O SIGNIFICADO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA PARA O PACIENTE EM
TRATAMENTO HEMODIALÍTICO: A QUALIDADE E EXPECTATIVA DE VIDA
NOS ASPECTOS DA HUMANIZAÇÃO EM ENFERMAGEM
THE MEANING OF CRONIC KIDNEY DISEASE FOR THE PATIENT IN
TREATMENT HEMODIALYSIS: THE QUALITY AND LIFE EXPECTANCY IN
THE HUMANE ASPECTS OF NURSING
Alessa Cristina Goulart Barbosa - [email protected]
Paulo Fernando Barcelos Borges - [email protected]
Profª. Esp. Carmen Lucia Budóia - [email protected]
RESUMO
Este estudo busca compreender o significado da doença renal crônica para
o paciente em tratamento hemodialítico e o impacto desta modalidade terapêutica
na qualidade e expectativa de vida destes pacientes. Trata-se de uma pesquisa
descritiva, exploratória com abordagem qualitativa, realizada na Unidade de
Terapia Renal Substitutiva Bio-rim na cidade de Ituiutaba, Minas Gerais. A coleta
de dados foi realizada com dez pacientes e dois enfermeiros por meio de
entrevistas semi-estruturadas utilizando a História Oral de Vida onde a base é o
depoimento gravado. Os dados foram apresentados na forma de narrativas e seus
pontos em comuns explorados através da Análise de Conteúdo de Bardin (1977).
As narrativas permitem compreender a experiência de cada paciente em relação à
problemática que envolve a complexidade da doença renal crônica e as
dificuldades enfrentadas diante a obrigatoriedade do tratamento comprovando a
importância do profissional enfermeiro no direcionamento das ações de cuidado
nos aspectos da atividade educativa, da sistematização, do apoio psicossocial e
da humanização.
Palavras-chave: Doença Renal Crônica. Enfermagem. Hemodiálise. Qualidade de
Vida.
ABSTRACT
This study seeks to understand the meaning of chronic kidney disease for
patients on hemodialysis and the impact of this therapy on the quality and life
expectancy for these patients. This is a descriptive, exploratory qualitative
approach, carried out in the Unit of Renal Replacement Therapy Bio-rim in the city
of Ituiutaba, Minas Gerais. Data collection was performed with ten patients and
two nurses through semi-structured interviews using the Oral History of Life where
the base is the recorded testimony. Data were presented as narratives and their
common points explored through content analysis of Bardin (1977). The narratives
allow us to understand the experience of each patient in relation to the problem
involving the complexity of chronic kidney disease and the difficulties faced on
mandatory treatment indicates the importance of professional nurses in directing
the actions of the care aspects of the educational activity, the systematization of
psychosocial support and humanization.
Keywords: Chronic Kidney Disease. Nursing. Hemodialysis. Quality of Life.
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210
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica é uma perda progressiva e irreversível da função
dos rins, onde o doente renal crônico vivencia severas mudanças no seu viver,
como alterações físicas, psicológicas e sociais, convivendo com limitações, com a
dor vinculada ao tratamento hemodialítico e o pensar na morte, o que ocasiona
alterações em sua qualidade e expectativa de vida. (Cesarino; Casagrande,1998)
Sendo assim, a qualidade de vida é definida como a percepção do
indivíduo de sua posição na vida, no seu sistema de valores, no contexto cultural
em que vive e em relação as suas expectativas, preocupações, padrões e
objetivos.
Portanto, o anseio de se realizar esta pesquisa surgiu a partir da
observância da necessidade de embasamento científico do profissional
enfermeiro diante da assistência aos portadores de doença renal crônica,
oferecendo subsídios primordiais para a prestação de um cuidado holístico.
O presente trabalho tem como objetivos compreender o significado da
doença renal crônica para o paciente em hemodiálise e o impacto desta
modalidade terapêutica na qualidade e expectativa de vida, apresentando sua
concepção em relação às suas expectativas e identificando os fatores que geram
déficit no seu cotidiano, descrevendo o papel da enfermagem no processo do
tratamento.
Deste modo, o trabalho parte do seguinte questionamento: A partir da
compreensão do significado da doença renal crônica para o paciente em
hemodiálise, como a enfermagem poderá atuar proporcionando melhoria na
qualidade e expectativa de vida?
Diante esta pergunta, levantou-se a seguinte hipótese que norteia este
trabalho: a enfermagem a partir da compreensão do significado da doença renal
crônica para o paciente em hemodiálise poderá atuar objetivando melhoria na
qualidade e expectativa de vida dos pacientes renais crônicos através da
sistematização, da humanização, da atividade educativa e do apoio psicossocial,
sendo estes aspectos fundamentais para a expectativa e melhoria da qualidade
de vida dos pacientes.
Para demonstrar na prática a veracidade da hipótese, foi realizada a
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pesquisa na Unidade de Terapia Renal Substitutiva “Bio-rim”, situada no Hospital
São José, no município de Ituiutaba, estado de Minas Gerais, durante o período
de Julho a Setembro de 2010.
1
RECURSOS METODOLÓGICOS
1.1
Método
1.1.1 Método de Estudo de Caso
Foi realizado um estudo de caso buscando compreender o significado da
doença renal crônica para o paciente em tratamento hemodialítico. Foram
entrevistados dez pacientes, tendo como critério inclusivo estar sendo submetido
à hemodiálise por um período maior que um ano. Também foram entrevistados
dois
enfermeiros,
sendo
que
todos
participaram
da
coleta
de
dados
voluntariamente, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
1.1.2 Técnica
1.1.2.1 História Oral de Vida
Foi utilizada a História Oral de Vida, onde a base é o depoimento gravado.
A gravação foi realizada com um sistema de captação de áudio de uma câmera
fotográfica modelo Sony Cyber-shot, onde o tempo médio das entrevistas foi de
trinta minutos, sendo sua realização simultaneamente ao processo hemodialítico.
Após a realização das entrevistas, realizou-se a transformação dos relatos
orais em texto através das etapas de transcrição, textualização e transcriação.
Na etapa da transcrição foi feita a passagem minuciosa da entrevista da
gravação para o papel, com todos os seus lapsos, erros, vacilos, repetições e
incompreensões, incluindo as perguntas do entrevistador.
A textualização compreendeu em eliminar as perguntas e agregá-las às
respostas, deixando o texto sob o domínio exclusivo do colaborador em uma
narrativa de primeira pessoa, com uma pequena reorganização da escrita.
Na fase de transcriação, agiu-se no depoimento de maneira mais
complexa, invertendo a ordem de parágrafos, removendo ou acrescentando
palavras e frases, ou seja, criando o teatro de linguagem, através de instrumentos
como a pontuação, as reticências e a interjeição (MEIHY; HOLANDA, 2007).
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1.2
Resultados e Discussões
Para Meihy e Holanda (2007), a história oral estabelece um processo de
continuidade, o reflexo do passado no hoje, estabelecendo ao leitor e ao
depoente uma percepção de história viva, fazendo com que eles se sintam parte
do contexto histórico.
Ao utilizar a História Oral, constatou-se que cada narrativa expressou seu
significado característico, demonstrando a existência de pontos em comum que
poderiam ser aprofundados e forneceriam maior compreensão do seu conteúdo.
Assim, optou-se pela utilização da Análise de Conteúdo de Bardin (1977),
que se trata de um conjunto de técnicas para análise de conteúdos favorecendo a
adaptação dos discursos.
Para tal foi necessária uma investigação dos elementos, observando o que
cada um tinha em comum, permitindo sua agrupação, ou seja, a categorização,
que é um processo de duas etapas: isolar os elementos e reparti-los procurando
organizar as mensagens (BARDIN, 1977).
1.2.1 Apresentação das categorias
As categorias foram elaboradas após a identificação dos conceitos
expressos nas falas por meio da análise dos dados através de uma leitura
minuciosa e sucessiva. Categorizar significa agrupar conceitos pertencentes ao
mesmo fenômeno. Desta forma, apresenta-se cada categoria:
CATEGORIA I: Descobrindo a doença renal: o significado atribuído pelo paciente
CATEGORIA II: Conhecimento da doença
CATEGORIA III: Impacto da modalidade terapêutica na Qualidade de vida
CATEGORIA IV: A representação do tratamento hemodialítico para o paciente
CATEGORIA V: O envolvimento familiar e o apoio encontrado pelo doente renal crônico
CATEGORIA VI: A concepção do paciente frente a sua expectativa de vida
CATEGORIA VII: O vínculo do paciente renal crônico com a enfermagem.
Fonte: BARBOSA; BORGES, 2010.
Quadro 1 – Categorias
1.2.2 Categorias
CATEGORIA I: Descobrindo a doença renal: o significado atribuído pelo paciente
O descobrimento da doença foi de forma variada para cada paciente,
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sendo a maioria através da apresentação dos sintomas, da realização de exames
e doenças prévias.
A descoberta da doença renal em alguns casos está relacionada à
presença de sintomas que levam à procura da assistência a saúde. No entanto,
devido a pouca conscientização dos pacientes quanto às ações de prevenção, os
doentes descobrem seu problema na fase em que as complicações já estão
presentes (Dyniewicz; Zanella;Kobus, 2004).
Inclusive, quando manifestou, eu estava penteando o cabelo,
ai me deu aquela coisa esquisita e eu caí no chão, desmaiei
que fui parar no hospital, fizeram inúmeros exames e
descobriram o que eu tinha (...) (P.8)
[...] eu fui inchando, mas não sabia que era problema de rim.
Os médicos procuraram saber por dois anos e descobriram
por aquele exame de vinte e quatro horas (...) (P.3)
Observa-se que muitos deles já tinham uma patologia que os mantinham
em contato com o serviço de saúde, muito embora, o diagnóstico tenha sido
estabelecido a partir da progressão dos sintomas.
O primeiro contato com a manifestação da doença gera nos pacientes
sentimentos conflitantes como o desespero, a decepção e a tristeza, de acordo
com os relatos:
“[...] o momento que eu descobri que tinha a doença renal,
nossa! Foi terrível! Foi bastante difícil...” (P.6)
“Quando eu descobri que tinha a doença... pra mim foi uma
decepção muito grande, uma tristeza!” (P.9)
Diante dessa experiência desconhecida, os sentimentos emergem
assumindo um papel importante na forma em que os pacientes vão lidar com a
nova situação, podendo ameaçar em maior ou menor intensidade sua rotina diária
(COSTA, 2005).
CATEGORIA II: Conhecimento da doença
A doença e o tratamento parecem pertencer a um mundo estranho para o
paciente, onde a doença se torna ao mesmo tempo familiar e desconhecida.
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A falta de informação ou o acúmulo e a complexidade desta, interferem na
compreensão do paciente quanto ao seu problema de saúde e tratamento (REIS;
GUIRARDELLO; CAMPOS, 2008).
De maneira geral, os pacientes não questionam a sua doença, nem
compreendem o que ocasionou o seu adoecimento. O baixo nível de instrução
propicia uma atitude passiva mantendo a preservação da ideologia ultrapassada
que não permite ao indivíduo conhecer o que é seu por direito.
Quando questionados sobre o conhecimento da doença renal crônica, as
lacunas de informação eram facilmente visíveis como um ponto de interrogação:
Entendo pouco da doença, porque os médicos explicam,
mas a gente não entende... Parece que não fica bem
esclarecido, algumas coisas ainda ficam em dúvida. (P.2)
“No meu caso os rins deixaram de funcionar, eu sei até ai e
só. Também não me interessei em saber mais...” (P.4)
Como evidenciado nas falas, a falta da atividade educativa ou o modo mal
elaborado dela, propicia um sentimento de dúvida que certamente ocasiona
reflexo negativo no processo terapêutico e no vínculo ao tratamento.
Cesarino e Casagrande (1998) em seus estudos afirmam que a ação
educativa com paciente renal crônico é essencial para que ele descubra e
compreenda seus limites, aprendendo a viver com eles, se adaptando a doença e
criando cada vez mais o vínculo ao tratamento hemodialítico.
CATEGORIA III: Impacto da modalidade terapêutica na Qualidade de Vida
A qualidade de vida é importante para que se conheça a efetividade do
tratamento e as intervenções na área da saúde. O tratamento hemodialítico é
responsável por um cotidiano monótono e restrito, limitando as atividades dos
pacientes renais crônicos desde o início do tratamento e refletindo de forma
negativa em sua qualidade de vida (MARTINS; CESARINO, 2005).
Procurou-se identificar as alterações originadas na vida dos portadores de
IRC em tratamento hemodialítico compreendendo a vivência dos entrevistados.
Em seus relatos, mencionam as mudanças físicas e o seu impacto em suas vidas:
[...] você não acredita que aquilo esta acontecendo com
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você, fora o amarelão que você fica, você fica só obrando...
o que mudou na minha vida foi o tanto que eu emagreci e
as pernas todas inchadas... Mais difícil ainda pra colocar
esse aparelho no pescoço, que é o cateter... Pensar como
todo mundo vai te olhar, então foi bastante difícil. (P.6)
Este discurso representa as mudanças físicas perceptíveis que ocasionam
desconforto ao paciente e uma alteração da auto-imagem, seja pela criação
cirúrgica da fístula arteriovenosa ou a inserção do cateter de duplo lúmen, que
tornam-se mais um fator a ser vivenciado nesta nova trajetória.
As pessoas com IRC sofrem mudanças psicológicas devido às atitudes que
devem ser assumidas. Suas vidas passam a ser controladas de forma que os
seus sentimentos e as percepções sobre a própria vida são alterados (Marcon,
2003).
Eu achei que seria uma coisa mais fácil do que é. Eu acho
que o tratamento da diálise não deixa a pessoa viver. Os
seus anseios são cortados pela diálise. (P.4)
Outra limitação imposta ao paciente é a restrição alimentar e hídrica. Em
seus dizeres, alguns expressam a dura prática de que se não seguem as “regras”
sofrem efeitos desagradáveis, o que faz com que tenham receio de não adotar o
que foi estabelecido.
“Sua vida muda totalmente, seus hábitos alimentares
mudam, nem todas as coisas você pode comer, beber,
então não tem como, muda totalmente.” (P.1)
“Mudou muita coisa... muitas coisas a gente não pode
comer... a saúde da gente piora, a gente começa a ficar
fraca... não é mais a mesma coisa (...)” (P.2)
Como expresso nas falas, há uma grande dificuldade em adaptar-se a este
novo estilo de vida, porém todos demonstram consciência da importância de
seguir corretamente as orientações que nem sempre são alcançadas.
Outro contexto demonstrado na maioria dos entrevistados foi a dificuldade
de viajar, fazendo com que a terapia hemodialítica torne-se um aprisionamento.
Eu viajava muito com os meus filhos... O que mais eu senti
foi não poder viajar, pois para viajar tem que antes entrar
em contato com a diálise da outra cidade para conseguir
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vaga, o que hoje é muito difícil. Algumas cidades, pagando
você consegue, mas é um preço alto. (P.4)
A hemodiálise cria lacunas na dinâmica de vida dos pacientes e impõe
adaptações a novos hábitos e condutas, exigindo sacrifícios e renúncias, o que
acarreta transtornos e estresse ao paciente (Ramos, et al.,2008).
A insuficiência renal associada à triste dependência da máquina de
hemodiálise desestabiliza a vida do indivíduo como um todo, originando
sentimentos de diferença ou inferioridade em relação a outras pessoas,
comprometendo a auto-estima.
[...] muda muita coisa, mexe muito com a sua cabeça, hoje
em dia você vai sair para algum lugar, você não tem
vontade de fazer uma unha, se arrumar, por um brinco... Eu
estou ali para viver melhor e ficar do lado da minha filha,
acabou, você se fecha só pra você (...) (P.6)
CATEGORIA IV: A representação do tratamento hemodialítico para o paciente
A maioria dos pacientes, mesmo confusos com os acontecimentos, atribui
ao tratamento de hemodiálise bons sentimentos, por isso são gratos pela
representação do tratamento na manutenção e prolongamento de suas vidas.
“Hoje eu vejo a hemodiálise como um benefício... sem isso
aqui eu não vivo, impossível!” (P.1)
A hemodiálise é um tratamento difícil, mas é bom, porque
se não tivesse este tratamento eu não estaria aqui, não tem
como você sobreviver sem ela, eu digo isso porque com a
minha mãe foi assim, na época não tinha hemodiálise e ela
morreu por isso. (P.5)
Cabe acrescentar que grande parte do tempo desses pacientes é dedicada
à manutenção das sessões semanais de diálise, que normalmente são três vezes
por semana com duração de quatro horas cada sessão, o que demonstra
acarretar prejuízos à qualidade de vida.
(...) muita gente não conhece o que é hemodiálise, as
pessoas falam: o que é hemodiálise? Nossa Senhora! Não
vai morrer? É o fim da vida! E aos poucos a gente vai
aprendendo que não... Graças a Deus já vou fazer quatro
anos que estou aqui e quero viver mais, mas é complicado.
(P.6)
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Diante do exposto, fica evidente que para o paciente o tratamento é
complicado, apesar de ser um recurso viável para a continuidade de sua vida.
CATEGORIA V: O envolvimento familiar e o apoio encontrado pelo doente renal
crônico
A família, como parte no contexto do qual está inserido o indivíduo, pode
servir como fonte para o enfrentamento da doença. A relação familiar, muitas
vezes, é fortalecida devido à experiência do adoecimento.
“Pra tudo isso eu tiro apoio da minha filha de cinco anos,
que é uma pessoa linda, graças a Deus não tem nada, é ela
que me dá força, só ela”. (P.6)
Fico às vezes pensando que estou atrapalhando a vida dos
meus filhos, pois eles se dedicam demais a mim. Mais eu
fico com pena, porque eles também não viajam mais, eles
não têm coragem de sair e me deixar. (P.8)
É possível evidenciar que as alterações provocadas pela hemodiálise são
tão profundas que a vida familiar dificilmente poderá deixar de ser atingida.
A fé em Deus é um mecanismo que ajuda o paciente portador da IRC a
conviver com o problema, pois assim torna-se mais fácil a conformidade com sua
nova maneira de viver. Fatores como a fé em Deus é utilizada como uma maneira
de resistir e prosseguir a jornada. (RAMOS et al., 2008)
Graças a Deus eu tive apoio, do esposo, do meu pai e da
minha mãe. Agora já perdi todos também, estou sozinha...
Não gosto muito de ficar lembrando não... Hoje eu tenho o
apoio de Deus, é... Moro sozinha, eu e Deus. (P.9)
A equipe de saúde pode desempenhar um papel fundamental auxiliando o
paciente no enfrentamento do processo da doença crônica, pois possui condições
de acompanhar sua trajetória e evolução por estar presente a maior parte do
tempo junto ao paciente (SOARES, 2008).
[...] com o tempo, você vai virando uma família dentro da
clínica, então se acontece alguma coisa com um, todo mundo
está vendo, você sente muito. Aqui dentro eu me sinto ótima,
porque é um lugar onde ajudam a gente, você não consegue
ficar aqui, mas faz amigos, fica cheio de amigos. (P.6)
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“O meu apoio para enfrentar tudo isso vem daqui, acho a
diálise daqui excepcional, muito boa... Aqui você tem tudo,
inclusive o calor humano.” (P. 4)
A avaliação de uma pessoa em relação à sua qualidade de vida está muito
relacionada ao apoio que recebe. A equipe de saúde deve buscar amenizar o
sofrimento através de um relacionamento humanizado e uma convivência
harmoniosa no tratamento.
CATEGORIA VI: A concepção do paciente frente a sua expectativa de vida
A expectativa de vida no ser humano é de extrema importância a ser
considerada em todas as circunstâncias, pois a todo o momento está
influenciando o comportamento do indivíduo perante a vida e perante as
demandas que envolvem a saúde e a doença (CARREIRA; MARCON, 2003).
Neste trabalho, o paciente foi questionado qual seria sua expectativa de
vida a partir daquele momento, imaginando-se após dez anos. As respostas
emergiram trazendo sentimentos voltados à desesperança, a morte e as questões
espirituais.
Antes desses problemas, eu tinha muitos planos para minha
vida. Eu queria terminar meu curso técnico e fazer
engenharia. Hoje não quero nada disso para mim... Eu não
sei se amanhã eu vou estar aqui, isso aqui é improvável.
Tem pessoas que estão aqui com a gente e estão ótimas,
mês que vem já não estão aqui, é dessa maneira... Então
você não pode criar muita expectativa, tem que viver o
hoje... (P.1)
A ambição relacionada à vida parece dissolver-se com o tempo. Alguns
pacientes neste momento de “vulnerabilidade” encontram proteção e esperança
em um ser superior que conhece os seus sentimentos.
Eu acho que já morri daqui dez anos, mas para Deus eu não
sei, porque os nossos pensamentos são um e de Deus é
outro. Posso estar viva ou morta, não sei. Eu confio em Deus,
que Deus pode me dar um rim e eu posso viver até os
sessenta anos ou mais. Mas enquanto isso... Ele vai me
provar, porque Deus prova aquele que Ele ama, eu estou
esperando, não é bom a gente ter fé e esperar? (P.3)
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A fé estabelece um mecanismo de ajuda ao portador de IRC a conviver
com o problema, onde essa força superior desenvolve uma conformidade em
relação a seu novo cotidiano, desempenhando um papel importante nos diversos
domínios da vida (LIMA; GUALDA, 2001).
CATEGORIA VII: O vínculo do paciente renal crônico com a enfermagem.
A realidade vivenciada pelo paciente renal crônico submetido à hemodiálise
torna essencial a ação conjunta da equipe multiprofissional. Neste contexto,
destaca-se a atuação da equipe de enfermagem que está em contato direto com
o paciente e a família estabelecendo um elo entre todos (LIMA, 2000).
“O enfermeiro é fundamental, sem o enfermeiro eu não
vivo... Eu me sinto bem aqui. Me sinto ótimo aqui, me sinto
em casa (...).” (P.1)
O apoio que os profissionais oferecem aos renais crônicos em hemodiálise
mostra a real importância da constituição de um vínculo harmonioso, uma vez que
os pacientes consideram essa equipe como sendo uma família (TERRA et al.,
2010).
Apesar do bom vínculo estabelecido pela equipe de enfermagem, pode-se
perceber que a figura do profissional enfermeiro parece não ser tão notória pelos
pacientes em tratamento.
“Eu conheço o profissional enfermeiro, na hemodiálise aqui,
se eu não me engano, são dezesseis.” (P.7)
Como relatado, ao questioná-los sobre o reconhecimento do profissional
enfermeiro, os pacientes respondiam que conheciam todos eles, ou citavam
nomes de outros profissionais, evidenciando estarem se referindo à equipe de
enfermagem.
1.2.3 O paciente renal crônico sob a ótica dos enfermeiros
O Enfermeiro que atua em uma Unidade de Terapia Renal Substitutiva
necessita conhecer as práticas que compõe os sistemas de cuidados do doente
renal crônico, para isso necessita aproximar-se do paciente. Neste sentido, se faz
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necessário, transcender o modelo biomédico e discutir a redefinição da aplicação
tecnológica na questão da saúde, fazendo da enfermagem uma prática
assistencial humanizada e integral (BARBOSA; VALADARES, 2009).
Ser enfermeiro em uma Unidade de Terapia Renal
Substitutiva acho que é praticar a enfermagem de forma
mais íntegra, porque a gente está em contato com esses
pacientes o tempo todo, você acompanha a evolução do
tratamento e a vida inteira do paciente... Está em contato
com todos os aspectos da sua vida... Lidando com as
questões pessoais do paciente... Você está envolvido com a
vida do paciente. (Enfermeiro 1)
O paciente renal crônico mantém-se intimamente ligado à clínica durante
várias horas da sua semana. Portanto, o enfermeiro convive cotidianamente com
o paciente, com suas esperanças, seus desejos e medos. Nos seus ouvidos soam
as dores que permeiam o processo crônico.
O relacionamento interpessoal enfermeiro-paciente, no contexto da
hemodiálise, devido ao contato prolongado, favorece o estabelecimento de um
vínculo terapêutico. Neste vínculo, o enfermeiro deve ter ampliada sua capacidade
de observação, podendo detectar expressões verbais e não verbais indicativas de
situações relevantes, sobre as quais poderá interagir (DYNIEWICZ; ZANELLA;
KOBUS, 2004).
Partindo do pressuposto de que o relacionamento interpessoal faz parte do
cuidado humanizado, fica evidente a necessidade dos profissionais de
enfermagem trabalhar em equipe e estarem capacitados para a manutenção da
qualidade de vida do paciente.
[...] acho que a profissão do enfermeiro é muito propícia, do
ponto de vista administrativo, para organizar o serviço e
articular esse relacionamento da equipe com o usuário e a
equipe médica também, que é um fator importante dentro do
funcionamento da unidade. (Enfermeiro 2)
A máquina de hemodiálise não faz o cuidado que o ser humano é capaz de
fazer, como preocupar-se com o próximo. Portanto, é de fundamental importância
o relacionamento entre o paciente e a equipe de enfermagem através de um
vínculo de confiança. Ambos estão envolvidos em uma situação de comunicação
através da passagem de informações e sensações vivenciadas no momento
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(REZENDE, PORTO, 2009).
Outro fato evidenciado nos discursos dos profissionais enfermeiros foi o
enigma relacionado à humanização da assistência, pois de acordo com Vila e
Rossi (2002), o enfermo necessita de cuidados de excelência, dirigidos não
apenas para os problemas fisiopatológicos, mas também para as questões
psicossociais, ambientais e familiares que se tornam intimamente interligadas à
doença física.
Infelizmente, ainda o tratamento na terapia renal é muito
focado na questão clínica. Acho que é um desafio da equipe
de saúde valorizar e extrapolar um pouco além do lado
clínico... É um desafio que a gente tem que superar.
(Enfermeiro 2)
Diante de todas as informações coletadas, pode-se perceber que o
enfermeiro tem papel fundamental na Unidade de Terapia Renal Substitutiva,
sendo que ele norteia a assistência estabelecendo metas eficazes a partir de uma
visão do paciente como um todo, holisticamente, nos aspectos biopsicossociais.
CONCLUSÃO
Após a realização desta pesquisa, foi possível compreender o significado
da doença renal crônica para o paciente em tratamento hemodialítico. Os
pacientes portadores de insuficiência renal crônica vivenciam o árduo fato de
possuir uma doença incurável, estigmatizados a conviver com um tratamento
doloroso que ocasiona complicações, restrições e grande impacto tanto na sua
qualidade quanto na sua expectativa de vida.
A História Oral de Vida proporcionou uma captação íntima de informações
que possibilitou uma visão ampla e autêntica da realidade vivenciada pelos
pacientes renais crônicos, confirmando a validade desta técnica metodológica.
Considerando todas as restrições, dificuldades e barreiras enfrentadas
pelos pacientes em tratamento hemodialítico demonstradas neste estudo, o papel
do enfermeiro se destaca como elo principal na mudança dos padrões de vida do
paciente, auxiliando-o na reconstrução de uma nova perspectiva, repensando
projetos e elaborando novos conceitos que proporcionem melhoria na expectativa
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de vida.
Constatou-se também que o profissional enfermeiro, partindo do princípio
que compreende o significado da doença renal para o paciente, consegue
estabelecer uma assistência holística, adequando e direcionando o cuidado de
enfermagem de acordo com a realidade particular de cada paciente, com base
nos preceitos humanísticos, o que consequentemente proporciona reflexos
positivos no processo terapêutico.
Ouvir o paciente revela nossa própria vulnerabilidade, porém para ouvir
aquele que necessita de cuidado é preciso saber ouvir a si mesmo, compartilhar a
necessidade de cada um pelo outro. Neste diálogo, as histórias se cruzam e se
completam, fazendo com que profissional e paciente construam juntos uma nova
história.
Diante todas estas evidências, conclui-se que é importante conhecer a
problemática para modificar a postura diante do paciente renal crônico, evitando
decisões tecnicistas, oferecendo cuidado especializado e humanizado. Para tanto
se faz necessário compreender as situações cotidianas e universais que fazem
parte da existência do ser portador de insuficiência renal crônica e explorá-las
buscando alternativas que tragam melhorias na qualidade e na expectativa de
vida destes pacientes.
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