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Vol.
8 No.
2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 273-278
Rev.
bras.3,fisioter.
©Revista Brasileira de Fisioterapia
Perfil do Trabalhador Acometido por DORT
273
ANÁLISE DO PERFIL DO PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA
OSTEOMUSCULAR RELACIONADA AO TRABALHO (DORT) E
USUÁRIO DO SERVIÇO DE SAÚDE DO TRABALHADOR
DO SUS EM BELO HORIZONTE
Garcia, V. M. D.,1 Mazzoni, C. F.,2 Corrêa, D. F.3 e Pimenta, R. U.4
1
Bacharel em Fisioterapia, PUC-MG, e Especialista em Reabilitação Músculo-esquelética e Desportiva, UGF;
Belo Horizonte, MG, Brasil
2
Coordenadora do curso de Pós-graduação em Ergonomia, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil
3
Bacharel em Fisioterapia, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil
4
Bacharel em Fisioterapia e Especialista em Reabilitação Cardiopulmonar, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Correspondência para: Vanessa Malheiros Dodd Garcia, Rua Itabira, 510, apto. 1101, Bairro Colégio Batista,
CEP 31110-240, Belo Horizonte, MG, Brasil, e-mail: vanessadodd@ ig.com.br
Recebido em: 28/10/2002 – Aceito em: 4/6/2004
RESUMO
O presente trabalho pretende descrever o perfil do paciente portador de DORT atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em
Belo Horizonte. Conhecê-lo é de fundamental importância, pois essas patologias são responsáveis por cerca de 85% dos afastamentos
do trabalho, além de causarem grandes impactos psicológicos e socioeconômicos. Realizou-se o levantamento de 145 prontuários
de pacientes do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CERSAT), no período de 1998 a 2001. Dados como sexo, faixa
etária, escolaridade, profissão, situação de trabalho e diagnósticos foram analisados. Os resultados apontam que as DORT acometem
mais às mulheres entre 21 e 50 anos de idade com baixo grau de escolaridade. Dados importantes foram observados no item “diagnósticos”, pois estes têm-se mostrado inconclusivos, impedindo intervenção fisioterápica adequada. Constatou-se, contudo, que as
tendinites continuam sendo as mais freqüentes (49%) e que as tenossinovites, as epicondilites e a fibromialgia têm aumentado nos
últimos anos, sendo que, na maioria dos casos, os pacientes chegam ao tratamento em fases avançadas. Essa situação é um problema
de saúde pública e tem trazido prejuízos aos trabalhadores, tornando evidente a importância de conhecer as necessidades dos pacientes
e de oferecer-lhes tratamento mais adequado.
Palavras-chave: saúde ocupacional, DORT, epidemiologia, fisioterapia.
ABSTRACT
The present work intends to describe the profile of patients who bear DORT and are assisted by the General Health Service (SUS)
in Belo Horizonte. Knowing them is very important, because these pathologies are responsible for 85% of all work dismissals,
besides they cause large psychological and social-economical impacts. The survey considered 145 dossiers of patients from the
Worker’s Health Reference Center (CERSAT), in the period from 1998 to 2001. Data about gender, age, education, occupation,
work situation, diagnosis, medical and physical therapy treatments were analyzed. The results indicate that DORT mostly affects
women between 21 and 50 years old, with a low education level. Important data was observed on the diagnoses item, because they
have shown themselves inconclusive, obstructing an adequate physical therapy intervention. It is noticed, however, that tendonitis
is still more usual (49%) and that carpal tunnel syndrome, epicondylitis and fibromyalgia have increased in the last few years. In
most of these cases, patients start their treatment in advanced degrees of the disease, making their rehabilitation harder. This situation
is a Public Health problem and has brought damages to workers, making evident the importance of knowing the patients’ needs
and offering them an efficient treatment.
Key words: occupational health, work diseases, epidemiology, physical therapy.
274
Garcia, V. M. D. et al.
INTRODUÇÃO
É essencial entender os fatores que propiciaram o surgimento e o agravamento dos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), também conhecidos como lesões
por esforços repetitivos (LER). Estes são, atualmente, um
dos principais problemas de saúde pública e os responsáveis
por quase 90% dos afastamentos do trabalho.1 Embora não
haja no Brasil controle do Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS) sobre sua prevalência, alguns estudos registram
que as DORT ocupam o primeiro lugar entre as doenças
ocupacionais, acompanhando a tendência mundial de aumento
da incidência desses distúrbios.2,3,4,5,6
Em nosso país, informações sobre a morbimortalidade
do trabalhador são limitadas, fragmentadas e heterogêneas.
Levantamentos estatísticos oficiais não retratam o quadro
real de como os trabalhadores adoecem. Há subnotificações
importantes do número de acidentes de trabalho e de doenças
profissionais. De acordo com a Secretaria de Saúde de Minas
Gerais, o número de registros deve ser cerca de quatro vezes
maior que os dados oficiais.2,3,7 Além da sonegação de informações pelas empresas, há a atitude dos trabalhadores
de esconderem os sintomas por temerem perder o emprego.2,3,8,9,10
Até julho de 1997, utilizava-se o termo LER para tais
patologias, mas, nessa data, o INSS publicou uma minuta
para atualização da norma técnica sobre essas lesões, que
passaram a ser conhecidas como DORT.2,3 Segundo o Diário
Oficial de 19/8/1998, elas compreendem uma síndrome clínica
caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por
alterações objetivas, e que se manifesta principalmente no
pescoço e na cintura escapular e/ou membros superiores,
em decorrência do trabalho.7 Observa-se também alta
incidência de problemas neurológicos e na coluna vertebral.2
Dados epidemiológicos demonstram que a prevalência de
DORT é maior na faixa etária mais jovem (menos de 40 anos)
e entre as mulheres.7,11,12
Atualmente, a demanda de trabalhadores com essas
patologias vem gerando polêmica entre os profissionais de
saúde, uma vez que as DORT não são diagnosticadas corretamente e o tratamento, muitas vezes fragmentado, é realizado
por profissionais que desconhecem os fatores da lesão, sua
fisiopatologia e conseqüências sociais.2,3 Espera-se o aumento
desses casos, pois as medidas, até agora, relacionadas à
prevenção, tratamento e reabilitação têm-se mostrado, na
maioria dos casos, ineficientes.2,7,8,9,10
Para caracterização de um quadro clínico de DORT, é
necessário definir o nexo por meio de anamnese ocupacional,
exame clínico, relatório do médico responsável pela assistência
e estudo do posto de trabalho, por meio de visita à empresa.
Quanto ao diagnóstico, estabelece-se que deve ser individualizado a cada uma das lesões, sendo o exame clínico o
critério principal para caracterizá-lo. Reconhece-se a dor como
elemento imprescindível para sua caracterização, salientando
Rev. bras. fisioter.
a importância de obter informações a respeito do início, da
localização, da intensidade e da duração.2
É consenso, em toda a literatura revisada, a importância
da atuação da equipe multidisciplinar, indispensável na abordagem terapêutica global do paciente acometido.2,3,8 Este estudo
foi realizado no Centro de Referência de Saúde do Trabalhador
(CERSAT) do SUS em Belo Horizonte. O Centro é formado
por equipe multidisciplinar constituída por médico do trabalho,
fisioterapeuta, assistentes sociais, engenheiros e auxiliares
de enfermagem que trabalham juntos, discutindo os casos e
tomando decisões em reuniões semanais. A pessoa que chega
ao centro é acolhida por assistentes sociais que, no primeiro
contato, orientam e a encaminham aos demais profissionais.
A maioria é encaminhada ao atendimento médico para dar
início ao tratamento e, quando necessário, é também tratada
pela fisioterapia. Todos os dados são anotados em fichas de
atendimento que comporão os prontuários do paciente. Estes
são numerados e arquivados para que, a cada atendimento,
os profissionais possam acrescentar novas informações e a
evolução clínica do paciente.
O presente trabalho visa, então, a traçar e analisar o
perfil do portador de DORT atendido no Centro de Referência
de Saúde do Trabalhador em Belo Horizonte. Entendê-lo
é fundamental para um conhecimento mais profundo das
características inerentes aos trabalhadores acometidos, para
que, assim, os profissionais envolvidos em seu atendimento
sejam capazes de lhes oferecer tratamento mais adequado
às suas reais necessidades.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva por meio do estudo
transversal com base populacional, método de pesquisa em
que as amostras se referem a sujeitos de diferentes grupos
etários selecionados e estudados no mesmo período.13,14
Tomou-se todos os trabalhadores atendidos no CERSAT (N =
1492) como a população a ser estudada entre 1998 e 2001.
Este estudo pode colaborar para uma noção da prevalência
da DORT no período, já que o Núcleo de Referência em
Doenças Ocupacionais da Previdência Social (NUSAT) do
INSS foi extinto em 1998, data do último Relatório Anual
divulgado pela instituição.15
Os dados foram coletados a partir do prontuário dos
pacientes, nos quais foram levantados os perfis dos portadores
de DORT. Uma ficha de coleta de dados foi elaborada para
que as informações fossem padronizadas e organizadas. Em
decorrência do grande número de dados a serem coletados
em diversos prontuários fez-se um “levantamento de dados
piloto”, a fim de verificar se a pesquisa seria viável, já que
esta tinha prazo de um ano para ser desenvolvida. O estudo
piloto consistiu em anotar na ficha de coleta os dados de
seis prontuários escolhidos aleatoriamente. O tempo utilizado
para fazê-lo foi cronometrado para obtenção de uma média
de tempo gasto em cada um deles. Isso foi feito para que
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Perfil do Trabalhador Acometido por DORT
se pudesse ver qual seria a amostra possível de ser obtida
no período determinado à coleta de dados de acordo com
o cronograma preestabelecido. Além disso, o piloto serviria
para avaliar se os itens da ficha eram colocados de forma
clara e se trariam as informações necessárias ao estudo. Para
obtenção da amostra, utilizaram-se a Técnica Estatística Sistemática e a Tabela de Números Aleatórios (TNA), escolhendose, aleatoriamente, uma linha e uma coluna desta para determinar
quais números dos prontuários seriam analisados, obtendose amostra de 158 prontuários.
Durante o levantamento surgiram situações de difícil
controle. Por exemplo, alguns prontuários sorteados referiam-se a doenças ocupacionais como dermatites, silicose
ou problemas auditivos, mas por não serem distúrbios
osteomusculares, objetos do presente estudo, foram excluídos. Dos 158 prontuários, 26 enquadravam-se nessa
situação. Determinou-se, assim, que seriam substituídos
pelo prontuário seguinte e, caso a situação se repetisse,
aqueles seriam definitivamente excluídos. Assim, a coleta
de dados foi concluída com uma amostra final de 145
prontuários referentes às DORT. Além disso, quando alguma
informação não estava preenchida no prontuário, esta era
recodificada como dado “não informado”.
Para caracterização do perfil do trabalhador, selecionaram-se as variáveis: sexo, faixa etária, escolaridade,
profissão, situação de trabalho (quando admitidos no CERSAT
e quanto às últimas informações citadas nos prontuários),
diagnóstico (patologia de maior ocorrência, se o diagnóstico
era definido ou indefinido, se os pacientes eram ou não
encaminhados ou submetidos a algum tratamento fisioterapêutico), exames complementares e tratamento medicamen-
275
toso (os mais utilizados). A situação atual do trabalhador no
CERSAT também foi analisada como: abandono, alta, paciente
em tratamento ou abandono não caracterizado.
RESULTADOS
Confirmou-se o predomínio das DORT em pessoas do
sexo feminino (79%) atendidas no CERSAT, na faixa etária
de 21 a 50 anos (91%), e em trabalhadores com baixa
escolaridade (39% primeiro grau incompleto; 23% primeiro
grau completo; 14% segundo grau incompleto; 15% segundo
grau completo; 1% terceiro grau incompleto; 1% terceiro grau
completo; 3% eram analfabetos e em 4% dos prontuários essa
informação não estava presente). Associado a isso, observouse que as profissões mais encontradas foram as de serviços
domésticos, limpeza, passadeiras, costureiras e cozinheiras,
ou seja, atividades tipicamente femininas.
A situação de trabalho mostrou-se confusa e, por isso,
optou-se por analisá-la comparando as informação fornecida
na época da admissão no CERSAT à última informação obtida
no prontuário, de acordo com a Tabela 1. Essa comparação
tornou-se necessária, pois observou-se que os pacientes
apresentavam uma situação ao serem admitidos, mas, muitas
vezes, ela se alterava no decorrer do tratamento. Por exemplo,
aproximadamente 14% dos trabalhadores que eram ativos
(quando admitidos) foram afastados de seus postos de trabalho
(última informação obtida no prontuário em 2001).
Os exames complementares mais solicitados foram o
hemograma (60%), o ultra-som (43%) e as radiografias (37%).
Além desses, exames de bioquímica, eletrocardiogramas, urina
e fezes eram muito utilizados.
Tabela 1. Situação de trabalho: comparando a informação fornecida na época da admissão do trabalhador no CERSAT à última informação
obtida nos prontuários.
Quando
admitido
Última informação disponível (2001)
Total
(%)
AMO
(%)
ADO
(%)
AFA
(%)
NSA
(%)
NI
(%)
31,0
2,1
13,5
6,0
10,5
ADO
1,3
1,3
2,1
1,3
0,7
6,7
AFA
1,3
–
11,0
2,7
1,3
16,3
NSA
2,1
–
2,7
6,3
2,1
13,2
–
–
0,7
–
–
0,7
35,7
3,4
30,0
16,3
14,6
100,0
AMO
NI
Total
63,1
Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT.
Legenda: AMO – ativo na mesma ocupação; ADO – ativo com desvio de ocupação; AFA – afastado;
NSA – não se aplica (demitido ou aposentado); NI – não informado (dado inexistente no prontuário).
276
Garcia, V. M. D. et al.
A Tabela 2 descreve os diagnósticos obtidos a partir dos
prontuários analisados (segundo a classificação dada pelos
médicos do Centro de Referência), nos quais se observou certa
freqüência de diversos diagnósticos para o mesmo paciente.
A Tabela 3 apresenta classificação dos diagnósticos
(definido, duvidoso, definido e duvidoso ou não informado)
e sua ocorrência, relacionando-os ao encaminhamento ou não
para tratamento fisioterapêutico. Nela, observam-se prontuários
com diagnóstico indefinido, ou seja, aqueles não confirmados
na primeira consulta. Algumas vezes, o mesmo paciente apresentava diagnósticos definidos e indefinidos ou este dado não
se encontrava disponível. Nota-se também que alguns pacientes
com diagnóstico definido como DORT não eram submetidos
a nenhum tipo de intervenção fisioterapêutica.
No tratamento medicamentoso, observou-se que 66%
dos pacientes fizeram uso de medicamentos, 13% não
usaram e em 21% dos prontuários não se obteve nenhuma
Rev. bras. fisioter.
informação. Os medicamentos mais utilizados foram antiinflamatórios, antidepressivos, analgésicos e ansiolíticos. É
importante salientar que alguns pacientes recebiam prescrição de vários medicamentos diferentes. Por exemplo,
um dos trabalhadores atendidos no Centro de Referência
fazia uso de três tipos de antiinflamatórios, um antidepressivo e um analgésico.
O dado Situação Atual no CERSAT (Tabela 4) foi
classificado como: em tratamento, alta ou abandono. Assim,
se o trabalhador fosse liberado do tratamento, seu prontuário
receberia a marcação de alta e era arquivado. Contudo,
constatou-se que algumas pessoas consideradas em tratamento não haviam comparecido ao último retorno agendado, sendo que entre o último atendimento e a data do
levantamento dos dados havia transcorrido vários meses.
Esses prontuários foram reclassificados como abandono
não caracterizado.
Tabela 2. Diagnósticos de DORT obtidos no campo Impressões Diagnósticas, presente nos prontuários analisados dos trabalhadores atendidos
no CERSAT (período: 1998-2001).
Diagnóstico
Tendinites
N
%
71
49
Tenossinovites
44
30
Epicondilites
41
28
Fibromialgia
31
21
Síndrome miofascial
28
19
Compressão de nervo periférico
23
16
Síndrome do impacto
20
14
Cervicalgias/Cervicobraquialgias
19
13
Bursites
8
6
Miosites
7
5
Lombalgia
6
4
Cisto sinovial
5
3
Sinovite
2
1
Outros
36
24
Não informado
6
4
Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT.
Tabela 3. Relação entre a definição dada ao diagnóstico e a submissão do trabalhador ou não ao tratamento fisioterapêutico (período: 1998-2001).
Diagnóstico
(quanto à definição)
Definido
Indefinido
Definido e indefinido
Tratamento fisioterapêutico (%)
Sim
Não
Total
52,4
32,0
84,4
_
3,4
3,4
4,7
3,4
8,1
Não informado
0,7
3,4
4,1
Total
57,8
42,2
100,0
Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT.
Vol. 8 No. 3, 2004
Perfil do Trabalhador Acometido por DORT
277
Tabela 4. Situação do paciente quanto ao tratamento no CERSAT em 2001.
Situação atual no CERSAT
N
%
Abandono
70
48
Em tratamento ou abandono não caracterizado
47
33
Alta
28
19
Total
145
100
Fonte: Pesquisa direta nos prontuários do CERSAT.
DISCUSSÃO
A incidência de Dort no sexo feminino tem sido constatada em várias pesquisas e foi confirmada no presente estudo.
Isso pode ter-se iniciado na época da reestruturação produtiva,
quando o trabalho “sujo” das fábricas começou a ser de
responsabilidade de mulheres e crianças.16 Até o ano de 1998,
o NUSAT divulgava relatórios anuais dos dados referentes
à clientela por eles atendida. No que se refere à variável sexo,
o relatório de 1998 comprovou a proporção de 80% de mulheres
e 20% de homens acometidos.15 Estudos publicados no Caderno
de Saúde Pública em 1997 mostram uma sexualização do posto
de trabalho, com menor grau de controle das funções ditas
femininas. Ao evidenciar a construção social das diferenças
sexuais, ou seja, da questão de gênero, torna-se explícita, no
caso das LER, a construção social dos padrões de adoecimento
mediada pela composição de populações de risco. Essa
perspectiva demonstra a importância de incorporar categorias
antropológicas, sociológicas e psicossociais para aprofundar
o entendimento das LER.16
Constatou-se que a grande maioria dos prontuários
analisados neste trabalho referia-se a pessoas jovens entre
21 e 50 anos, sendo a faixa etária de 21 a 30 anos a de maior
prevalência. Isso é extremamente preocupante, já que diz
respeito à faixa economicamente ativa da população. Em
alguns casos, muitos desses trabalhadores já se encontravam
afastados do trabalho, seriamente acometidos ou, nos casos
mais graves, até mesmo aposentados por invalidez. Estudos
anteriores demonstravam que a maior porcentagem dos portadores de DORT encontrava-se na faixa etária de 31 a 40 anos
de idade, mas estudo feito no ambulatório de doenças profissionais, em 1996, demonstrou que predominou o atendimento de pacientes do sexo feminino com menos de 40 anos.17
A escolaridade obtida demonstra um quadro triste, mas
que ilustra bem a realidade nacional. Observou-se que a
maioria dos pacientes só teve acesso ao primeiro grau e muitos
não chegaram a concluí-lo, fato que se repete quanto ao
segundo grau.
A Tabela 1 demonstrou a situação de trabalho comparando
a informação fornecida na admissão do trabalhador à última
obtida nos prontuários durante a realização deste estudo. Podese constatar que, embora buscassem tratamento, os trabalhadores
que permaneciam em seus postos de trabalho e na mesma
ocupação continuavam sendo submetidos aos fatores de risco
que desencadearam a lesão, dificultando sua melhora.
Observou-se ainda que alguns trabalhadores chegavam ao
Centro de Referência afastados de seus empregos e assim
permaneciam. Isso gera importante impacto social e custos
para a sociedade em decorrência de o trabalhador encontrarse precocemente incapacitado de exercer suas atividades.
Algumas vezes, durante a leitura do histórico dos pacientes,
o médico relatava que o trabalhador havia escondido os sintomas com medo de perder o emprego e por isso deixavam
suas patologias chegarem a níveis graves. Eram então afastados
e assim permaneciam por longos períodos por estarem incapacitados para o trabalho ou para se submeterem a longos
tratamentos em fase crônica.
Na Tabela 2 vê-se que as tendinites, as tenossinovites
e as epicondilites foram responsáveis por grande parte das
lesões sofridas pelo trabalhador, seguidas pela fibromialgia
e a síndrome miofascial. No relatório do NUSAT de 1998,
as tendinites eram responsáveis por quase 50% dos casos, as
tenossinovites, por 13% e as epicondilites, por 11%.15 Estudo
realizado no Ambulatório de Doenças Ocupacionais do Hospital
das Clínicas da UFMG, em 1994, cita as tenossinovites como
o terceiro diagnóstico mais comum.17 É importante citar alguns
diagnósticos absurdos, já que não constam na CID e não
especificam a patologia do paciente, como, por exemplo:
“cotovelo vermelho” ou “dor na massa muscular do antebraço”.
Estes foram recodificados como outros.
Abordou-se ainda a classificação dada aos diagnósticos
obtidos. Algumas vezes, durante a coleta de dados, observouse que a impressão diagnóstica vinha acompanhada por uma
interrogação. Conforme citado, alguns pacientes recebiam
vários diagnósticos, sendo que um ou mais eram acompanhados por interrogação. Em muitos casos, essa indefinição
permanecia por longos períodos de tempo até que se chegasse
a uma conclusão e, em outros, ela persistia durante todo o
tratamento do paciente.
Tudo isso pode ser considerado também para explicar
a utilização de antidepressivos e ansiolíticos. Em alguns
prontuários, os médicos relatavam que os pacientes acometidos
apresentavam quadros graves de depressão, tristeza e, algumas
vezes, o desejo de auto-extermínio. Observou-se que os
antiinflamatórios foram receitados para a maioria dos pacientes. Além deles, outros medicamentos, como diuréticos, anti-
278
Garcia, V. M. D. et al.
Rev. bras. fisioter.
hipertensivos, anticonvulsivantes e antibióticos, eram utilizados. Isso pode indicar que o paciente com DORT é
simultaneamente acometido por outras patologias, como
diabetes, hipertensão e infecções, que colaboram para o
agravamento de sua saúde geral.
Durante este estudo houve a necessidade da inclusão
do item abandono não caracterizado, pois, provavelmente,
as pessoas que não compareceram ao último retorno devem
ser consideradas como pacientes que abandonaram o tratamento. Isso é muito importante, já que o item abandono de
tratamento poderia ser representado por um valor ainda maior
que o já obtido. Deve-se questionar a razão de essa taxa ser
tão elevada. Uma hipótese plausível é o fato de o trabalhador
procurar assistência médica e fisioterapêutica em níveis avançados de suas lesões. Assim, o tratamento torna-se paliativo
e os cuidados disponíveis são incapazes de resolver suas
queixas. Outro agravante é o fato de o profissional da saúde
não ter acesso ao local de trabalho do paciente, sendo
impossível propor alterações ergonômicas necessárias. Concluise que realmente o entendimento sobre as DORT constitui
um processo ativo e em desenvolvimento. A ciência vem
buscando alternativas para melhorar a qualidade de vida dos
trabalhadores e, para isso, é importante que equipes transdisciplinares sejam criadas e preparadas para darem a atenção
adequada às pessoas, considerando-as seres individuais, sociais,
psíquicos e com necessidades diferentes. É fundamental conhecer o perfil do trabalhador atendido pelo SUS, atuar na prevenção, fazer diagnósticos mais precisos que permitam
entendimento generalizado da linguagem utilizada pelos profissionais da saúde e tratamentos mais específicos e eficazes.
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Agradecimentos — Agradeço a todos que colaboraram e incentivaram o
desenvolvimento deste trabalho. Ao meu esposo pela compreensão e à dra. Adriana
Silva Drumond (fisioterapeuta do CERSAT) pelo apoio na coleta de dados.
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Análise do Perfil do Paciente Portador de Doença