ESÔFAGO-CÁRDIO-MIOTOMIA DE HELLER POR ACESSO VIDEOLAPAROSCÓPICO COM E SEM FUNDOCARDIOPLASTIA DE DOR ASSOCIADA: COMPARAÇÃO DA PREVALÊNCIA DO REFLUXO GASTROESOFAGIANO PATOLÓGICO IATROGÊNICO, EM CÃES. Dr. Ivan Mário Zanotto Adami - Projeto de Pesquisa – Mestrado Orientador: Prof. Dr. João Luiz M. C. Azevedo INTRODUÇÃO Atualmente é recomendado que a extensão da esôfago-cárdio-miotomia de Heller-Zaaijer (Heller, 19131; Zaaijer, 19232) no tratamento da acalásia esofagiana deva ser suficientemente extensa para secionar todas as fibras musculares do esfíncter inferior do esôfago e os três centímetros proximais do estômago (secção parcial do colar de Helvetius), de modo a ser eliminado por inteiro o obstáculo intrínseco da junção esôfago-gástrica à progressão do bolo alimentar3. Dessa forma, está indicada uma miotomia completa com um mínimo de 8 cm de extensão na parede anterior do esôfago, devendo progredir distalmente à junção esôfago-gástrica por 3 cm, pelo menos3. Tal incisão suprime por completo uma importante barreira anti-refluxo: o mecanismo esfinctérico intrínseco do esôfago inferior. Em decorrência, prevenir o refluxo gastroesofagiano após miotomia é preocupação dos cirurgiões desde Heller (19131): “O esfíncter após miotomia deve ser suficientemente débil para permitir a passagem dos alimentos, mas não ao ponto de permitir o refluxo”. Na cirurgia convencional, é quase unânime a recomendação de se adicionar um procedimento anti-refluxo à miotomia4. Recentemente o acesso para a miotomia de Heller passou de aberto para laparoscópico5,6,7, ou toracoscópico8, pois a benignidade dessas vias minimamente invasivas impôs a miotomia como tratamento primário da acalásia esofagiana9. Não obstante, mesmo por cirurgia minimamente invasiva, muitos recomendam expressamente a associação de procedimento anti-refluxo após miotomia do esfíncter inferior do esôfago10, enquanto outros cirurgiões laparoscopistas concluiram não ser necessária a associação de válvula anti-refluxo, nesses casos11-13. Entre os que preconizam a necessidade da realização obrigatória de procedimento anti-refluxo associado mesmo nas miotomias por videolaparoscopia, há os partidários da fundocardioplastia parcial anterior de Dor14-19, descrita para a cirurgia aberta em 1962 (Dor et al.)20. Esses autores argumentam que a destruição total do esfíncter inferior do esôfago pela miotomia determina o aparecimento de refluxo gastroesofagiano patológico (doença do refluxo gastroesofagiano) em significativo percentual de pacientes14-19. Contrariamente a isso, os partidários da evitação do procedimento anti-refluxo associado à miotomia11-13 alegam que, ao contrário da cirurgia convencional, a intervenção laparoscópica permite que permaneça in situ a face póstero-lateral do esôfago, dessa forma preservando os outros meios de contenção do refluxo gastroesofagiano de modo eficaz12. Adicionalmente, região de alta pressão localizada na zona de transição tóracoabdominal (com características de esfíncter e atribuída à ação do diafragma) foi detectada em pacientes submetidos a esofagogastrectomia21. Autores sustentam que a ação do esfíncter inferior do esôfago é superimposta ao efeito constritor do esôfago terminal por parte da crura diafragmática, sendo a zona de pressão aumentada na junção esôfago-gástrica resultante do somatório das ações da musculatura lisa intrínseca do esfínter inferior do esôfago e da musculatura estriada extrínseca do hiato esofagiano22. Nessa ordem de idéias, haveria não um mas dois esfíncteres inferiores do esôfago, sendo um intrínseco e outro extrínseco ao órgão23. O conceito da existência desses dois esfíncteres tem considerável relevância do ponto de vista fisiopatológico23, sendo a principal a desnecessidade de se associar um procedimento anti-refluxo após a miotomia de Heller por videolaparoscopia, pois esse acesso preserva a situação da junção esôfago-gástrica, dessa forma propiciando a contenção do refluxo em decorrência da ação esfinctérica do hiato esofagiano24. Nesse cenário, é proposta a presente pesquisa experimental. Assumem os autores desta pesquisa que o acesso videolaparoscópico, com sua magnificação do campo operatório e precisão e delicadeza das manobras, propicia a realização da miotomia de Heller sem a mobilização do esôfago, isto é, permitindo que o órgão permaneça acoplado ao hiato diafragmático pelas suas faces posterior e laterais. Nessas circunstâncias, a ação esfinctérica extrínseca da musculatura estriada do hiato esofagiano pode ser exercida eficazmente na junção esôfago-gástrica, de forma a conter o refluxo patológico iatrogênico pós-miotomia do esfíncter intrínseco do esôfago inferior. 1.OBJETIVO: Comparar a prevalência de refluxo gastroesofagiano patológico iatrogênico pós-miotomia de Heller com e sem procedimento antirefluxo associado, em cães. 2. MÉTODO 2.1 Animal de experimentação 2.1.1 Caracterização da amostra Serão utilizados 12 cães machos, da espécie canis familiaris, sem raça definida, com idade desconhecida, aparentemente jovens e saudáveis, com estado nutricional satisfatório, boa dentição, peso corpóreo variando entre 15 kg e 22 kg, providos de pelagem curta ou média, escolhidos segundo critérios específicos (quadro 1) QUADRO 1: Critérios para a seleção dos animais Peso (de 15 a 22 kg) Idade (aparentemente jovem) Pelagem (curta ou média) Olhos (limpos e brilhantes) Focinho (úmido e frio) Postura (saudável) Temperamento (dócil) Movimentação (normal) 2.1.2 Ecologia Animal Os cães escolhidos para o experimento ficarão albergados em boxes individuais, sob iluminação artificial e nível de ruído baixo, com temperatura ambiente e demais condições ambientais sob controle (ruídos, renovação de ar etc). 2.1.3 Distribuição em grupos Mediante sorteio com os cães anestesiados sob narcose, os animais serão distribuídos em 2 grupos de 6 indivíduos, segundo o tipo de acesso à cavidade peritoneal: Grupo 1: Miotomia sem procedimento antirefluxo Grupo 2: Miotomia com procedimento antirefluxo. 2.2 Delineamento experimental 2.2.1 Anestesia Como medicação pré-anestésica será utilizada acepromazina na dose de 0,1 mg/kg por via intramuscular, em associação com midazolan na dose de 0,5mg/kg. Decorridos 15 a 20 minutos, canula-se a veia marginal da orelha e inicia-se a infusão de solução fisiológica 0,9% na dose de 10/ml/kg/hora. A indução anestésica é feita com Thiopental na dose de 10mg/kg. A seguir, realiza-se a intubação orotraqueal seguida pela aplicação intravenosa de pancurônio na dose de 0.066 mg/kg. A manutenção da anestesia é feita com isoflurano. O animal é mantido sob ventilação por pressão positiva. A duração do tempo inspiratório não deve ultrapassar dois segundos. A freqüência de ventilação deve ser mantida entre 10 e 15 ciclos por minuto. A relação tempo inspiratório/expiratório está entre 1:2 a 1:3. 2.2.2 Endoscopia pré-operatória com biópsia Com os animais sob narcose, procede-se a endoscopia digestiva alta com fibroscópio flexível, com vistas especiais para a presença de esofagite. Realizada no 7. PO. Passagem esofágica do endoscópico. Visibilização e gravação em fita cassete do aspecto endoscópico do esôfago, estômago e duodeno. Pesquisa de refluxo gastroesofágico. Biópsia de mucosa esofagiana. 2.2.3 Sondagem orogástrica e aspiração Colocação de sonda orogástrica com aspiração do conteúdo gástrico. 2.2.4 Técnica operatória Os animais estarão sob anestesia geral, com intubação orotraqueal e pressão positiva intermitente, posicionados em decúbito dorsal, em proclive de 20 graus e sondagem nasogástrica. O cirurgião coloca-se de frente para a extremidade posterior do animal, com o primeiro auxiliar e a instrumentadora à sua direita e o segundo auxiliar à sua esquerda. Será feita punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo, com insuflação de CO2 até 12 mm/Hg. Serão posicionadas 5 portas laparoscópicas, sendo três de 10 mm e duas de 5 mm. A ótica de 30 graus é posicionada em porta de 10 mm situada na linha média, ao nível da cicatriz umbilical. Dois centímetros abaixo do apêndice xifóide se coloca uma porta de 10 mm para o afastamento cranial do fígado pelo segundo auxiliar. Em porta situada a oito centímetros abaixo do rebordo costal direito, ao nível da linha hemiclavicular, posiciona-se uma porta de 5 mm para o trabalho da mão esquerda do cirurgião. Para a sua mão direita, uma porta de 10 mm na linha axilar anterior esquerda, seis cm abaixo do rebordo costal. Uma outra porta de 5 mm é postada na linha hemiclavicular esquerda, 6 cm abaixo da cicatriz umbilical, para tração do estômago em direção caudal e esquerda. Inicia-se a intervenção propriamente dita pela abertura da membrana frenoesofagiana na extensão do seu hemiperímetro anterior. Disseca-se a face anterior do esôfago numa extensão de 8 cm acima do hiato. Procede-se à secção anterior das camadas da muscular própria (miotomia de Heller), interessando os oito centímetros distais do esôfago, o cárdia e os três centímetros proximais do estômago. Após clampeamento do estômago imediatamente distal à miotomia, procede-se à instilação de solução de azul de metileno para testar a impermeabilidade da parede do tubo digestivo no local da miotomia. A seguir registra-se a pressão do esfíncter inferior do esôfago por meio de manometria. Permanece com a ponta no esôfago inferior o catéter da manometria, que sairá do lume esofágico mediante esofagostomia cervical, será tunelizado subcutaneamente e se exteriorizará no dorso do animal. Esse catéter servirá para manometria e phmetria pós-operatórias. Procede-se à randomização do animal valendo-se de uma moeda e do sistema cara ou coroa. Nos animais do Grupo A (miotomia sem procedimento anti-refluxo associado) a intervenção cirúrgica estará encerrada, procedendo-se à retirada das cânulas, desinsuflação do abdome e fechamento das portas laparoscópicas de 10 cm. Nos animais do Grupo B (associação de válvula de Dor à miotomia) a intervenção prossegue com o ancoramento mediante suturas da parede anterior do fundo gástrico às bordas da miotomia, após o que encerra-se a operação da mesma forma que nos animais do Grupo A. 2.2.5 Evolução pós-operatória Analgesia com Tartarato de butorfanol (Turbogesic), 10mg/kg e acetaminofen, 10 mg 3 x dia, iniciando no 1.PO. Jejum por 24 hs PO. Ringer Lactato com dextrose a 5%, 30 ml/kg, Líquidos no 1.PO, dieta branda (arroz, ovos, carne) no 2.PO e dieta normal canina (Purina) do 3.PO em diante 2.2.6 Manometria e phmetria pós-operatórias No 4. PO os animais serão submetidos a phmetria e manometria esofagianas, após as quais o catéter é retirado. 2.2.7 Necrópsia Os animais serão sacrificados com aplicação intravenosa de T61 (Embutamida, Iodeto de Mebezônio e Cloridrato de Tetracaína) na dose de 0,3ml/kg. A realização da necropsia começa por laparotomia ampla e têm por finalidade examinar macroscopicamente a cavidade abdominal em busca de sinais de hematoma, hemoperitônio, escapes de conteúdo gastrintestinal, e outras anormalidades. O exame continua com toracotomia bilateral, em busca de derrames pleurais ou outras anormalidades. A junção esôfago-gástrica será retirada para exame macroscópico e microscópico 2.2.8 Tratamento estatístico Nesta pesquisa a hipótese de nulidade (Ho) é a da igualdade dos dois grupos em relação à presença ou ausência de doença do refluxo gastroesofagiano (DRGE) iatrogênica (end-point) demonstrada na endoscopia digestiva alta pós-operatória mediante o achado de sinais macroscópicos e/ou microscópicos de inflamação, aliado à constatação de refluxo gastroesofagiano à phmetria. Foi utilizado o teste exato de Fisher para confrontar os grupos A e B em relação à presença ou ausência de DRGE (Siegel e col.25, 1988). 2.2.9 Cronograma Será operado um cão por semana, e sacrificado um cão por seman a pártir da segunda semana, num total de 13 semanas para a fase experimental da pesquisa 3.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Heller E. Extramuköse Cardiaplastik beim chronischen Cardiospasmus mit Dilatation des Oesophagus. Mitteikungen aus den Grenzgebieten der Medizin und Chirurgie 1913; 27:141-9. 2. Zaaijer JH. Cardiospasm in the aged. Ann Surg 1923; 77:615-7. 3. Liebermann-Meffert D, Stein H-J. What precisions concerning the site and lenght of myotomy could be expected from the present knowledge on the muscular structure of the lower esophageal sphincter? In: Giulli R, Galmiche J-P, Jamieson G-J, Scarpignato C (eds.). O.E.S.O. - Organisation Internationale d’Études Statistiques pour les Maladies de l’Öesophage. The esophagogastric junction: 420 questions, 420 answers. 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