Caminhando pelos Mortos, Caminhando pela Vida
Conflitos, Romarias e Santidade no Sudeste Paraense
(c. 1980 – c. 2010)
Caminhando pelos Mortos,
Caminhando pela Vida
Conflitos, Romarias e
Santidade no Sudeste Paraense
2010)
(c. 1980 – c.2010)
Osnera Silva Vieira
Conselho Editorial
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©2015 Osnera Silva Vieira
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V658 Vieira, Osnera Silva
Caminhando pelos Mortos, Caminhando pela Vida: Conflitos, Romarias
e Santidade no Sudeste Paraense (c. 1980 – c. 2010)/Osnera Silva Vieira.
Jundiaí, Paco Editorial: 2015.
184 p. Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8148-847-9
1. Conflitos agrários 2. Religiosidade 3. Romarias 4. Trabalhadores rurais.
I. Vieira, Osnera Silva.
CDD: 900
Índices para catálogo sistemático:
Trabalho rural
Conflito social
Cultural popular
341.651 82
303.6
306.4
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi Feito Depósito Legal
Dedico este trabalho aos romeiros e romeiras da
Romaria da Libertação e da Caminhada Irmã Adelaide que caminham incansavelmente por seus
mortos, mas, principalmente pelos vivos, pelo fim
da matança no campo e por uma sociedade com
mais justiça e igualdade.
In memoria do padre Humberto Rialland, falecido em 2008. Em seu trabalho incansável ele muito contribuiu com a luta dos posseiros na região
Sudeste do Pará. Por sua amizade e pelo grande incentivo e contribuição à minha pesquisa na Romaria da Libertação em 1997 e 2007.
Agradecimentos
Aos romeiros e romeiras da Romaria da Libertação e da Caminhada Irmã Adelaide, porque o interesse em conhecer melhor a
história dos eventos por eles elaborados em suas lutas proporcionou
a minha participação na seleção do curso de mestrado e também
por colaborarem com minha pesquisa concedendo entrevistas e auxiliando minha participação nas caminhadas.
Às religiosas Filhas do Amor Divino (FDC), em especial às
irmãs Angelita Fernandes, Lourdes Follmann, Adélia Rossato
e Joselina Amaral, pela acolhida e disponibilidade de tempo em
contribuir com a pesquisa de campo e também pela cessão de documentos que contribuíram não só para o estudo, mas, sobretudo
para a compreensão das romarias como eventos religiosos dentro de
uma prática militante.
Ao padre Paulo Joanil, por disponibilizar tempo contribuindo
com entrevistas, sempre acessível e paciente, mas principalmente
pela cessão de documentos que foram valiosos para este estudo.
Ao meu orientador professor Dr. Jorge Victor Araújo Souza,
por sua especial orientação e o acompanhamento deste trabalho.
Aos professores que me deram suporte acadêmico e, em particular à professora Nancy Cardoso Pereira por sua carinhosa amizade.
Às minhas filhas Marla e Sílvia e ao meu filho Francisco; às minhas netinhas, Maria Eduarda e Maria Eloísa e aos meus netinhos
Olavo e Pedro Luckas, por serem meu coração batendo fora do peito.
À comissão Pastoral da Terra (CPT), à Fundação Casa de Cultura
de Marabá (FCCM) e às Paróquias de Jacundá, Rio Maria e Curionópolis, pela boa vontade em abrir seus arquivos para essa pesquisa.
Aos amigos Airton dos Reis Pereira, Edileuza dos Santos, e
Gláucia de Sousa Moreno pela cedência de livros que ajudaram a
tecer essa história. Em especial ao amigo, companheiro, irmão, camarada Vilmar, pela força e apoio sempre que precisei.
A todos e a todas, minha eterna gratidão.
AS PEDRAS GRITARÃO
Há uma nação de homens
Excluídos da nação.
Há uma nação de homens
Excluídos da vida.
Há uma nação de homens,
Calados,
Excluídos de toda palavra.
Há uma nação de homens
Combatendo depois das cercas.
Há uma nação de homens
Sem rosto, soterrados na lama,
Sem nome, soterrados pelo silêncio.
Incontáveis.
Formigas revolvendo socavões.
Homens de lama e fulgor.
Perseguidos pelo delírio dos metais:
o ouro da terra, no sonho,
o estanho das armas, na carne.
Nesse tempo de palavras dilaceradas,
levadas à moenda até o bagaço mais seco,
o silêncio pesa como os olhos
de uma criança depois da fuzilaria.
Mas como gritar?
Se os lançados da ponte
não tem um nome que os distingue?
Se calarmos,
as pedras gritarão.
(Comissão Pastoral da Terra. Cadernos de Conflitos no
Campo – Brasil, 1987).
Sumário
Lista de siglas..................................................................13
Apresentação...................................................................15
Prefácio.............................................................................19
Introdução........................................................................21
Capítulo 1
Do medo dos vivos surgem as romarias para os mortos...31
1- Sudeste do Pará: região de conflitos e de medo......................31
1.1- Terras concentradas: o “carro abre alas” dos conflitos....35
1.2- A Igreja como mediadora dos conflitos................................50
1.3- Da chacina de Tucuruí à Romaria da Libertação..............58
1.4- Outro crime, mais uma (e a mesma) romaria:
Caminhada Irmã Adelaide............................................................69
1.5- Nenhuma justiça para Elizabete, Elineuza ou Adelaide....75
Capítulo 2
De romaria em romaria buscando a libertação....................81
1- Romarias e Santuários..............................................................81
1.1 Situando as cidades, conhecendo “as santas”.......................84
1.1.1 As cidades: espaços de vivências e de santidade...............84
1.2- Elizabete, Elineuza e Adelaide: martírio, mística e
memória..........................................................................................88
1.3- A Romaria como forma de expressão das vítimas da
violência no campo.........................................................................99
1.4 Caminhar, rezar, brincar.......................................................104
1.4.1 Caminhar com Adelaide......................................................104
1.4.2- Caminhar com as ‘santinhas’............................................111
1.5- O comércio e as mudanças...................................................116
1.5.1 Comerciando no santuário..................................................116
1.5.2- Mudanças nas romarias....................................................118
Capítulo 3
Martírio e santidade no sudeste paraense...........................125
1- Martírio como testemunho cristão.......................................125
1.1- Adelaide, mártir da justiça, mártir pelo reino................125
1.2- Elizabete e Elineuza, mártires da inocência........................131
1.3- Devoção e Santidade: as santas do povo.........................135
1.4- Sobre a santidade.................................................................140
1.5- As promessas como impulso mobilizador.........................149
1.6- As relações de controle........................................................156
Considerações finais.....................................................163
Fontes.............................................................................169
Referências.....................................................................174
Lista de Figuras, Quadros e Tabelas
Figura 1. Mapa da Região sudeste do Pará.............................................34
Figura 2. Croqui representativo da rota do crime..................................64
Imagem 1. A cruz do memorial Santa Elizabete e Santa Elineuza........67
Imagem 2. Cinzas das crianças Elizabete e Elineuza.............................69
Imagem 3. Casa das irmãs FDC em Eldorado dos Carajás....................91
Imagem 4. Cartaz de Irmã Adelaide Molinari........................................93
Imagem 5. Romeiros de Jacundá............................................................101
Imagem 6. Saída - Caminhada Irmã Adelaide......................................106
Imagem 7. Morte de Irmã Adelaide.......................................................109
Imagem 8. Cartaz Invocativo.................................................................109
Imagem 9. Kit romeiro............................................................................116
Imagem 10. Camisetas da Caminhada Irmã Adelaide.........................117
Imagem 11. Santuário de Sta. Elizabete e Sta. Elineuza......................132
Imagem 12. Túmulo de Irmã Adelaide ao lado da Igreja N. S. das
Graças – Curionópolis.............................................................................152
Imagem 13. Sala dos milagres no Santuário de Sta. Elizabete e
Sta. Elineuza..............................................................................................152
Imagem 14. Mesa com ex-votos..............................................................153
Imagem 15. Ex-votos: membros curados. Romaria da Libertação.......154
Imagem 16. Mesa e tonéis usados pelos romeiros.
Romaria da Libertação.............................................................................160
Imagem 17. Fogões de barro usados pelos romeiros.
Romaria da Libertação.............................................................................160
Tabela 1. Resumo dos conflitos criados pela grilagem de terras na
rodovia PA-150...........................................................................................38
Tabela 2. Número de Assassinatos em Conflitos agrários no Sul e
Sudeste do Pará..........................................................................................44
Tabela 3. Conflitos pela posse da terra na Região Norte........................46
Tabela 4. Prisões ilegais efetuadas contra lavradores em
conflitos de terra...........................................................................................46
Tabela 5. Número de ameaças de morte em conflitos de terra no Brasil...47
Quadro 1. Temas desenvolvidos na Caminhada Irmã Adelaide..........107
Quadro 2. Tipos de promessas encontrados num total de 150
entrevistados.............................................................................................151
Lista de siglas
ADETUNE – Associação de Defesa dos Trabalhadores Unidos de Nova Jacundá
CEB – Comunidade Eclesial de Base
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CF – Campanha da Fraternidade
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
FCCM – Fundação Casa de Cultura de Marabá
FDC – Filhas do Amor Divino
FETAGRI – Federação dos Trabalhadores na Agricultura
GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITR – Imposto Territorial Rural
MEB – Movimento de Educação de Base
MIRAD – Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e Reforma Agrária
PJ – Pastoral da Juventude
PM – Policia Militar
PO – Pastoral Operária
RCC – Renovação Carismática Católica
SDDH – Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia
UDR – União Democrática Ruralista
Apresentação
A obra que o leitor tem em mãos constitui uma versão modificada de uma Dissertação de Mestrado em História defendida na
Universidade Severino Sombra em 2012. Entre o ingresso na Pós
e a defesa da Dissertação, em conversas informais e comentários
apresentados em eventos acadêmicos, pude acompanhar, com satisfação e curiosidade, o trabalho desenvolvido por Osnera Silva
Vieira, a “Nira”, como todos a conhecem informalmente. A autora
analisou duas romarias realizadas no sudeste do Pará: a Romaria da
Libertação, organizada desde o início da década de 1980, sendo o
alvo da peregrinação dos devotos o local onde foram encontrados
os restos mortais de duas crianças; e a Caminhada Irmã Adelaide,
cuja denominação se refere a uma religiosa assassinada na região
em 1985. Nos dois casos, os episódios de violência inaugural, que
foram investidos pelos devotos com uma aura sagrada, têm relação
com as conhecidas disputas pela terra que marcaram a ocupação
daquele território. A autora traz, para a pesquisa universitária, um
objeto de imensa relevância social, em relação ao qual são poucas as
investigações disponíveis.
Dialogando particularmente com a Antropologia, em que avultam as referências a Victor Turner, Carlos Rodrigues Brandão, Rubem César Fernandes, Carlos Alberto Steil e Renata de Castro Menezes, entre outros autores, Osnera Silva Vieira reconstrói o cenário
em que as romarias se realizaram, bem como as representações simbólicas que fiéis e militantes da luta pela terra associaram às jovens
Elizabete e Elineuza e à irmã Adelaide. As duas primeiras, irmãs
de sangue, foram pelo derramamento do mesmo sangue tornadas
mártires e “santas” pelos moradores locais. Por sua vez, a reputação de santidade proveniente do martírio e do testemunho de fé,
associado ao envolvimento na questão agrária, se torna perceptível
na romaria dedicada à religiosa Adelaide. É interessante perceber
nos dois casos como se reproduziu naquele espaço um processo de
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