Pra tudo se dá um jeito...
Acordo, levanto, lavo o rosto, escovo os dentes, vou para a cozinha. Enquanto
preparo o meu desjejum matinal com leite, café e torradas, meu marido liga a TV e, como
estou apressada para ir ao trabalho, apenas escuto as manchetes sobre o mensalão. Escuto,
mas não dou a atenção merecida, afinal, o trabalho me espera. Termino meu café, pego
minha bolsa e vou até o ponto de ônibus mais próximo, onde já estão duas senhoras
conversando, tão distraídas, parecem não perceber a presença de outras pessoas:
- Você viu aquele caso do mensalão?
- Você viu que vergonha.
- Pois é, to indignada com esses político, raça que não presta.
- Duvido que vão preso, já viu colarinho branco atrás das grade?
- Mas, mudando de assunto, você viu o que aconteceu com aquele candidato para
vereador que tinha prometido uns litros de gasolina pro meu marido?
- O que tem ele?
- Foi preso em flagrante num posto de gasolina no dia da eleição pagando
combustível pro povo.
- Não acredito! Quando alguém faz algo de bom pro povo, daí sim prendem o
coitado! Que absurdo! E teu marido, como que ficou?
- Ficou chateado, pois precisamos levar nossa menina no médico, mas o postinho de
saúde perto de casa tá fechado.
- Por que o postinho tá fechado?
- Parece que não tem médico, nem enfermeira e a construção tá condenada.
- E daí, como vocês vão fazer?
- Então, minha irmã tem uma amiga que trabalha no postinho perto da casa dela, daí
essa amiga passou a gente na frente das outras criança, sabe como né, por debaixo do pano.
- Sei como é. Se o povo não der seu jeito, quem é que vai dá, não é mesmo? Mas o
que a tua menina tem?
- Não sei. Ela anda muito rebelde, não obedece, agora deu de mentir, você acredita.
Quero ver se o médico encaminha ela pro psicólogo.
Toca o celular.
- É a minha menina, vou atender. Diga! Aham, aham. Diga pra ele que a mãe vai
viajar, e só volta no fim do mês. Beijo.
- O que ela queria?
- Um cobrador tá lá em casa querendo dinheiro. Essa gente não tem paciência, não
consegue esperar, só atrasei seis meses e já vem cobrar. Pedi pra ela mentir que só volto no
fim do mês. Ainda bem que ela é obediente.
O ônibus chega, elas se despedem.
Chego ao trabalho, recolho o jornal. Acidentalmente, algumas folhas do jornal caem
no chão, no momento em que as junto, observo um texto que fala sobre o relator do
mensalão, o qual foi ovacionado pelas pessoas enquanto votava em sua sessão eleitoral.
Deixo o jornal no local correto, afinal, o trabalho ainda está a minha espera.
Durante o horário do almoço, decido ouvir rádio. O locutor fala sobre um idoso que
faleceu e que, antes de seu falecimento, sua família havia procurado a Unidade Básica de
Saúde próxima à sua residência, mas, que, infelizmente, não estava funcionando. Segundo a
população, há muito tempo não há médicos e enfermeiros e, como se não bastasse, o prédio
corre o risco de desabar. Olho no relógio, preciso retornar ao trabalho.
No fim da tarde, ao chegar em casa, abraço meu marido. Percebo que ele está
preocupado e aborrecido. Com um pouco de receio, pergunto como foi seu dia. Ele
responde:
- Você acredita que fui cobrar uma conta que não recebo há seis meses e a devedora
mandou a filha dizer que ela está viajando e só retorna no fim do mês. Não sei como farei
para pagar as nossas contas.
Compadecida, abraço novamente meu companheiro, e o tranquilizo:
- Pra tudo se dá um jeito... Eu trabalho mais, faço hora extra e te ajudo a pagar as
contas.
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Pra tudo se dá um jeito... Acordo, levanto, lavo o rosto, escovo os