A história ensina a quem quer aprender
Partido Socialista Brasileiro - PSB
A história ensina, mas só aprende quem sabe lê-la e, desse aprendizado, estão imunes os
alienados. Ou seja, boa parte das chamadas elites brasileiras. Ordinariamente medíocres
e alienígenas, não sabem colher o ensinamento da experiência, e insistem na prática do
erro, pois são avessas à modernização, ao progresso, ao interesse social.
Todo mundo e toda a imprensa já disseram que não se pode confundir – e quem
confunde? – uma de nossas Forças Armadas, ou todas elas, com a miséria humana do
tenente do Morro da Providência, como igualmente ninguém jamais as confundiu, seja
com Lamarca seja com Burnier. Mas essa visão clara dos fatos não diz tudo, pois a
experiência já deveria haver ensinado que as Forças Armadas não podem ser
empregadas como modernos “capitães-do-mato”, como quando foram arregimentadas
para caçar escravos fugidos, ou como quando, na República, em nome do novo regime,
foram mobilizadas para chacinar sertanejos no tórrido interior da Bahia.
Hoje, a direita impressa e a classe-média oportunista reclamam, mais uma vez, a ação
dos militares para ‘pôr ordem’ nos morros.
Nos idos de 1964, na casa de um amigo empresário, com quem assistia a um ‘Repórter
Esso’, ouvi-o, pedir, jactante, diante da ‘anarquia social’ (anúncios de greves e
quejandos) trazida pela TV das ruas para o recesso dos lares de Ipanema, que lhe
dessem, como o cavalo pelo qual clamava o desesperado Ricardo III, o ‘verde oliva’
com o qual em um mês ‘poria a casa em ordem’. Os militares vieram e ficaram não
apenas um mês, mas vinte anos, rasgaram a Constituição, implantaram a ditadura –
cinco anos passados do golpe prenderiam o amigo empresário, acusado de falcatruas
com o câmbio –, e deixaram, quando apeados do poder, o país envolto em dívidas e
inflação. Ou seja, na desordem. Uma vez mais, as Forças Armadas haviam sido
chamadas a cumprir o papel de ‘capitães-do-mato’, desta feita para caçar comunistas e
assemelhados. Cedo, cedo, a promiscuidade com o que havia de pior no aparato policial
civil, produziu tipos como o Capitão Guimarães e o Coronel Ustra. Esta saga sinistra
está contada e bem contada por Elio Gaspari e a dou por conhecida. Relembro-a para
dizer que o desvio das Forças Armadas de suas funções constitucionais não serve à
República, nem à democracia; não serve ao Estado, não serve ao povo brasileiro, e,
ainda menos, serve a elas próprias.
É certo que, entre as funções constitucionais das Forças Armadas, está a de garantia da
lei e da ordem. Garantia esta, entretanto, que não se confunde com o papel de polícia,
que se lhes pretende atribuir. A garantia da lei e da ordem é, tão somente, a garantia do
funcionamento das instituições democráticas em caso de colapso na ação policial.
Não serve aos interesses do País desviar o foco da atuação das Forças Armadas, da
função de defesa da Pátria, para a de força policial. Enquanto a imprensa discute se as
Forças Armadas devem ou não ser utilizadas no combate ao crime, enquanto cientistas e
criminalistas improvisados são chamados a diagnosticar o episódio do Morro da
Providência, não se discute a presente inexistência de meios para que cumpram seu
papel e seu dever constitucionais. Não se discute a vulnerabilidade de nossas fronteiras
terrestres e do nosso espaço aéreo e a suicida desproteção de nosso litoral, sede de
grandes reservas de gás e petróleo. Não se discute o imprescindível e inadiável
aparelhamento e modernização das Forças, seu desenvolvimento científico e
tecnológico, e a qualificação da indústria bélica nacional, indispensável para que sejam
autônomas.
Se não nos preocupamos com o essencial, outros se preocupam, e isso é perigoso. Os
EUA – depois de intervirem no Norte do Continente – resolveram reativar a quarta frota
de sua Marinha, para ficar ‘passeando’ pelo Atlântico Sul, exatamente quando a crise do
petróleo parece haver conhecido seu clímax, e a Petrobras não pára de descobrir novas
jazidas. Tampouco, em face da crescente mobilização internacional, não se pode mais
dizer que as ameaças à Amazônia são ora invencionices de ONGs internacionais, ora
delírios de nacionalistas arcaicos.
Enquanto a imprensa discute o inconcebível papel das Forças Armadas no combate ao
crime, deixa de lado a questão fundamental: mobilizar a sociedade para que entenda
que, sem Forças Armadas equipadas para as guerras do presente século, não
asseguraremos a soberania nacional. Isto significa, na quadra atual, priorizar o programa
de construção do submarino de propulsão nuclear – indispensável para a defesa do
nosso litoral – e o programa espacial, sem o qual não poderemos assegurar a
incolumidade do espaço aéreo, o tráfego da aviação civil, a integridade territorial,
mapeamento por imagens de nossas florestas, as pesquisas meteorológicas, a
prospecção de nossas riquezas minerais, e o sistema de comunicação que nos une ao
mundo e a nós mesmos.
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