Discurso de Bêbado De Simone Brites Pavanelli Atenção: Texto registrado e distribuído em caráter puramente de uso e leitura PESSOAL. Todos os direitos reservados aos detentores legais dos direitos da obra. Para a representação e comercialização legal da peça, entrar em contato com o autor. Bêbado (Cantando um samba até juntar público) Eu bêbo sim e daí? Nunca viu não? Olha aqui, essas moedinha que eu tô juntando vai dar pra beber... um rabo de galo (conta de novo) dois rabo de galo! E depois eu vô ali na esquina, tiro um cochilo e quando acordá vô di novo pedi uma esmolinha. Aí eu falo um pouco da minha vida, peço por nosso senhor Jesus Cristo, nosso irmão, é meu irmão sabia? Então, aí eu ganho uns troquinho. Mas qué sabê de uma coisa? Não é sempre que eu durmo aqui não. Vou contá pra vocês como é que é que funciona. Tem aí os assistentes que vem cadastrar a gente pro albergue, mas não tem vaga pra todo mundo e não pode beber. Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, aí é que tá. Gente, não pode beber, entendeu? Dá uma brigaiada aqui na praça. Um dia, eu consequi a vaga, tava de cara limpa mas coloquei uma pinguinha escondida no bolso só pra garantí. Tava quase na hora de ir e eu pensei, “só um gole, ninguém vai perceber” e pum, bebi. Faltava só mais um pouquinho e eu pensei “só mais um gole pra espantá o frio e pum, bebi”. Quando fui dá o terceiro gole pra garanti que a noite ia ser boa, um viado nojento me dedurou. Aí eu fiquei puto. Que é isso? Falta de união com os companheiro? E ainda tive que ouvir sermão da assistente social! (Imita a assistente) “Que vergonha, um homão desse tamanho que não aguenta ficar sem bebida uma noite! Por isso que não se pode ter dó de vagabundo”. Mas não deixei barato e respondi pra ela: “Vagabundo não, eu queria trabalhar, pensa que não? Eu já trabalhei, já tive casa, família e dinheiro. Até dinheiro! Agora que eu tô assim desse jeito. Eu não sei bem o que eu sou, mas vagabundo não! Eu sei que o que eu 1 sou... também não queria ser... mas vagabundo não! E o que eu não sei mais é ser de outro jeito, diferente desse que eu sou, entendeu? Não sei! O Onofre... Amigão o Onofre... Dormia ali, embaixo do minhocão... Uma noite... Cês sabem aqueles alemões... Os careca do ABC... É... Gente ruim... O Onofre tava dormindo... (Bate forte no tambor, com raiva.) O Onofre tava dormindo... Nunca mais vi o Onofre... Mas vi um dos careca... Ele tava sentando no banco com uma mina... Peguei uma garrafa... (Bate forte no tambor, com raiva.) O Onofre tava dormindo. Cês tão compreendendo o que eu disse? Tão nada, bando de gente desocupada que não tem o que fazer e fica na praça ouvindo um bêbado falar. (vai saindo) Vão trabalhar vagabundos! Eu vou pegar o resto dos careca, vou... O Onofre tava dormindo... Tava... Sai cantando o samba. 2