T e r c e i r a . — D e quê ?
.
P r i m e i r a . — N ã o sei. P o r q u e o h a v i a eu de s a b e r ?
(uma pausa)
S e g u n d a . — T o d o este p a i z é m u i t o t r i s t e . . A q u e l l e o n d e eu vivi o u t r ' o r a e r a m e n o s
t r i s t e . A o e n t a r d e c e r eu fiava, s e n t a d a á m i n h a j a n e l l a . A j a n e l l a d a v a p a r a o m a r e á s
v e z e s h a v i a u m a ilha ao l o n g e . . . M u i t a s v e z e s eu n ã o fiava; o l h a v a p a r a o m a r e e s q u e c i a - m e de v i v e r . N ã o sei se e r a feliz. Já n ã o t o r n a r e i a ser aquillo q u e t a l v e z e u n u n c a
fosse.
P r i m e i r a . — Fora de aqui, n u n c a vi o m a r . Alli, d ' a q u e l l a j a n e l l a , q u e é a ú n i c a de
o n d e o m a r se v ê , vê-se t ã o p o u c o !. . . O m a r d e o u t r a s t e r r a s é b e l l o ?
S e g u n d a . — Só o m a r d a s o u t r a s t e r r a s é q u e é b e l l o . A q u e l l e q u e n ó s v e m o s d á - n o s
s e m p r e s a u d a d e s d'aquelle q u e n ã o v e r e m o s n u n c a . . .
(uma pausa)
Primeira. — N ã o diziamos nós que iamos contar o nosso passado ?
Segunda. — Não, não diziamos.
Terceira. — P o r q u e não haverá relógio neste quarto ?
S e g u n d a . — N ã o s e i . . . Mas a s s i m , sem o relógio, t u d o é m a i s a f a s t a d o e m y s t e r i o s o .
A n o i t e p e r t e n c e m a i s a s i - p r o p r i a . . . Q u e m s a b e se n ó s p o d e r i a m o s fallar a s s i m se
soubéssemos a hora que é ?
P r i m e i r a . — M i n h a i r m ã , em m i m t u d o é t r i s t e . P a s s o d e z e m b r o s n a a l m a . . . E s t c u
p r o c u r a n d o n ã o o l h a r p a r a a j a n e l l a . . . Sei q u e de lá se v ê e m , ao longe, m o n t e s . . . Bà
fui feliz p a r a alem de m o n t e s , o u t r ' o r a . . . E u e r a p e q u e n i n a . Colhia flores t o d o o dia e
a n t e s d e a d o r m e c e r p e d i a q u e n ã o m ' a s t i r a s s e m . . N ã o sei o q u e i s t o t e m de i r r e p a r á v e l
q u e m e dá v o n t a d e d e c h o r a r . . .
Eoi l o n g e d ' a q u i q u e isto p ô d e s e r . . .
Quando virá
o dia ? . . .
T e r c e i r a . — Q u e i m p o r t a ? Elie v e m s e m p r e d a m e s m a m a n e i r a . . . s e m p r e , s e m p r e ,
sempre...
S e g u n d a . — C o n t e m o s c o n t o s u m a á s o u t r a s . . . E u n ã o sei contos n e n h u n s , m a s isso
n ã o faz m a l . . . Só v i v e r é q u e faz m a l . . . N ã o r o c e m o s pela v i d a n e m a orla d a s n o s s a s
v e s t e s . . . N ã o , n ã o v o s l e v a n t e i s . I s s o seria u m g e s t o , e c a d a g e s t o i n t e r r o m p e u m
s o n h o . . . N e s t e m o m e n t o eu n ã o t i n h a sonho n e n h u m , m a s é-me s u a v e p e n s a r q u e o p o d i a
estar t e n d o . . .
Mas o p a s s a d o — p o r q u e n ã o falíamos nós d ' e l l e ?
P r i m e i r a . — D e c i d i m o s n ã o o f a z e r . . . B r e v e r a i a r á o dia e a r r e p e n d e r - n o s - h e m o s . . .
Com a l u z os s o n h o s a d o r m e c e m . . . O p a s s a d o n ã o é s e n ã o u m s o n h o . . • De r e s t o , n e m
sei o q u e n ã o é s o n h o . . . Se olho p a r a o p r e s e n t e c o m m u i t a a t t e n ç ã o , p a r e o e - m e q u e elle
j á p a s s o u . . . O que é q u a l q u e r c o u s a ? C o m o é q u e ella p a s s a ? Como é p o r d e n t r o o
m o d o c o m o ella p a s s a ? . . .
A h , fallemos, m i n h a s i r m ã s , fallemos a l t o , fallemos t o d a s
j u n t a s . . . O silencio começa a t o m a r c o r p o , c o m e ç a a s e r c o u s a . . . Sinto-o e n v o l v e r - m e
c o m o u m a n é v o a . . . A h , fallae, fallae I. . .
S e g u n d a . — P a r a q u ê ? . . . F i t o - v o s a a m b a s e n ã o v o s vejo l o g o . . . P a r e c e - m e q u e
e n t r e . n ó s se a u g m e n t a r a m a b y s m o s . . .
Tenho que cançar a idéa de que vos posso ver
p a r a p o d e r c h e g a r a v e r - v o s . . . E s t e a r q u e n t e é frio p o r d e n t r o , n a q u e l l a p a r t e q u e t o c a
na a l m a . . .
E u d e v i a a g o r a s e n t i r m ã o s i m p o s s í v e i s p a s s a r e m - m e pelos c a b e l l o s . . . A s
m ã o s pelos cabellos — é o g e s t o c o m q u e faliam d a s s e r e i a s . . .
(Cruza as mãos sobre os
joelhos,
Baum.)
A i n d a h a pouco,- q u a n d o eu n ã o p e n s a v a em n a d a , e s t a v a p e n s a n d o n o
meu passado . .
Primeira. — E u t a m b é m devia estar a pensar no m e u . . .
T e r c e i r a . — E u já n ã o sei e m q u e p e n s a v a . . . N o p a s s a d o dos o u t r o s t a l v e z . . . , n o
p a s s a d o d e g e n t e m a r a v i l h o s a q u e n u n c a e x i s t i u . . . A o p é d a casa de m i n h a m ã e c o r r i a
u m r i a c h o . . . P o r q u e é q u e c o r r e r i a , e p o r q u e ó q u e n ã o c o r r e r i a m a i s l o n g e , ou m a i s
p e r t o ? . . . H a a l g u m a r a z ã o p a r a q u a l q u e r c o u s a ser o q u e é ? l i a p a r a isso q u a l q u e r
r a z ã o v e r d a d e i r a e real c o m o as m i n h a s m ã o s ? . . .
Download

Terceira. — De quê ? . Primeira. — Não sei. Porque o havia eu de