EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE
TRIBUNAL FEDERAL
O PROCURADOR-GERAL
DA
DO
SUPREMO
REPÚBLICA , com fundamento
nos arts. 102, I, a, 103, VI, e 129, IV, da Constituição Federal de
1988, no art. 46, parágrafo único, I, da Lei Complementar 75, de 20
de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União),
e na Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, propõe
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
contra os arts. 12 e 14 da Lei 4.871 do Município de Uberlândia, de 23 de janeiro de 1989, a qual, entre outras providências, disciplina a cobrança de ITBI no âmbito do aludido ente da
Federação.
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Nºº 93825/2015 PGR – RJMB
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
Esta petição inicial é acompanhada de cópia do ato impugnado e do procedimento administrativo 1.00.000.017865/2014-63,
instaurado nesta Procuradoria-Geral da República a partir de representação de Igor Renato Coutinho Vilela.
1. OBJETO
DA AÇÃO
É do seguinte teor os dispositivos impugnados nesta ação:
Art. 12. O pagamento do Imposto sobre a transmissão “inter
vivos” de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos, por
ato entre vivos, realizar-se-á:
I – nas transmissões ou cessões, por escritura pública, antes
de sua lavratura;
II – nas transmissões ou cessões por documento particular,
mediante apresentação do mesmo à fiscalização, dentro de
120 (cento e vinte) dias de sua assinatura, mas sempre antes
da inscrição, transcrição ou averbação do registro competente;
III – nas transmissões ou cessões por meio de procuração em
causa própria ou documento que lhe seja assemelhado, antes
de lavrado o respectivo instrumento;
IV – nas transmissões em virtude de qualquer sentença judicial, dentro de 30 (trinta) dias do trânsito em julgado da sentença;
V – na arrematação, adjudicação, remissão e no usucapião,
até 30 (trinta) dias após o ato ou o trânsito em julgado da
sentença, mediante documento de arrecadação, expedido
pelo escrivão do feito;
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
VI – nas aquisições de terras devolutas, antes de assinado o
respectivo título, que deverá ser apresentado a autoridade
fiscal competente, para cálculo do imposto devido e no qual
será anotado o documento de arrecadação;
VII – nas aquisições por escrituras lavradas fora do Município, dentro de 30 (trinta) dias, após o ato, vencendo-se no
entanto, o prazo à data de qualquer anotação, inscrição ou
transcrição feita no Município e referente aos citados documentos.
Art. 14. Os escrivães, tabeliães, oficiais de notas, de registro
de imóveis e de títulos e documentos e quaisquer serventuários da justiça, não poderão praticar atos que importem
transmissão de bens imóveis ou de direitos a eles relativos,
bem como cessões, sem que os interessados apresentem
comprovantes originais de pagamento do ITBI, que será
transcrito em seu inteiro teor, no respectivo instrumento,
devendo ser acompanhado de certidão fiscal referente ao
imóvel transacionado até a data da operação.
(Art. 14 com redação dada pela Lei Ordinária nº 10.039, de
21 de novembro de 2008)
Conforme se demonstrará, os aludidos dispositivos legais, ao
tornarem obrigatória a cobrança de ITBI pela Fazenda Pública
do Município de Uberlândia antes da transmissão dos bens imóveis e dos direitos a eles relativos, acabaram por contrariar o art.
156, II, da Constituição Federal, o qual estabelece que o fato gerador do referido tributo é a transmissão do domínio dos referidos bens, assim como por afrontar o direito de propriedade,
estatuído no art. 5º, caput e XXII, da CF.
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
2. CABIMENTO
DA ADPF
A arguição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF), prevista no art. 102, § 1º, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 9.882/99, volta-se contra atos comissivos
ou omissivos dos Poderes Públicos que importem em lesão ou
ameaça de lesão aos princípios e regras mais relevantes da ordem
constitucional.
A presente ADPF é de natureza autônoma. Para o seu cabimento, é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos:
(a) existência de lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental,
(b) causada por ato comissivo ou omissivo do Poder Público, e
que (c) não haja nenhum outro instrumento apto a sanar a lesividade. Estes três requisitos estão plenamente configurados, conforme se demonstrará a seguir.
A tese central dessa arguição é a de que os arts. 12 e 14 da
Lei 4.871/89 do Município de Uberlândia, ao tornarem obrigatória a cobrança de ITBI pela Fazenda Pública do Município de
Uberlândia antes da efetiva transmissão dos bens imóveis e dos
direitos a eles relativos, acabaram por contrariar o art. 156, II, da
Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que o fato gerador do referido tributo é a transmissão do domínio dos referidos
bens, assim como por afrontar o direito de propriedade, estatuído
no art. 5º, caput e XXII, da CF
O art. 156, II, da CF, ao estabelecer que o ITBI incidirá em
decorrência da transmissão “inter vivos” de bens imóveis, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como ces4
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
são de direitos a sua aquisição, constitui preceito fundamental da
Carta Magna. Isso porque, além de dispor sobre o único fato gerador apto a ensejar a cobrança do aludido tributo pelos Municípios, implementa importante limitação ao poder de tributar dos
mencionados entes da Federação e fundamental garantia individual dos cidadãos contra a ânsia arrecadatória dos poderes públicos, os quais somente podem exigir tal cobrança caso atendidos
os seus estritos termos.
Por sua vez, o direito de propriedade, constante do art. 5º,
caput e XXII, da Carta Magna, uma das mais importantes garantias individuais concedidas aos cidadãos, também se trata de preceito fundamental. Veja-se, a propósito, trecho do voto condutor
do Min. Gilmar Mendes na ADPF 331:
“Assim, ninguém poderá negar a qualidade de preceitos
fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5º, dentre outros). Da mesma forma,
não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais
princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º,
da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado,
a separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e
periódico. Por outro lado, a própria Constituição explicita
os chamados “princípios sensíveis”, cuja violação pode dar
ensejo à decretação de intervenção federal nos Estados-membros (art. 34, VII).”
O ato comissivo do Poder Público impugnado nessa ADPF é
o teor dos arts. 12 e 14 da Lei 4.871/89 do Município de Uberlândia.
1
Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 231, 2/12/2002.
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
O controle abstrato de constitucionalidade de direito municipal pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF é expressamente previsto pela Lei nº 9.882/19992.
Quanto ao atendimento do princípio da subsidiariedade, a
jurisprudência dessa Corte é pacífica no sentido de que o requisito
de admissibilidade contido no art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/1999 3
deve ser compreendido no contexto dos instrumentos processuais
de controle concentrado de constitucionalidade (ADPF 33, Rel.
Min. Gilmar Mendes, DJ 27/10/2006). Exige-se, assim, a inexistência de outro meio eficaz capaz de sanar a lesividade de forma
ampla, geral e imediata.
Gilmar Ferreira Mendes sintetiza a questão nos seguintes termos:
“Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da arguição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter
em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional.
Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de
constitucionalidade, não será admissível a arguição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização
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3
Art. 1º. A argüição prevista no § 1 o do art. 102 da Constituição Federal
será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar
ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito
fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
Art. 4º. A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
§ 1º. Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
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de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade – isto é, não se verificando a existência de meio apto para
solver a controvérsia constitucional de forma ampla, geral e imediata – há de se entender possível a utilização da arguição de
descumprimento de preceito fundamental.”4
Verifica-se o cabimento da presente arguição, uma vez que a
norma local ora impugnada, editada em 23 de janeiro de 1989,
embora posterior à Constituição Federal de 1988, é anterior à
Constituição do Estado de Minas Gerais, promulgada na data de
21 de setembro de 1989.
Nesse sentido, resulta incabível manejar qualquer outra demanda do controle concentrado de constitucionalidade, nem
mesmo a representação de inconstitucionalidade de leis municipais
em face da Constituição Estadual prevista no art. 125, § 2º, da
Constituição Federal, tendo em vista que a norma impugnada foi
editada anteriormente à Carta Constitucional mineira.
3. FUNDAMENTAÇÃO
O imposto sobre a transmissão inter vivos de bens imóveis e
de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como
cessão de direitos a sua aquisição – ITBI encontra-se previsto no
art. 156, II, da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de
4
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 1.099.
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direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como cessão de direitos a sua aquisição;
O dispositivo em referência realizou importantes alterações
no âmbito do mencionado tributo em comparação com a ordem
constitucional anterior, tendo em vista que o ITBI, conforme o
art. 23, I, da CF/69 e o art. 35 do Código Tributário Nacional,
era instituído pelos Estados e incidia tanto sobre a transmissão
causa mortis quanto a transferência inter vivos de bens imóveis e de
direitos a eles relativos. Com a nova Carta Constitucional, o
ITBI sofreu notável modificação ao passar a ser cobrado pelos
Municípios e ao incidir unicamente em decorrência da transmissão inter vivos de bens imóveis e de direitos a eles relativos, exceto os de garantia. O imposto sobre a transferência causa mortis
do domínio de bens imóveis manteve-se sob a competência dos
Estados, na forma do tributo intitulado ITCMD, disposto no art.
155, I, da CF.
Em que pesem essas modificações, o elemento temporal do
fato gerador do ITBI não sofreu qualquer alteração a partir nova
ordem constitucional, tendo em vista incidir, tanto antes quanto
após a vigência da Constituição Federal de 1988, no momento
da transmissão patrimonial ou da cessão de direitos. Por ter o
ITBI como objetivo a tributação da transferência do domínio de
bens imóveis e dos direitos a ele relacionados, resulta inviável sua
cobrança antes da ocorrência do seu fato gerador, que se procede, nos termos do art. 1.245, caput e §§ 1º e 2º, do Código Civil, no momento do registro do título no Registro de Imóveis:
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante
o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria,
a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do
imóvel.
É dizer, não havendo o registro da escritura definitiva em
cartório, inexiste transmissão da propriedade e, por conseguinte,
não ocorre o fato gerador, elemento imprescindível para a exigibilidade do tributo, na forma do ordenamento jurídico brasileiro.
Esse entendimento vinha sendo adotado previamente à promulgação da atual Carta Magna por essa Corte Suprema, a qual
considerava inconstitucional a norma que viesse a exigir a cobrança de ITBI antes da ocorrência de seu fato gerador, ou seja,
da efetiva transmissão dos bens imóveis e dos direitos a eles relacionados, conforme consta dos seguintes precedentes:
IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSAO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS A ELES RELATIVOS. FATO
GERADOR. O COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA E A PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS
AQUISITIVOS, DADA A SUA NATUREZA DE CONTRATOS PRELIMINARES NO DIREITO PRIVADO
BRASILEIRO, NÃO CONSTITUEM MEIOS IDONEOS A TRANSMISSAO, PELO REGISTRO, DO
DOMÍNIO SOBRE O IMÓVEL, SENDO, PORTANTO, INCONSTITUCIONAL A NORMA QUE OS
ERIGE EM FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE
A TRANSMISSAO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS A ELES RELATIVOS. REPRESENTAÇÃO JULGADA
PROCEDENTE,
DECLARANDO-SE
A
INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO VII DO
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
ART. 89 DO DECRETO-LEI N. 5, DE 15 DE MARCO
DE 1975,, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU O DECRETO-LEI N. 413, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1979,
AMBOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
(Rp 1211, Rel. Min. Octavio Gallotti, Primeira Turma, julgado em 30/04/1987, DJ 05-06-1987)
FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSAO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS A ELE
RELATIVOS. COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA. - O COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO,
NÃO TRANSMITE DIREITOS REAIS NEM CONFIGURA CESSÃO DE DIREITOS À AQUISIÇÃO DELES, RAZÃO POR QUE É INCONSTITUCIONAL A
LEI QUE O TENHA COMO FATO GERADOR DE
IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSAO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS A ELES RELATIVOS. REPRESENTAÇÃO
JULGADA
PROCEDENTE,
DECLARANDO-SE A INCONSTITUCIONALIDADE
DO INCISO I DO PARAGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 114 DA LEI 7730, DE 30 DE OUTUBRO DE
1973, DO ESTADO DE GOIAS.
(Rp 1121, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/1983, DJ 13-04-1984)
Tal compreensão não apenas foi reiterada no contexto da
nova ordem constitucional como se mantém na condição de posicionamento pacífico dessa Corte Constitucional:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO
SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO
GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
IMPOSSIBILIDADE. A obrigação tributária surge a partir
da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação
civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz
a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI so10
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
bre a celebração de contrato de promessa de compra e venda
implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência
do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 805859 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira
Turma, julgado em 10/02/2015, DJe-044 DIVULG 06-032015 PUBLIC 09-03-2015)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO
SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI.
FATO GERADOR: REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(ARE 798241 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda
Turma, julgado em 01/04/2014, DJe-073 DIVULG 11-042014 PUBLIC 14-04-2014)
EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento.
Imposto de transmissão intervivos de bens imóveis. ITBI.
Momento da ocorrência do fato gerador. Compromisso de
compra e venda. Registro do imóvel. 1. Está assente na
Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade
imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido.
(AI 764432 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma,
julgado em 08/10/2013, DJe-231 DIVULG 22-11-2013
PUBLIC 25-11-2013)
Feitas essas considerações, incorre em inconstitucionalidade,
por ofensa ao art. 156, II, da Constituição Federal, a norma municipal estabelecedora da cobrança de ITBI previamente à ocorrência do fato gerador, que se procede unicamente no momento do
registro do título definitivo no Registro Imobiliário.
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
In casu, a Lei 4.871 do Município de Uberlândia, de 23 de
janeiro de 1989, apresenta-se à primeira vista em conformidade
com a Carta Magna ao estabelecer em seu art. 1º que o ITBI “incide sobre a transmissão, a qualquer título por ato oneroso, da propriedade
ou do domínio útil de bens imóveis ou por acessão física, como definidos
na lei civil”, bem como sobre “os compromissos ou promessas de compra e venda de imóveis, sem cláusula de arrependimento, ou a cessão de
direitos deles decorrentes” (parágrafo único do art. 1º).
Posteriormente, contudo, os ora questionados preceitos da
referida norma local não apenas estabelecem a exigência do pagamento de ITBI previamente ao momento do registro do título em
cartório, como também impedem que escrivães, tabeliães, oficiais de
notas, de registro de imóveis e de títulos e documentos, assim como
serventuários da Justiça, pratiquem quaisquer atos de transmissão de
bens imóveis sem que antes os interessados apresentem os comprovantes originais do pagamento do referido tributo. Reitera-se o teor
dos referidos dispositivos legais:
Art. 12. O pagamento do Imposto sobre a transmissão “inter
vivos” de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos, por
ato entre vivos, realizar-se-á:
I – nas transmissões ou cessões, por escritura pública, antes
de sua lavratura;
II – nas transmissões ou cessões por documento particular,
mediante apresentação do mesmo à fiscalização, dentro de
120 (cento e vinte) dias de sua assinatura, mas sempre antes
da inscrição, transcrição ou averbação do registro competente;
III – nas transmissões ou cessões por meio de procuração em
causa própria ou documento que lhe seja assemelhado, antes
de lavrado o respectivo instrumento;
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
IV – nas transmissões em virtude de qualquer sentença judicial, dentro de 30 (trinta) dias do trânsito em julgado da sentença;
V – na arrematação, adjudicação, remissão e no usucapião,
até 30 (trinta) dias após o ato ou o trânsito em julgado da
sentença, mediante documento de arrecadação, expedido
pelo escrivão do feito;
VI – nas aquisições de terras devolutas, antes de assinado o
respectivo título, que deverá ser apresentado a autoridade
fiscal competente, para cálculo do imposto devido e no qual
será anotado o documento de arrecadação;
VII – nas aquisições por escrituras lavradas fora do Município, dentro de 30 (trinta) dias, após o ato, vencendo-se no
entanto, o prazo à data de qualquer anotação, inscrição ou
transcrição feita no Município e referente aos citados documentos.
Art. 14. Os escrivães, tabeliães, oficiais de notas, de registro
de imóveis e de títulos e documentos e quaisquer serventuários da justiça, não poderão praticar atos que importem
transmissão de bens imóveis ou de direitos a eles relativos,
bem como cessões, sem que os interessados apresentem
comprovantes originais de pagamento do ITBI, que será
transcrito em seu inteiro teor, no respectivo instrumento,
devendo ser acompanhado de certidão fiscal referente ao
imóvel transacionado até a data da operação.
(Art. 14 com redação dada pela Lei Ordinária nº 10.039, de
21 de novembro de 2008)
Desse modo, a referenciada legislação municipal, ao tornar
obrigatório o pagamento prévio de ITBI como requisito indispensável para a transmissão de bens imóveis e dos direitos a eles relativos,
além de ofender o mencionado art. 156, II, da Constituição Federal
de 1988 por estabelecer a exigibilidade do tributo antes da ocorrência do seu fato gerador, acabou por incorrer em manifesta afronta ao
direito de propriedade estatuído no art. 5º, caput e XXII, da CF.
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
É dizer, não bastassem haverem estabelecido a exigibilidade
prematura e inconstitucional do mencionado tributo, os referenciados dispositivos tornaram o pagamento prévio requisito imprescindível para a obtenção da propriedade pelo adquirente do
imóvel, tendo em vista o impedimento, constante do art. 14, direcionado a escrivães, tabeliães, oficiais de notas, de registro de
imóveis, de títulos e documentos, assim como serventuários da
Justiça, da prática de quaisquer “atos que importem transmissão de
bens imóveis ou de direitos a eles relativos, bem como cessões, sem que os
interessados apresentem comprovantes originais de pagamento do ITBI”.
Embora o objetivo do Legislador Municipal de Uberlândia
tenha sido claramente o de garantir o pagamento de ITBI por
parte dos contribuintes, sua ânsia arrecadatória acabou por incorrer em manifesta inconstitucionalidade, inclusive por haver resultado em reprovável violação ao direito de propriedade, o qual,
embora não seja direito fundamental absoluto, não pode sofrer
restrições senão com fundamento em outros princípios constitucionais, jamais com base exclusiva em interesses tributários e financeiros dos poderes públicos.
Por fim, tendo em vista haver disciplinado matéria afeta ao
direito civil brasileiro, a saber, o direito de propriedade, o art. 14
da Lei Municipal 4.871/1989 incorreu em notável usurpação da
competência privativa da União para legislar sobre direito civil
estabelecida no art. 22, I, da CF:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
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Procuradoria-Geral da República
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Arguição de descumprimento de preceito fundamental
Por essas razões, resulta imperioso a essa Corte Suprema, na
via do controle concentrado de constitucionalidade, declarar a
inconstitucionalidade dos arts. 12 e 14 da Lei 4.871 do Município
de Uberlândia, de 23 de janeiro de 1989, por haverem incorrido em
manifesta ofensa aos arts. 5º, caput e XXII, e 156, II, da Constituição
Federal.
Com relação ao art. 14, por haver sido alterado sucessivamente
pelas Leis Municipais 9.709, de 21 de dezembro de 2007, e 10.039,
de 21 de novembro de 2008, a fim de evitar indesejados efeitos repristinatórios, importa a declaração da inconstitucionalidade tanto da
redação atual quanto de suas redações anteriores, as quais igualmente
contrariam o texto constitucional, conforme leitura de seu teor, a
seguir colacionado:
Art. 14. Os escrivães, tabeliães, oficiais de notas, de registro de
imóveis e de registro de títulos e documentos e quaisquer outros serventuários da Justiça não poderão praticar quaisquer
atos que importem transmissão de bens imóveis ou de direitos
a eles relativos, bem como suas cessões, sem que os interessados apresentem comprovante original do pagamento do imposto, o qual será transcrito em seu inteiro teor no
instrumento respectivo. (Redação Original)
Art. 14. Os escrivães, tabeliães, oficiais de notas, de registro de
imóveis e de títulos e documentos e quaisquer serventuários da
justiça, não poderão praticar atos que importem transmissão de
bens imóveis ou de direitos a eles relativos, bem como cessões,
sem que os interessados apresentem comprovantes originais de
pagamento do ITBI, que será transcrito em seu inteiro teor, no
respectivo instrumento, devendo ser acompanhado da certidão
negativa de débito referente ao imóvel transacionado até a data
da operação. (Art. 14 com redação dada pela Lei Ordinária nº
9.709, de 21 de dezembro de 2007)
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Procuradoria-Geral da República
Arguição de descumprimento de preceito fundamental
O Procurador-Geral da República requer, após colhidas as
informações necessárias (art. 6º da Lei 9.882/1999), seja julgado
procedente o pedido, a fim de ser declarada a inconstitucionalidade dos arts. 12 e 14 da Lei 4.871 do Município de Uberlândia, de
23 de janeiro de 1989, inclusive, com relação a este último dispositivo, sucessivamente, de seu texto atual concedido pela Lei 10.039,
de 21 de novembro de 2008, da redação dada pela Lei 9.709, de 21
de dezembro de 2007, e do seu teor original.
Brasília (DF), 26 de maio de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
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4. PEDIDO
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2. cabimento da adpf