Periscópio – Boletim eletrônico da Fundação Perseu Abramo e
Secretaria Nacional de Formação Política do PT
Edição nº21
São Paulo, outubro de 2002
Viva o povo brasileiro
A esperança reclama a sua hora. Realizá-la é o desafio deste segundo turno
nesta cena histórica inédita na tradição política brasileira.
Perguntado sobre as razões de sua derrota, Maluf respondeu: “foi o vendaval petista”. Isto de
chamar um evento político e social por analogia com um fenômeno da natureza é sintoma de uma
falta, de uma carência de explicação. O que motivou a derrota de Maluf e tantos outros
conservadores foi a consciência democrática e republicana do povo brasileiro.
É possível escrever a história do Brasil a partir da idéia chave da continuidade das suas estruturas
de dominação e do elitismo arraigado da sua tradição política. Mas é possível também pensar esta
mesma história de um ponto de vista mais generoso, consultando as suas tradições de
inconformismo, de rebeldia, de projetos utópicos e harmonias civilizatórias sonhados de olhos
abertos, mas jamais cumpridos.
O que parece singularizar o atual momento histórico de que somos personagens é o fato de que a
aspiração forte de mudança que brota irresistivelmente de baixo para cima encontra uma
expressão política em um partido dotado potencialmente, ao mesmo tempo, de força éticopolítica, experiência e protagonismo para estar à altura da situação.
O PT ganhou a centralidade na vida política nacional. Isto está expresso na magnífica votação de
Lula, na conquista da maior bancada na Câmara dos Deputados, na ampliação da bancada de
senadores para 14 membros, no forte enraizamento nas disputas para os governos estaduais.
Mas é preciso reconhecer que o fenômeno político do qual o PT é o principal protagonista
extravasa a sua expressão política e até a sua experiência acumulada.
Que podemos dizer das imagens destes milhões de brasileiros que, apinhados nas filas de
votação, perseveraram em votar, diminuindo os padrões históricos de abstenção eleitoral? Como
entender o declínio dos partidos mais conservadores que viram o sistema político girar para a
esquerda e para a centro-esquerda? Como entender, em particular, o forte declínio da bancada
ruralista e a eleição de uma bancada importante de deputados vinculados ou apoiadores ao MST?
Como processar os mais de 15 milhões de votos dirigidos à liderança nacional recém constituída
por Garotinho a partir do PSB e das comunidades evangélicas? Como lidar com os mais de 10
milhões de votos conferidos à liderança de Ciro Gomes elaborada a partir do PPS e que resistiu à
carga desconstituidora lançada contra a sua candidatura? Enfim, por que mesmo o candidato do
governo teve que se apresentar ambiguamente como o candidato da “mudança azul”?
O grande desafio do segundo turno é o de vencer as eleições. Não cabe nenhum triunfalismo, pois
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este sentimento é sempre o fator das derrotas mais imprevisíveis.A auto-confiança em excesso
sempre anda junto com a insensibilidade ou o desprezo para com o adverso ou o adversário,
fazendo adormecer a inteligência. Mas seria também diminuir as chances de vitória eleitoral
colocar-se aquém da situação histórica. O desejo de mudança fala por muitas vozes, muitos
credos, muitas cores, muitos sotaques e modos de dizer. É tão plural como o povo brasileiro.
O pobre e o rico
Os desafios do segundo turno podem ser pensados a partir das suas dimensões eleitorais, social,
política e programática.
A dimensão propriamente de estratégia eleitoral passa por um exame minucioso do mapa de
votação, necessário para um aproveitamento das possibilidades de expansão de voto, da
cobertura de áreas falhas, orientando o esforço de centenas de milhares de militantes e
apoiadores. Traduz-se, inclusive, na procura de apoios de sentido exclusivamente eleitoral, sem
conseqüências na formação de um governo, no caso de vitória.
Em um sentido mais geral, trata-se de particularizar para públicos alvos, segmentos sociais,
regiões e sensibilidades, o universal trabalhado intensamente na primeira fase da campanha. Isto
é, pelas próprias características do primeiro turno, do tempo disponível na televisão, impunha-se
a lógica de marcar os símbolos unitários do novo contrato social que a candidatura Lula pretende
expressar. Agora, é a própria lógica do segundo turno que exige, a partir deste universal, projetar
os compromissos da campanha junto aos jovens, os idosos e aposentados, aos negros, aos
nordestinos etc. Em um certo sentido, uma maioria é a composição e agregação de muitas
minorias.
Um caso particular é o das mulheres, que compõem a maioria do eleitorado. O tratamento tardio,
apesar de esteticamente muito bem realizado deste tema na televisão, foi insuficiente para
expressar toda a riqueza da cultura feminista do PT. É significativo, deste ponto de vista, que o PT
contribua com seis das dez novas mulheres que terão assento no Senado, dobrando a presença
feminina naquela instituição.
Através do acompanhamento do mapa das pesquisas de intenção de voto para presidente, ao
longo do tempo, por faixas de renda, é possível afirmar que Lula contou desde o início com uma
expressiva, fiel e sólida votação entre os eleitores com menos de cinco salários mínimos. As
maiores flutuações ocorreram entre os eleitores com mais de cinco salários mínimos, em particular
aqueles que recebem mais de dez. Foi somente em setembro, como anotou o Periscópio número
20, que uma liderança clara e sólida de Lula entre os que recebem mais de dez salários mínimos e
têm formação universitária se sedimentou.
Lula obteve, ao final, o maior percentual de votos dos pobres, dos setores médios e entre aqueles
que percebem mais de vinte mínimos. Os dados não permitem acompanhar a votação de Lula
entre, por exemplo, os 1% mais ricos. Mas é possível dizer que sua votação não repete
socialmente a polarização estratificada que deu a vitória a Hugo Chavez, na Venezuela. Isto é uma
enorme vantagem e merece ser analisada.
Um depoimento de uma favelada carioca, negra e idosa, perdido em um jornal lido alguns dias
após o início da propaganda eleitoral gratuita na televisão, dizia que desta vez ela votaria em Lula
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porque ele era forte, “entrava na casa do rico e na casa do pobre”. Tinha acabado de ver cenas na
televisão nas quais Lula era aplaudido na Fiesp, na Bolsa de Valores. Faz lembrar a canção de Tom
Jobim e Chico Buarque, composta após o primeiro ter sido tema do samba enredo da Escola da
Mangueira: “a minha música não é de levantar poeira / mas pode entrar no barracão”.
O voto do pobre em Lula não é o voto do miserável, colhido em sua humilhação cotidiana, na sua
desvalia de amor próprio. É, ao contrário, uma manifestação da sua dignidade, do seu
inconformismo, da sua esperança. Da mesma forma, o voto do mais rico é a opção não pelo
privilégio que desfruta, mas pela porção de humanidade que o faz se reconhecer, apesar de toda a
diferença, no outro. O voto em massa das classes médias em Lula indica a rejeição do egoísmo
consumista que a andou assolando nos anos noventa e a recuperação muito nítida de seu papel
civilizador das asperezas dos conflitos de classe.
Tudo isto poderia ser formulado, sem dúvida, na linguagem austera e seca dos interesses que
posicionam o voto dos brasileiros imersos na dura luta cotidiana, em busca da sobrevivência e da
boa vida. Mas isto seria simplório demais e não explica o Lula real a quem quer lhe extirpar o que
há de aura romântica na sua liderança.
Lula obteve nove dos dezesseis votos dos integrantes da Academia Brasileira de Letras, ciosa de
sua tradição. No seu discurso de posse, Raymundo Faoro lembrou que o fundador daquela
instituição, Machado de Assis, não completou o primário e seria, portanto, um “despreparado”.
Como Lula. O intelectual brasileiro busca suas afinidades não nas elites e descobre-se,
paradoxalmente, na sua própria casa.
Derrotas do continuísmo
Mais de 75% dos eleitores votaram para presidente em candidatos de oposição. Os partidos que
hoje fazem oposição ao governo FHC aumentaram sua bancada de 134 para 188 deputados
federais. Mas estes números deveriam ser acrescidos do contingente muito expressivo daqueles
que, mesmo compondo partidos da base governista, hoje apóiam Lula. Na mesma direção,
parecem ir em geral os primeiros resultados das eleições para os governos estaduais.
São quatro movimentos simultâneos: aumento expressivo da esquerda, crescimento da centroesquerda, diminuição da força da centro-direita, recuo da direita. Eles não autorizam a noção de
uma clara maioria da esquerda, mas desconstroem as bases da coalizão de centro-direita, que
dominou, a partir de 1994, a cena política nacional. De um certo modo, os primeiros resultados
destas eleições confirmam e ampliam as tendências expressas nas eleições municipais de 2000.
É a consciência da força deste desejo de mudança que fez o candidato do governo manter uma
atitude ambígua em relação ao sistema de forças do qual emana. Este é, sem dúvida, o ponto
central de onde se irradiam todas as fraquezas da candidatura Serra. Ela só pode vencer se
apagar as marcas de sua origem, mas, ao mesmo tempo, a sua votação no primeiro turno
aproxima-se esclarecedoramente do índice daquela minoria que considera o governo FHC ótimo ou
bom.
O argumento de Serra de que o eleitor deve olhar o futuro e não o passado não é convincente. Na
teoria democrática mais rala, a do elitismo democrático, as eleições servem para julgar
governantes. As expectativas do futuro consultam a experiência vivida.
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Também pode ser desconstruído o discurso apologético da excelência da sua gestão como Ministro
da Saúde. Em parte, Serra exagera feitos, omite fracassos e se apropria de realizações da tradição
sanitária brasileira, na qual o PSDB é pouco enraizado. Por exemplo, os que coordenaram ou
coordenam o programa contra a AIDS, o mais premiado internacionalmente, apóiam Lula. Enfim,
entre o feito e o dito há toda uma realidade a ser mostrada.
O centro da propaganda de Serra é a criação de empregos e carteiras de trabalho. O governo de
FHC foi campeão de desemprego e precarização de trabalho da história republicana nas últimas
décadas. “Eu sei como fazer, sou mais preparado”, diz Serra. Por que não fez antes, pergunta o
eleitor?
Esta dificuldade de superar o dilema da credibilidade revela, no fundo, o economicismo da
candidatura de Serra. Ele afirma que o seu programa, é claro, mas não o é no fundamental: o
princípio de organização do Estado.
Serra fez uma campanha calculadamente muito distante do paradigma neoliberal. Mas a única
auto-crítica que fez explicitamente foi sobre a valorização excessiva do câmbio. Como já se
analisou várias vezes no Periscópio, o fracasso do projeto FHC não pode ser analisado apenas do
ponto de vista de uma divergência de política econômica, como querem os críticos
“desenvolvimentistas” do PSDB paulista.
O fato é que Serra omite do eleitor, apenas em parte conscientemente, o centro da questão: o
erro maior do governo FHC foi a aposta cega na dinâmica virtuosa do mercado, internacionalizado,
financeirizado, precariamente regulado. Não pode ir ao fundo de sua auto-crítica pois isto o levaria
de uma atitude transformista à negação de sua própria identidade frente às forças que o apóiam.
Um novo paradigma
Que Serra, apesar destas ambigüidades e incongruências, se sinta tentado a desafiar a
candidatura Lula no plano dos conceitos, da comparação de programas, revela não a sua força
mas algo formulado no ensaio “O conceito e a imagem” (Periscópio nº19). A campanha de Lula
até agora foi magnífica na elaboração política do simbólico e na elaboração simbólica do político. A
cena e o ator, no sentido da veracidade da disputa política em curso, foram sendo compostos em
uma série de atitudes, declarações, movimentos, diálogos e posicionamentos.
Falta pronunciar mais didaticamente o conceito e a inteligência de nosso projeto. Quem
acompanhou a riqueza programática dos fascículos temáticos da candidatura Lula sabe que, por
limitação inclusive de tempo, apenas uma pequena parte dela foi tornada publicada de forma
pedagógica. Mesmo na particularização, o acúmulo programático da candidatura Lula é
tecnicamente bem mais estruturado do que o da candidatura Serra até pelas inteligências e
saberes que mobilizou.
O paradigma neoliberal de organização do Estado brasileiro está hoje profundamente derrotado e
deslegitimado. É preciso, pois, com clareza e pedagogia apontar o sentido exato de como
pensamos mudar o Brasil. Isto é, aquele princípio republicano de organização do Estado, que é
comum e dá coerência a todas as nossas propostas temáticas. E que, ao mesmo tempo, significa
dar nome e auto-consciência ao “vendaval” que move a esperança dos brasileiros para o tempo
presente.
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Como Serra conseguiu passar ao segundo turno
Operando em um cenário mais adverso do que previa, a candidatura Serra só pôde chegar ao
segundo turno porque soube maximizar o cálculo estratégico para derrotar, um a um, os seus
concorrentes e adversários. É esta energia crítica e corrosiva que pretende exercer agora contra
Lula. Mas é exatamente este espírito de cisão, gerando enormes constrangimentos para reunir
forças políticas, que pode ser um obstáculo intransponível para compor uma ampla frente contra
Lula, necessária mas não suficiente para estabelecer competitividade real neste segundo turno.
Ao longo das vinte edições do Periscópio, foram se estabelecendo parâmetros de interpretação das
possibilidades (ou não) de vitória de uma candidatura governista nestas eleições de 2002.
O primeiro parâmetro que se estabeleceu foi que, apesar da crise profunda do paradigma
neoliberal e do desgaste do governo FHC, não se poderia descartar de antemão a possibilidade de
uma vitória governista mas analisá-la como um variável em processo, isto é, submetida a
permanentes avaliação. Por seu caráter orgânico das classes dominantes, pela massa de poder,
dinheiro e influência que ainda deslocava, FHC não repetiria a situação de Sarney em seu último
ano de mandato. Avaliava-se, desde o início, que em uma eleição provavelmente disputada em
dois turnos, era alta a possibilidade do candidato do governo chegar lá.
A segunda reflexão que se extraiu da crise do paradigma neoliberal é que a candidatura do
governo teria provavelmente um caráter transformista, isto é, buscaria se apresentar de modo
relativamente crítico ao estabelecido, respondendo de alguma forma ao desejo social de mudança.
De fato, a própria escolha de Serra como candidato parecia confirmar esta hipótese. O primeiro
lema da candidatura Serra “continuidade sem continuísmo” expressava exatamente isto. A
fórmula, no entanto, era muito conceitual e ainda insuficiente diante de um cenário crônico de
desgaste do governo. Chegou-se, enfim, a uma fórmula mais simples: dos cinco temas que FHC
prometeu enfrentar – educação, saúde, agricultura, segurança, emprego – Serra reconheceu que
nos dois últimos FHC havia falhado e que, em seu futuro governo, faria completamente diferente.
Concentrado nestes dois temas – emprego e segurança – e explorando todos os seus simbolismos
enquanto Ministro da Saúde e gestor nacional do SUS, Serra montou a estrutura de sua
propaganda eleitoral na televisão.
Vinculamos, em terceiro lugar, a análise deste caráter transformista da candidatura Serra à
priorização da aliança com o PMDB ao invés do PFL. Tratava-se, na linguagem dos estrategistas do
PSDB, de reocupar o centro e reconstruir a imagem de um governo visto como associado às forças
mais conservadoras do país.
Em quarto lugar, analisaram-se as dificuldades de nacionalização da candidatura Serra a partir da
inserção geograficamente concentrada do PSDB em São Paulo e no Ceará. A opção por uma
candidatura paulista em detrimento da candidatura Jereissatti radicalizava esta dificuldade já que
este, por não ter sido ministro de FHC e por bloquear na origem a candidatura de Ciro Gomes,
talvez apresentasse melhor posicionamento para a disputa. O PSDB não nacionalizou a sua
estrutura, as duas eleições de FHC (em particular, a segunda) dependeram fundamentalmente de
amplas coalizões, justamente o que faltava a Serra neste instante.
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Neste contexto, quando Jarbas Vasconcelos, do PMDB e governador de Pernambuco, por cálculo
pessoal e realista de poder, declinou do convite para ser o vice de Serra, a performance do
candidato tucano no nordeste ficou seriamente comprometida.
Em quinto lugar, focou-se a não exata correspondência dos tempos e movimentos do governo FHC
e da candidatura Serra, explorando os desencontros que poderiam surgir daí. Entre a figura de
magistrado, que quer preservar a suam imagem histórica e a sua nítida partidarização na disputa,
FHC reincidiu várias vezes em atitudes ambíguas frente aos interesses imediatos da candidatura
que apóia.
Em sexto lugar, examinou-se a dinâmica de uma certa antecipação dos tempos da disputa
eleitoral em função da liderança muito nítida que a candidatura de Lula veio consolidando ao
longo dos últimos meses. Esta dinâmica antecipada levou a que o governo e a candidatura Serra
disparassem a chantagem dos mercados financeiros antes do segundo turno, como antes parecia
prever a estratégia inicial da campanha. Chegou-se, assim, ao segundo turno com esta
chantagem em grande medida absorvida e neutralizada pelas respostas que obteve.
O que o Periscópio não examinou, a tempo devido e com a relevância necessária, foi a
concentração da campanha de Serra no tema do voto feminino. À escolha de Rita Camata para a
vice seguiu-se uma concentrada e forte propaganda dirigida ao público feminino em seus
programas eleitorais. O voto de Serra foi alguns pontos porcentuais além entre as mulheres e o
inverso ocorreu com Lula, o que pode ter sido decisivo para a sua passagem ao segundo turno.
Espírito de cisão
Sem uma cultura política legitimada que oferecesse um chão programático para uma convergência
política, a candidatura Serra veio à luz e fez o seu caminho utilizando-se instrumentalmente de
toda sorte de expedientes que o acesso ao governo federal lhe permitiu para derrotar concorrentes
e adversários.
A revista Carta Capital noticiou a existência de um dossiê contra Paulo Renato, Ministro da
Educação, do PSDB, e como Serra, pretendente à candidatura presidencial. As pretensões de
Tasso Jereissatti, antes apoiada publicamente por Mário covas, sofreram um forte
constrangimento no interior do PSDB.A conquista do apoio do PMDB, por sua vez, valeu-se da
conquista fisiológica na convenção nacional do partido em setembro de 2001.
A ascendente candidatura Roseana Sarney, organizada pelo preterido PFL, teve o seu vôo
bruscamente interrompido por uma operação investigativa seletivamente acionada pela Polícia
Federal, com certeira cobertura da mídia. Depois, foi a vez da candidatura Ciro Gomes, submetida
duramente a uma desconstrução de sua imagem por órgãos da mídia em compasso com a
propaganda de Serra na televisão.
Serra chegou, ao final, trocando acusações a Garotinho, que lhe ameaçava retirá-lo do segundo
turno através da inserção de inserções propagandísticas não assinadas. Paulo Renato, Tasso
Jereissatti, ACM, Sarney, Itamar Franco, Roberto Jefferson e Paulinho do PTB, Ciro Gomes e
Garotinho: a passagem de Serra ao segundo turno foi construída não por agregação, mas por
cisão e conflito. O preço que o segundo turno lhe está cobrando é certamente um espaço minado
de alianças, seja no PMDB, no PFL ou mesmo no PPB.
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Limites
Favorecida até agora por situações de polarização entre os candidatos que disputavam a
passagem para o segundo turno, a candidatura Lula enfrentará agora uma concentrada disputa
com o candidato governista.
Seria necessário evitar aqui dois erros simétricos. O primeiro deles é o de avaliar que a sua
liderança pública e a magnífica votação obtida no primeiro turno seriam suficientes para imunizálo frente a tentativas de desconstrução e a contraditórios em relação a sua mensagem política. É
um bom princípio aquele que aconselha que toda crítica pública deve ser respondida, o que não
significa aceitar os termos e a lógica em que é formulada.
O outro erro seria atribuir a Serra um poder ilimitado de crítica que ele não possui. Durante cerca
de uma semana no primeiro turno, o programa eleitoral de Serra atacou violentamente Lula e o
resultado foi claramente negativo para a sua campanha. Chamou atenção o sentido dispersivo da
crítica (ao mesmo tempo, foram atacadas dimensões variadas da candidatura Lula e do PT) e o
seu caráter precário. A montagem espúria e não convincente de um pretenso apelo do presidente
do PT a um ataque físico ao governador Mário Covas; o fechamento de “farmácias populares” pelo
governo petista gaúcho, feito em consonância com a gestão Serra no Ministério da Saúde; a
crítica, logo corrigida pelo próprio Fernando Henrique, do fato de Lula não ter diploma
universitário; a elaboração distorcida de uma biografia comparativa entre Serra e Lula.
O que se extrai do episódio é que um anti-petismo tacanho, como o por exemplo brandido por
Collor em 1989, perdeu muito de sua legitimidade e eficácia diante do padrão ético-moral, do
enraizamento social e da capacidade de interlocução construída pelas forças que a candidatura
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