ISSN 1413-3555 Vol. 8 No. 2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 273-278 Rev. bras.3,fisioter. ©Revista Brasileira de Fisioterapia Perfil do Trabalhador Acometido por DORT 273 ANÁLISE DO PERFIL DO PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA OSTEOMUSCULAR RELACIONADA AO TRABALHO (DORT) E USUÁRIO DO SERVIÇO DE SAÚDE DO TRABALHADOR DO SUS EM BELO HORIZONTE Garcia, V. M. D.,1 Mazzoni, C. F.,2 Corrêa, D. F.3 e Pimenta, R. U.4 1 Bacharel em Fisioterapia, PUC-MG, e Especialista em Reabilitação Músculo-esquelética e Desportiva, UGF; Belo Horizonte, MG, Brasil 2 Coordenadora do curso de Pós-graduação em Ergonomia, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil 3 Bacharel em Fisioterapia, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil 4 Bacharel em Fisioterapia e Especialista em Reabilitação Cardiopulmonar, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil Correspondência para: Vanessa Malheiros Dodd Garcia, Rua Itabira, 510, apto. 1101, Bairro Colégio Batista, CEP 31110-240, Belo Horizonte, MG, Brasil, e-mail: vanessadodd@ ig.com.br Recebido em: 28/10/2002 – Aceito em: 4/6/2004 RESUMO O presente trabalho pretende descrever o perfil do paciente portador de DORT atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Belo Horizonte. Conhecê-lo é de fundamental importância, pois essas patologias são responsáveis por cerca de 85% dos afastamentos do trabalho, além de causarem grandes impactos psicológicos e socioeconômicos. Realizou-se o levantamento de 145 prontuários de pacientes do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CERSAT), no período de 1998 a 2001. Dados como sexo, faixa etária, escolaridade, profissão, situação de trabalho e diagnósticos foram analisados. Os resultados apontam que as DORT acometem mais às mulheres entre 21 e 50 anos de idade com baixo grau de escolaridade. Dados importantes foram observados no item “diagnósticos”, pois estes têm-se mostrado inconclusivos, impedindo intervenção fisioterápica adequada. Constatou-se, contudo, que as tendinites continuam sendo as mais freqüentes (49%) e que as tenossinovites, as epicondilites e a fibromialgia têm aumentado nos últimos anos, sendo que, na maioria dos casos, os pacientes chegam ao tratamento em fases avançadas. Essa situação é um problema de saúde pública e tem trazido prejuízos aos trabalhadores, tornando evidente a importância de conhecer as necessidades dos pacientes e de oferecer-lhes tratamento mais adequado. Palavras-chave: saúde ocupacional, DORT, epidemiologia, fisioterapia. ABSTRACT The present work intends to describe the profile of patients who bear DORT and are assisted by the General Health Service (SUS) in Belo Horizonte. Knowing them is very important, because these pathologies are responsible for 85% of all work dismissals, besides they cause large psychological and social-economical impacts. The survey considered 145 dossiers of patients from the Worker’s Health Reference Center (CERSAT), in the period from 1998 to 2001. Data about gender, age, education, occupation, work situation, diagnosis, medical and physical therapy treatments were analyzed. The results indicate that DORT mostly affects women between 21 and 50 years old, with a low education level. Important data was observed on the diagnoses item, because they have shown themselves inconclusive, obstructing an adequate physical therapy intervention. It is noticed, however, that tendonitis is still more usual (49%) and that carpal tunnel syndrome, epicondylitis and fibromyalgia have increased in the last few years. In most of these cases, patients start their treatment in advanced degrees of the disease, making their rehabilitation harder. This situation is a Public Health problem and has brought damages to workers, making evident the importance of knowing the patients’ needs and offering them an efficient treatment. Key words: occupational health, work diseases, epidemiology, physical therapy. 274 Garcia, V. M. D. et al. INTRODUÇÃO É essencial entender os fatores que propiciaram o surgimento e o agravamento dos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), também conhecidos como lesões por esforços repetitivos (LER). Estes são, atualmente, um dos principais problemas de saúde pública e os responsáveis por quase 90% dos afastamentos do trabalho.1 Embora não haja no Brasil controle do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) sobre sua prevalência, alguns estudos registram que as DORT ocupam o primeiro lugar entre as doenças ocupacionais, acompanhando a tendência mundial de aumento da incidência desses distúrbios.2,3,4,5,6 Em nosso país, informações sobre a morbimortalidade do trabalhador são limitadas, fragmentadas e heterogêneas. Levantamentos estatísticos oficiais não retratam o quadro real de como os trabalhadores adoecem. Há subnotificações importantes do número de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. De acordo com a Secretaria de Saúde de Minas Gerais, o número de registros deve ser cerca de quatro vezes maior que os dados oficiais.2,3,7 Além da sonegação de informações pelas empresas, há a atitude dos trabalhadores de esconderem os sintomas por temerem perder o emprego.2,3,8,9,10 Até julho de 1997, utilizava-se o termo LER para tais patologias, mas, nessa data, o INSS publicou uma minuta para atualização da norma técnica sobre essas lesões, que passaram a ser conhecidas como DORT.2,3 Segundo o Diário Oficial de 19/8/1998, elas compreendem uma síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações objetivas, e que se manifesta principalmente no pescoço e na cintura escapular e/ou membros superiores, em decorrência do trabalho.7 Observa-se também alta incidência de problemas neurológicos e na coluna vertebral.2 Dados epidemiológicos demonstram que a prevalência de DORT é maior na faixa etária mais jovem (menos de 40 anos) e entre as mulheres.7,11,12 Atualmente, a demanda de trabalhadores com essas patologias vem gerando polêmica entre os profissionais de saúde, uma vez que as DORT não são diagnosticadas corretamente e o tratamento, muitas vezes fragmentado, é realizado por profissionais que desconhecem os fatores da lesão, sua fisiopatologia e conseqüências sociais.2,3 Espera-se o aumento desses casos, pois as medidas, até agora, relacionadas à prevenção, tratamento e reabilitação têm-se mostrado, na maioria dos casos, ineficientes.2,7,8,9,10 Para caracterização de um quadro clínico de DORT, é necessário definir o nexo por meio de anamnese ocupacional, exame clínico, relatório do médico responsável pela assistência e estudo do posto de trabalho, por meio de visita à empresa. Quanto ao diagnóstico, estabelece-se que deve ser individualizado a cada uma das lesões, sendo o exame clínico o critério principal para caracterizá-lo. Reconhece-se a dor como elemento imprescindível para sua caracterização, salientando Rev. bras. fisioter. a importância de obter informações a respeito do início, da localização, da intensidade e da duração.2 É consenso, em toda a literatura revisada, a importância da atuação da equipe multidisciplinar, indispensável na abordagem terapêutica global do paciente acometido.2,3,8 Este estudo foi realizado no Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CERSAT) do SUS em Belo Horizonte. O Centro é formado por equipe multidisciplinar constituída por médico do trabalho, fisioterapeuta, assistentes sociais, engenheiros e auxiliares de enfermagem que trabalham juntos, discutindo os casos e tomando decisões em reuniões semanais. A pessoa que chega ao centro é acolhida por assistentes sociais que, no primeiro contato, orientam e a encaminham aos demais profissionais. A maioria é encaminhada ao atendimento médico para dar início ao tratamento e, quando necessário, é também tratada pela fisioterapia. Todos os dados são anotados em fichas de atendimento que comporão os prontuários do paciente. Estes são numerados e arquivados para que, a cada atendimento, os profissionais possam acrescentar novas informações e a evolução clínica do paciente. O presente trabalho visa, então, a traçar e analisar o perfil do portador de DORT atendido no Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Belo Horizonte. Entendê-lo é fundamental para um conhecimento mais profundo das características inerentes aos trabalhadores acometidos, para que, assim, os profissionais envolvidos em seu atendimento sejam capazes de lhes oferecer tratamento mais adequado às suas reais necessidades. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa descritiva por meio do estudo transversal com base populacional, método de pesquisa em que as amostras se referem a sujeitos de diferentes grupos etários selecionados e estudados no mesmo período.13,14 Tomou-se todos os trabalhadores atendidos no CERSAT (N = 1492) como a população a ser estudada entre 1998 e 2001. Este estudo pode colaborar para uma noção da prevalência da DORT no período, já que o Núcleo de Referência em Doenças Ocupacionais da Previdência Social (NUSAT) do INSS foi extinto em 1998, data do último Relatório Anual divulgado pela instituição.15 Os dados foram coletados a partir do prontuário dos pacientes, nos quais foram levantados os perfis dos portadores de DORT. Uma ficha de coleta de dados foi elaborada para que as informações fossem padronizadas e organizadas. Em decorrência do grande número de dados a serem coletados em diversos prontuários fez-se um “levantamento de dados piloto”, a fim de verificar se a pesquisa seria viável, já que esta tinha prazo de um ano para ser desenvolvida. O estudo piloto consistiu em anotar na ficha de coleta os dados de seis prontuários escolhidos aleatoriamente. O tempo utilizado para fazê-lo foi cronometrado para obtenção de uma média de tempo gasto em cada um deles. Isso foi feito para que Vol. 8 No. 3, 2004 Perfil do Trabalhador Acometido por DORT se pudesse ver qual seria a amostra possível de ser obtida no período determinado à coleta de dados de acordo com o cronograma preestabelecido. Além disso, o piloto serviria para avaliar se os itens da ficha eram colocados de forma clara e se trariam as informações necessárias ao estudo. Para obtenção da amostra, utilizaram-se a Técnica Estatística Sistemática e a Tabela de Números Aleatórios (TNA), escolhendose, aleatoriamente, uma linha e uma coluna desta para determinar quais números dos prontuários seriam analisados, obtendose amostra de 158 prontuários. Durante o levantamento surgiram situações de difícil controle. Por exemplo, alguns prontuários sorteados referiam-se a doenças ocupacionais como dermatites, silicose ou problemas auditivos, mas por não serem distúrbios osteomusculares, objetos do presente estudo, foram excluídos. Dos 158 prontuários, 26 enquadravam-se nessa situação. Determinou-se, assim, que seriam substituídos pelo prontuário seguinte e, caso a situação se repetisse, aqueles seriam definitivamente excluídos. Assim, a coleta de dados foi concluída com uma amostra final de 145 prontuários referentes às DORT. Além disso, quando alguma informação não estava preenchida no prontuário, esta era recodificada como dado “não informado”. Para caracterização do perfil do trabalhador, selecionaram-se as variáveis: sexo, faixa etária, escolaridade, profissão, situação de trabalho (quando admitidos no CERSAT e quanto às últimas informações citadas nos prontuários), diagnóstico (patologia de maior ocorrência, se o diagnóstico era definido ou indefinido, se os pacientes eram ou não encaminhados ou submetidos a algum tratamento fisioterapêutico), exames complementares e tratamento medicamen- 275 toso (os mais utilizados). A situação atual do trabalhador no CERSAT também foi analisada como: abandono, alta, paciente em tratamento ou abandono não caracterizado. RESULTADOS Confirmou-se o predomínio das DORT em pessoas do sexo feminino (79%) atendidas no CERSAT, na faixa etária de 21 a 50 anos (91%), e em trabalhadores com baixa escolaridade (39% primeiro grau incompleto; 23% primeiro grau completo; 14% segundo grau incompleto; 15% segundo grau completo; 1% terceiro grau incompleto; 1% terceiro grau completo; 3% eram analfabetos e em 4% dos prontuários essa informação não estava presente). Associado a isso, observouse que as profissões mais encontradas foram as de serviços domésticos, limpeza, passadeiras, costureiras e cozinheiras, ou seja, atividades tipicamente femininas. A situação de trabalho mostrou-se confusa e, por isso, optou-se por analisá-la comparando as informação fornecida na época da admissão no CERSAT à última informação obtida no prontuário, de acordo com a Tabela 1. Essa comparação tornou-se necessária, pois observou-se que os pacientes apresentavam uma situação ao serem admitidos, mas, muitas vezes, ela se alterava no decorrer do tratamento. Por exemplo, aproximadamente 14% dos trabalhadores que eram ativos (quando admitidos) foram afastados de seus postos de trabalho (última informação obtida no prontuário em 2001). Os exames complementares mais solicitados foram o hemograma (60%), o ultra-som (43%) e as radiografias (37%). Além desses, exames de bioquímica, eletrocardiogramas, urina e fezes eram muito utilizados. Tabela 1. Situação de trabalho: comparando a informação fornecida na época da admissão do trabalhador no CERSAT à última informação obtida nos prontuários. Quando admitido Última informação disponível (2001) Total (%) AMO (%) ADO (%) AFA (%) NSA (%) NI (%) 31,0 2,1 13,5 6,0 10,5 ADO 1,3 1,3 2,1 1,3 0,7 6,7 AFA 1,3 – 11,0 2,7 1,3 16,3 NSA 2,1 – 2,7 6,3 2,1 13,2 – – 0,7 – – 0,7 35,7 3,4 30,0 16,3 14,6 100,0 AMO NI Total 63,1 Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT. Legenda: AMO – ativo na mesma ocupação; ADO – ativo com desvio de ocupação; AFA – afastado; NSA – não se aplica (demitido ou aposentado); NI – não informado (dado inexistente no prontuário). 276 Garcia, V. M. D. et al. A Tabela 2 descreve os diagnósticos obtidos a partir dos prontuários analisados (segundo a classificação dada pelos médicos do Centro de Referência), nos quais se observou certa freqüência de diversos diagnósticos para o mesmo paciente. A Tabela 3 apresenta classificação dos diagnósticos (definido, duvidoso, definido e duvidoso ou não informado) e sua ocorrência, relacionando-os ao encaminhamento ou não para tratamento fisioterapêutico. Nela, observam-se prontuários com diagnóstico indefinido, ou seja, aqueles não confirmados na primeira consulta. Algumas vezes, o mesmo paciente apresentava diagnósticos definidos e indefinidos ou este dado não se encontrava disponível. Nota-se também que alguns pacientes com diagnóstico definido como DORT não eram submetidos a nenhum tipo de intervenção fisioterapêutica. No tratamento medicamentoso, observou-se que 66% dos pacientes fizeram uso de medicamentos, 13% não usaram e em 21% dos prontuários não se obteve nenhuma Rev. bras. fisioter. informação. Os medicamentos mais utilizados foram antiinflamatórios, antidepressivos, analgésicos e ansiolíticos. É importante salientar que alguns pacientes recebiam prescrição de vários medicamentos diferentes. Por exemplo, um dos trabalhadores atendidos no Centro de Referência fazia uso de três tipos de antiinflamatórios, um antidepressivo e um analgésico. O dado Situação Atual no CERSAT (Tabela 4) foi classificado como: em tratamento, alta ou abandono. Assim, se o trabalhador fosse liberado do tratamento, seu prontuário receberia a marcação de alta e era arquivado. Contudo, constatou-se que algumas pessoas consideradas em tratamento não haviam comparecido ao último retorno agendado, sendo que entre o último atendimento e a data do levantamento dos dados havia transcorrido vários meses. Esses prontuários foram reclassificados como abandono não caracterizado. Tabela 2. Diagnósticos de DORT obtidos no campo Impressões Diagnósticas, presente nos prontuários analisados dos trabalhadores atendidos no CERSAT (período: 1998-2001). Diagnóstico Tendinites N % 71 49 Tenossinovites 44 30 Epicondilites 41 28 Fibromialgia 31 21 Síndrome miofascial 28 19 Compressão de nervo periférico 23 16 Síndrome do impacto 20 14 Cervicalgias/Cervicobraquialgias 19 13 Bursites 8 6 Miosites 7 5 Lombalgia 6 4 Cisto sinovial 5 3 Sinovite 2 1 Outros 36 24 Não informado 6 4 Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT. Tabela 3. Relação entre a definição dada ao diagnóstico e a submissão do trabalhador ou não ao tratamento fisioterapêutico (período: 1998-2001). Diagnóstico (quanto à definição) Definido Indefinido Definido e indefinido Tratamento fisioterapêutico (%) Sim Não Total 52,4 32,0 84,4 _ 3,4 3,4 4,7 3,4 8,1 Não informado 0,7 3,4 4,1 Total 57,8 42,2 100,0 Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT. Vol. 8 No. 3, 2004 Perfil do Trabalhador Acometido por DORT 277 Tabela 4. Situação do paciente quanto ao tratamento no CERSAT em 2001. Situação atual no CERSAT N % Abandono 70 48 Em tratamento ou abandono não caracterizado 47 33 Alta 28 19 Total 145 100 Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT. DISCUSSÃO A incidência de Dort no sexo feminino tem sido constatada em várias pesquisas e foi confirmada no presente estudo. Isso pode ter-se iniciado na época da reestruturação produtiva, quando o trabalho “sujo” das fábricas começou a ser de responsabilidade de mulheres e crianças.16 Até o ano de 1998, o NUSAT divulgava relatórios anuais dos dados referentes à clientela por eles atendida. No que se refere à variável sexo, o relatório de 1998 comprovou a proporção de 80% de mulheres e 20% de homens acometidos.15 Estudos publicados no Caderno de Saúde Pública em 1997 mostram uma sexualização do posto de trabalho, com menor grau de controle das funções ditas femininas. Ao evidenciar a construção social das diferenças sexuais, ou seja, da questão de gênero, torna-se explícita, no caso das LER, a construção social dos padrões de adoecimento mediada pela composição de populações de risco. Essa perspectiva demonstra a importância de incorporar categorias antropológicas, sociológicas e psicossociais para aprofundar o entendimento das LER.16 Constatou-se que a grande maioria dos prontuários analisados neste trabalho referia-se a pessoas jovens entre 21 e 50 anos, sendo a faixa etária de 21 a 30 anos a de maior prevalência. Isso é extremamente preocupante, já que diz respeito à faixa economicamente ativa da população. Em alguns casos, muitos desses trabalhadores já se encontravam afastados do trabalho, seriamente acometidos ou, nos casos mais graves, até mesmo aposentados por invalidez. Estudos anteriores demonstravam que a maior porcentagem dos portadores de DORT encontrava-se na faixa etária de 31 a 40 anos de idade, mas estudo feito no ambulatório de doenças profissionais, em 1996, demonstrou que predominou o atendimento de pacientes do sexo feminino com menos de 40 anos.17 A escolaridade obtida demonstra um quadro triste, mas que ilustra bem a realidade nacional. Observou-se que a maioria dos pacientes só teve acesso ao primeiro grau e muitos não chegaram a concluí-lo, fato que se repete quanto ao segundo grau. A Tabela 1 demonstrou a situação de trabalho comparando a informação fornecida na admissão do trabalhador à última obtida nos prontuários durante a realização deste estudo. Podese constatar que, embora buscassem tratamento, os trabalhadores que permaneciam em seus postos de trabalho e na mesma ocupação continuavam sendo submetidos aos fatores de risco que desencadearam a lesão, dificultando sua melhora. Observou-se ainda que alguns trabalhadores chegavam ao Centro de Referência afastados de seus empregos e assim permaneciam. Isso gera importante impacto social e custos para a sociedade em decorrência de o trabalhador encontrarse precocemente incapacitado de exercer suas atividades. Algumas vezes, durante a leitura do histórico dos pacientes, o médico relatava que o trabalhador havia escondido os sintomas com medo de perder o emprego e por isso deixavam suas patologias chegarem a níveis graves. Eram então afastados e assim permaneciam por longos períodos por estarem incapacitados para o trabalho ou para se submeterem a longos tratamentos em fase crônica. Na Tabela 2 vê-se que as tendinites, as tenossinovites e as epicondilites foram responsáveis por grande parte das lesões sofridas pelo trabalhador, seguidas pela fibromialgia e a síndrome miofascial. No relatório do NUSAT de 1998, as tendinites eram responsáveis por quase 50% dos casos, as tenossinovites, por 13% e as epicondilites, por 11%.15 Estudo realizado no Ambulatório de Doenças Ocupacionais do Hospital das Clínicas da UFMG, em 1994, cita as tenossinovites como o terceiro diagnóstico mais comum.17 É importante citar alguns diagnósticos absurdos, já que não constam na CID e não especificam a patologia do paciente, como, por exemplo: “cotovelo vermelho” ou “dor na massa muscular do antebraço”. Estes foram recodificados como outros. Abordou-se ainda a classificação dada aos diagnósticos obtidos. Algumas vezes, durante a coleta de dados, observouse que a impressão diagnóstica vinha acompanhada por uma interrogação. Conforme citado, alguns pacientes recebiam vários diagnósticos, sendo que um ou mais eram acompanhados por interrogação. Em muitos casos, essa indefinição permanecia por longos períodos de tempo até que se chegasse a uma conclusão e, em outros, ela persistia durante todo o tratamento do paciente. Tudo isso pode ser considerado também para explicar a utilização de antidepressivos e ansiolíticos. Em alguns prontuários, os médicos relatavam que os pacientes acometidos apresentavam quadros graves de depressão, tristeza e, algumas vezes, o desejo de auto-extermínio. Observou-se que os antiinflamatórios foram receitados para a maioria dos pacientes. Além deles, outros medicamentos, como diuréticos, anti- 278 Garcia, V. M. D. et al. Rev. bras. fisioter. hipertensivos, anticonvulsivantes e antibióticos, eram utilizados. Isso pode indicar que o paciente com DORT é simultaneamente acometido por outras patologias, como diabetes, hipertensão e infecções, que colaboram para o agravamento de sua saúde geral. Durante este estudo houve a necessidade da inclusão do item abandono não caracterizado, pois, provavelmente, as pessoas que não compareceram ao último retorno devem ser consideradas como pacientes que abandonaram o tratamento. Isso é muito importante, já que o item abandono de tratamento poderia ser representado por um valor ainda maior que o já obtido. Deve-se questionar a razão de essa taxa ser tão elevada. Uma hipótese plausível é o fato de o trabalhador procurar assistência médica e fisioterapêutica em níveis avançados de suas lesões. Assim, o tratamento torna-se paliativo e os cuidados disponíveis são incapazes de resolver suas queixas. Outro agravante é o fato de o profissional da saúde não ter acesso ao local de trabalho do paciente, sendo impossível propor alterações ergonômicas necessárias. Concluise que realmente o entendimento sobre as DORT constitui um processo ativo e em desenvolvimento. A ciência vem buscando alternativas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e, para isso, é importante que equipes transdisciplinares sejam criadas e preparadas para darem a atenção adequada às pessoas, considerando-as seres individuais, sociais, psíquicos e com necessidades diferentes. É fundamental conhecer o perfil do trabalhador atendido pelo SUS, atuar na prevenção, fazer diagnósticos mais precisos que permitam entendimento generalizado da linguagem utilizada pelos profissionais da saúde e tratamentos mais específicos e eficazes. 3. Mendes LF, Casarotto RA. Tratamento fisioterápico em distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: um estudo de caso. Revista Universidade São Paulo 1998; 5(2): 727-32. 4. Mendes R, Dias EC. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Revista Saúde Pública 1991; 25(5): 341-9. 5. Pereira ECL, Manfrin GM, Perez L, Walsh IAP, Coury HJCG. Estudos das características evolutivas dos casos de LER. 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Adriana Silva Drumond (fisioterapeuta do CERSAT) pelo apoio na coleta de dados. 13. Soares JF, Siqueira A. Introdução à estatística Médica. 1a ed. Belo Horizonte: Editora Coopmed; 1999. P. 14-32. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. Blanco MC. O processo de terceirização nos bancos: Terceirização – diversidade e negociação no mundo do trabalho. Núcleo de estudos sobre trabalho e sociedade, Centro Ecumênico de Documentação e Informação. São Paulo: Editora Hucitec; 1994. Leo JA. Em que os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) se diferenciam das lesões por esforços repetitivos (LER)? Revista Fisioterapia em Movimento 1998; 10(2): 92-101. 10. Couto HA. Novas perspectivas na abordagem preventiva das LER/DORT. O fenômeno Ler/DORT no Brasil. São Paulo: Editora Ergo; 2000. 11. Lacaz FAC. Worker’s health: an overview and challenges. Caderno Saúde Pública, 13 Suplemento 1997; 2: 7-19. 12. Santos LF, Silva JÁ, Lopes NS. LER/DORT: um desafio para a fisioterapia. 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