Clipping Veículo: Revista Isto É – edição 1893 Editoria: Medicina & bem-estar Data: 1/2/2006 Página: - Precisão: o cirurgião Almino diz que as longas pinças são como uma extensão de suas mãos Tratamentos Chega de sofrer Recuperação mais rápida e pouco sangramento fazem das cirurgias minimamente invasivas as preferidas por médicos e pacientes Cilene Pereira e Mônica Tarantino O médico Almino Cardoso Ramos, 42 anos, opera mensalmente 120 pacientes de apendicite e crises de vesícula, entre outros males do aparelho digestivo, a sua especialidade. Apesar do grande número de procedimentos, raramente termina o dia com o avental branco maculado de sangue. Tanta assepsia surpreende, mas não é exclusividade dele. Como centenas de colegas, Almino é especialista em cirurgias minimamente invasivas, intervenções que estão mudando a face da medicina. São cirurgias feitas com incisões cada vez menores, algumas de meio centímetro, no tamanho exato para a introdução de uma câmera e pinças para remexer no interior do corpo. “Esses instrumentos são a extensão da mão do cirurgião. E as imagens geradas pela câmera são os nossos olhos, com uma visão 20 vezes maior”, explica o gaúcho Almino, que há 20 anos trocou sua cidade natal, Caxias do Sul, por São Paulo, para aprender a técnica que agora ministra em cursos dados em diversos países, de Portugal ao Japão. Quem mais se beneficia com essas operações são os pacientes. Sofrem menos durante e após o procedimento, vão embora mais cedo para casa e retornam mais rápido à vida normal. “Toda cirurgia é um trauma. Mas, quanto menor ele for, mais rápido o organismo se recupera”, afirma o cirurgião Jorge Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina. O aumento da procura por esses procedimentos acendeu o interesse de empresários da saúde. Em São Paulo, motivou a criação do Centro Especializado em Cirurgias Minimamente Invasivas, local em que são feitas cerca de 380 cirurgias por mês e onde o cirurgião Almino opera com freqüência. Entre as mais comuns estão as de redução de estômago (contra obesidade) e as de retirada de miomas. “Esse foco nos possibilita ter custos 30% a 50% inferiores aos de hospitais maiores porque fazemos cirurgias simples dentro de regras que não permitem excessos. Isso facilita até a relação com os convênios”, explica May Cividanes, administradora do empreendimento, pioneiro na América Latina e inaugurado há um ano e três meses. E do ponto de vista científico a estratégia ganha destaque. Em setembro, por exemplo, será realizado no Rio de Janeiro o 1º Congresso Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva em Ginecologia. O encontro reunirá 700 especialistas prontos para discutir 53 temas – de intervenções para incontinência urinária a sangramento uterino. “A área avançou tanto que exige um evento como esse”, explica o ginecologista Marco Aurélio de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Endoscopia Ginecológica e Endometriose. Livre de marcas: a empresária Cláudia Júlio, 37 anos, de São Paulo, adiou dois anos a decisão de tirar a vesícula. Tinha medo de ficar Epilepsia – Muitos fatores contribuem para o sucesso dessa equação com cicatrizes na que mescla eficácia com maior conforto para os doentes. Um deles é barriga. Só tomou coragem quando o o progresso nos métodos de diagnóstico por imagem. Ele permitiu, por exemplo, que a cirurgia de epilepsia desse um salto fantástico nos médico alertou para o perigo de uma últimos anos. As crises da doença são deflagradas por descargas elétricas em determinadas regiões cerebrais. Cerca de 70% dos casos crise. Submetida a são controlados por remédios. Para o restante, a única opção é tirar a videolaparoscopia, ficou satisfeita. “Foi área afetada. simples e não deixou sinais. Devia ter feito antes” Adeus muleta: nesta semana, o estudante Tiago Rodrigues, 25 anos, do Rio de Janeiro, voltará a andar sem muletas. No início do mês, ele operou o joelho esquerdo para restaurar ligamentos rompidos num jogo de futebol. Teve alta no dia seguinte. Há quatro anos, operou o joelho direito por um método mais antigo. “Fiquei dois dias internado”, lembra Antigamente, o drama começava na localização desse foco. Era preciso implantar eletrodos no cérebro para achar o ponto. Enquanto isso, o doente ficava internado. Depois, nova intervenção para tirar o eletrodo e, em seguida, aí, sim, a cirurgia para extração da área. Hoje, em 80% dos casos localiza-se a lesão com o auxílio de ressonância magnética, tomografias e eletroencefalogramas mais modernos. Sem abrir nada. E, na hora de mexer no cérebro, o corte é mínimo. “Como identificamos o local antes, a abertura é pequena. Além disso, há instrumentos que calculam onde levar o bisturi”, conta Américo Sakamoto, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. O coração é mais um órgão favorecido. Cerca de 80% dos casos de entupimento das artérias que irrigam o coração são resolvidos com a colocação de stents (espécie de mola que abre a artéria, liberando a passagem do sangue). Atualmente, também se recorre à implantação dos artefatos para tratar o entupimento dos vasos da perna. “O procedimento, que substitui uma cirurgia penosa, é possível graças à evolução da área. Os cateteres e os stents melhoraram”, afirma o médico Marcelo Ferreira, da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro. O objetivo é diminuir o sofrimento até nos casos em que o stent não pode ser usado e a melhor opção é implantar pontes mamárias (enxertos nas coronárias para restaurar o trânsito sangüíneo). Um dos recursos para amenizar o impacto dessa cirurgia foi a criação da técnica que dispensa a circulação extracorpórea (uma bomba faz as vezes do coração e pulmão durante a operação) em 40% dos casos. “Usamos um dispositivo para imobilizar e estabilizar a artéria. Isso encurta a internação de oito para cinco dias”, diz Pablo Pomerantzeff, diretor de Cirurgia do Instituto do Coração, em São Paulo. Mix de tecnologia: o kit básico de videolaparoscopia é formado por uma filmadora especial associada a uma fonte de luz (para iluminar o interior do corpo), com ponteira de fibra óptica para captar e transmitir as imagens para a tela de tevê. Outro aparelho indispensável é o insuflador, que injeta gás carbônico para aumentar As ferramentas pouco invasivas também servem para o espaço de manobra do cirurgião por baixo da pele. Por fim, há os fazer diagnósticos, como a avaliação de nódulos de trocateres, espécie de introdutores pulmão para saber se há risco de câncer. No modelo por meio dos quais são inseridas as moderno, há duas ou três incisões torácicas de dez milímetros. O convencional implica incisões de até 25 pinças com laser e ultra-som ou para cortar e manipular. O centímetros e até cortes nas costelas. “A técnica é preço médio de tudo isso é R$ 40 ainda indicada para enfisemas graves”, explica Luís mil Carlos Losso, do Grupo Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva. Vários métodos continuam se refinando, como a cirurgia pouco agressiva de joelho. Aperfeiçoamentos recentes garantem maior suavidade. “Diminuímos o tempo de reabilitação do paciente”, explica o especialista João Grangeiro Neto, diretormédico do Comitê Olímpico Brasileiro. Acesso – Contudo, muitos pacientes ainda não são premiados por esses avanços. “De madrugada, nos hospitais públicos, é difícil fazer uma cirurgia de apendicite por videolaparoscopia. Em geral, o aparelho não está disponível”, conta o cirurgião Almino. Fora das grandes cidades, a dificuldade aumenta. “Muitas instituições não têm os equipamentos básicos e muito menos os recursos para cirurgias pouco agressivas”, diz o cirurgião pediátrico Paschoal Napolitano, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo. Segura caminhada: a colocação de oito stents (quatro na perna direita e quatro na esquerda) mudou a vida do carioca Waldemero Dias, 68 anos. Portador de obstruções nas artérias dos membros inferiores – o que lhe trazia muita dor –, ele voltou às caminhadas. “Duas semanas depois já fazia exercícios”, conta. Dias foi beneficiado por uma novidade: metade dos stents é embebida em remédios que evitam a formação de fibrose De fato, no Brasil, o preço elevado dos materiais e equipamentos dificulta o acesso. O tratamento do aneurisma cerebral por vias mais delicadas, por exemplo, ainda é restrito. “Seu uso não é amplo por causa dos valores e porque há poucos especialistas capacitados”, explica o neurorradiologista Mário Andrioli, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Cada um dos artefatos usados nesse procedimento custa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. E às vezes é preciso utilizar até dez. Além disso, não se pode perder de vista que mesmo essas cirurgias têm risco. “Pode haver ruptura de vasos e outras estruturas. O médico precisa ser treinado para agir rápido”, diz o cirurgião Losso. E há casos em que elas não são a primeira opção. “É possível, por exemplo, operar câncer de útero pela técnica, mas por enquanto em situações bem selecionadas”, pondera o ginecologista Carlos Dale, da Casa de Saúde São José.