P r i m e i r a . — N ã o s e i . Não sei como se é da v i d a . . .
A h , como vós e s t a e s p a r a d a !
E os v o s s o s o l h o s t ã o t r i s t e s , p a r e c e q u e o e s t ã o i n u t i l m e n t e . . .
S e g u n d a . — N ã o v a l e a p e n a e s t a r t r i s t e de o u t r a m a n e i r a . . . Não d e s e j a e s q u e n o s
c a l e m o s ? E ' t ã o e x t r a n h o e s t a r a v i v e r . . . T u d o o que acontece é i n a c r e d i t á v e l , t a n t o n a
ilha do m a r i n h e i r o como n e s t e m u n d o . . . Vede, o céu é j á v e r d e . .
O h o r i z o n t e sorri
o u r o . . . S i n t o q u e m e a r d e m os o l h o s , de eu t e r p e n s a d o em c h o r a r . . .
P r i m e i r a . — C h o r a s t e s , com effeito, m i n h a irmã.
S e g u n d a . — T a l v e z . . . N ã o i m p o r t a . . . Q u e frio ó este ? . . . O q u e ó isto ? . . . A h , é
a g o r a . . . é a g o r a . . - D i z e i - m e i s t o . . . Dizei-m.6 u m a c o u s a a i n d a . . . P o r q u e n ã o s e r á a
ú n i c a c o u s a real n i s t o t u d o o m a r i n h e i r o , e n ó s e t u d o i s t o a q u i a p e n a s u m s o n h o d ' e l l e ? . . .
P r i m e i r a . — N ã o falíeis m a i s , n ã o falíeis m a i s . . . I s s o é t ã o e x t r a n h o q u e d e v e ser
verdade...
N ã o c o n t i n u e i s . . . O que ieis dizer n ã o sei o q u e é, m a s d e v e ser de m a i s
p a r a a a l m a o p o d e r o u v i r . . . T e n h o m e d o do q u e n ã o c h e g a s t e s a d i z e r . . . V e d e , v e d e ,
6 dia j á . . . V e d e o d i a . . . F a z e i t u d o p a r a r e p a r a r d e s só no dia, no dia real, alli f ó r a . . .
Y ê d e - o , v ê d e - o . . . E l l e c o n s o l a . . . N ã o p e n s e i s , n ã o olheis p a r a o que p e n s a e s . . V ê d e - o
a vir, o d i a . . .
E l l e b r i l h a como o u r o n u m a t e r r a de p r a t a . A s leves n u v e n s a r r e d o n d a m - s e á m e d i d a q u e se c o l o r a m . . . Se n a d a e x i s t i s s e , m i n h a s i r m ã s ? . . . Se t u d o fosse,
de q u a l q u e r m o d o , a b s o l u t a m e n t e c o u s a n e n h u m a ? . . . P o r q u e o l h a s t e s a s s i m ? . . .
(Não lhe respondem. E ninguém olhara de nenhuma maneira.)
A m e s m a . — Q u e foi isso que d i s s e s t e s e qu>e m e a p a v o r o u ? . . . Senti-o t a n t o a u e
m a l vi o q u e e r a . . .
Dizei me o q u e foi, p a r a q u e eu, o u v i n d o - o s e g u n d a vez, j á n ã o
t e n h a t a n t o m e d o como d ' a n t e s . . . N ã o , n ã o . . . N ã o d i g a e s n a d a . . . N ã o v o s p e r g u n t o
isto p a r a que m e r e s p o n d a e s , m a s p a r a fallar a p e n a s , p a r a m e n ã o d e i x a r p e n s a r . . .
T e n h o m e d o de m e p o d e r l e m b r a r do q u e foi. . . Mas foi q u a l q u e r c o u s a de g r a n d e e
p a v o r o s o como o h a v e r D e u s . . . D e v i a m o s j á t e r a c a b a d o de fallar. . . 11a t e m p o j á q u e
a n o s s a c o n v e r s a p e r d e u o s e n t i d o . . O q u e h a e n t r e n ó s q u e n o s faz fallar p r o l o n g a - s e
d e m a s i a d a m e n t e . . . I l a m a i s p r e s e n ç a s a q u i do que as n o s s a s a l m a s . . . O dia d e v i a t e r
já r a i a d o . . . Deviam j á ter a c o r d a d o . . . T a r d a qualquer cousa. . . T a r d a t u d o . . . O que
é que se e s t á d a n d o n a s c o u s a s de a c o r d o com o n o s s o h o r r o r ? . . . A h , n ã o m e a b a n d o n e i s . . . F a l l a e c o m m i g o , fallae c o m m i g o . . . F a l l a e ao m e s m o t e m p o do q u e eu p a r a n ã o
deixardes sosinha a minha v o z . . .
T e n h o m e n o s m e d o á m i n h a voz do q u e á idóa da
m i n h a v o z , d e n t r o de mim, se for r e p a r a r q u e e s t o u f a l a n d o . . .
T e r c e i r a . — Q u e voz é essa c o m q u e f a l l a e s ? . . . E' de o u t r a . .
A"em de u m a espécie
de l o n g e . . .
P r i m e i r a . — N ã o s e i . . . N ã o m e l e m b r e i s i s s o . . . F u d e v i a e s t a r fallando com a v o z
a g u d a e t r e m i d a de m e d o . .
Mas j á n ã o sei como ó que se f a l i a . . . E n t r e m i m e a m i n h a
voz abriu-se um a b y s m o . . . Tudo isto, toda esta conversa, e esta noite, e este medo —
t u d o i s t o devia t e r a c a b a d o , d e v i a t e r a c a b a d o de r e p e n t e , depois do h o r r o r que n o s
d i s s e s t e s . . . Começo a s e n t i r que o e s q u e ç o , a isso q u e d i s s e s t e s , e q u e m e fez p e n s a r q u e
eu devia g r i t a r de u m a m a n e i r a n o v a p a r a e x p r i m i r um h o r r o r de a q u e l l e s . . .
T e r c e i r a . — (para a Segunda) -rMi&b& i r m ã , n ã o n o s devieis t e r c o n t a d o essa h i s t o r i a .
A g o r a e x t r a n h o - m e v i v a com m a i s h o r r o r . C o n t á v e i s e eu t a n t o m e d i s t r a h i a q u e o u v i a o
s e n t i d o d a s v o s s a s p a l a v r a s e o seu som s e p a r a d a m e n t e . E p a r e c i a - m e q u e v ó s , e a v o s s a
v o z e o s e n t i d o do que dizieis e r a m t r e z e n t e s differentes, como t r e z c r e a t u r a s q u e faliam
e andam.
S e g u n d a . — S ã o r e a l m e n t e t r e z e n t e s diferentes, com v i d a p r ó p r i a e real. D e u s t a l v e z
s a i b a p o r q u ê . . . A h , m a s p o r q u e é q u e falíamos ? Q u e m é q u e n o s faz c o n t i n u a r f a l l a n d o ?
P o r q u e fallo eu sem q u e r e r f a l l a r ? P o r q u e ó q u e j á não r e p a r a m o s q u e é d i a ? . . .
P r i m e i r a . — Q u e m p u d e s s e g r i t a r p a r a d e s p e r t a r m o s i E s t o u a o u v i r - m e a g r i t a r dent r o de m i m , m a s j á n ã o sei o c a m i n h o da m i n h a v o n t a d e p a r a a m i n h a g a r g a n t a
Sinto
u m a n e c e s s i d a d e feroz de t e r m e d o de que a l g u é m p o s s a a g o r a b a t e r áquella p o r t a . P o r q u e
n ã o b a t e a l g u é m á p o r t a ? Seria i m p o s s í v e l e e u t e n h o n e c e s s i d a d e de t e r m e d o d ' i s s o , d e
s a b e r de q u e ó que t e n h o m e d o . . . Q u e e x t r a n h a q u e m e sinto !. . . P a r e c e - m e j á n ã o t e r
a m i n h a v o z . . . P a r t e de mim a d o r m e c e u e ficou a v e r . . . o m e u p a v o r cresceu m a s eu j á
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Primeira. — Não sei. Não sei como se é da vida... Ah, como vós