NÃO SEI! O QUE E COMO FAZER... A VÍTIMA DE BULLYING NAS REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA ESCOLA BÁSICA ENS∗, Romilda Teodora – PUCPR [email protected] SOUSA∗∗, Fabíola Beatriz Franco – SMEC/PUCPR [email protected] NOGUEIRA∗∗∗, Ynaê Pauline de Aguiar – SMETS/PUCPR [email protected] Área Temática: Violência nas escolas. Agência financiadora: Não contou com financiamento. Resumo A pesquisa sobre “A vítima de bullying nas representações sociais de alunos da escola básica” é parte da primeira fase do projeto de pesquisa “Políticas educacionais e formação de professores: gestão do bullying nas escolas de educação básica”, pesquisa conjunta Brasil e Portugal. Teve como objetivo analisar as representações de alunos de uma Escola Estadual de Curitiba sobre vítimas de bullying e a relação com as políticas de formação de professores para a Escola Básica. A coleta de dados estruturou-se com base na abordagem qualitativa, por meio de questionário adaptado para a situação brasileira pelo grupo de pesquisadores que integram a rede de pesquisa Brasil e Portugal. O questionário aplicado a 76 estudantes da 5.ª e 6.ª série da escola campo de pesquisa foi submetido ao processo de análise do software SPHIX, inicialmente. Após leitura dos dados produzidos, decidiu-se pelo cruzamento de questões e a análise conta com o aporte teórico das políticas de formação de professores e das representações sociais. Os resultados mostram que os estudantes, em suas representações quanto à vítima de bullying, chegam a 50% dos estudantes participantes da pesquisa e confirmam situações em que os alunos vitimizadas sofrem todo tipo de intimidação, como ser deixado de lado pelos colegas, são empurrados, recebem apelidos que denigrem, apanham, são xingados, etc. Além disso, as alunas são as maiores vítimas. Na terceira fase da pesquisa, pretende-se, com a equipe da escola, organizar procedimentos de intervenção quanto à prevenção e contenção de situações de bullying, estabelecendo com os professores um processo de formação continuada. ∗ Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Pesquisadora associada da Fundação Carlos Chagas, participando do CIERS-Ed (Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação). Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP. ∗∗ Mestranda em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Professora de Rede Municipal de Ensino de CuritibaPR. ∗∗∗ Mestranda em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná. 9583 Palavras-chave: Vítimas de Bullying. Políticas de Formação de Professores. Representações Sociais. Introdução A “violência” e “violência nas escolas” são temáticas que têm conduzido grande parte das produções acadêmicas nos últimos anos. Dentre elas, estão Pereira (2000), Blaya (2002), Debarbieux (2002), Funk (2002), Gadotti, (2003), Constantini (2004) e Fante (2005). A violência simbólica ou explicita está presente em todas as escolas, sejam elas da rede pública ou da rede particular de ensino e envolve um significativo número de alunos. Essa situação emerge no momento em que a “violência nas escolas” passou a fazer parte da preocupação do meio acadêmico, dos meios de comunicação e dos discursos dos políticos. A questão que surge é “como lidar com diferentes violências que invadem o espaço/tempo escolar?” Essa é a pergunta que se fazem professores e gestores das escolas de educação básica e da universidade. Por isso, a universidade, ao pensar a formação do professor, é a responsável pela formação inicial e parte da formação continuada dos professores. Não poderá deixar de levar em consideração uma proposta de formação em que haja, segundo Imbernón (2002, p. 15), uma “ruptura de tradições, inércias e ideologias impostas” além do “desenvolvimento de capacidades reflexivas em grupo [...], já que na profissão docente [este] deve compartilhar o conhecimento com o contexto”. O presente estudo é parte de uma pesquisa conjunta Brasil/Portugal sobre “Políticas educacionais e formação de professores: gestão do bullying nas escolas de educação básica” e tem como objeto de investigação o fenômeno caracterizado como bullying, mais especificamente a gestão desse fenômeno em escolas públicas de educação básica e a sua relação com as políticas educacionais e a formação de professores. Outras questões emergem: O que é o bullying? Como se apresenta? O que é ser vítima, agressor ou expectador? Como são essas agressões/ou não são agressões? Essas questões e outras evidenciam que no contexto escolar é possível observar diferentes episódios que envolvem agressões contra o aluno, principalmente de aluno para aluno. Estas, geralmente, são de caráter físico ou verbal, independente da maneira como 9584 ocorrem e, geralmente, deixam marcas psicológicas irreversíveis no aluno vitimizado. São agressões que possuem um termo definido – bullying – que para Blaya (2002, p. 72), segundo Tattum e Herbert (1993), é “o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão”. As formas mais comuns desse tipo de intimidação muitas vezes são seguidas por agressões físicas, incluem gestos agressivos, extorsão e exclusão de uma criança de um grupo de amizade, bem como a disseminação de boatos, além dos xingamentos (BLAYA, 2002). Essas formas não são únicas, pois existem tipos de agressões que muitas vezes não deixam rastro visível para os que não estão envolvidos. Somente a vítima é quem sente o olhar de “reprovação”, o olhar “enojado”, o olhar “distorcido”, muito comum para com os portadores de necessidades especiais, obesos, ou raça (cor), considerados por muitos como diferente, impreterivelmente a cor negra. As situações de agressões já descritas têm sido objeto de estudos e pesquisas de profissionais da área da educação, fazendo com que organizações nacionais e internacionais se preocupem, também, com um tipo de violência não tão aparente. Um exemplo nacional é a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA, 2009), patrocinada pela Petrobras, que tem um trabalho direcionado a 11 escolas localizadas no Município do Rio de Janeiro visando diagnosticar e implementar ações efetivas para a redução do comportamento agressivo entre estudantes. Outro exemplo poderá ser a própria pesquisa desenvolvida por este grupo, por meio de um acordo de pesquisa conjunta Portugal e Brasil, e que também visa diagnosticar e orientar a implementação de ações para a redução do bullying em escolas de Curitiba. O objeto desse recorte da pesquisa é identificar como alunos que sofrem agressões do tipo bullying representam os momentos em que são vítimas. A espaço/tempo da escola e o bullying Bullying são todas as formas de atitudes agressivas intencionais e repetitivas que ridicularizam o outro. Atitudes como comentários maldosos, apelidos e gracinhas que caracterizam alguém e outras formas que causam dor e angústia, executados dentro de uma relação desigual de poder, que são características essenciais que tornam possível a intimidação da vítima. Pereira (2002, p. 132) explica que o bullying compreende práticas como: 9585 ‘Chatear/pegar’ constantemente com o colega; insultar relativamente à sua forma de vestir, à raça ou ao seu corpo; levantar rumores, contar histórias sobre o colega para que as outras crianças não lhe falem e não brinquem mais com ele/a; ameaçar, amedrontar; extorquir dinheiro; bater, empurrar, pontapear, rasteira etc. Os motivos que levam a esse tipo de violência são extremamente variados e estão relacionados com as experiências que cada educando tem em sua vida particular e se dão perante o uso do poder para intimidar o outro. Seguindo essa linha de raciocínio, Fante (2005, p. 9) explica O fenômeno bullying estimula a delinquência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima, capacidade de autoaceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de autoafirmação e de autoexpressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. A palavra bullying ainda não tem tradução para o português, mas vem sendo entendido como valentão, brigão, vitimização, maltrato em pares e embora seja pouco conhecida é uma prática muito frequente nas escolas. Conforme informa Fante (2005), o primeiro a relacionar a palavra bullying a esses tipos de agressões foi Dan Olweus, professor a Universidade da Noruega. Chegou a esse fenômeno ao pesquisar as tendências suicidas entre adolescentes e descobriu que a maioria desses jovens tinha sofrido algum tipo de ameaça e que, portanto, o bullying era mal a se combater. A ABRAPIA (2009), ao definir o termo bullying, confirma explicações de Pereira (2002) e Fant (2005) dizendo ser (...) todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder. Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima. E alerta para a necessidade de intervenções efetivas na prevenção do bullying para que se evitem as consequências desse fenômeno no ambiente escolar. Pois, de acordo com a ABRAPIA (2009), num ambiente escolar contaminado pelo bullying, Todas as crianças, sem exceção, são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de ansiedade e medo. Alguns alunos, que testemunham as situações de BULLYING, quando percebem que o comportamento agressivo não traz nenhuma consequência a quem o pratica, poderão achar por bem adotá-lo. 9586 Com o intuito de sanar este fenômeno nas escolas, estudos e pesquisas vêm não só conceituando o que representa o bullyng para quem sofre com ele, mas suas diversas manifestações, com a finalidade de possibilitar discussões, novas pesquisas e proposta de intervenções nas instituições, num trabalho compartilhado escola e universidade, com o objetivo de orientar a comunidade escolar, bem como oferecer-lhes instrumentos de ajuda ao combate a está situação emergencial. Outro aspecto a ser considerado é o de que a escola nos últimos anos tem recebido uma grande massa de alunos advinda das classes menos favorecidas, situadas nas periferias da cidade. Isso é fruto da efetivação de políticas públicas educacionais que promoveram o acesso e permanência desses alunos nos ambientes escolares, como define a Lei 9394/96, em seu artigo 3º: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. No entanto é evidente admitir que essa situação causou grande mal-estar no interior desta instituição de ensino. Primeiro porque os professores tiveram que lidar com alunos diferentes e não estavam preparados para essa nova forma de ação docente e, como explica Esteve (1995, p. 99), essas modificações provocaram “tensões associadas a sentimentos e emoções negativas que constituem a base empírica do mal-estar docente”. Além desses fatores, as condições ambientais, como condições de trabalho, relação professor-aluno, fragmentação do trabalho do professor e má remuneração. Segundo, pelo fato de estes novos alunos trazerem consigo uma grande carga de problemas (marginalidade, desemprego, violência doméstica, desestruturação familiar, drogas, dentre outros) e a escola não estava e não está preparada para receber esse novos alunos, já que sua pedagogia revela-se ineficaz para dar respostas às emergências educativas, tanto do ponto de vista do ensino quanto dos comportamentos, ou seja, a escola encontra-se num “beco sem saída”, não sabendo para qual direção se posicionar. Enfim, os professores tiveram que assumir tarefas que compensassem as carências do meio social de origem dos alunos. Complementando essa reflexão, concorda-se com Gadotti (2003) quando argumenta ser função da escola e do professor estarem comprometidos com uma prática educacional preocupada em dar voz e ação aos seus alunos, para que eles possam assumir uma postura crítica e serem sujeitos de transformação. Sobre isso, afirma o autor: “Para educar (despertar a 9587 consciência) é preciso lutar contra a educação, uma luta retomada incessantemente, contra a educação dominante, a educação do colonizador” (p. 40). Nesse sentido, é fundamental privilegiar um ensino que promova a autonomia, que respeite a individualidade do aluno, o seu ritmo de aprendizagem, tornando-o capaz de pensar, refletir e construir o próprio conhecimento de forma significativa. Ao seguir essa direção, a educação escolar proporcionará um ensino em que os alunos se transformem em agentes críticos de mudança, percebendo o contexto social, cultural, econômico, político e principalmente ideológico que permeia a escola, a sala de aula e a sociedade. Vítimas de bullying Os alunos que sofrem bullying, dependendo de suas características individuais e de suas relações com a família, podem muitas vezes não superar os traumas sofridos na escola. Podem crescer com sentimentos negativos, especialmente com baixa autoestima, tornando-se adultos com sérios problemas de relacionamento. Podem assumir, também, um comportamento agressivo e mais tarde vir a sofrer ou a praticar essa atitude no trabalho e, em casos extremos, alguns deles chegam a tentar ou a cometer suicídio. Dessa maneira, o bullying é um problema mundial, sendo encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição: de ensino fundamental ou médio, pública ou privada, rural ou urbana. Ao sofrer esse tipo de violência, tanto as crianças como os adultos, sozinhos, não têm como se defender. Os colegas, embora digam repudiar esse tipo de violência psicológica e sentirem pena, declaram que nada podem fazer para defendê-la, com medo de serem a próxima vítima. Além de conviver com um estado constante de pavor, as vítimas talvez sejam as que mais sofrem com a rejeição, o isolamento, a humilhação, a tal ponto de se verem impedidas de se relacionarem com quem desejam, de brincar livremente, de fazer a tarefa na escola em grupo, porque os mais fortes e intolerantes impõem a elas tal sofrimento. Constantini (2004) alerta que dados de várias pesquisas mostram que a vítima frequentemente não encontra condições para recuperar-se, por não receber proteção física e ajuda de um adulto para interromper a situação de bullying. Para o autor, a vítima para “sair deste papel significa se emancipar de uma situação de sofrimento e de absoluta impotência psicológica” (p. 74-75). Esse processo parece quase impossível sem ajuda da equipe da escola 9588 e até de especialistas na área psicológica. O autor complementa que só com “ações concretas que rompam com esse sentimento e que demonstrem que a realidade é totalmente modificável podem dar-lhe aquele empurrão para tomar coragem e mudar a maneira de a vítima ver a si mesma” (p. 75). Um fator não perceptível de violência é a imposição à vítima de silêncio, isto é, ela não pode denunciar à direção da escola nem aos pais, sob pena de piorar sua condição de discriminada, pois muitas vezes pais e professores só ficam sabendo do problema pelos efeitos e danos causados, como a resistência em voltar à escola, queda de rendimento escolar, retraimento, depressão, distúrbios psicossomáticos, fobias, etc. Geralmente, alunos vítimas de bullying evitam retornar à escola quando esta nada faz em defesa da vítima, já que a maioria dos casos ocorre no interior das salas de aula, sem o conhecimento do professor. Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 20) salientam que, infelizmente, as vítimas culpam-se pelo comportamento do bully e, muitas vezes, outros também culpam a vítima. Para os autores, algumas frases contribuem para essa culpabilização, como: “Se ele simplesmente deixasse de ser tão frágil...” e “Ele só precisa ser mais esperto”. Essas são falas típicas de centralizar culpabilidade de situações de bullying sobre a responsabilidade de quem sofre as agressões, ou seja, as vítimas. Os autores explicam que pessoas em convivência com o bullying em seus relacionamentos são vítimas de abuso de uma forma ou de outra, que pode ser o abuso físico, ou por palavras e ações. Após determinado período de tempo, os vitimizados podem se tornar prisioneiros em suas próprias casas e doutrinadas a acreditar naquilo que o bully quer que acreditem (p. 103). Constantini (2004, p. 73) mostra que exigências gerais e típicas da adolescência envolvem tanto a vítima como o agressor. Para isso, sugere que estas sejam auxiliadas a conseguirem “um desenvolvimento autocrítico positivo mais adequado, como a autoestima, o reforço pessoal e a assertividade (capacidade de impor, de defender o próprio ponto de vista), seria útil, por exemplo, à vítima, para esta conseguir enfrentar seu destino”. Explica o autor que este desenvolvimento poderia ser parte de responsabilidade da escola, despertar no aluno o enfrentamento das agressões, proporcionando a autoafirmação em sua personalidade, o que poderá contribuir para que a suposta vítima ignore as agressões verbais. Em outra proposta, Funk (2002), a partir de uma pesquisa realizada na Alemanha, relata as experiências de vitimização em escolas. O estudo tomou por base a População 9589 Estudantil de Nuremberg, em que os relatos estão ancorados nas “experiências de vitimização” de tipo verbal, em que os estudantes eram submetidos a ofensas verbais, caluniados, xingados ou insultados, e as de tipo não verbal, aquelas em que os estudantes eram surrados, intimidados, ameaçados com armas e sexualmente assediados. Enquanto professoras no Brasil, pode-se perceber que esses tipos de agressões são familiares às escolas brasileiras, pois nas instituições em que se atua profissionalmente, percebe-se que não diferem as duas realidades (Brasil e Alemanha) quando se analisam situações de vitimização em escolas. Os alunos vítimas do bullying são muitas vezes identificados por certo traço de fragilidade. Na maioria dos casos, não apontam o agressor, são intimidadas pelo medo a uma nova ocorrência de agressão. Pesquisas realizadas na Europa apontam que as alunas submetidas à intimidação apresentavam um risco quatro vezes maior que as demais de virem a tentar o suicídio. Pesquisas realizadas na França sobre a violência nas escolas vêm, há anos, utilizando-se do conceito de incivilidade, que pode ser visto como correspondente sociológico da intimidação (DEBARBIEUX, 2002). O autor explica que a definição de incivilidade é originária da criminologia e foi proposta para permitir uma melhor descrição daquilo que acontece de fato, sendo a incivilidade resultante da pequena delinquência, onde se tem a convicção que as queixas, em sua grande maioria, não recebem acompanhamento, e este acontecimento oportuniza a insegurança ao vitimizado. Os caminhos da pesquisa A presente pesquisa sobre bullying será desenvolvida em três etapas, no período de dois anos, ou seja, 2009 e 2010. Ao optar-se pela pesquisa de abordagem qualitativa, na primeira etapa utilizou-se um questionário adaptado do grupo de Portugal, pelo grupo de pesquisadores do Brasil, que fazem parte do acordo entre grupos de pesquisa Brasil e Portugal, desenvolvido com a Universidade do Minho – Instituto de Estudos da Criança. Cada IES no Brasil organizou seu projeto sobre o bullying, sendo assim, para a presente pesquisa, depois de elaborado projeto “Políticas educacionais e formação de professores: gestão do bullying nas escolas de educação básica”, este foi submetido ao Comitê de Ética da IES e aprovado. A representação dos alunos por meio das respostas ao questionário, que foi organizado com 40 questões divididas em 4 blocos, propiciou a investigação do fenômeno bullying. O 9590 primeiro bloco, com 13 questões, buscou caracterizar os participantes. O segundo, também com 13 questões, buscou a representação que as vítimas fazem do bullying. O bloco três, com quatro questões, está dirigido ao agressor e, no último bloco, com 10 questões, procurou-se verificar o espaço do recreio. Entendemos por representações sociais o que a concepção de Moscovici (1978, apud PLACCO, 2007, p. 133) diz que são Representações sociais, ou seja, Uma modalidade de conhecimento particular, cuja função é elaborar o comportamento e a comunicação entre indivíduos. Partindo do pressuposto de que o indivíduo se constrói na relação com o outro e com a sua sociedade, o processo de construção de suas Representações Sociais se dá nessas relações. A aplicação do questionário pelo grupo de pesquisadores deu-se em data previamente agendada com a direção da escola, em turmas de 5.ª e 6.ª séries, do período da tarde, de uma Escola Estadual de Curitiba, situada na região norte de Curitiba. A escola atende atualmente 872 alunos, sendo no período diurno o Ensino Fundamental (5.ª a 8.ª série), e no período noturno Educação de Jovens e Adultos (EJA), num total de 30 turmas. Os alunos são oriundos das diversas localidades da região, tendo uma predominância da classe média e classe média baixa, sendo que somente uma pequena parcela pertence à classe baixa (SEED-PR, 2009). A opção por esta instituição justifica-se pela proximidade de uma das pesquisadoras com a escola, já que ela foi professora da instituição. Além disso, é uma escola de periferia e poderia mostrar uma realidade diferenciada ao grupo. O bom contato com a direção facilitou a aproximação do grupo com a instituição. Anterior à aplicação do questionário, os alunos de 5.ª e 6.ª séries levaram para casa um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para ser assinado pelos pais ou responsável. Dos 200 alunos que levaram os termos, 90 retornaram assinados, dos quais 89 permitiam que seu filho ou filha participasse da pesquisa e 1 não. Durante a aplicação do questionário, todos os alunos de 5.ª e 6.ª séries do Ensino Fundamental (E.F.) presentes responderam, mas foram considerados apenas os questionários que tinham o consentimento dos pais ou responsável. Assim, temos os dados de 76 alunos(as). Os dados foram submetidos ao software SPHINX e, depois de analisados pelo grupo, foram indicados alguns cruzamentos necessários à análise. As características dos participantes estão descritas com base nos dados obtidos por meio das questões de n.º 1 a 30, pois se privilegiou o aprofundamento dos dados. 9591 Representações de alunos da escola básica sobre ser vítima de bullyng Ao buscar a representação de 76 alunos do ensino fundamental de uma escola básica estadual de Curitiba-PR, observa-se que 63 (82,9%) alunos estão na 5.ª série e 13 (17,1%) na 6.ª série. Pelas informações dos alunos, constata-se que 25 (33%) estão na faixa de 10 anos, 33 (44%) de 11 anos e 17 (22%) entre 12 e 14 anos. Desses alunos, 50% são do sexo feminino e 50% do masculino e pertencem a diferentes etnias, religião e classes sociais. São alunos que em sua maioria frequentaram (82%) a pré-escola. É possível inferir que devido ao índice elevado de alunos que frequentaram a pré-escola, deve-se o baixo índice de reprovação na trajetória escolar, pois apenas 23,7% informaram haver reprovado e consequentemente 18,4% frequentam aulas de reforço em matemática e português. Quanto à escolaridade do pai (tabela 3), 28,9% informaram que este tem o ensino médio completo e 25,0% não sabiam. Sobre a escolaridade da mãe (tabela 5), 35,5% informaram que ela tem o ensino médio completo e 18,4%, o ensino fundamental completo, sendo que a maioria é diarista ou dona de casa. Os alunos pertencem a famílias com poucos membros, ou seja, 74% vivem com um total entre duas e quatro pessoas. Sobre o número de irmãos, a resposta esteve entre nenhum, um ou dois, num total de 70,7%. Em relação às condições econômicas, as respostas confirmam as informações da SEED-PR (2009), eu são de classe média e baixa. Ser vítima do bullying na representação de alunos de 5.ª e 6.ª séries do ensino fundamental é mais frequente entre estudantes do sexo feminino, pois 12 das 38 estudantes que participaram da pesquisa informaram haver sido molestadas mais de uma vez nos últimos três meses em que estão frequentando a escola (tabela 1). Já entre os alunos do sexo masculino, apenas três foram molestados mais de uma vez. Além disso, a grande maioria dos meninos informou nunca ter sido molestado (24 alunos). Pela tabela 1, a relação entre o sexo e a vitimização de bullying está relacionada ao falar mal. Dos 76 participantes da pesquisa, vinte e quatro meninos e quatorze meninas dizem que nunca falaram mal de sua pessoa, onze meninos e doze meninas dizem terem falado mal de sua pessoa uma ou duas vezes, um menino e cinco meninas dizem que falaram mal de sua pessoa três ou quatro vezes, nove participantes dizem ter sabido que falaram de sua pessoa cinco vezes ou mais. Constata-se que 50% dos participantes dizem não ter conhecimento de 9592 terem sido difamados por outrem, já os outros 50% têm conhecimento de que já foi falado mal de sua pessoa. De acordo com Fante (2005, p. 72), a “vítima típica sente dificuldade de impor-se ao grupo, tanto física como verbalmente, tem uma conduta habitual não agressiva, motivo pelo qual parece denunciar ao agressor que não irá revidar se atacada e que é ‘presa fácil’ para os seus abusos”. As vítimas, geralmente, são pessoas frágeis, que não se socializam, não possuem habilidades para defender-se das ofensas e ameaças, são tímidas, submissas, inseguras, têm baixa autoestima e condutas depressivas. Percebe-se, também, que as meninas, num total de 31% contra 18% dos meninos, são as maiores vítimas desse tipo de violência. Na tabela 2, observa-se ainda que as meninas continuam sendo as maiores vítimas do bullying. Com isso, “as pessoas que constituem alvo do bulliyng costumam sentir vulnerabilidade, medo ou vergonha intensos e uma autoestima cada vez mais baixa, que pode aumentar a probabilidade da vitimização continuada”, como explicam Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 14). Ao expressarem atitudes, ações, comportamentos dos agressores ocorridos na escola, quando, por exemplo, 18 estudantes afirmam que lhes colocaram apelidos ou nomes que eles não gostaram, constata-se que os estudantes indicaram aspectos e condutas que caracterizam o fenômeno bullying (tabela 2). Ao relacionar a escolaridade da mãe e do pai ao fenômeno bullying (tabelas 3, 4, 5 e 6), observa-se que quanto menor a escolaridade do pai e da mãe (analfabetos), menor a chance de os alunos serem vítimas dos bullies. Ao seguir o caminho inverso, ou seja, 18% (relação mãe e bullying) e 18% (relação pai e bullying) dos alunos, aqueles que os pais têm o ensino médio completo foram alvos de bullying, num total de 47% (mães) e 40% (pais). Os dados apontam que a melhor escolarização dos pais não determina que um aluno será vítima ou não de bullying. O fundamental, segundo Chalita (2008, p. 165), para prevenir casos de bullying ou até identificá-los, seria “uma estrutura familiar sólida que a criança e o adolescente vão suprir suas necessidades de amor, de valorização, de autodefesa e autoafirmação”. Aqui fica uma questão: “Qual a estrutura familiar dos alunos que representam a vitimização do bullying?” A orientação familiar, na maioria dos casos, torna-se um alicerce seguro para as vítimas não continuarem sofrendo com situações de bullying, por torná-las mais confiantes em 9593 si mesmas. Para Chalita (2008), as vítimas precisam de compreensão, cuidado e, acima de tudo, um ambiente de apoio, capaz de estimulá-las a contar seus sentimentos e a praticar novas habilidades de defesa. Quanto aos mecanismos de defesas das vítimas de bullying, constata-se (tabela 7) que “as vozes e as ações de nossas crianças são a evidência de que um número muito grande de pessoas em nossas comunidades estão mais concentradas em eu do que em nós”, segundo Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 145 – grifos dos autores). Quando os alunos presenciam injustiças para com os outros e não tomam uma atitude, agem passivamente, esperando que algo aconteça fora de nós, sem que se precise agir, o que pode ser evidenciado pelas repostas reveladas na tabela 7. Ao seguir numa direção oposta a esse caminho, pode-se agir ativamente para gerar transformações no espaço escolar, pois como explicam Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 137), “as crianças estão nos dizendo, com suas palavras e ações, que estão se sentindo sós, com medo, desprotegidas e necessitando de modelos de referência que lhes ensinem valores e responsabilização por suas ações, em lugar de violência”. Para continuar... Pode-se dizer que está na hora de se reconhecer as consequências danosas que o bullying traz à sociedade. Enquanto professores, é imprescindível começar a não silenciar e assumir a responsabilidade do ser professor e do compromisso social com a formação dos estudantes. É fundamental “abrir as janelas” da transformação sem receios. Espera-se que este artigo, resultado de parte de uma pesquisa em andamento, contribua para que muitos professores voltem-se firmes nessa direção. REFERÊNCIAS ABRAPIA. Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência. Disponível em: <http://www.bullying.com.br/>. Acesso em: 20 jul. 2009. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. p. 27833. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75723>. Acesso em: 23 jul. 2009. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. 9594 CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001. CONSTANTINI, Alessandro. Bullying: Como combatê-lo? São Paulo: Itália Nova, 2004. DEBARBIEUX, Eric; BLAYA, Catherine. 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Universidade de Aviero, 2007. 9595 APÊNDICE Falar mal/SEXO Masculino Feminino TOTAL Nenhuma vez 24 14 38 Uma ou duas vezes 11 12 23 Três ou quatro vezes 1 5 6 Cinco ou mais vezes 2 7 9 TOTAL 38 38 76 TABELA 1 – Relação entre sexo e vítima de bullying Forma/SEXO Masculino Feminino TOTAL Não resposta 2 1 3 Nenhum(a) aluno(a) fez algo de mau para mim 22 11 33 Bateram em mim, deram murros, socos e/ou chutes 2 4 6 Pegaram minhas coisas sem minha permissão 11 9 20 Fizeram com que eu sentisse medo 4 9 13 Colocaram-me apelidos ou nomes que não gostei 5 13 18 Falaram sobre mim escondidos 3 9 12 Pararam de conversar comigo 0 4 4 Espalharam mensagens através da internet ou telefone para me prejudicar 2 1 3 Ofenderam-me por causa da minha cor/raça 1 4 5 Fizeram outras coisas comigo. 1 4 5 TOTAL TABELA 2 – Relação entre sexo e forma de bullying 53 69 122 9596 Escolaridade mãe/Falar mal Nenhuma vez Uma ou Três ou Cinco ou duas vezes quatro vezes mais vezes TOTAL Não sei 3 0 0 0 3 Não frequentou escola ou é analfabeto 0 0 0 0 0 Ensino fundamental incompleto 8 2 2 2 14 Ensino fundamental completo 1 3 1 1 6 Ensino médio incompleto 9 4 0 0 13 Ensino médio completo 13 8 2 4 27 Ensino superior incompleto 2 4 1 1 8 Ensino superior completo 2 2 0 1 5 TOTAL 38 23 6 9 76 Fizeram outras coisas comigo 0 0 0 0 0 0 0 0 3 Ensino fundamental incompleto 0 8 3 4 3 4 0 1 0 0 0 23 Ensino fundamental completo 1 0 1 1 2 1 2 0 0 1 0 9 Ensino médio incompleto 0 8 0 3 2 1 2 1 0 1 1 19 Ensino médio completo 1 11 0 10 3 6 6 2 3 3 3 48 Ensino superior incompleto 0 2 1 0 1 4 1 0 0 0 1 10 Ensino superior completo 0 2 1 2 2 2 1 0 0 0 0 10 12 4 3 5 5 122 Bateram em mim, deram murros, socos e/ou chutes TOTAL 3 33 6 20 13 18 TABELA 4 – Relação entre escolaridade da mãe e vítima de bullying TOTAL Ofenderam-me por causa da minha cor/raça 0 Falaram sobre mim escondidos 2 Colocaram-me apelidos ou nomes que não gostei 1 Pegaram minhas coisas sem minha permissão Não sei Não respondeu Espalharam mensagens através da internet ou telefone para me prejudicar Pararam de conversar comigo Fizeram com que eu sentisse medo Escolaridade mãe/Forma Nenhum(a) aluno(a) fez algo de mau para mim TABELA 3 – Relação entre escolaridade da mãe e bullying 9597 Nenhuma vez Uma ou Três ou Cinco ou duas vezes quatro vezes mais vezes TOTAL Não respondeu 0 1 0 0 1 Não sei 13 4 1 1 19 1 0 0 1 6 5 0 1 12 Ensino fundamental completo 7 2 1 1 11 Ensino médio incompleto 2 2 2 0 6 Ensino médio completo 8 7 2 5 22 Ensino superior incompleto 1 0 0 1 2 Ensino superior completo 1 1 0 0 2 6 9 76 Ofenderam-me por causa da minha cor/raça Pararam de conversar comigo Falaram sobre mim escondidos Colocaram-me apelidos ou nomes que não gostei Fizeram com que eu sentisse medo Pegaram minhas coisas sem minha permissão Não respondeu Nenhum(a) aluno(a) fez algo de mau para mim Escolaridade do pai/Forma Bateram em mim, deram murros, socos e/ou chutes TOTAL 38 23 TABELA 5 – Relação entre escolaridade do pai e bullying Espalharam mensagens através da internet ou telefone para me prejudicar Ensino fundamental incompleto Fizeram outras coisas comigo Não frequentou escola ou é analfabeto 0 TOTAL Escolaridade do pai/Falar mal Não respondeu 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 Não sei 1 13 0 3 1 2 1 1 1 2 1 26 Não frequentou escola ou é analfabeto 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 Ensino fundamental incompleto 1 6 3 3 1 2 0 0 1 0 0 17 Ensino fundamental completo 1 6 0 3 1 4 3 0 0 1 0 19 Ensino médio incompleto 0 2 2 1 1 2 0 0 0 0 0 8 Ensino médio completo 0 6 0 9 8 5 7 2 1 2 4 44 Ensino superior incompleto 0 0 0 1 0 1 1 0 0 0 0 3 Ensino superior completo 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 3 12 4 3 5 5 122 TOTAL 3 33 6 20 13 18 TABELA 6 – Relação entre escolaridade do pai e vítima de bullying 9598 O que você faz/Defesa Não respondeu Nenhum(a) Ninguém aluno(a) fez me algo de mau defendeu para mim Um(a) ou dois(duas) alunos(as) Três ou TOTAL mais alunos(as). Não respondeu 0 1 0 0 0 1 Nada, pois não é comigo 0 6 0 0 0 6 Nada, mas acho que deveria ajudar 0 8 1 0 2 11 Tento ajudar como posso 0 7 3 3 8 21 Chamo alguém para ajudar 1 10 5 1 4 21 Ajudo só se for meu amigo ou minha amiga 1 7 6 2 6 22 Ajudo mesmo que não conheça a pessoa. 0 9 4 2 9 24 8 29 106 TOTAL 2 48 19 TABELA 7 – Mecanismos de defesa das vítimas de bullying