– Fazer o quê? – disse Landa, arregalando os olhos.
– Não sei ainda: talvez pôr fogo na casa.
Landa se benzeu. Lúcia foi à cozinha passar um cafezinho. “Ficássemos à vontade.
Voltaria logo”. Quando voltou, eu tinha um gatinho ao colo. Era macio e branquinho
como espuma de sabão. Apanhara-o ali mesmo, quando pulou sobre a mesa. Lúcia
perguntou se o queria para mim. Estava com a casa cheia de gatos. Não tinha coragem
de matá-los, como via muita gente fazer. Se preferisse um preto, tinha, também, pretos
como carvão.
Landa, que não podia ouvir falar em gato preto, levantou-se e olhou ao redor.
– Tem cisma com gato preto? – perguntou-lhe Lúcia. São tão inofensivos quanto
os brancos.
Fez um movimento com a cabeça em direção à casa de Malvina:
– Essa aí também tem pavor de gatos. Às vezes, a escuto daqui a esconjurá-los,
como se fossem espírito maus.
– Onde estão seus gatos? – perguntei a Lúcia.
– Quer vê-los? – falou com orgulho. – Tenho um batalhão! Você vai ficar espantada.
Olhou para o lado da cozinha e se pôs a chamá-los:
– Mincho, mincho...
Dezenas de gatos surgiram de todos os lados, cercando sua dona. Landa subiu
num banco. Ao vê-los, sorri à ideia que me ocorrera.
– Lúcia, você disse que a casa de Malvina é baixa e coberta de tabuinhas?
– Isso mesmo.
– Ao chegar aqui reparei numa escada encostada ao longo da parede. Será que
essa escada alcança o telhado?
– Alcança, sim.
Os gatos já haviam desaparecido e Landa descera do banco para sentar-se.
Estava pálida.
– Você, que conhece o terreno – disse a Lúcia vai nos orientar. Landa e eu iremos
atrás com a escada.
– Mas onde quer ir? – indagou Lúcia.
– Até à parede dos fundos da sala da viúva.
– Acho que já entendi – disse Lúcia, rindo.
– Melhorou? – perguntei a Landa.
Landa levantou-se e me seguiu. Pegou numa extremidade da escada, eu peguei
na outra e saímos acompanhando Lúcia. À nossa aproximação da casa de Malvina, um
cachorro rosnou. Paramos e ficamos quietas.
– Por que não avisou que tem cachorro? – falei a Lúcia.
– Não. Ela não tem cachorro. Só se for de algum convidado. Mas não se preocupe.
Com o barulho que estão fazendo, ainda que o cachorro ladre, não vão ouvir.
Com todo cuidado, encostamos a escada à parede e subi por ela. Lá em cima,
cautelosamente, fui afastando as tabuinhas do telhado, até um buraco de bom tamanho.
Casa de roça não tem forro e pude ver tudo em baixo. Vi o que interessava ver e
muito mais do que desejava ver. Senti-me corar no escuro. Desci e falei a Lúcia, que
desapareceu dentro da noite. Quando voltou, trazia um saco cheio de gatos.
– Todos pretos? perguntei.
– Todos pretos – respondeu.
Landa encostou-se à parede e eu escutei o barulhinho do seu queixo batendo.
Ela precisa acostumar-se – pensei, enquanto subia a escada com o saco de gatos
bem seguro pela boca. Os coitados miavam raivosos e se contorciam e eu tive de fazer
força para não cair da escada com saco e tudo. Cheguei ao alto e me firmei bem. Tive
51
Download

– Fazer o quê? – disse Landa, arregalando os olhos. – Não sei