A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO NEGRO NA ESCOLA
BRASILEIRA
Kabengele Munanga
Quem somos, de onde viemos e por onde vamos é uma pergunta que todos os povos
conscientes deveriam se colocar permanentemente. Há diversas maneiras de responder a esta
pergunta. Poder-se-ia dar uma resposta geopolítica, histórica, econômica, cultural etc. A
resposta geopolítica consistiria dizer. Dor exemplo. que o Brasil é o maior Daís da América do
Sul, com uma superfície de 8.511.996 Km' e uma população de 146.960.141 habitantes; do
ponto de vista econômico, podemos dizer, por exemplo, que o Brasil é um país que tem a maior
potencialidade econômica da América do Sul, com uma economia muito diversificada; que o
Brasil é grande exportador de produtos agropecuários, destacando-se soja, café, açúcar, cacau,
tabaco e carne. Mas o meio rural brasileiro ostenta fortes disparidades entre áreas modernas de
alta produtividade e áreas estagnadas de latifúndios e minifúndios familiares. Apesar de ser
considerado potencialmente como a maior economia da América do Sul, o Brasil é um país de
grandes contrastes sociais por causa da má distribuição de renda que gerou desigualdades
sociais acentuadas. Isto quer dizer que no Brasil existe uma concentração de riquezas entre
poucos e vastos bolsões de-pobreza espaitiados pelas ,metrópoles do país inteiro, principalmente
na região nordeste do país. Uma resposta cultural consistiria definir o Brasil, por exemplo,
como um país de grande diversidade cultural em termos religiosos, artísticos, musicais,
culinários etc.
Mas todas essas respostas, que como definição são incompletas porque cada uma
considera apenas alguns elementos de uma realidade complexa, podem culminar numa resposta
histórica, porque tudo é história e tudo tem uma história. Essa história, sabemos, começou com
os aventureiros e navegadores portugueses que chegaram numa terra da qual se consideraram
descobridores, embora essa terra já tivesse seus donos e habitantes na época do chamado
descobrimento. Por ignorância, os navegadores portugueses apelidaram esses nativos de índios,
pois pensaram ter chegado nas índias, que era o destino de sua aventura.
Uma terra tão extensa poderia trazer-lhes grandes surpresas: matérias primas, minérios
diversos, essências vegetais raras, fauna e flora desconhecidas etc. Quais teriam sido as
imaginações que passaram pelas cabeças desses portugueses? O que fazer com esse grande
achado e descoberta? Ir embora, retomando definitivamente o caminho de volta para casa ou
ficar para explorar a terra descoberta? Mandaram cartas ao rei do Portugal, relatando tudo que
encontraram e viranv rem e Oente, oue acharam muito diferente. Segundo alguns deles, Pcca
gente a quem deram o nome coletivo de índios era atrasada, andava nua, era canibal, praticava
sacrifícios humanos, não tinha religião, adorava os espíritos da natureza, etc. Tinha tantas
bobagens nos relatos desses viajantes que chegaram até a colocar em dúvida a natureza humana
dos chamados índios. Terras abundantes, essências naturais, matérias primas vegetais e minerais,
etc. todas estavam prontas para serem exploradas a fim de produzir riquezas. Mas faltava uma condição
fundamental que Portugal não era capaz de fornecer: a força de trabalho, ou seja, a mão de obra gratuita.
Na época, Portugal não era um país muito povoado para fornecer a totalidade da mão-de-obra
necessária. Além disso, seus habitantes não iam trocar suas raízes pela aventura numa terra tão
longínqua e desconhecida -sobre a qual os próprios viajantes contavam tantas histórias monstruosas.
Repetindo uma hi,tú a..b rr, conhecida entre "nós", a necessidade de mão-de-obra para explorar ar
terras dos índios obrigara os invasores portugueses a buscar essa mão-de-obra "in lócus", isto é, no
meio das populações locais. Teria sido possível conseguir essa mão-de-obra pelo estabelecimento de um
contrato de trabalho livre, mediante uma remuneração como já era prática na própria Europa, embora
saibamos que o processo de democratização da Europa no século XV estava ainda engatinhando? É uma
pergunta possível, mas de qualquer modo um invasor não tinha nenhum direito de exploração de uma
terra cujos proprietários foram dominados pela força. Para conseguir a mão-de-obra "in lócus", os
colonizadores recorreram a um procedimento chamado escravidão, que consistiu em destituir as
populações locais de todos seus direitos sobre a terra de seus ancestrais, de seus direitos humanos e
a transformá-los em força animal de trabalho. Sendo escravizados, eles eram obrigados a
trabalhar gratuitamente sem remuneração. Encontrando-se em seus territórios que melhor
conheciam e dominavam, os índios tentaram resistir à escravidão buscando esconderijos nas
áreas das matas virgens de difícil acesso aos invasores. Foram encurralados e caçados com cães
treinados e fuzil à pólvora. As doenças venéreas, gripes e outras endemias trazidas pelos
europeus contribuíram também para piorar o quadro demográfico das populações que no século
XV, isto é, à chegada dos primeiros portugueses, se contavam por milhões e que hoje não
chegam aos duzentos mil.
A resistência dos povos indígenas ao processo de escravização teve duas conseqüências
notáveis: a sua massiva exterminação e a busca dos africanos que para aqui foram deportados
para cumprir o que os índios não puderam fazer. Assim, abriu-se caminho ao tráfico negreiro
que trouxe ao Brasil milhões de africanos que aqui foram escravizados para fornecer a força de
trabalho necessária ao desenvolvimento do Brasil colonial. Seres livres em suas terras de
origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas
força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos;
fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) e investimentos em máquinas animais de
trabalho para os compradores, senhores de engenhos. Foi isso o regime escravista que fez do
Brasil uma espécie de sociedade de castas, isto é, uma sociedade dividida e organizada em duas
partes desiguais e assimétricas: a casta dos homens livres que, por coincidência histórica era
branca e a casta dos homens e mulheres escravizados, que, também por coincidência histórica,
era negra. A escravidão foi o meio que os portugueses encontraram para tirar maior lucro do
Brasil. Além do tráfico e do comércio de algumas essências naturais, em especial o pau Brasil
de onde veio o nome do País Brasil, eles recorreram também à agricultura da cana de açúcar, na
época um produto raro, comercializado pelos árabes e vendido em gramas a preço de ouro,
como se vendem hoje os remédios nas farmácias. Os portugueses descobriram o segredo da
plantação de açúcar entre os sicilianos e experimentaram nas ilhas de Açores e de São Tomé e
de lá a importaram para o Brasil junto com os primeiros escravizados, provavelmente trazidos
dessas ilhas.
Não se sabe com exatidão a data da deportação dos primeiros africanos no Brasil.
Alguns autores a situam já na primeira metade do século XVI; outros na segunda metade. A
única certeza que temos é a de que começaram a chegar no século XVI. Foi realmente a
produção de açúcar que constituiu a primeira atividade rentável a partir da qual começou-se a
construir a base econômica do país. Gradativamente, foram descobrindo e explorando outros
ramos da agricultura como o fumo, o algodão, o café e as atividades de mineração, sempre no
modelo escravista inspirado no engenho.
Até a primeira metade do século XVII, o número de imigrantes europeus que entraram
no Brasil era muito reduzido. A maioria deles veio de Portugal que, naquela época tinha menos
de um milhão e meio de habitantes (Michel Bergmann. Nasce um povo, 2' edição, Petrópolis:
Vozes, 1976, p.130). A população branca nas estimativas da população feitas em 1798 e 1817
era de aproximadamente 1.300.000, ou seja, 35% da população total. A partir de 1808, ela
começou a crescer graças ao fim da lei que proibia a imigração branca não portuguesa.
Iniciaram então as grandes correntes imigratórias vindas de todos os países europeus, graças
inclusive a uma política de subvenção do governo colonial que consistiu em financiar as
viagens desses imigrantes. Em épocas e datas diferentes a partir de 1808, vieram alemães,
suíços, italianos; espanhóis; franceses; irlandeses; poloneses; austríacos; belgas; russos;
ingleses; sírios e libaneses. Os asiáticos, em especial os japoneses, começaram a entrar no fim
de 1900, principalmente a partir de 1908 (Ver Manuel Diegues Júnior. Etnias e Culturas no
Brasil, 6' ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pp.120-126)..
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Em grosso modo, o atual povo brasileiro é oriundo de quatro continentes: América,
Europa, África e Ásia. Quando os primeiros portugueses pisaram nesta terra em 1500, eles
encontraram no local um mosaico de centenas de nações ou grupos autóctones a quem deram o
nome coletivo de índios por motivo anteriormenté explicado. Todos: indígenas, alienígenas e
africanos deportados eram representantes de diferentes culturas e civilizações. Eles trouxeram
em suas bagagens e memórias coletivas elementos representativos dessas culturas. É por isso
que o Brasil como país e como povo oferece o melhor exemplo de encontro de culturas e
civilizações. Ou seja, cada um dos componentes étnicos ou culturais trouxe sua contribuirão na
formação do povo e da história brasileira assim como na construção de suas cultura e
identidade.
Por esta razão, aprender e conhecer o Brasil é aprender e conhecer a história e a cultura
de cada um desses componentes culturais para melhor captar sua contribuição na cultura e na
história do país. Não existem dois caminhos para entender "nossa" história e "nossa" identidade
a não ser começar pelo estudo de todas suas matrizes culturais: indígena, européia, africana,
árabe, judia e asiática. Infelizmente, não é isso que acontece na história do Brasil que foi
ensinada através da historiografia oficial. Na maioria dos livros didáticos que conhecemos, o
ensino da África é geralmente ausente ou apresentada numa ótica estereotipada. Essa maneira
distorcida de olhar a África e seus povos pode ser ilustrada pelos filmes de Tarzan e pelas
informações divulgadas pela imprensa escrita e falada ou pelas mídias eletrônicas de modo
geral. Nesse tipo de informações chama-se atenção, por exemplo, sobre as chamadas guerras
tribais, as calamidades naturais e doenças como aids e outras endemias que dizimam
anualmente milhões de africanos.
O brasileiro de ascendência africana, ao contrário dos brasileiros de outras ascendências
(européia, asiática, árabe, judia etc), ficou por muito tempo privado da memória de seus
ancestrais. Por isso, a lei n° 10.639/03 promulgada pelo Presidente da República Federativa do
Brasil em 2003, depois de 116 anos da abolição da escravidão, veio justamente para reparar
essa injustiça feita não apenas aos negros, mas a todos os brasileiros, pois essa história
esquecida ou deformada pertence a todos os brasileiros, sem discriminação de cor, sexo,
gênero, etnia e religião.
Tudo é história. Mas a história que nos interessa aqui começou há cerca de 500 anos
quando os povos africanos de diferentes nações foram seqüestrados, capturados, arrancados de
suas raízes e trazidos para diversos países da Europa, da Ásia e da América, incluído o Brasil
onde foram escravizados. Eles nem sabiam por onde estavam sendo levados e por que motivos.
Quer dizer que a história da chegada desces africanos nos atuais países de sua di.áásrnrá
totalmente diferente de seus compatriotas de ascendência européia, asiática, árabe, judeu,
oriental etc. que voluntariamente decidiram emigrar de acordo com a conjuntura política e
econômica nacional e internacional da época que teria influenciado sua decisão de sair de seus
respectivos países de origem. Vista deste ponto de vista, a identidade negra não surge
simplesmente da tomada de consciência de uma diferença de pigmentação ou de uma diferença
biológica entre populações negra, branca e amarela. Ela resulta desse longo processo histórico
ao qual me referi. É nesse contexto histórico que devemos entender a chamada identidade negra
no Brasil, num país onde quase não existe um discurso ideológico articulado sobre identidade
branca e amarela, justamente porque os que coletivamente são portadores da pele branca e
amarela não passaram por uma história semelhante à dos brasileiros portadores da pigmentação
escura. Fala-se de identidade italiana, gaúcha, espanhola, portuguesa, judia, árabe etc..., e não
da identidade branca.
Esta herança cultural africana constitui uma das matrizes fundamentais da chamada
cultura nacional e deveria, por esse motivo, ocupar uma posição igual às outras, isto é, as
heranças européia, indígena, árabe, judia, oriental etc. Juntas, essas heranças constituem a
memória coletiva do Brasil, uma memória plural e não mestiça ou unitária. Uma memória a ser
cultivada e conservada através das memórias familiais e do sistema educacional, pois um povo
sem memória é como um povo sem história. É justamente aqui que se coloca o problema, pois a
herança cultural africana no Brasil nunca ocupou uma posição de igualdade com as outras no
sistema de ensino nacional. Se o fosse não teria nenhum sentido a lei n° 10.639, promulgada
pelo atual Presidente da República, 116 anos depois da Abolição.
Por isso, não é novidade dizer aqui que, a partir da abolição, os sobreviventes da
escravidão e seus descendentes de ontem e de hoje foram simplesmente submetidos a um
sistema educacional mono-cultural, eurocêntrico. aue nada tinha ou tem a ver com sua história.
sua cultura e visão do mundo. Essa submissão subentende uma violência cultural simbólica tão
significativa quanto à violência física sofrida durante a escravidão.
Se não há mais dúvida sobre as contribuições culturais africanas no Brasil, por que então
o sistema educacional não as incorporou e precisou-se esperar as reivindicações do Movimento
Social Negro para começar a discutir a questão? O atraso tem certamente a ver com o mito de
democracia racial apoiado entre outros nas idéias de sincretismo cultual, de cultura e identidade
mestiças, de povo mestiço etc. que se contrapõem às idéias de diversidade e de pluralismo
cultural.
Além disso, a maioria das crianças, adolescentes e jovens negros não conseguiu
ingressar de modo representativo no sistema de educação existente que, embora não
contemplasse sua história, cultura e visão do mundo, é indispensável para sua inclusão e
mobilidade no mercado de trabalho e em outros setores da vida nacional. Prova disso é o
número de analfabetos negros ou afro-descedentes proporcionalmente muito alto e de
universitários afro-descendentes proporcionalmente muito pequeno, comparado com o número
de analfabetos e universitários de outras ascendências étnicas. Sem minimizar o impacto dos
fatores sócio-econômicos, a explicação dessa diferença está como já foi ilustrado pelas
pesquisas recentes, no racismo brasileiro com suas ambigüidades. As pesquisas mostram que
até nas escolas mais pobres das periferias brasileiras e dentro da mesma camada social mais
pobre, a situação do aluno afro-descendente é a pior de todos em matéria de repetência e evasão
escolares.
A busca da explicação dessa situação remeteria, além do sócio-econômico, à questão da
memória coletiva, da história, da cultura e da identidade dos alunos afro-descendentes apagados
no sistema educativo 'formal. Sua história, quando é presente no livro didático, é contada apenas
do ponto de vista do "outro" e muitas vezes falsificada e apresentada numa ótica
desumanizante.
As conseqüências de tudo isco n„ aparelho psíquico dos indivíduos afro-descendentes
são incalculáveis. Infelizmente não há como medi-las por falta de ferramentas apropriadas.
Frantz Fanon, no seu livro "Pele negra máscara branca" expressa melhor esses mecanismos
psíquicos. Acho que os que leram esse livro entendem melhor o que pretendo dizer ao enfatizar
a importância da memória, da história, da cultura e da identidade coletiva do negro nos sistemas
educativos dos países que se beneficiaram do tráfico negreiro.
A devolução dessa memória é importante não apenas para os alunos de ascendência
africana, mas também para os alunos de outras ascendências étnicas, porque eles também
tiveram seus aparelhos psíquicos afetados por uma educação envenenada. Além disso, essa
memória não pertence apenas aos negros; ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da
qual todos se alimentam cotidianamente é resultante das contribuições de todos os segmentos
étnicos que, por motivos históricos conhecidos, foram obrigados a conviver desigualmente
neste encontro de culturas e civilizações que é o Brasil atual. Quando essa memória se tomar
comum na consciência de todos, brancos e não brancos, quem sabe o sonho pode se transformar
em realidade. E quando isso acontecer os que se dizem brancos começarão a reivindicar seus
ancestrais negros e, vice-versa, os negros poderão também reivindicar seus ancestrais brancos.
A recuperação dessa memória comum poderá trazer o diálogo intercultural e aproximar todos
num processo de compreensão mútua e na construção de relações de solidariedade sem as quais
não existe cidadania.
Não existem leis capazes de destruir os preconceitos que existem em nossas cabeças e
provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. A educação ofereceria
uma possibilidade aos indivíduos para questionar os mitos de superioridade branca e de
inferioridade negra neles introjetados pela cultura racista na qual foram socializados. Não se
trata da memória que recupera apenas nossas glórias, nossos heróis e nossas heroínas, mas,
sobretudo de uma memória que busca recuperar nossa história em sua plenitude, até nos
momentos de insucesso e nos fatos que nos envergonham. Essa recuperação é como uma
operação de desintoxicação mental, uma operação sem a qual não podemos reerguer a cabeça
para apreender no mesmo pé de igualdade. A partir dessa recuperação, poderíamos facilmente
equiparar a expressão cartesiana "penso, então sou e existo" à expressão "tenho a minha
história e a minha identidade, então sou e existo".
No plano da prática, isto é, na implementação de políticas públicas capazes de incluir a
plenitude do negro no sistema educativo, uma das questões fundamentais que se coloca é como
fazer sem segmentar a sociedade, ou seja, sem prejudicar a unidade nacional - e inversamente como formar a unidade nacional sem sacrificar as identidades particulares e as diversidades que
a alimentam e constituem sua matéria prima. É neste contexto complexo que se coloca o debate
sobre o multiculturalismo na educação. Observar-se-á que o encontro das identidades
contrastadas engendra tensões, contradições e conflitos que, geralmente, prejudicam o processo
de construção de uma verdadeira cidadania, da qual depende também a construção de um
Estado democrático, no sentido de um Estado de direito no qual os sujeitos têm a garantia de
seus direitos.
A convivência pacífica só seria possível se sentarmos numa mesma mesa para negociar
nossas diferenças e nossas identidades. A tese é a de que nossa identidade é parcialmente
formada pelo reconhecimento ou pela má percepção que os outros têm dela, ou seja, uma
pessoa ou um grupo de pessoas pode sofrer um prejuízo ou uma deformação real se as pessoas
ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada, depreciativa ou
desprezível deles mesmos. O não reconhecimento ou o reconhecimento inadequado da
identidade do "outro" pode causar prejuízo ou urna deformação ao aprisionar alguém num
modo de ser falso e reduzido (Taylor, Charles: 1998:45-94).
Nesta perspectiva, a falta de reconhecimento da identidade não apenas revela o
esquecimento do respeito normalmente devido. Ela pode infligir uma ferida cruel ao oprimir
suas vítimas de um ódio em si paralisante. 0 reconhecimento não á apenas uma cortesia q e çe
faz a uma pessoa: é uma necessidade humana vital (Taylor, Charles, Op. Cit.).
Qualquer que seja sua forma, o multiculturalismo está relacionado com a política das
diferenças e com o surgimento das lutas sociais contra as sociedades racistas, sexistas e
classistas. Por isso, a discussão sobre o multiculturalismo deve levar em conta os temas da
identidade racial e da diversidade cultural para a formação da cidadania como pedagogia antiracista (Ver a respeito Torres, Carlos Alberto: 2001). A questão da identidade é de extrema
importância para compreender os problemas da educação. Num país como o Brasil, ou melhor,
em todos os países do mundo hoje pluralistas, as relações entre democracia, cidadania e
educação não podem ser tratadas sem considerar o multiculturalismo. No entanto, cada país
deve formular os conteúdos do seu multiculturalismo de acordo com as peculiaridades de seus
problemas sociais, étnicos, de gêneros, de raça etc.
Exemplos: ensinar aos alunos as contribuições dos diferentes grupos culturais na
construção da identidade nacional; mudar o currículo e a instrução básica, refletindo as
perspectivas e experiências dos diversos grupos culturais, étnicos, raciais e sociais; realçar a
convivência harmoniosa dos diferentes grupos; o respeito e a aceitação dos grupos específicos
na sociedade; - enfoque sobre a redução dos preconceitos e a busca de igualdade de
oportunidades educaciqnais e de justiça social para todos; enfoque social, que estimula o
pensamento analítico e crítico centrado na redistribuição do poder, da riqueza e dos outros
recursos da sociedade entre os diversos grupos etc.
0 racismo é tão profundamente radicado no tecido social e na cultura de nossa
sociedade que todo repensar da cidadania precisa incorporar os desafios sistemáticos à prática
do racismo. Neste sentido, a discussão sobre os direitos sociais ou coletivos no sistema legal e
por extensão no sistema escolar é importantíssima.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TAYLOR, Charles. Multiculturalimo. Examinando a Política de Reconhecimento. Lisboa:
Instituto Piaget, 19952 .
Nota: O presente texto foi elaborado, inicialmente, como Palestra de Abertura do Curso:
"Diversidade e Educação: o desafio para construção de unia escola democrática",
organizado pelo NEINB (Núcleo Interdisciplinar sobre o Negro Brasileiro) ministrado para
Professores da Rede Municipal da Cidade de Mauá/SP, entre os dias 28/05 a 02/07/2004.
Kabengele Munanga: Professor Titular do Departamento de Antropologia da
Universidade de São Paulo. Vice-Diretor do Centro de Estudos Africanos da
Universidade de São Paulo. Vice Diretor do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo. Tem vários artigos e livros publicados entre eles Negritude:
usos e sentidos, Ed. Ática: São Paulo, 1986; A Revolta dos Colonizados, São Paulo:
Atual, 1995 (em co-autoria com Carlos Serrano); Estratégias e políticas de Combate à
Discriminação Racial, São Paulo: EDUSP, 1996; Superando o Racismo na Escola,
Brasília: MinC, 2000; Cem anos e mais de bibliografia sobre o negro no Brasil, Brasília:
Fundação Cultural Palmares, 2003; Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade
NacionaLversus Identidade Negra, Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2004.
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A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO