Caminhando pelos Mortos, Caminhando pela Vida Conflitos, Romarias e Santidade no Sudeste Paraense (c. 1980 – c. 2010) Caminhando pelos Mortos, Caminhando pela Vida Conflitos, Romarias e Santidade no Sudeste Paraense 2010) (c. 1980 – c.2010) Osnera Silva Vieira Conselho Editorial Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2015 Osnera Silva Vieira Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. V658 Vieira, Osnera Silva Caminhando pelos Mortos, Caminhando pela Vida: Conflitos, Romarias e Santidade no Sudeste Paraense (c. 1980 – c. 2010)/Osnera Silva Vieira. Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 184 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-847-9 1. Conflitos agrários 2. Religiosidade 3. Romarias 4. Trabalhadores rurais. I. Vieira, Osnera Silva. CDD: 900 Índices para catálogo sistemático: Trabalho rural Conflito social Cultural popular 341.651 82 303.6 306.4 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi Feito Depósito Legal Dedico este trabalho aos romeiros e romeiras da Romaria da Libertação e da Caminhada Irmã Adelaide que caminham incansavelmente por seus mortos, mas, principalmente pelos vivos, pelo fim da matança no campo e por uma sociedade com mais justiça e igualdade. In memoria do padre Humberto Rialland, falecido em 2008. Em seu trabalho incansável ele muito contribuiu com a luta dos posseiros na região Sudeste do Pará. Por sua amizade e pelo grande incentivo e contribuição à minha pesquisa na Romaria da Libertação em 1997 e 2007. Agradecimentos Aos romeiros e romeiras da Romaria da Libertação e da Caminhada Irmã Adelaide, porque o interesse em conhecer melhor a história dos eventos por eles elaborados em suas lutas proporcionou a minha participação na seleção do curso de mestrado e também por colaborarem com minha pesquisa concedendo entrevistas e auxiliando minha participação nas caminhadas. Às religiosas Filhas do Amor Divino (FDC), em especial às irmãs Angelita Fernandes, Lourdes Follmann, Adélia Rossato e Joselina Amaral, pela acolhida e disponibilidade de tempo em contribuir com a pesquisa de campo e também pela cessão de documentos que contribuíram não só para o estudo, mas, sobretudo para a compreensão das romarias como eventos religiosos dentro de uma prática militante. Ao padre Paulo Joanil, por disponibilizar tempo contribuindo com entrevistas, sempre acessível e paciente, mas principalmente pela cessão de documentos que foram valiosos para este estudo. Ao meu orientador professor Dr. Jorge Victor Araújo Souza, por sua especial orientação e o acompanhamento deste trabalho. Aos professores que me deram suporte acadêmico e, em particular à professora Nancy Cardoso Pereira por sua carinhosa amizade. Às minhas filhas Marla e Sílvia e ao meu filho Francisco; às minhas netinhas, Maria Eduarda e Maria Eloísa e aos meus netinhos Olavo e Pedro Luckas, por serem meu coração batendo fora do peito. À comissão Pastoral da Terra (CPT), à Fundação Casa de Cultura de Marabá (FCCM) e às Paróquias de Jacundá, Rio Maria e Curionópolis, pela boa vontade em abrir seus arquivos para essa pesquisa. Aos amigos Airton dos Reis Pereira, Edileuza dos Santos, e Gláucia de Sousa Moreno pela cedência de livros que ajudaram a tecer essa história. Em especial ao amigo, companheiro, irmão, camarada Vilmar, pela força e apoio sempre que precisei. A todos e a todas, minha eterna gratidão. AS PEDRAS GRITARÃO Há uma nação de homens Excluídos da nação. Há uma nação de homens Excluídos da vida. Há uma nação de homens, Calados, Excluídos de toda palavra. Há uma nação de homens Combatendo depois das cercas. Há uma nação de homens Sem rosto, soterrados na lama, Sem nome, soterrados pelo silêncio. Incontáveis. Formigas revolvendo socavões. Homens de lama e fulgor. Perseguidos pelo delírio dos metais: o ouro da terra, no sonho, o estanho das armas, na carne. Nesse tempo de palavras dilaceradas, levadas à moenda até o bagaço mais seco, o silêncio pesa como os olhos de uma criança depois da fuzilaria. Mas como gritar? Se os lançados da ponte não tem um nome que os distingue? Se calarmos, as pedras gritarão. (Comissão Pastoral da Terra. Cadernos de Conflitos no Campo – Brasil, 1987). Sumário Lista de siglas..................................................................13 Apresentação...................................................................15 Prefácio.............................................................................19 Introdução........................................................................21 Capítulo 1 Do medo dos vivos surgem as romarias para os mortos...31 1- Sudeste do Pará: região de conflitos e de medo......................31 1.1- Terras concentradas: o “carro abre alas” dos conflitos....35 1.2- A Igreja como mediadora dos conflitos................................50 1.3- Da chacina de Tucuruí à Romaria da Libertação..............58 1.4- Outro crime, mais uma (e a mesma) romaria: Caminhada Irmã Adelaide............................................................69 1.5- Nenhuma justiça para Elizabete, Elineuza ou Adelaide....75 Capítulo 2 De romaria em romaria buscando a libertação....................81 1- Romarias e Santuários..............................................................81 1.1 Situando as cidades, conhecendo “as santas”.......................84 1.1.1 As cidades: espaços de vivências e de santidade...............84 1.2- Elizabete, Elineuza e Adelaide: martírio, mística e memória..........................................................................................88 1.3- A Romaria como forma de expressão das vítimas da violência no campo.........................................................................99 1.4 Caminhar, rezar, brincar.......................................................104 1.4.1 Caminhar com Adelaide......................................................104 1.4.2- Caminhar com as ‘santinhas’............................................111 1.5- O comércio e as mudanças...................................................116 1.5.1 Comerciando no santuário..................................................116 1.5.2- Mudanças nas romarias....................................................118 Capítulo 3 Martírio e santidade no sudeste paraense...........................125 1- Martírio como testemunho cristão.......................................125 1.1- Adelaide, mártir da justiça, mártir pelo reino................125 1.2- Elizabete e Elineuza, mártires da inocência........................131 1.3- Devoção e Santidade: as santas do povo.........................135 1.4- Sobre a santidade.................................................................140 1.5- As promessas como impulso mobilizador.........................149 1.6- As relações de controle........................................................156 Considerações finais.....................................................163 Fontes.............................................................................169 Referências.....................................................................174 Lista de Figuras, Quadros e Tabelas Figura 1. Mapa da Região sudeste do Pará.............................................34 Figura 2. Croqui representativo da rota do crime..................................64 Imagem 1. A cruz do memorial Santa Elizabete e Santa Elineuza........67 Imagem 2. Cinzas das crianças Elizabete e Elineuza.............................69 Imagem 3. Casa das irmãs FDC em Eldorado dos Carajás....................91 Imagem 4. Cartaz de Irmã Adelaide Molinari........................................93 Imagem 5. Romeiros de Jacundá............................................................101 Imagem 6. Saída - Caminhada Irmã Adelaide......................................106 Imagem 7. Morte de Irmã Adelaide.......................................................109 Imagem 8. Cartaz Invocativo.................................................................109 Imagem 9. Kit romeiro............................................................................116 Imagem 10. Camisetas da Caminhada Irmã Adelaide.........................117 Imagem 11. Santuário de Sta. Elizabete e Sta. Elineuza......................132 Imagem 12. Túmulo de Irmã Adelaide ao lado da Igreja N. S. das Graças – Curionópolis.............................................................................152 Imagem 13. Sala dos milagres no Santuário de Sta. Elizabete e Sta. Elineuza..............................................................................................152 Imagem 14. Mesa com ex-votos..............................................................153 Imagem 15. Ex-votos: membros curados. Romaria da Libertação.......154 Imagem 16. Mesa e tonéis usados pelos romeiros. Romaria da Libertação.............................................................................160 Imagem 17. Fogões de barro usados pelos romeiros. Romaria da Libertação.............................................................................160 Tabela 1. Resumo dos conflitos criados pela grilagem de terras na rodovia PA-150...........................................................................................38 Tabela 2. Número de Assassinatos em Conflitos agrários no Sul e Sudeste do Pará..........................................................................................44 Tabela 3. Conflitos pela posse da terra na Região Norte........................46 Tabela 4. Prisões ilegais efetuadas contra lavradores em conflitos de terra...........................................................................................46 Tabela 5. Número de ameaças de morte em conflitos de terra no Brasil...47 Quadro 1. Temas desenvolvidos na Caminhada Irmã Adelaide..........107 Quadro 2. Tipos de promessas encontrados num total de 150 entrevistados.............................................................................................151 Lista de siglas ADETUNE – Associação de Defesa dos Trabalhadores Unidos de Nova Jacundá CEB – Comunidade Eclesial de Base CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços CF – Campanha da Fraternidade CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura CPT – Comissão Pastoral da Terra FCCM – Fundação Casa de Cultura de Marabá FDC – Filhas do Amor Divino FETAGRI – Federação dos Trabalhadores na Agricultura GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITR – Imposto Territorial Rural MEB – Movimento de Educação de Base MIRAD – Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e Reforma Agrária PJ – Pastoral da Juventude PM – Policia Militar PO – Pastoral Operária RCC – Renovação Carismática Católica SDDH – Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia UDR – União Democrática Ruralista Apresentação A obra que o leitor tem em mãos constitui uma versão modificada de uma Dissertação de Mestrado em História defendida na Universidade Severino Sombra em 2012. Entre o ingresso na Pós e a defesa da Dissertação, em conversas informais e comentários apresentados em eventos acadêmicos, pude acompanhar, com satisfação e curiosidade, o trabalho desenvolvido por Osnera Silva Vieira, a “Nira”, como todos a conhecem informalmente. A autora analisou duas romarias realizadas no sudeste do Pará: a Romaria da Libertação, organizada desde o início da década de 1980, sendo o alvo da peregrinação dos devotos o local onde foram encontrados os restos mortais de duas crianças; e a Caminhada Irmã Adelaide, cuja denominação se refere a uma religiosa assassinada na região em 1985. Nos dois casos, os episódios de violência inaugural, que foram investidos pelos devotos com uma aura sagrada, têm relação com as conhecidas disputas pela terra que marcaram a ocupação daquele território. A autora traz, para a pesquisa universitária, um objeto de imensa relevância social, em relação ao qual são poucas as investigações disponíveis. Dialogando particularmente com a Antropologia, em que avultam as referências a Victor Turner, Carlos Rodrigues Brandão, Rubem César Fernandes, Carlos Alberto Steil e Renata de Castro Menezes, entre outros autores, Osnera Silva Vieira reconstrói o cenário em que as romarias se realizaram, bem como as representações simbólicas que fiéis e militantes da luta pela terra associaram às jovens Elizabete e Elineuza e à irmã Adelaide. As duas primeiras, irmãs de sangue, foram pelo derramamento do mesmo sangue tornadas mártires e “santas” pelos moradores locais. Por sua vez, a reputação de santidade proveniente do martírio e do testemunho de fé, associado ao envolvimento na questão agrária, se torna perceptível na romaria dedicada à religiosa Adelaide. É interessante perceber nos dois casos como se reproduziu naquele espaço um processo de 15