Pesquisa e extensão para além da sala da aula: um toque de rádio Autor: Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes - UFRN E-mail: A carga horária destinada ao processo ensino-aprendizagem em sala de aula, com disciplinas que, em sua maioria, não chegam a ultrapassar sessenta horas/aula, revela-se quase sempre insuficiente para ministrar todo conteúdo programático previsto. Por tal razão, muitas vezes é necessário ao professor desenvolver atividades extra-curriculares para que possa complementar a formação do aluno. Nesse contexto, a pesquisa apresenta-se como estratégia pedagógica de considerável valor educativo, pois amplia os referenciais de mundo do aluno, ao mesmo tempo que o insere na cultura da pesquisa, tão urgente nos cursos de graduação em Jornalismo e, de modo geral, em Ciências Humanas. É preciso entender que professores e alunos devem estar engajados na perspectiva da pesquisa para que o conhecimento, que daí decorre, seja a mola propulsora à aquisição das informações subsidiárias ao seu saber-fazer. Porém, nem sempre isso acontece. Observamos que há uma espécie de apatia quando se coloca o assunto em questão. Do ponto de vista do professor, parece que a situação não se apresenta de modo claro quanto à sua finalidade e aplicabilidade no âmbito do ensino. Do ponto de vista do aluno, a atividade caracteriza-se como enfadonha e sem propósito. A situação termina limitando-se meramente ao ensino, aqui concebido como atividade pedagógica de transmissão de conhecimentos, numa abordagem tradicional que não reflete a essência de natureza formativa e de ação continuada. Cabe então a reflexão: na condição de professores de Jornalismo, como vamos formar bons profissionais, comprometidos com o olhar aguçado da realidade se não construímos um espaço favorável para que tal ocorra? Vigotsky (1998), psicólogo russo cognitivista, já assinalara que o desenvolvimento das potencialidades do aprendiz acontece através da mediação de alguém com maior experiência. De outro modo, preconizava que por meio da intervenção sociointeracionista de pessoas com maior conhecimento armazenado auxiliaria os interlocutores com menor experiência, o que ele designou de zona de desenvolvimento proximal, assim destacando: ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKY, 1998:112). Através de pesquisas experimentais no campo da leitura, Graves e Graves ( 1995) destacou a questão de mediação como apoio aos alunos com dificuldades de aprendizagem. Assim sendo, o scaffolding deve permitir aos alunos o necessário desafio intelectual, porém com a devida assistência do professor no sentido de capacitá-los a enfrentarem uma tarefa sozinhos. Essa capacitação gera um estado de competências nos alunos que os tornam independentes para adotar suas práticas escolares de modo consciente e voluntário, o que implica dizer que tais alunos passam a controlar seus próprios problemas no encaminhamento das soluções. Ora, se identificamos que a ação de pesquisar é pouca clara para os alunos, bem como a sua relevância para a sua formação profissional, entendemos que a técnica scaffolding pode ser uma saída de mediação em sala de aula. No sentido educacional, a nomenclatura passou a ser entendida como uma estratégia de construção do conhecimento. No nosso caso, a técnica consiste em construir simbolicamente um “andaime” de modo a apoiar os alunos no desenvolvimento de pesquisas em comunicação, situação essa que permite ao professor, sendo aquele que por via de regra é alguém mais experiente, orienta, sensibiliza, mostra o valor da pesquisa, conduzindo o processo de resolução dos problemas e desafios identificados, permitindo, assim, a assistência direcionada. Tal procedimento tem como objetivo motivar a experiência da pesquisa para um trabalho bem sucedido. Defendemos, contudo, que para o professor se configurar na condição de alguém “mais experiente”, competirá a ele a constituição do seu próprio status de pesquisador, por uma razão que atende ao princípio da lógica: como é que o professor vai motivar seus alunos a pesquisar, evidenciando-lhes o caráter imprescindível na organização e potencialização dos conhecimentos se ele próprio não vivencia tal realidade? Pesquisar com os alunos e não para os alunos, deve ser um dos propósitos do professor que, fazendo uso de sua condição de pesquisador, irá proporcionar uma aula mais consistente e com conhecimento de causa. Demo (1996:12) assim considera: Questão absolutamente fundamental é tornar a pesquisa o ambiente didático cotidiano, no professor e no aluno, desde logo para desfazer a expectativa arcaica de que pesquisa é coisa especial, de gente especial. Concordamos com o autor (op.cit.) quando enfatiza que o aluno não pode ser aquele que apenas recebe instruções, na condição de receptor passivo do conhecimento, e passa a copiar o conteúdo ministrado pelo professor. Se a aula é assim – destaca Demo (p.7) – não sai do ponto de partida, e, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento. Seguindo essa linha de raciocínio, a sala de aula deve ser um espaço de socialização do conhecimento, de amadurecimento das reflexões teóricas, onde se forma um sujeito crítico e historicamente inserido numa sociedade que o reconheça competente na sua forma de pensar e agir. Barros (2003) entende que o conhecimento precisa se concretizar em ações. A reflexão sem ação fica limitada ao diletantismo, torna-se vazia. Não basta pensar. A expressão cartesiana ‘cogito, ergo sum’, que durante muito tempo iluminou o discurso do método científico, precisa ser desdobrada, intensificando a articulação entre teoria e prática (BARROS, 2003:237). Se identificamos as inúmeras problemáticas que emergem no cotidiano acadêmico, por que não desenvolver pesquisas que possam reverter situações que chegam a comprometer a qualidade no processo formativo desses alunos? Pensando assim, decidimos realizar com os alunos um trabalho de pesquisa após verificar empiricamente que havia uma carência de informação sobre a história do Rádio no Rio Grande do Norte, além do que pudemos constatar que o Rádio, enquanto veículo de comunicação, ainda é deixado à margem na ordem das considerações mercadológicas e pouco explorado como objeto de investigação. Foi quando surgiu, em 2002, o projeto Toque de Rádio. Este projeto de pesquisa e de extensão se apresenta como uma proposta de atividade acadêmica, extra-curricular, do curso de Comunicação Social - habilitações em Jornalismo e Radialismo da UFRN -, cuja intenção é de dinamizar uma das áreas reconhecidamente pouco explorada no tocante à pesquisa de natureza empírica ou experimental: o rádio. Resulta, pois, da necessidade de se promover o Rádio como um veículo relevante ao exercício dos futuros profissionais da área. Está agregado às atividades da Base de Pesquisa Comunicação, Cultura e Mídia, visto que se trata de um projeto que envolve o Rádio enquanto objeto de estudo, conhecimento, além de vivências práticas no cotidiano dos alunos, como recurso de laboratório, ao mesmo tempo que se investigam os resultados desse processo. O curso de Comunicação Social possui disciplinas que contemplam a Radiodifusão em suas grades curriculares, ocasião em que os alunos exercitam e desenvolvem habilidades na área. Por acreditar que podemos suscitar uma demanda de alunos interessados em continuar os estudos em Rádio e tornar essa prática uma rotina acadêmica, é que decidimos elaborar o projeto que vem preencher uma lacuna existente nesse segmento midiático e atender as expectativas do corpo discente. A proposta surgiu a partir de hipóteses, com base em observações e questionamentos, tais como: por que o rádio é um veículo que, em relação aos demais, ainda é pouco procurado pelo concluinte do curso de Comunicação, tanto para estágio quanto, posteriormente à graduação, ao exercício profissional? Se há mercado para o profissional de Comunicação, por que não capacitá-los com maior extensão de tal modo a sensibilizá-lo sobre a importância do rádio como um campo de atuação mercadológica? Como desenvolver atividades que propiciem o interesse e o gosto por essa atividade profissional? Neste projeto, procuramos responder a esses e outros questionamentos na perspectiva de incorporar as práticas da disciplina de Rádio do curso de Comunicação Social ao conjunto de proposições que ora apresentamos. Pretendemos, assim, contribuir na divulgação e promoção desse meio de comunicação de massa, tão presente na vida social, rico de potencialidades no campo da informação, mas, ao mesmo tempo, subestimado quanto à sua importância na sociedade. Da sala de aula para o conhecimento prático: uma proposta de extensão O projeto Toque de Rádio já nasceu com a responsabilidade de se produzir conhecimentos na área, mas de igual modo tornar tal conhecimento acessível à sociedade, como prerrogativa de qualquer instituição de ensino superior. Essa concepção foi rapidamente absorvida pelos participantes, por se acreditar na urgência de aplicar os resultados da aquisição do saber em retornos sociais, fazendo a universidade cumprir efetivamente o seu papel. Vivemos em uma sociedade de informação na qual as novas tecnologias da comunicação tornam-se presentes por diversas mídias, quer eletrônicas ou impressas, capazes de transmitir os acontecimentos factuais, muitas vezes em tempo real, aproximando, assim, sujeitos receptores e mensagens. Resulta daí a instantaneidade da notícia que revela as conquistas empreendidas no setor das comunicações, superando barreiras, equacionando o tempo e cumprindo, assim, o papel de informar à população sobre os fatos que acontecem próximos ou longínquos no âmbito geográfico. Desde os idos de 1923, quando foi inaugurada oficialmente a primeira emissora de rádio do Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que o empreendimento de Roquette Pinto vem crescendo no país. A cadeia de emissoras que se foi constituindo a partir de então, chega ao século XXI exibindo seu apogeu e demonstrando que, não obstante o aparecimento da televisão em 1950, continua sendo um veículo de massa dinâmico e atuante, com um público sempre cativo. O Rádio é informação, entretenimento e lazer. Traz como principal característica o fato de ser um veículo cuja recepção da mensagem ocorre através de um aparelho portátil, de fácil aquisição, e que pode estar ao alcance de todos e em qualquer lugar. É bem verdade que a própria realidade tecnológica vem propiciando outros modos de recepção, tais como através de TV a cabo e da internet, espaços virtuais onde se é possível ouvir emissoras do mundo inteiro, com qualidade significativa. A depender da natureza da frequência, quais sejam AM (Amplitude Modulada) ou FM (Frequência Modulada), possui uma programação diversificada que inclui desde música, notícia, plantões jornalísticos, participação do ouvinte, etc. Nas emissoras AM, ainda observamos a variedade de programas, tanto musicais quanto jornalísticos, em oposição ao que se observa nas FMs, em cujas programações a música merece maior destaque. A linguagem radiofônica obedece a critérios que vão desde a concisão, exatidão, objetividade, simplicidade. Deve ser nítida e agradável aos ouvidos. Tais critérios exigem o uso correto da língua para que se alcancem os objetivos pretendidos de comunicar aos ouvintes. PORCHAT (1989:89) diz que contar apenas com audição significa que o som deverá suprir a falta de imagem. Isto demanda uma linguagem mais do que clara, uma linguagem NÍTIDA, inconfundível, para que o ouvinte “veja” através das palavras. Ora, se isto é verdade, faz-se necessário uma aprendizagem contínua em que os profissionais (ou candidatos) aprimorem essa capacidade que requer prática constante. Por tudo exposto, é que o projeto Toque de Rádio tem funcionado como uma espécie de laboratório onde os alunos estarão inseridos no ambiente apropriado, estudando, produzindo programas, pesquisando e se auto-avaliando em sua prática cotidiana. Ações desenvolvidas pelo projeto no âmbito da pesquisa e extensão O projeto conta hoje com 32 alunos cadastrados, das habilitações em Jornalismo e Radialismo, os quais se concentram em subgrupos de trabalho, a saber: 1) Grupo da Rádio Experimental de Comunicação, responsável pela produção e experimentação de novos formatos de programas radiofônicos. Coloca “no ar” a rádio REC, eventualmente, nas dependências do campus universitário, cuja atividade é de caráter prático. 2) Grupo de Pesquisa sobre o Rádio, atualmente desenvolvendo o projeto Mídia e memória: um estudo dos documentos sonoros das emissoras de Rádio da cidade do Natal-RN (1945-1955), que promove estudos sobre o rádio e sua relevância histórica. Atualmente, o grupo já deu início à coleta de dados nas emissoras de rádio, tentando recuperar arquivos sonoros, discos, e entevistando pessoas que trabalharam nas emissoras ou que eram ouvintes assíduos. A reconstituição da história do rádio em Natal está sendo possível graças ao depoimento dessas pessoas e de colaboradores que têm ajudado na disponibilização ou doação de acervos de discos, fitas magnéticas e fotografias relacionados à delimitação do corpus da pesquisa. 3) Grupo de Educomunicação, que procura manter vínculos institucionais entre a universidade e a sociedade, através de cursos para professores das escolas públicas ou privadas, utilizando-se o rádio como instrumento didático nas atividades pedagógicas. São os próprios alunos que ministram os cursos, como resultado do que puderam aprender em sala de aula e em práticas laboratoriais. Procedimentos de trabalho Para que pudéssemos alcançar os resultados que ora relatamos, foi necessário adotar uma metodologia de trabalho que pudesse gerar o engajamento dos alunos, através da credibilidade que o projeto se propunha. Assim, inicialmente foram realizadas oficinas de produção radiofônica, palestras, encontros de estudos teóricos sobre o rádio, no sentido de fomentar o gosto pela atividade. Gradativamente fomos recebendo a adesão dos alunos, cuja demanda tem sido crescente. Hoje, o Toque de Rádio apresenta como atividade de pesquisa e de extensão, por admitirmos que uma não pode vir dissociada de outra. Quando se faz pesquisa, geram-se novos conhecimentos que precisam ganhar circularidade no meio social e não apenas no meio acadêmico. Caso contrário, a universidade continuará olhando para si própria, esquecendo da sua função primordial e inderrogável: fazer do espaço privilegiado do saber um mecanismo de ação extensiva a partir do qual deve-se adicionar outras formas de ver e pensar o mundo. Referências bibliográficas: BARROS, Laan Mendes de. Para que pesquisar? Comunicação: uma ciência social aplicada. In.: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2003. p.227-241 DEL BIANCO, Nélia, MOREIRA, Sônia Virgínia. Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de Janeiro> EDUERJ, Brasília: UnB, 1999. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1996. GRAVES, Michel F., GRAVES, Bonnie B. The Scaffolded Reading Experience: A flexible framework for helping students get the most out of text. In: Reading. UKRA, Apr., 1995. PORCHAT, Maria Elisa. Manual de radiojornalismo: Jovem Pan. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1989. VYGOTSKY, Lev Semenovicht. Formação social da mente. Tradução por José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Psicologia e Pedagogia).