de questão), que antes não eram
privilegiadas pela psiquiatria tradicional (Pereira, 1999).
Outro aspecto que ser destacado no Serviço Social é sua disponibilidade para escuta de
demandas imediatas, no cotidiano, dos usuários e seus familiares. Embora não seja dada a
devida importância pela instituição e pelos outros profissionais, pode servir numa
perspectiva de interdisciplinaridade.
Severino (em Pereira, 1999) defende a interdisciplinaridade ao fazer crítica sobre o legado
do positivismo que mostra uma visão fragmentária e unilateral dos fenômenos, ao invés de
considerarmos o todo como meio fundamental para o entendimento dos aspectos da
existência humana.
Deve haver, portanto, uma ‘troca’ de informações entre os profissionais das diversas áreas
para se entender melhor o adoecimento e o sofrimento do paciente que procura a
instituição, e assim traçar estratégias para tratamento e recuperação do sujeito em questão.
É importante que os profissionais da área de Saúde Mental, de modo especial os assistentes
sociais propiciem à família possibilidades de superar dificuldades vividas no convívio com
o membro portador de transtorno mental (Pereira, 1999).
O Serviço Social situado no conjunto de mecanismos destinados a atenuar os impactos
perversos do capitalismo a nossa população usuária constitui-se muitas vezes em uma
referência, um apoio na ampliação dos direitos mais elementares, podendo ainda abrir
espaços para experiências coletivas capazes de revelar novas formas de expressão social e
politização do cotidiano destes.
37
Aceitar os rebatimentos gerados nas contradições do capitalismo e as acomodações
exigidas pela reestruturação capitalista, deverá ser muito mais complexo e difícil do que
trabalhar contradições. Compreender intrinsecamente as relações entre sujeito e força de
trabalho, entre macro-micro estrutura, os processos históricos, sociais, políticos, e
econômicos, articulando com as contribuições que se pode oferecer inclusive em
intervenções individuais institucionais, poderá mudar até mesmo as formas de inclusão do
Serviço Social enquanto força de trabalho (Costa, 2003).
Deve-se procurar avançar com rigor teórico nas discussões dos (as) assistentes sociais,
problematizar as preocupações, sistematizar a prática e divulgá-la aos interessados e escutala propondo debates, alternativas e estratégias de enfrentamento da questão colocada.
É nessa perspectiva que o Serviço Social também tem ampla possibilidade de intervenção
no que se refere ao uso/abuso de álcool e outras drogas nos diversos níveis de Prevenção.
Como por exemplo, intervenções em centros de tratamento, empresas, universidades,
igrejas, comunidades, etc., de modo a proporcionar assistência a crianças e adolescentes,
idosos, trabalhadores urbanos e rurais, famílias6, bem como a setores sociais específicos,
tais como, pessoas portadoras de deficiência e população em situação de rua entre outros,
com objetivo de demonstrar que a temática é uma questão de Saúde Pública, com
gravíssimas conseqüências sociais (Costa, 2003).
Um dos grandes desafios a enfrentar é estar atento para que o (a) assistência social não seja
cooptado no cotidiano dos serviços, no sentido de desenvolver uma prática mecânica na
atenção das carências sociais graves que deixaram de ser atendidas pelas políticas sócioeconômicas setoriais, não se pode deixar tornar sujeito aos acasos do bom senso e do
improviso, pois irá então cair no mecanismo: assistência/ emergência / ausência de
programa.
6
Grifo meu
38
Conclusão:
Os familiares de baixa-renda necessitam de lugares e de profissionais que os ajudem
(quando a família achar que precisa de ajuda) a enfrentar os problemas e superar os
obstáculos no convívio com o membro familiar que é dependente químico. Havendo esses
lugares e contato com profissionais poderá haver mudanças significativas de instigar
vivências e práticas de ver e viver a situação de outra forma e assim sentimentos como
culpa, inconformidade, instabilidade, insegurança, stress emocional, o isolamento afetivo e
social e outros sintomas podem começar a dissipar ela e poderá enfrentar as dificuldades do
cotidiano, até mesmo no convívio com o parente usuário de drogas com mais “força” e
perseverança, e os familiares procurarem até meios de convencer o membro da família
drogadicto a procurar também tratamento, mesmo sendo uma tarefa árdua e difícil de
modificar sua posição diante da droga.
Sem procurar fatores que as culpem ou vitimizem, as famílias diante de um membro que se
droga, é nesse ambiente que tem que se gerar a solidariedade, uma boa convivência uns
com os outros, a tolerar, a respeitar e suplantar as rivalidades e os pré-conceitos que podem
existir no seio familiar, enfim a buscar outros meios de observar e viver a vida, e assim
construindo uma base social sólida e ajudando a todos entre si, inclusive, o membro
familiar dependente químico, podendo proporcionar-lhe meios para alcançar a saúde física
e psicológica e um bem-estar próprio.
39
Anexos:
___________– Pai mata filho viciado durante briga. Discussão começou porque rapaz
queria trocar televisão por cocaína. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 18 de abril de 2003,
Caderno: ‘Rio’.
Freire, Flávio – Pai mata filho viciado em drogas. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro, 1° de
abril de 2003, caderno: O País.
___________ – Mãe perdoa o marido que matou o filho viciado. Jornal “O Globo”. Rio de
Janeiro, 2 de abril de 2003, caderno: O País.
____________ - Derrame mata pai que matou filho viciado. Jornal “O Globo”. Rio de
Janeiro, 26 de abril de 2003, caderno: O País.
40
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44
Atividades Culturais:
45
Índice
Introdução:
8
9
Capítulo I – As drogas e o sistema social.
Capítulo II – O toxicômano – Quem é esse sujeito?
Capítulo III – A família (baixa-renda) do usuário de drogas.
14
18
Capítulo IV – E agora família? Quando o parente dependente de drogas não
quer se tratar e suas possíveis conseqüências em seus membros
21
familiares.
Capítulo V – A família-paciente vai à instituição: Os motivos para
fazer se tratar e fazer programas sociais à família do toxicômano.
26
Capítulo VI – Os métodos psicoterapêuticos usados para se tratar
da família em questão.
30
Capítulo VII – A assistência social em voga: a prática dos (as)
assistentes sociais no atendimento e atenção aos familiares dos
dependentes químicos.
36
Conclusão:
39
Anexo
Bibliografia:
40
41
46
Atividades Culturais:
Índice:
45
46
47
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a importância da terapia e da assistência social para a família de