Crianças excluídas Docente: Maria Madselva F. Feiges Diretora Geral do Colégio Estadual do Paraná “Isso, as crianças excluídas, essas crianças excluídas, talvez tenham de nos ensinar que nós já o sabemos. Não há dúvida de que a escolaridade representa, em teoria, uma arma contra o excesso, a injustiça, um último recurso contra a rejeição. Mas como o estudante integraria isso? Por acaso lhe deram os meios? Algumas provas? Tanto mais que, para ele, assim como para os alunos de qualquer idade e de qualquer origem, o acesso ao saber tem um aspecto austero, geralmente rebarbativo; reclama esforços ou valem a pena serem tentados para iniciar-se numa sociedade – mas para iniciar-se na sua rejeição? Esses jovens conhecem os bastidores dessa sociedade que é dada como modelo pelo ensino que dela provém; não os bastidores do poder, mas os de seus resultados. O que geralmente lhes é ocultado, mascarado, é familiar para eles. Através das desordens e das carências de suas vidas cotidianas, será que eles não identificam inconscientemente aquelas trincas irreversíveis que precedem o desmoronamento? Eles são jogados à beira da estrada, mas por essa mesma estrada já se passa cada vez menos, enquanto vêm juntar-se a eles e encalhar com eles cada vez mais outros habitantes do planeta, de todas as classes e de todos os horizontes. Uma estrada que já não leva mais aos mesmos lugares. Para onde leva então? Ninguém o sabe. Os que poderiam saber, os promotores da nova civilização, também não passam mais por ela. Eles residem e circulam em outro lugar, e essa paisagem não lhes interessa; já faz parte de um passado destinado ao folclore ou ao esquecimento. Por instinto, as crianças certamente adivinham que fazer de conta ou mandar ensinar que é atual algo que é cruelmente anacrônico representa um dos únicos meios – o melhor meio – de persuadir a si mesmo; de continuar a viver segundo o que não existe mais, de homologá-lo, fazendo perdurar assim ilusões geradoras de mal-entendidos funestos e sofrimentos estéreis. Encontramos aqui a impostura geral que impõe os sistemas fantasmas de uma sociedade desaparecida e que mostra a extinção do trabalho como um simples eclipse. De que serve, então, insistir sobre os problemas dos subúrbios? Eles representam apenas os sintomas extremos daquilo que se produz em todos os níveis de nossas sociedades, mas segundo ritmos e modos um pouco diferentes e ... diferidos. Por toda parte, ressentem-se a divergência, o hiato, a distância entre o mundo preconizado, codificado, que o ensino propõe, e o mundo que ele visa, onde é ensinado, mas onde não consegue mais preservar seu sentido. Preservar algum sentido. A diversidade das disciplinas, seus conteúdos não são postos em questão aqui, ao contrário. Já que o caminho dos empregos se fecha, o ensino poderia pelo menos adotar como meta oferecer a essas gerações marginais uma cultura que desse sentido a sua presença no mundo, à simples presença humana, permitindo-lhes adquirir uma visão geral das possibilidades reservadas aos seres humanos, uma abertura sobre os campos de seus conhecimentos. E, a partir daí, razões de viver, caminhos a abrir, um sentido para seu dinamismo imanente. Mas, em vez de preparar as novas gerações para um modo de vida que não passaria mais pelo emprego ( que se tornou praticamente inacessível), há um esforço contrário para fazê-lo entrar nesse lugar obstruído que recusa, tendo como resultado convertê-las em excluídas daquilo que nem sequer existe mais. Em infelizes. A pretexto de visar um futuro que só era acessível num contexto extinto, teima-se em desprezar, em rejeitar aquilo que , nos programas, não lhe era consagrado, mas em conservar o que se imagina necessário para chegar a um futuro já desaparecido. Como o futuro previsto não acontecerá, só se vislumbra o futuro de ser privado dele. Como esses jovens parece gratuito, de um luxo inútil, o que é ligado ao cultural: aquilo que permanece do domínio humano, o único para o qual esses grupos em número incomensurável, banidos do mundo econômico, ainda têm vocação.” P. 79,80 e 81 In: O Horror econômico de Viviane Forrester. Viviane Forrester. O horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo:Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.