Futebol
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Futebol
Sábado
20 de dezembro de 2014
A Bola ao CENTRO
A Bola ao CENTRO
A BOLA
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j Em 1988 falhou final europeia
e perdeu oportunidade de transferência para o estrangeiro
Se Brandão foi condenado a pena
de prisão por agredir Thiago Motta,
na Suíça o Zurique processou o jogador Sandro Wieser pela lesão pro-
vocada a Yapi-Yapu, após entrada
violenta. Se os juristas admitem
como viável um cenário de pagamento de indemnização em situações como esta, em Portugal Diamantino Miranda, agora treinador,
será um dos melhores exemplos de
quem poderia tê-lo feito. Em 1988,
ASF
Diamantino
deixa o
estádio em
ambulância
MICHEL EULER/AP
Diamantino Miranda lembra a
lesão que o fez perder muito dinheiro
FRANCOIS MORI/AP
Brandão à conversa com Thiago Motta antes do jogo em que viria a agredi-lo com uma cabeçada provocando um processo não só desportivo mas também judicial; ao lado, Brandão à saída da federação francesa com o seu advogado
figura central no Benfica que atingira a final da Taça dos Campeões
Europeus, lesionou-se num lance
que envolveu o então vimaranense Adão. Falhou a final europeia e,
diz agora, foi bastante prejudicado.
«Nunca tinha pensado nisso do
recurso aos tribunais. O certo é que
há lesões provocadas que podem prejudicar a carreira, por isso estou de
acordo que quem é prejudicado possa recorrer à Justiça», diz a A BOLA.
Para o agora treinador, não restam
dúvidas de que o caso é complexo.
Mesmo acreditando que «raramente existe intenção de lesionar seriamente um adversário», alerta que
«muitas vezes, por se querer intimidar ou tirar um jogador de campo,
faz-se entradas em que não se mede
os riscos reais de lesão grave, acabando por haver negligência nas lesões». Já passaram 26 anos sobre o
episódio com Adão, mas, mesmo à
distância, Diamantino não esquece:
«Senti-me prejudicado, pois estive
muito tempo parado. Tinha a possibilidade de ir para o estrangeiro e não
fui. Tinha 27 anos e nos anos seguintes o rendimento não foi igual. Perdi
muito dinheiro à conta dessa lesão».
Quando há uma agressão e se
percebe que é propositada é uma coisa,
mas se passa a ser moda os processos
em tribunal por cada entrada deixa de
ser possível jogar-se futebol. Isto não
deve condicionar os jogadores. O que
deve condicionar é a consciência de que
temos de evitar lesionar os adversários
JOÃO MEIRA
Jogador do Belenenses
dentro de colégios britânicos como
forma pedagogia e ética. Quando não
há ética não há desporto, logo não
me faz confusão que um caso passado num recinto desportivo seja analisado pelos tribunais civis e concordo até com a pena de prisão. O que
esse jogador fez não foi uma falta
qualquer, é algo que ofende os grandes valores da vida, sem os quais se
torna impossível viver humanamente», defende Manuel Sérgio, que ainda cita a filósofa Hannah Arendt e o
seu alerta para o facto de o mal se ter
tornado banal.
ATENÇÃO AUTORIDADES!
CHAMEM A POLÍCIA!
Por
NUNO PERESTRELO
A
propósito da pena decretada por um tribunal francês
ao futebolista Brandão —
um mês de prisão por
agressão, à cabeçada a
Thiago Motta, no final de um jogo
entre o Bastia, que representa, e o
PSG — A BOLA lançou perguntas .
Qual a fronteira entre Justiça desportiva e civil? Quando deve uma agressão entre atletas saltar para as barras
dos tribunais ou permanecer dentro
das quatro linhas de um recinto desportivo?
Num tema que tem tanto de jurídico quanto de sociológico, a resposta pode ser encontrada na filosofia.
Quem o diz é Manuel Sérgio, 81 anos,
referência cultural no desporto em
Portugal e que gosta de dizer-se muito mais um filósofo que um especialista em desporto. E cita, livremente, Immanuel Kant, que viveu entre
1724 e 1804. É na ‘Crítica da Razão
Prática’ que Manuel Sérgio encontra
a resposta que bem poderia encerrar
a reflexão sobre este tema: «O que
ele nos transmitiu é algo como ‘age de
tal maneira que tudo o que faças,
mesmo o mais insignificante, se possa tornar em lei universal’».
Por outras palavras, o antigo presidente da Federação Internacional
de Educação Física (FIEP), defende
que não há diferença entre o desporto e a vida. «Existe apenas diferença
entre desporto e desporto. Há o jogar
Quando a justiça desportiva não chega
Deve um desportista responder em tribunal por agressões a adversários? d Futebolista Brandão condenado à prisão. em França. por agredir Thiago Motta, gera debate a
nível internacionald Na Suíça, uma entrada violenta também deu processo, que põe em causa a proteção prevista pelo risco inerente à atividade desportiva
com e o jogar contra. Quando se joga
contra nem sequer há desporto».
Para Fernando Veiga Gomes, advogado, 44 anos, especialista em direito do desporto, a fronteira entre a
mera punição desportiva para uma
agressão e o julgamento em tribunal
é a mesma que no caso de uma agressão na via pública. «Aplicam-se sempre as leis gerais do
país», explica.
RISCO INERENTE
O debate sobre
quais os limites
Se devido a agressão
alguém ficar sem clube,
pode ser compensado
pelos danos materiais
FERNANDO VEIGA GOMES
Especialista em direito do desporto
de intervenção da Justiça na prática
do desporto é antigo. André Gonçalo Dias Pereira, professor da Universidade de Coimbra, tem mesmo um
artigo publicado sobre o tema. Com
o título Responsabilidade Civil em
Eventos Desportivos, o texto de 28
páginas aborda desde a responsabilidade de atletas face a outros desportistas, até às responsabilidades de
organizadores de eventos desportivos.
Centremo-nos, no entanto, no que
envolve dois praticantes desportivos
e, concretamente, nos desportos que
o autor cataloga como «uns contra os
outros com perigo de lesão (futebol,
hóquei, basquetebol, andebol, etc).
«Apesar de o escopo principal do jogo
não consistir em causar lesões a outros atletas, estas acontecem com alguma frequência, dada a virilidade e
a velocidade com que se dão as jogadas», explica, acrescentando que «a
doutrina europeia aceita e promove o
instituto da assunção de risco», o que
à partida coloca fora da esfera da punição pelos tribunais uma lesão provocada pela dureza de uma jogada.
Têm a palavra
NÃO DEVE CONDICIONAR
O jurista Veiga Gomes explica então por que motivo os jogadores não
devem passar a temer idas a tribunal
por cometerem faltas mais duras:
«Existe risco inerente à prática desportiva, que é tacitamente aceite: o
risco de uma lesão. Caso contrário
qualquer falta poderia ser considerada crime de ofensas corporais».
Estarão então a salvo os jogadores mais
agressivos, de um
dia se verem sentados frente a um juiz a
responder por uma fal-
O que este jogador fez
não é uma falta qualquer,
é algo que ofende os
grandes valores da vida
MANUEL SÉRGIO
Professor Universitário
ta cometida num jogo? Também não
é assim tão simples, explica Veiga Gomes. «Se a atuação de um jogador
extravasa o âmbito desse risco e um
outro é agredido de tal modo violento que a situação lhe causa danos, ou
se é algo totalmente fora da competição, como o caso recente de uma
agressão bárbara de um jogador de
râguebi que deixou o adversário inconsciente, então pode haver uma
queixa crime e até lugar ao pagamento de indemnizações. Imagine-se que
uma agressão faz um jogador parar
três meses, com isso não vê o contrato renovado e depois não consegue
encontrar clube onde jogar: pode
sempre avançar com queixa por crime de ofensas corporais, agravado
pelos danos materiais», explica.
à pessoa do adversário», escreve André Gonçalo Dias Pereira, para vincar
que «numa situação desportiva é frequente haver contactos entre atletas
(...) o que se revela intolerável é utilizar o evento desportivo para atacar
a pessoa do adversário».
E faz interessante comparação en-
então, lhe dar uma cabeçada, Brandão ultrapassou os limites do desporto e passou para a esfera criminal.
A fronteira é então, parecem todos
concordar, a do bom senso. «O desporto é ética em movimento. O desporto como hoje conhecemos nasceu
na primeira vintena do século XIX,
ASF
Do nariz partido por Weah
aos portistas no túnel da Luz
j Dois casos mediáticos chegaram à barra do tribunal; sempre
porque houve queixas
DISPUTA OU ATAQUE?
Sendo o ponto de partida para as
perguntas que A BOLA faz, o caso
Brandão acaba também por ser o ponto de chegada. «Distinção importante é a que se estabelece entre ataques
ao adversário desportivo ou ataques
tre «liberdade de expressão e direito
à honra». Para o justificar cita o Supremo Tribunal do Estado da Baviera: «uma coisa é criticar a obra [de um
escritor], outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor».
Ao esperar no túnel de acesso aos
balneários por um adversário, para,
A prática tem por hábito contrariar a teoria e o que se vê no dia a dia
é que raramente a Justiça se intromete no que se vai vendo nos recintos desportivos — quanto mais mediáticos são os palcos, menores as
consequências dos atos. Casos anteriores revelam que, sobretudo em
Portugal, só a existência de queixas
leva a Justiça a ir a jogo. Não tem de
ser sempre assim. «Pode haver uma
queixa apresentada por quem se sente ofendido, mas também pode a
agressão ser de tal forma violenta que
leve os agentes da polícia que a presenciam a identificar o atleta e apresentar queixa no Ministério Público.
No caso de um jogo que esteja a ser
transmitido pela TV também pode
um Procurador estar em casa a assistir e telefonar para o procurador da
zona a dizer que viu um crime ser
praticado em direto», explica Fernando Veiga Gomes, que aponta como
exemplo a agressão de Cantona a um
adepto do Manchester United, o que
levou o francês a ser acusado de agressão, pela qual teve de responder em
tribunal.
Jorge Costa a sangrar depois do jogo
Decorria o ano de 1996 e no final
de um jogo entre FC Porto e Milan
George Weah, estrela liberiana do
clube italiano, agrediu o capitão do FC
Porto, provocando-lhe fratura da cana
do nariz que o afastou dos relvados,
falhando jogos da Seleção e do seu
clube. Em tribunal, Jorge Costa pe-
dia 19 mil contos (hoje cerca de 80 mil
euros) de indemnização por danos
provocados pela ausência na competição mas também por se considerar difamado (Weah disse que Jorge
Costa lhe dirigira insultos racistas). O
processo acabou por ser suspenso em
2002, por impossibilidade de o tribunal notificar George Weah.
Mais recentemente, outro caso
mereceu a atenção do Ministério Público, que acusou cinco jogadores do
FC Porto de agressões no túnel de
acesso aos balneários do Estádio da
Luz. Julgados no Tribunal de Instrução Criminal, Hulk, Helton, Cristian
Rodriguez, Sapunau e Fucile foram
considerados culpados de, em 2009,
terem agredido dois stewards no Estádio da Luz. Sapunaru foi condenado a pagar multas de 90 mil euros,
Helton 60 mil, Hulk, Fucile e Cristian
Rodriguez 45 mil cada. Os seguranças receberam 30.500 euros cada.
DEPOIMENTO
Por
FERNANDO PINTO MONTEIRO
«Para haver crime
é preciso
que se prove
intencionalidade»
Q
UALQUER facto ilícito pode provocar
danos e dar origem a três tipos de
responsabilidade, consistindo esta
na reparação ou punição do dano. Há,
então, três tipos de responsabilidade.
Responsabilidade disciplinar: imagine um
motorista que utiliza o carro sem
autorização do patrão, o futebolista que
falta aos treinos... No futebol, que é o que
aqui interessa, a responsabilidade
disciplinar é exercida pela entidade
patronal, o clube que representa e o pune
com multa por ter faltado aos treinos, pelo
treinador que não o coloca a jogar, pelo
árbitro que pune com cartão uma falta,
pelos órgãos disciplinares que punem pelo
ilícito desportivo. Além da
responsabilidade disciplinar, ou
desportiva, se se quiser, há a
responsabilidade penal. É aquela que
corresponde ao ilícito penal. Quando era
juiz em Loures, há muitos anos, tive o
caso de um individuo que agrediu um
árbitro a murro. Este apresentou queixa-crime e ele foi julgado no tribunal de
Loures. Por acaso eram ferimentos
ligeiros e o árbitro acabou por perdoar. É
raro em Portugal, porque criou-se a ideia
que o ato em si não é intencional. Agora,
no caso em que são ultrapassados os
limites do desporto, pode incorrer em
ilícito penal. Dito de forma simples, um
crime. Há sempre que distinguir se foi
dentro do jogo ou se nada teve a ver com
o jogo, mas isso são os tribunais que têm
de decidir. O ilícito penal pode dar multa
ou prisão, se for muito grave. Depois há
ainda a responsabilidade civil, que
consiste em indemnizar pelo dano
causado. Se um jogador partir a perna
intencionalmente e o outro entender que
deve ser julgado, pode exigir a reposição
da situação que existiria sem a lesão.
Pode queixar-se de que ganharia ’x’ se
não fosse agredido, por exemplo.
Pode, pois, um jogador de futebol incorrer
nas três coisas. Está sujeito a
responsabilidade desportiva pelos órgãos
próprios, pode estar sujeito a
responsabilidade penal se cometer um
crime e a responsabilidade civil se causar
o prejuízo a outro e o outro lhe pedir para
o indemnizar. Para haver crime, e é por
isso que aparecem poucos, é preciso que se
prove que foi intencionalmente e que nada
teve a ver com o jogo. Normalmente tudo
isso se insere no risco próprio do jogo, daí
serem punidos disciplinarmente,
desportivamente. Só podem ser
considerados crimes quando se prova que
há intenção e que ultrapasse o risco próprio
do jogo.
Ex-Presidente do Conselho de Justiça
e ex-Procurador Geral da República
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Quando a justiça desportiva não chega