GOVERNANÇA PARTICIPATIVA
Por Rogerio Arns e Lycia Neumann*, para Rede Gife
O mundo encerrou o século XX debatendo formas efetivas de reduzir a pobreza e promover o
desenvolvimento sustentável e a justiça social. Na busca por novos caminhos alguns consensos
emergiram, dentre eles o de que não cabe só aos governos o papel de provedor de soluções para
melhorar a qualidade de vida em comunidades, regiões e países. Como concluiu o Banco Mundial,
"a experiência dos últimos cinquenta anos deixa um recado claro: o de que o estado é central para o
desenvolvimento social e econômico, não como um provedor direto de crescimento, mas como um
parceiro, catalisador e facilitador"[1].
Por outro lado, avaliações de impacto de políticas e programas sociais têm demonstrado uma
histórica desconexão entre o foco dos investimentos sociais e as reais necessidades e valores das
comunidades beneficiárias, principalmente daquelas em maior desvantagem socioeconômica [2].
Para maior efetividade torna-se essencial a mudança para formas mais participativas e
compartilhadas de formulação e implementação de ações sociais.
Deste cenário emerge um novo conceito: o de governança. Pois, como defendem Osborne e Gaeble
[3], o que precisamos não são de melhores governos, mas de melhor governança. E governança não
é apenas uma tarefa do estado, é a maneira pela qual a sociedade reconhece e resolve seus
problemas, usando o governo como um instrumento e um parceiro.
A mudança para formas mais colaborativas de construção de iniciativas sociais traz benefícios para
todas as partes envolvidas, que têm a oportunidade de aprender e refletir com o conhecimento e a
experiência dos outros, fortalecendo o capital social entre instituições, comunidades e indivíduos.
Definida como uma parceria efetiva entre estado, sociedade civil e o setor privado onde todos são
co-responsáveis pela promoção do bem-estar social , uma boa governança é essencial para
fortalecer a democracia, promover prosperidade econômica, coesão social e sustentabilidade
ambiental; e manter a credibilidade nas instituições públicas [4].
Para Iyer-Raniga e Treloar [5], parcerias intersetoriais, como as promovidas pela Governança
Participativa, representam um acordo mútuo sobre valores e prioridades, promovendo o
desenvolvimento humano e criando um senso de propriedade e contribuição de todos os que dele
participam.
No entanto, ao se criar a oportunidade de governo, sociedade civil e empresas atuarem juntos e
contribuírem para a promoção do desenvolvimento, surgem os desafios comuns às efetivas
parcerias. Definida como uma relação onde duas ou mais partes, com objetivos compatíveis, entram
em acordo para realizar algo em conjunto, uma parceria só terá êxito se for configurada como
benéfica para todas as partes envolvidas [6].
Em documento publicado sobre a Governança Participativa e os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio, as Nações Unidas ressaltam que na prática, os processos de Governança Participativa
variam muito em forma e efetividade, dependendo do investimento (endowment) inicial e da
qualidade da participação das instituições. Enquanto processos participativos têm grande potencial
para serem instrumentalmente valiosos na promoção da eficiência e equidade, este potencial nem
sempre se realiza no mundo real [7].
As conclusões, após a análise de experiências de maior e menor sucesso em Governança
Participativa, apontam para a necessidade de se minimizar a disparidade de capacidades (capacity
gap) entre os potenciais parceiros. Por esta capacidade entende-se o poder ou a habilidade que uma
pessoa possui de usar seus próprios recursos - dons, talentos, conhecimentos, entre outros - para
alcançar seus objetivos. Construir esta capacidade é fortalecer a habilidade das pessoas,
comunidades e instituições para planejar, desenvolver, implementar e manter iniciativas exitosas
[8].
Normalmente vistas como a parte mais frágil em processos de governança participativa, muitas
comunidades têm demonstrado habilidade em quebrar este paradigma. Um bom exemplo vem da
Associação de Moradores do Conjunto Palmeira, em Fortaleza, que criou o primeiro banco
comunitário no Brasil, o Banco Palmas. Sua capacidade em fazer do bairro uma escola de trabalho,
com formação contínua de lideranças voltadas para fortalecer os talentos e recursos locais, levou-os
a criar o conceito de "prosumidores", produtores e consumidores de seu desenvolvimento.
Nesta comunidade, há quase 30 anos, moradores, governos e empresas vêm sendo parceiros na
realização de iniciativas de transformação social e econômica. E quando o esforço é conjunto, a
realização é de todos. É o que os moradores anunciam na placa já na entrada da comunidade, "Deus
criou o mundo, e nós construímos o Conjunto Palmeira".
1. The World Bank (1997). World Development Report 1997: Summary - The State in a Changing
World. Washington, D.C., p. 01.
2. Nkahle, S., Moiloa, B. e Himlin, B. (sd). Participatory Governance-the need for inclusive
strategies at local level.
3. Osborne, D., e Gaebler, T. (1993). Reinventing Government: How the Entrepreneurial Spirit is
Transforming the Public Sector. New York: Plume.
4. Wyman, M. (2001). Thinking about Governance: a draft discussion paper.
5. Iyer-Raniga, U., e Treloar, G. (2000). A Context for Participation in Sustainable Development.
Environmental Management, Vol. 26, No. 4, pp. 349-361.
6. Frank, F., e Smith, A. (2000). The partnership handbook. , p.05.
7. United Nations. (2008). Participatory Governance and the Millennium Development Goals
(MDGs) . New York.
8. Dodd, J.D., & Boyd, M. H. (2000). Capacity building: Linking community experience to public
policy.
* Rogério Arns é consultor, membro do Conselho Diretor da Associação Internacional para o
Desenvolvimento Comunitário (IACD) e co-autor dos livros Repensando o Investimento Social: a
importância do Protagonismo Comunitário e Desenvolvimento Comunitário baseado em Talentos e
Recursos Locais – ABCD.
**Lycia Neumann é administradora e publicitária com especialização em Marketing e mestrado em
Administração Pública e do Terceiro Setor pela Dalhousie University (Canadá). Como diretora do
Specto Instituto para o Desenvolvimento Social e Humano, orientou a criação de Sistemáticas de
Monitoramento e Avaliação de projetos e programas no Governo do Estado da Bahia e em
organizações não-governamentais.
Texto originalmente publicado no site Plurale (link: www.plurale.com.br/)
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