1 A PROBLEMÁTICA JURÍDICA-CIVIL NO TOCANTE À REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA CIVIL LEGAL PROBLEMAS IN RELATION TO THE ASSISTED HUMAN REPRODUCTION HETEROLOGOUS Ana Gabriela Soares Barbosa1 RESUMO: A Constituição Federal consagrou o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como basilar da ordem normativa brasileira, da qual devem se pautar todos os princípios dele decorrentes. O Direito à Filiação não pode fugir deste sistema normativo. Com o intuito de analisar as novas condutas sociais no que tange ao desejo do projeto parental, o presente trabalho traz um apanhado teórico acerca da regulamentação jurídica das técnicas de reprodução humana assistida. Discutem-se as lacunas normativas para novos anseios populares, como o direito à descoberta da identidade genética em contrapeso ao direito ao sigilo dos doadores dos gametas. O intuito é trazer a discussão esses pontos de estrangulamento existentes no ordenamento, sem, contudo, esgotá-los. PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Inseminação artificial heteróloga; Anonimato do doador; Direito à informação. ABSTRACT: The Constitution of 1988 consecrate the Principle of Human Dignity as a new constitutional order witches all other principles has submission. The Filiations Right cannot be separated of this new regulatory system. Intend to analysis the social demand, especially in the parental project, this paper brings the doctrine about the legal regulation of the assisted reproduction techniques. Discuss the absence regulation for thematic as the right to genetic identity and the secret of identity of the sperm donator. The intention is analyzing the reasons about these absences, although do not exhaust them. KEYWORDS: Principle of Human Dignity; Artificial insemination heterologous; Anonymity of the donor; Right to information. 1. INTRODUÇÃO O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi consagrado fundamento do Estado Democrático de Direito na Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso III2. A partir de então, pode-se concluir que o Estado Brasileiro existe para atender as pessoas, e não são estas 1 Advogada. Professora Universitária. Mestranda em Direito pela UFAL. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de janeiro de 2011. “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana”. 2 2 que existem em função do Estado. Consequentemente, o Direito, enquanto criação do Estado, deve atender os mesmos fins3. Tal princípio constitui um valor unificador de todos os Direitos Fundamentais. Os direitos à vida, à liberdade, à igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana. Não é possível uma definição clara e precisa do conteúdo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; uma vez que se trata de conceito vago e impreciso. Mas pode-se afirmar que a dignidade é uma qualidade inata da condição humana, simplesmente existindo, na medida em que qualifica o homem como tal4. Ingo Sarlet entende dignidade humana como sendo (...) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os 5. demais seres humanos O Direito à Filiação, previsto no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente6, é uma expressão do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A pessoa só usufrui de uma vida com dignidade no momento em que toma conhecimento de sua origem, sendo está a maior concretização da personalidade7. Hoje a sociedade se depara com os avanços científicos e tecnológicos ao mesmo tempo em que clama por uma delimitação jurídica e moral que legitime e limite tais avanços. A Bioética surge para regulamentar a ciência frente a sua atuação perante a vida e a saúde, 3 ANDRADE, Denise Almeida de. CHAGAS, Márcia Correia. 2010, p. 705. No mesmo sentido, SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 111. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 113. “(...) o princípio da dignidade da pessoa humana constitui uma categoria axiológica aberta, sendo inadequado conceituá-lo de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas”. 5 SARLET, Ingo Wolfgang, As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídicoconstitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. Direitos fundamentais e biotecnologia. São Paulo: Método, 2008, p. 37-38. Grifos no original. 6 BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de janeiro de 2011. “Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observando o segredo de Justiça”. 7 ANDRADE, Denise Almeida de. CHAGAS, Márcia Correia. 2010, p. 708. 3 estabelecendo princípios morais8. Com os avanços biotecnológicos, a técnica de reprodução humana assistida tornou possível o sonho de milhares de casais. Tais métodos artificiais de procriação constituíram estruturas familiares em que o conteúdo genético dos pais não corresponde aos dos filhos. Para definir os critérios da filiação, o Código Civil Brasileiro de 1916 estava atrelado ao caráter biológico. O parentesco se edificava através dos laços consanguíneos. Porém, o atual Código Civil Brasileiro optou pela verdade jurídica em detrimento do biologismo, atribuindo status de família aqueles que socialmente se portam como tal, ou seja, a afetividade é a maior expressão para a constituição de uma família. Com isso, as técnicas de reprodução humana assistida passaram a ser reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro como mais uma possibilidade de concretizar o vínculo parental9. Porém todos esses avanços advindos das novas pesquisas biomédicas ocorrem numa velocidade a qual o Direito não consegue alcançar. São tantas evoluções no campo da biotecnologia que as lacunas da lei não se preenchem. O surgimento das técnicas de reprodução humana assistida foi muito bem recebido pela sociedade carecedora de soluções para combater a esterilidade, que o Direito não viu alternativa senão legitimá-lo. Mas questões procedimentais foram omitidas na lei, deixando a sociedade sem uma completa proteção jurídica. O presente trabalho tem por objetivo levantar algumas dessas questões, sem com isso ter a pretensão de esgotá-las. Trata-se de uma busca, curiosa, por respostas jurídicas para questionamentos morais e éticos que nem mesmo a precisão da ciência é capaz de responder. 2. FILIAÇÃO CIVIL DECORRENTE DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA 2.1. ESCLARECENDO OS CONCEITOS A reprodução humana assistida é um método alternativo e eficaz de procriação, o qual possibilita a concretização do sonho da maternidade/paternidade àqueles que não conseguem atingir tal êxito por vias naturais, seja pela sua esterilidade, seja para prevenir doenças geneticamente determinadas pelo sexo, ou pela falta de um parceiro para 8 9 ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. 2008.1, p. 152. ANDRADE, Denise Almeida de. 2010, p. 708. 4 compartilhar o mesmo desejo. A reprodução humana assistida é o gênero do qual decorre as seguintes espécies: inseminação artificial, GIFT, fertilização in vitro e transferência intrauterina e, por fim, transferência intratubária do zigoto. A inseminação artificial é a técnica menos invasiva. Consiste na colocação do sêmen masculino dentro do organismo feminino, onde ocorrerá a fertilização natural com o gameta feminino10. Para o êxito dessa técnica, a mulher não pode ser estéril e passa por um processo artificial de hiper-ovulação. A técnica de reprodução humana assistida denominada GIFT decorre da introdução de ambos os gametas, tanto o masculino como o feminino dentro da tuba uterina da futura gestante, através de um cateter. A fecundação ocorrerá posteriormente, por meio natural, dentro do organismo feminino. Assim, só é utilizada essa técnica quando ambos os genitores, ou apenas a mulher é estéril11. A técnica de fertilização in vitro e transferência do pré-embrião para a cavidade uterina é realizada pela extração do gameta masculino e do gameta feminino dos futuros pais, ou recorre-se ao material genético existente em bancos de sêmen, e, a partir deles, concretizase a fertilização em laboratório. Apenas após o êxito do pré-embrião, ocorre a transferência do mesmo para o colo do útero da futura gestante. Transfere-se um total de 04 (quatro) préembriões por procedimento12. O último procedimento, denominado transferência intratubária do zigoto, é similar a fertilização in vitro e transferência intra-uterina. A diferença ocorre apenas quanto ao local em que se depositarão os óvulos já fecundados. A transferência dos pré-embriões ocorrerá na tuba uterina e não no colo do útero como visto no método acima13. Todos os métodos de reprodução humana assistida analisados podem ainda receber outra qualificação, a que mais repercute conseqüências para o Direito, pois está intimamente ligada ao instituto jurídico da filiação. São as qualificações: reprodução humana assistida homóloga e reprodução humana assistida heteróloga. A reprodução humana assistida homóloga decorre da utilização do material genético do próprio casal (óvulo e espermatozóide). Assim, a filiação biológica se iguala a filiação 10 FERRARI, Rita Vieira Guarnieri. 1996, p. 253-254. A autora discorre sobre todos os tipos de inseminação quais sejam: intravaginal, intracervical, intra-uterina, intratubária direta e indireta e intraperitoneal. Por se tratar de métodos tipicamente da literatura médica, não vamos adentrar na distinção de cada sub-técnica. 11 SANTOS, Nelson da Cruz. 1996, p. 261. 12 TOGNOTTI, Élvio. LOYELO, Taisa. 1996, p. 270. 13 UENO, Joji. 1996, p. 272. 5 civil, ou seja, a criança terá o mesmo material genético de seus pais14. Esse tipo de fecundação não acarreta maiores problemas no âmbito jurídico no tocante à filiação. Por outro lado, a reprodução humana assistida heteróloga resulta da utilização de material genético de terceiros, que não sejam os interessados com a geração daquela criança. O casal tem que recorrer a doadores de óvulos e/ou espermatozóides, fazendo com que a criança gerada tenha parte do material genético do casal ou não. A legislação em vigor, no que tange a reprodução humana assistida heteróloga, não exige a esterilidade do marido ou da esposa para a realização do procedimento, o único requisito legal é a prévia autorização do marido para a utilização de material genético distinto do seu15. Esse tipo de procedimento traz conseqüências para o mundo jurídico, o qual reconhece vínculos de parentesco independente da carga genética dos envolvidos no processo de filiação16. 2.2. VÍNCULOS CONSTITUTIVOS Enquanto que a fecundação homóloga não gera dúvidas no que concerne a paternidade e maternidade da criança, uma vez que existe o vínculo sanguíneo entre os sujeitos da relação de parentesco, e o próprio Código Civil reconhece tal relação por força do artigo 1.59717, a fecundação heteróloga gera familiares sem laços de consanguinidade, o que poderia suscitar dúvidas na relação de parentalidade. Mas, decorrentes do desejo inconsciente ou mesmo consciente de gerar um filho, a reprodução humana assistida heteróloga acende uma filiação presumida, reconhecida pelo legislador no próprio artigo supracitado e em consonância com os princípios da desbiologização, responsabilidade parental e o melhor interesse da criança18. Pelo antigo critério do biologismo, a regra da verdade biológica, ou pater is est quem justae nuptiae demonstrant, deveria sempre prevalecer, em detrimento da paternidade 14 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 149. LÔBO, Paulo. 2009, p. 203. 16 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 149. 17 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2003. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 de janeiro de 2011. “Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”. 18 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 156. 15 6 jurídica. Porém tal regra não mais condiz com a realidade social, onde hoje é comum que a paternidade jurídica não coincida com a paternidade biológica19. (...) o pater não é determinado pelo critério da progenitura mas sim pela função social de pai, pelo ofício familiar da paternidade – em homenagem ao interesse concreto do filho, à paz de um certo agregado familiar, ou para tutela do desenvolvimento útil das técnicas modernas da terapêutica da infertilidade. Isto é, a condição de pai mantém-se por vezes separada da progenitura, e determina-se obedecendo a motivos culturais; obedecendo, para falar de um modo que já entrou nos usos, a um critério socialista20. A busca pelo parentesco será sempre uma constante na vida da criança, seja pela necessidade de procurar sua ascendência genética, parentesco biológico, ou, seja pela necessidade de constituir vínculos sociais com um sujeito que se porte socialmente como pai. Contudo, dentre as diversas opções para se constituir um vínculo paternal, aquele que cuida do cotidiano da criança, contribui mais significativamente para sua estabilidade psicológica21. Com isso, consagra-se a paternidade jurídica em detrimento da paternidade biológica. A reprodução humana assistida, independente de que modo opere – homóloga ou heteróloga, acarreta um vínculo originário de parentalidade-filiação, pois resulta da própria vontade livremente manifestada pelos genitores em dar vida a uma criança, mas impossibilitados de recorrerem aos métodos originais para tanto (conjunção carnal). Aqui se observa um ponto de congruência entre a filiação originada da técnica de reprodução heteróloga e a filiação advinda de origem sanguínea: ambas constituem vínculos de filiação originários; a diferença, entretanto, se dá quanto ao elemento constitutivo (fundamental) desse vinculo: na fecundação heteróloga, pela vontade livre e manifestada; na filiação clássica, originalmente estabelecido, o tratamento jurídico deve ser idêntico à hipótese da procriação carnal, com a nuança de que na reprodução assistida não houve relação sexual, mas a vontade associada ao êxito do procedimento médico como elemento substitutivo da relação carnal22. Ou seja, o elemento volitivo impera para o estabelecimento dos vínculos jurídicos decorrentes da parentalidade. Seja num momento posterior ao nascimento da criança, como nos casos de reconhecimento voluntário da paternidade de filho extramatrimonial e nas hipóteses de adoção; ou, seja num momento anterior a própria concepção da criança, quando há a concepção natural decorrente de uma relação sexual da qual resulte uma gravidez, ou até 19 OLIVEIRA, Guilherme de. 2003, p. 177. Idem, p. XXII. 21 LÔBO, Paulo. 2009, p. 195-196. Contudo, a paternidade biológica ainda persistirá nos casos em que não há nenhum vínculo paterno-social com a criança. 22 OLIVEIRA, Guilherme de. 2003, p. 152. 20 7 mesmo decorrente dos processos de reprodução humana assistida, em que o casal deve manifestar livremente sua vontade consentindo com a procriação artificial. Quaisquer das hipóteses de manifestação de vontade anteriores à geração da criança, comentadas acima nos casos de gravidez resultante de relação sexual e nas hipóteses de gravidez decorrente de reprodução humana assistida, são irrevogáveis e geram vínculos de parentalidade originários. Uma gravidez decorrente da procriação carnal não pode ser interrompida sob pena de insurgir na conduta do abortamento; o consentimento expresso em constituir uma família por métodos artificiais de fecundação, uma vez bem sucedido tal procedimento, não há como voltar atrás, pois o estado gravídico já está consumado. Com isso, opera-se a construção jurídica do elemento volitivo como determinante para a concretização das relações parentais. Surge, desse modo, a ficção jurídica atinente ao elemento volitivo agregado ao projeto parental que, uma vez iniciado com a concepção e o início da gravidez, não pode mais retroagir, da mesma forma que ocorre na procriação carnal diante da gravidez resultante de relação sexual. Assim, a paternidade que se estabeleceu é certa ou “presumida de forma absoluta” 23. Há a completa igualdade de condições e autoridade parental entre os pais que geraram seus filhos por meios naturais e aqueles que recorreram às técnicas de reprodução humana assistida para alcançar tal sonho. O próprio Código Civil, em seu artigo 1.597 reconhece a relação de parentalidade entre os casados e os filhos nascido na constância do casamento, bem como entre os casados e os filhos advindos de fecundação homóloga e, por fim, entre os casados e os filhos decorrentes da fecundação heteróloga, desde que haja o consentimento expresso do pai. Ainda que, futuramente, tal relação conjugal deixe de existir, a paternidade e a maternidade persistem, pois são funções parentais e não conjugais. 3. PRINCIPAIS PROBLEMATIZAÇÕES DA FILIAÇÃO DECORRENTE DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA 3.1. PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE versus IMPUGNAÇÃO DA PATERNIDADE 23 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 153. 8 Uma vez que não há semelhança genética entre os filhos advindos dos processos de reprodução humana assistida e os futuros pais, pode-se afirmar que os vínculos parentais são incertos. Para evitar tal insegurança jurídica, uma vez que futuramente os pais biológicos podem reclamar o reconhecimento do vínculo familiar, o Projeto de Lei n.º1.184/2003, em seu artigo 17, observando o que dispõe a Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, veda o estabelecimento de vínculos familiares entre os parentes biológicos e a criança nascida por reprodução humana assistida24. Por outro lado, o marido da parturiente que consentiu com o projeto de paternidade decorrente de procedimento artificial, seja homóloga ou heteróloga, não pode, posteriormente, impugnar sua condição de pai. Principalmente na hipótese de reprodução humana assistida heteróloga, em que a autorização expressa do homem é condição sem a qual o procedimento não se efetiva. A manifestação anterior da vontade não pode ser objeto de impugnação. Essa construção jurídica do vínculo constitutivo originário da paternidade vem contribuir para o fortalecimento da filiação socioafetiva, e não biológica. A presunção da paternidade é absoluta, consoante o enunciado n.º 258 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal25. “Pode parecer surpreendente que, em um campo onde a ciência genética é triunfante, a verdade biológica seja proibida”26. Já nas hipóteses de fecundação homóloga, só é cabível a contestação de paternidade quando comprovado que o marido da parturiente não é o pai biológico da criança. Ou seja, houve um erro ou dolo por parte do laboratório que utilizou material genético de terceiro, resultando num procedimento heterólogo27. Apesar da falta de legislação no tocante a esta temática, a doutrina se constrói no sentido de vetar a futura impugnação da paternidade da criança fruto do procedimento de fertilização assistida. Os doutrinadores fundamentam seus posicionamentos na Lei Sueca de 1985, artigo 4º, pioneira nas técnicas de fertilização, a qual reconhece o direito ao conhecimento da ascendência genética, mas esse conhecimento não gera o vinculo jurídico da paternidade. Também são contrários à impugnação posterior da paternidade o Código Civil 24 Projeto de Lei n.º 1.184/2003. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 06 de fevereiro de 2011. “Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.”. 25 III Jornada de Direito Civil. Org.: Ruy Rosado. Brasília: CNJ. 507 p. ISBN 85-85572-80-9. Disponível em: www.cjf.jus.br/revista/enunciados. Acesso em: 14 de fevereiro de 2011. “258: Arts. 1.597 e 1.601: Não cabe a ação prevista no artigo 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta”. 26 LÔBO, Paulo. 2009, p. 204. 27 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 158. 9 Português (art. 1.839, n.º 3º), o Canadá, a Grã-Bretanha, a França, a Lei Alemã (1989), a Lei Espanhola n. 35/198828. Em Portugal, por força do art. 1.839, n.º 3º, o cônjuge que consentiu com o projeto parental através da inseminação artificial heteróloga não pode, posteriormente, impugnar a paternidade. Tal dispositivo português é uma exceção ao biologismo, onde o marido é forçado a se manter na condição de pai, mesmo sem ser o genitor da criança.29 A vedação de uma posterior impugnação da paternidade do cônjuge que consentiu com o projeto parental possui uma justificativa de natureza familiar e social. A tecnologia ocidental encontrou na inseminação heteróloga um processo de resolver o problema da esterilidade do marido sem ofender a tradição de fidelidade judaico-cristã e respeitando a intimidade da família conjugal moderna. Esse processo exige, por outro lado, um compromisso firme do pater; por outro, a omissão do genitor. É nesta separação entre o pai e o procriador, dolorosa na cultura ocidental e exigindo dos cônjuges um compromisso firme, que se encontra o motivo pelo qual se julga contrário à boa-fé – e abusivo – o exercício da impugnação por quem aceitara a investidura do marido na função social de pai30. Tendo por base que a vedação para uma futura impugnação de paternidade tem fonte no compromisso familiar, ora investidura do marido na condição de pai, é possível constatar que há uma incoerência no sistema. É certo que possa haver casos em que o marido consentiu com a reprodução humana assistida, mas a mesma ocorreu de modo diverso do acordado. A mulher utilizou outro médico, aceitou doação de doador conhecido; sempre hipóteses que transcendem o consentimento do marido. É possível também que a criança apresente características físicas muito destoantes com as do marido, sendo impossível este se fazer passar por progenitor. Concebe-se, ainda, que a maternidade desperte na mulher uma rejeição do marido, pautada em motivos irrelevantes, razão pela qual a união não se faz necessária31. É certo que as circunstâncias da vida levantarão hipóteses outras as quais não seja justo vincular o cônjuge, de modo intransigente, ao consentimento que foi concedido para a realização do procedimento. Quando a estabilidade sociológica e afetiva da família está comprometida, quando o próprio filho rejeita aquele homem como pai, essa norma passa a ter caráter abusivo32. 28 Idem, p. 158 e ss. OLIVEIRA, Guilherme de. 2003, p. 335. 30 Idem, p. 352. 31 Ibidem, p. 352-353. A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa proibiu a eugenia no momento da escolha do doador, exceto: a) para evitar doença grave (interesse social); b) para evitar características ostensivamente diferentes (interesse do filho). 32 Ibdem, p. 354. 29 10 Não se trata de impugnar a paternidade pela não coincidência da base genética entre pai e filho, até mesmo porque é sabido que não há semelhança no tocante ao material genético, mas sim porque não há estado de filiação de natureza socioafetiva. Uma vez que há essa possibilidade para as relações de parentesco não advindas das técnicas de reprodução humana assistida, por que tutelar de modo diverso para os métodos artificiais de procriação?33 Essa vedação doutrinária, uma vez que não há expressamente dispositivo legal para tanto, decorre da participação voluntária do pai no consentimento para se recorrer às técnicas de reprodução humana assistida. (...) não admite a contestação da paternidade em razão da divergência da origem genética, porque a inseminação artificial com sêmen de outro homem, principalmente em virtude de esterilidade do pai, foi por este autorizada. Este é mais um elemento de conformação da primazia do estado de filiação, em matéria de paternidade, sobre a origem genética34. O nosso sistema é pautado na autonomia da vontade, logo devia prever hipóteses para quebrar a rigidez da impossibilidade de impugnação posterior. Deve haver uma limitação ao direito de impugnar, tendo por base a dimensão cultural da paternidade35. “O cônjuge deve ser admitido de impugnar quando, excepcionalmente, a quebra da boa-fé conjugal for admissível para evitar prejuízo maior – a ofensa do interesse concreto do filho” 36. Não se trata de liberar a qualquer hipótese a impugnação. Bem porque há necessidade de se limitar o direito de impugnar, uma vez que o mesmo decorre da adesão voluntária a uma estrutura familiar na condição de pater. Buscar, através da impugnação, desconstituir o estatuto de pai sem uma situação relevante para tanto, representaria uma quebra na solidez dos vínculos familiares, como também, uma má-fé e desrespeito com a família e a sociedade. Nestes termos, ao pretender afastar-se do compromisso anterior depois de ter consumado fecundação heteróloga, o cônjuge pretende negar uma paternidade assumida perante a família e sociedade; não se trata apenas de voltar com uma palavra atrás – o que já seria talvez prejudicial e contrário à boa-fé – mas sim de negar uma paternidade a que aderiu 37. 33 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2003. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 de janeiro de 2011. “Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”. 34 LÔBO, Paulo. 2003, p. 78. 35 OLIVEIRA, Guilherme de. 2003, p. 358. 36 Idem, p. 361. 37 Idem, p. 358. 11 O consentimento para com o projeto parental não pode ser quebrado arbitrariamente, sob pena de constituir um abuso. Mas deveria ser levado em consideração, para uma posterior impugnação, o melhor interesse da criança. 3.2. DOAÇÃO DOS GAMETAS: SIGILO DO DOADOR versus DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA As técnicas de reprodução humana assistida já se consagraram como alternativa para combater a esterilidade. Não se conhece bem a extensão desse fenômeno; seja porque ocorre em consultórios médicos fechados, seja por adentrar na seara de outros saberes; o fato é que tal procedimento merece o olhar cuidadoso dos juristas, pois consagra a paternidade sem a existência de um vínculo biológico38. De mesmo modo, há a violação ao direito à identidade genética do filho, o qual cresce sem conhecer sua ascendência biológica, visto que a legislação consagra o anonimato do doador. Porém, independente desse confronto genético, a sociedade legitimou a utilização das novas técnicas, como forma de romper com a fragilidade humana atrelada à esterilidade. O desejo de procriação deixou de ser apenas no intuito de constituir uma família e passou a representar, também, uma manifestação de sucesso pessoal. Numa sociedade competitiva, que a tônica é a realização imediata de todos os desejos e aspirações, onde qualquer frustração influi num sentimento de inferioridade e fracasso, a esterilidade, mesmo sem causa aparente, fragiliza pessoas e relações39. Frente ao desejo de ter filhos e da impossibilidade de se concretizar por meios naturais, a medicina reprodutiva ganha força. Com isso, o paradigma do biologismo deixa de perdurar. Mas a procriação artificial ainda se encontra inserida no campo jurídico das incertezas. Através das técnicas de reprodução humana assistida, encontra-se a ignorância acerca da consideração da criança a nascer. São conflitos que carecem do Direito um posicionamento firme, sem, contudo, afastar-se dos princípios éticos e morais e enrijecendo os avanços da biotecnologia. Diz-se isto porque estas práticas biomédicas, enquanto restritas aos laboratórios e centros de pesquisa, são conquistas admiráveis, mas quando transportadas para a seara do Direito, se apresentam como um emaranhado de dúvidas e incertezas, que 38 39 Ibidem, p. 336. ANDRADE, Denise Almeida de. CHAGAS, Márcia Correia. 2010, p.706. 12 ameaçam a efetividade de princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e de direitos já enraizados na legislação nacional, como o direito ao conhecimento de filiação completa40. Assim, constata-se uma nova realidade construída pelo Direito: o marido é pater excepcional do critério do biologismo e o doador anônimo é genitor excepcionalmente desvinculado das obrigações familiares41. Antes de se analisar a questão do sigilo do doador do gameta, é necessário esclarecer a significação do direito fundamental à informação genética e o direito à filiação. Ambos não se confundem. O direito à filiação se encontra tutelado pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU, de 1989, em seu artigo 7º, número 142, sendo recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 28, de 24 de setembro de 1990. Assim, o direito à filiação tem caráter de Direito Fundamental, sendo um direito da personalidade43. É do direito à filiação que se reconhece o atributo da maternidade e da paternidade, estes não coincidentes, necessariamente, com a origem biológica. Assim, surgem duas figuras distintas: o pai, decorrente do vínculo de paternidade, aquele que comunga afeto com o filho, participando de todas as etapas do desenvolvimento físico e psíquico da criança; e o ascendente biológico, mero procriador que contribuiu com seu material genético para o nascimento da criança44. O direito à filiação faz surgir a figura do pai, enquanto que o direito à identidade genética assegura à criança a buscar pela sua origem genética sem, contudo, firmar entre as partes o vínculo constitutivo da paternidade. É a partir dos direitos da personalidade que pode ser investigada a ascendência genética. A Corte Constitucional Alemã, em 1994, decidiu pela preservação do direito ao conhecimento da própria ascendência sem que com isso houvesse uma modificação nos efeitos sobre a relação de parentesco, compreendendo o direito ao conhecimento da própria ascendência, como dimensão juridicamente autônoma e distinta do âmbito do reconhecimento judicial da paternidade.45 40 Idem, p. 706. OLIVEIRA, Guilherme de. 2003, p. 337. 42 Convenção sobre os direitos da criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, resolução n.º 1.386 da ONU, de 20 de novembro de 1959. Disponível em: www.onubrasil.org.br/documentos_convencoes.php. Acesso em 02 de fevereiro de 2011. “Art. 7º. Número 1: A criança será registrada imediatamente após o seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles”. 43 BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de janeiro de 2011. “Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais e seus herdeiros, sem qualquer restrição”. 44 KRELL, Olga Jubert Gouveia. 2008, p. 161-162. 45 Idem, p. 162. 41 13 O que ocorre é a existência de dois direitos fundamentais autônomos, os quais não conflitam entre si: o direito à identidade genética e o direito à filiação (identidade familiar). Conhecer a origem genética não altera o vínculo parental constituído anteriormente. Assim, a identidade do doador do gameta, nas hipóteses de reprodução humana assistida heteróloga, pode ser revelada quando a criança pleiteia o seu direito ao conhecimento da origem genética. Tal direito é suscitado nos casos de busca de doenças hereditárias e para evitar impedimentos matrimoniais, ou até mesmo pela simples curiosidade da criança, a qual deve ter o seu direito da personalidade assegurado. Porém essa busca não pode resultar em uma impugnação da paternidade socioafetiva preestabelecida. Até porque os pais biológicos efetuaram um ato de liberalidade ao doarem seu material genético, sem qualquer intenção de constituir uma família. Mesmo quando protegidos pelo contrato firmado com as clínicas de reprodução humana assistida que garante o sigilo do doador, o direito ao estado de filiação é personalíssimo, pelo art. 27 do ECA, assim, inalienável, e não pode ser contestado por um ato bilateral entre o doador e a clínica46. Há, porém, um entrave para a busca da origem genética. Nenhuma pessoa pode ser coagida a prestar um exame de DNA, sem seu consentimento. Não há norma coercitiva que inflija qualquer pessoa a se submeter ao exame47. O Projeto de Lei n.º1.184, de 2003, optou por estabelecer, enquanto regra, o sigilo do doador, para tanto, admite, em alguns casos, exceções, possibilitando o acesso às informações genéticas, inclusive à identidade civil do doador. São as hipóteses previstas nos parágrafos 1º e 2º do referido artigo48: § 1º A pessoa nascida por Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os segredos profissionais e de justiça. § 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida ou a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas ao doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir a celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na formação da legislação civil. Assim, entende-se que deve ser assegurado o direito a ter acesso às informações genéticas. A criança busca, através de uma Ação de Investigação de Paternidade, sua origem genética, mas o estado de filho não pode ser desconstituído em favor daquele que não 46 ANDRADE, Denise Almeida de. CHAGAS, Márcia Correia. 2010, p. 711. STF, HC n.º 71.373/RS. Min. Rel. Francisco Rezek. D.J. 22.11.96. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 13 de janeiro de 2011. 48 Projeto de Lei n.º 1.184/2003. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 06 de fevereiro de 2011. 47 14 participou do projeto familiar de gerar uma criança. O estado de filiação decorre da prática de atos de maternidade/paternidade, sendo assim, a responsabilidade decorrente da parentalidade não pode recair sob aqueles que prestaram um ato de liberalidade em conceder material genético para concretizar o sonho de outras famílias. 4. CONCLUSÃO O presente trabalho analisou as questões controvertidas no tocante às técnicas de reprodução humana assistida, especialmente quanto à reprodução humana assistida heteróloga. É possível constatar o avanço da biotecnologia na tentativa de possibilitar o sonho da parentalidade para casais classificados como inférteis para a literatura médica. A sociedade recepcionou bem essas novas formas de constituir uma família, uma vez que o sonho da parentalidade é comum a quase toda a população. Porém, o ordenamento jurídico brasileiro silenciou quanto às implicações jurídicas advindas desses procedimentos. Restou a doutrina a construção de orientações a serem seguidas pelos julgadores para solucionar os casos em concreto, sempre tendo por base o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Primeiramente, foi avaliado o vínculo constituído através da reprodução humana assistida. Neste ponto, leva-se em consideração o princípio da autonomia da vontade do marido da parturiente que consentiu, previa e expressamente, com a utilização de material genético distinto. Assim, o elemento volitivo tem relevância para se consumar o estado gravídico da futura mãe. Sem este consentimento, não há o que se falar em gravidez. Como se trata de um ato anterior à gestação, decorrente do projeto de parentalidade, diz-se que o vínculo de filiação constituído a partir das técnicas de reprodução humana assistida é originário. Uma vez estabelecida a paternidade, decorrente da filiação originária, esta não poderá ser contestada (impugnada). Tendo por base a construção da família por vínculos meramente socioafetivos, a parentalidade não pode ser futuramente questionada sob o argumento da falta de semelhança genética entre os membros familiares. Mas uma vez está presente o elemento volitivo anterior ao sucesso do procedimento como forma de impossibilitar futura impugnação e, com isso, garantir maior segurança jurídica para essas estruturas familiares. 15 O autor português Guilherme de Oliveira questiona essa posição intransigente da doutrina alegando que deveria prevalecer, sempre, o melhor interesse da criança, independentemente da vontade anteriormente expressada. Assim, desde que não haja convívio socioafetivo entre pai e filho, a paternidade constituída por reprodução humana assistida heteróloga poderá ser desconstituída. Por fim, tratou-se a questão do sigilo do doador em detrimento da busca pela origem genética por parte da criança. Partiu-se do pressuposto que o critério biológico não possui caráter absoluto para consolidar o estado de filiação. Assim, a busca pela identidade genética não desconstitui a relação parental firmada anteriormente e pautada pela afinidade. O doador poderá ter sua identidade revelada, mas isso não o fará pai jurídico da criança. Como analisado ao longo do trabalho, há a falta de regulamentação jurídica para uniformizar esses entendimentos. Por ora, tem-se a construção doutrinária e a comparação com a legislação estrangeira para nortear os conflitos jurídicos sempre com o intuito de preservar a estrutura familiar. 5. REFERÊNCIAS 5.1.Artigos: ANDRADE, Denise Almeida de. CHAGAS, Márcia Correia. Limitações ao anonimato dos doadores de material genético nas fecundações artificiais humanas frente ao direito à informação do receptor: uma nova mirada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza-CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de junho de 2010, pp. 705-716. ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Disciplina jurídica do embrião extracorpóreo. Revista do Programa de Pós-Graduação UFBA, n. 16, 2008.1. Salvador, pp. 151-175. FERRARI, Rita Vieira Guarnieri. Técnicas de reprodução assistida: inseminação artificial. In: PINOTTI, José Aristodemo, et al. Reprodução humana. São Paulo: Fundação BYK, 1996, pp. 253-260. 16 KRELL, Olga Jubert Gouveia. As principais questões jurídico-civis ligadas às técnicas de reprodução assistida e o seu tratamento: de lege lata e de lege ferenda no Brasil. Revista do Mestrado em Direito – v.2, n.3, dez.2006. Maceió: Edufal, 2008, pp.147-178. SANTOS, Nelson da Cruz. Técnica de reprodução assistida: GIFT. In: PINOTTI, José Aristodemo, et al. Reprodução humana. São Paulo: Fundação BYK, 1996, pp. 261-264. SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídico-constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. Direitos fundamentais e biotecnologia. São Paulo: Método, 2008, pp. 13-44. TOGNOTTI, Élvio. LOYELO, Taisa. Técnica de reprodução assistida: fertilização in vitro e transferência intra-uterina. In: PINOTTI, José Aristodemo, et al. Reprodução humana. São Paulo: Fundação BYK, 1996, pp. 265-271. UENO, Joji. Técnica de reprodução assistida: transferência intratubária do zigoto. In: PINOTTI, José Aristodemo, et al. Reprodução humana. São Paulo: Fundação BYK, 1996, pp. 272-277. 5.2.Legislação, Enunciados e Julgados: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de janeiro de 2011. BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de janeiro de 2011. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2003. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 de janeiro de 2011. 17 Convenção sobre os direitos da criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, resolução n.º 1.386 da ONU, de 20 de novembro de 1959. Disponível em: www.onubrasil.org.br/documentos_convencoes.php. Acesso em 02 de fevereiro de 2011. Projeto de Lei n.º 1.184/2003. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 06 de fevereiro de 2011. STF, HC n.º 71.373/RS. Min. Rel. Francisco Rezek. D.J. 22.11.96. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 13 de janeiro de 2011. III Jornada de Direito Civil. Org.: Ruy Rosado. Brasília: CNJ. 507 p. ISBN 85-85572-80-9. Disponível em: www.cjf.jus.br/revista/enunciados. Acesso em: 14 de fevereiro de 2011. 5.3.Livros: LÔBO, Paulo. Código Civil comentado: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial (arts. 1.591 a 1.693). Vol. XVI. São Paulo: Atlas, 2003. ______. Direito Civil – Família. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2009. OLIVEIRA, Guilherme de. Critério jurídico da paternidade. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 18