O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZADO PARA SURDOS: UM ESTUDO
DE CASO
THE PROCESS OF TEACHING - LEARNING FOR DEAF : A CASE STUDY
Gabriela de Moraes Chaves
(Unipampa)
Drª Emiliana Faria Rosa
(UFRGS)
RESUMO:
O presente artigo resulta de uma pesquisa realizada em uma escola da rede pública na
cidade de Bagé-RS, cujo objetivo foi analisar o processo de ensino e aprendizagem do
português como segunda língua (L2) para surdos. Os constituintes da pesquisa são alunos
surdos que possuem a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua (L1) e como
segunda a Língua Portuguesa (LP). Embora, a lei 10.436, de 24 de abril de 2002 assegure o
aluno surdo de utilizar a Libras como forma de comunicação, interação e aprendizado, esta lei
também afirma que a Libras não poderá substituir o português na modalidade escrita. Deste
modo, estudos sobre os processos de ensino e aprendizagem da escrita de alunos surdos são
importantes. As bases teóricas desta pesquisa tomaram como referências principais Quadros
(1997; 2004; 2006; 2008), Ferreira-Brito (1993;1995), Fernandes (1999) e Guarinello (2006).
Fez-se necessário um campo de pesquisa, optando por uma perspectiva qualitativa em que os
dados foram obtidos por meio de observação de algumas aulas de português, realização de
entrevistas semiestruturadas com alunos surdos, intérprete de língua de sinais (ILS) e o
professor. Como resultado da pesquisa, pôde-se apontar a falta de preparo do professor por não
possuir nenhum curso de capacitação e nem curso de Libras e ainda ser totalmente dependente
do intérprete em sala de aula para poder ensinar o aluno surdo; a falta de capacitação de
intérpretes que vão para a sala de aula sem ter fluência em Língua de Sinais; a falta de interação
profissional entre intérprete e professor – falta de disponibilização de material antes da aula-; e
o descaso da inclusão em que o aluno é colocado em sala de aula, mas não tem suporte para que
realmente aprenda. Por fim, este trabalho traz a discussão sobre a falta de capacitação de
profissionais para lecionar ou interpretar na inclusão de alunos surdos em sala de aula, buscando
a conscientização que a inclusão vai além do “incluir socialmente” e sim buscar uma real
inclusão linguística e educacional do educando.
Palavras-chaves: Libras; conectivos; ensino e aprendizagem.
ABSTRACT:
This article results from a survey conducted in a public school in the city of Bage -RS,
which analyzed the process of teaching and learning Portuguese as a second language for the
1
deaf. The constituents of the research are deaf students who have the Brazilian Sign Language
as a first language and the Portuguese language as a second. Although the law 10.436, of April
24, 2002 ensure the deaf student to use the pound as a means of communication, interaction and
learning, this law also states that Libras cannot replace the Portuguese in the written form. Thus,
studies on the processes of teaching and writing of deaf students learning are important. The
theoretical basis of this research took as main references Charts (1997; 2004; 2006; 2008),
Ferreira- Brito (1993; 1995), Fernandes (1999) and Guarinello (2006). It was necessary a search
field , opting for a qualitative perspective in which the data were obtained through observation
of some Portuguese lessons , conducting semi-structured interviews with deaf students , sign
language interpreter ( ILS) and the teacher . As a result of the research, it was possible to point
out the lack of teacher preparation by not having any training course and or course of pounds
and still be totally dependent on the interpreter in the classroom in order to teach the deaf
student ; the lack of training of interpreters who go to the classroom without having fluency in
sign language ; lack of professional interaction between performer and teacher - lack of material
available before- ; and the neglect of inclusion in which the student is placed in the classroom,
but does not support that really learn . Finally, this work brings the discussion about the lack of
professional training to teach or interpret the inclusion of deaf students in class, seeking to raise
awareness that the inclusion goes beyond “include socially" but get a real linguistic inclusion
and education of the student .
Keywords: Libras; connective ; teaching and learning.
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa foi escolhido a partir da reflexão sobre como se dá o
processo de ensino e aprendizado do aluno surdo e quais os fatores que contribuem
(des) favoravelmente para este processo.
O Surdo possui como sua primeira língua (L1) a Língua Brasileira de Sinais
(Libras) e como segunda língua (L2) o português. Na modalidade escrita, o surdo ira
apoiar-se para escrever na Libras, sua primeira língua, e não no português, sua segunda
língua.
De acordo com a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, é um direito de o surdo
utilizar a Libras para comunicar-se, porém existe um parágrafo único nesta Lei que
afirma que na modalidade escrita o surdo deve utilizar a LP.
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema
lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de
pessoas surdas do Brasil.
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o
uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de
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comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do
Brasil.
Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços
públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento
adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas
legais em vigor.
Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus
níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs,
conforme legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir
a modalidade escrita da língua portuguesa. (BRASIL, 2002)
Deste modo, estudos a cerca do processo de ensino e aprendizagem que
envolvam a escrita do português para alunos surdos tornam-se relevantes a medida que
eles são cobrados por lei o uso da LP na modalidade escrita. Logo, o foco da nossa
pesquisa é investigar o processo de ensino e aprendizado do aluno surdo, bem como
suas principais dificuldades, sua relação com o professor e intérprete em sala de aula,
verificando os papéis que cada um exerce e como isso interfere deste procedimento.
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Língua e Linguagem
A Libras é uma língua, e não uma linguagem como muitos ainda
acreditam, apesar de todas as explicações e comprovações que se tenham hoje em dia,
tanto no meio social quanto no acadêmico várias pessoas ainda possuem esta confusão
do que realmente é a Língua Brasileira de Sinais.
Quadros afirma que:
A linguagem é utilizada num sentido mais abstrato do que língua, ou seja,
refere-se ao conhecimento interno dos falantes-ouvintes de uma
língua.Também pode ser entendida num sentido mais abrangente, que
equivale incluir qualquer tipo de manifestação de intenção comunicativa,
como por exemplo, a linguagem animal e todas as formas que o próprio ser
humano se vale para comunicar e expor ideias e sentimentos além da
expressão
linguística,
expressões
corporais,
mímicas,
gestos,
etc.(QUADROS, 2006, p.8)
Logo, a diferença entre a linguagem e a língua, apresenta-se
respectivamente desta maneira: a linguagem é a capacidade natural que o ser humano
tem de comunicar-se, seja com palavras, gestos, expressão facial, Assim sendo, a
linguagem da criança, desde seu início, é essencialmente social; ela se desenvolve no
3
plano das interações sociais, nas relações interpessoais, etc. e a língua é composta por
regras gramaticais. Deste modo, a Libras possui uma estrutura própria formada por
regras gramaticais, sendo uma língua e não uma linguagem.
2.2 Libras
A língua de sinais (Libras) é uma língua que utiliza o meio gesto-visual, o que
a diferencia da língua oral, que utiliza o canal oral-auditivo. Além dessa diferença,
também apresenta antagonismos quanto às regras constitutivas, pois ela utiliza
expressões faciais, configurações de mão, etc.
A Libras é uma língua visual-espacial articulada através das mãos, das
expressões faciais e do corpo. É uma língua natural usada pela comunidade surda
brasileira, sendo Considerada natural porque surge “espontaneamente da interação entre
pessoas e porque, devido a sua estrutura, permite a expressão de qualquer conceito e de
qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser
humano” (BRITO et al., 1998).
Seguindo este pressuposto, Skliar (2005) afirma que:
“natural” [...] não se refere a uma certa espontaneidade biológica. Língua
natural, aqui, deve ser entendida como língua que foi criada e é utilizada por
uma comunidade específica de usuários, que se transmite de geração em
geração, e que muda – tanto estrutural como funcionalmente – com o passar
do tempo. (SKLIAR. 2005, p. 26-27)
Deste modo, o surdo adquire a Libras assim como o ouvinte adquire o
português – de forma natural.
2.3 Os Parâmetros da Libras
No português, ou seja, nas línguas orais-auditivas o que é denominado palavra
ou item lexical recebe nas Libras a denominação de “sinal”.
Os sinais são feitos da combinação de configurações de mão, movimentos e de
pontos de articulação — locais no espaço ou no corpo onde os sinais são feitos e assim
compõem as unidades básicas dessa língua- além da expressão facial.
A Libras não é composta somente pelo alfabeto manual e sequer por palavras
soltas, ela é composta de sinais com significados que assim como qualquer outra língua
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e não se limita a gestos soltos ou a mímica. A Libras é uma língua e possui suas regras
gramaticais próprias.
2.4 Aquisição da LS – pós/pré-lingual
Para a maioria dos brasileiros, por exemplo, sua língua materna seria o
português, porém para a criança que nasce surda sua primeira língua seria a língua de
sinais. Na maioria dos casos, a mãe ou pai da criança surda não são surdos; neste caso,
Skutnabb-Kangas (1994) salienta que mesmo para as crianças surdas que possuem pais
ouvintes, ainda que a língua de sinais não seja a sua língua de origem, na maioria das
vezes é esta a língua com a qual elas se identificam.
Nesta mesma concepção, Guarinello (2007) afirma:
para que as crianças surdas venham adquirir a língua de sinais como
primeira língua, é necessária que elas sejam expostas a usuários competentes
dessa língua, ou seja, adultos surdos fluentes, que vão responder tanto pela
exposição como pelo ensino da gramática para as crianças e seus pais, que,
em 95% dos casos, são ouvintes.(GUARINELLO, 2007, p.48)
Perante a afirmação do autor seria indispensável o contato com outros surdos
para as crianças no processo de aquisição da linguagem.
Embora a criança surda esteja segura com a língua de sinais como sua primeira
língua, ao ingressar na escola regular ela começa a ser alfabetizada em português.
Frequentemente, a criança surda em seu processo de ensino-aprendizagem da segunda
língua encontrará algumas dificuldades, visto que essa segunda língua não possui as
mesmas estruturas da língua de sinais.
O aluno surdo não passa de uma língua para outra, ele adquire outra língua
tornando-se bilíngue. Esta passagem de aquisição de línguas é denominada interlíngua,
isto é, o sistema de transição criado pelo indivíduo ao longo de seu processo de
assimilação de uma língua, ou seja, é “a linguagem produzida a partir do início do
aprendizado até o aluno ter alcançado seu teto na língua estrangeira”. (SCHUTZ, R.
apud BROCHADO, 2003, p.56).
Quadros (2006) afirma em relação à aquisição da segunda língua por surdos:
Considera-se aqui que a alfabetização e a aquisição de uma segunda língua
envolvem processos diferentes, principalmente quando se trata de línguas de
modalidades diferentes. Qualquer estudo sobre a aquisição da leitura e escrita
em uma L2 pressupõe que os alunos estejam alfabetizados na forma escrita
da L1. Portanto, somente após as crianças surdas estarem alfabetizadas na
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escrita da LIBRAS, sugere-se iniciar a aquisição formal da língua portuguesa,
nesse caso, a segunda língua das crianças .(QUADROS, 2006, p.9)
Há vários casos de aquisição da língua de sinais, como os pais que desde a
descoberta da surdez da criança procuram “apoio”, quanto os que não aceitam ou apenas
não procuram nenhum recurso para que o surdo desenvolva sua aquisição de linguagem.
Podem existir dois tipos de surdez; a pré-lingual e a pós-lingual. A primeira é
congênita ou ocorre com pouca idade, ou seja, antes da aquisição da fala. Já a segunda é
característica das pessoas ensurdecidas depois de adquirir linguagem oral.
2.3 Surdos e a língua portuguesa na modalidade escrita
No bilinguismo, a L1 dos surdos é a Libras. A língua escrita a ser adquirida (o
português, por exemplo) é tida como L2 e assim como as novas línguas que o surdo
porventura aprenda ao decorrer da sua vida.
É válido neste contexto ressaltar a fala de Freire:
a aprendizagem da Língua Portuguesa, como primeira ou como segunda
língua, é direito de todo cidadão brasileiro e que o ensino desta língua é de
responsabilidade da escola. Se o fracasso existe, ele tem que ser enfrentado a
partir de uma proposta nova calcada nas reais necessidades do aprendiz
surdo, para quem a primeira língua é a Língua de Sinais e para quem a
Língua Portuguesa é uma segunda língua com uma função social
determinada. O ensino de Língua Portuguesa passaria a ser entendido, então,
como o ensino de uma língua instrumental com o objetivo de desenvolver no
aprendiz habilidades de leitura e produção escrita. (FREIRE, 2009, p. 26)
Salles et al (2004) afirmam que os textos de alunos surdos possuem
normalmente enunciados curtos, vocabulário reduzido, ausência de artigos, de
preposições, de concordância nominal e verbal, uso reduzido de diferentes tempos
verbais, ausência de conectivos (conjunções, pronomes relativos e outros), falta de
afixos e verbos de ligação, além de uma suposta colocação aleatória de constituintes na
oração.
Este processo é devido aos surdos encontrarem-se em estágios do processo de
ensino-aprendizagem de uma segunda língua, no caso o português e por “a língua que o
surdo tem como legítima e usa não é a mesma que serve como base ao sistema escrito,
por ser um sistema visuomanual, portanto muito diferente do oral-auditivo.” (SILVA,
2001, p. 48).
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E ainda por muitas vezes ocorrer a falta de metodologias para o ensino do
português como segunda língua para surdos. Outra questão seria a falta de preocupação
do professor na aprendizagem de seu aluno surdo, falta de suporte para ministrar a aula,
como por exemplo, a falta de intérprete de Libras na sala ou a oferta de cursos de Libras
para que o professor tenha condições de ensinar seu aluno surdo.
3 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento da pesquisa proposta, escolherei como lócus uma
escola no município de Bagé, Rio Grande do Sul onde se encontrem alunos que
possuam a Libras como sua L1 e a língua portuguesa como L2.
Como participantes da pesquisa, foram entrevistados e observados os dois
alunos surdos da escola acima citada. Tais alunos são de séries aproximadas, um do
nono ano e outro do sexto, e possuem o mesmo professor de português.
A metodologia que será empregada nesta pesquisa tem por base o modelo
qualitativo de acordo com Creswell (2007). Tal metodologia parte do pressuposto que a
pesquisa seja realizada em um cenário natural, em que o pesquisador vai ao local para
conduzir sua pesquisa.
Seguindo este conceito de pesquisa, levamos em consideração as observações
feitas em sala de aula em que observamos algumas aulas de português ministradas pelo
mesmo professor para cada aluno surdo de séries diferentes, entrevistamos intérpretes, o
docente e os alunos, além de obtermos a produção textual de um dos alunos, o do nono
ano. Adiante, explicaremos o porquê de não termos obtido a produção textual do aluno
do sexto ano.
4. Análise e discussão dos dados
Danilo possui onze anos, é surdo congênito, ingressou na escola regular neste
ano, antes do seu ingresso ele frequentava uma instituição que lhe dava apoio com
acompanhamento de fonoaudiólogo, aulas de Libras e atividades recreativas. Sua
família sabe apenas os sinais básicos da Língua de sinais como saudações, alguns
verbos, alimentação, numerais e o alfabeto manual. O aluno adquiriu primeiramente
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gestos caseiros, e depois ao ingressar na instituição que lhe dá apoio fonoaudiólogo
aprendeu a Libras por volta dos sete anos de idade.
A sala de aula do sexto ano possui trinta e quatro alunos e é uma sala pequena,
sendo que nove destes alunos são inclusos com: paralisia cerebral, hiperatividade,
paralisia motora, deficiência mental moderada, deficiência mental severa, autismo e o
aluno surdo, Danilo, com surdez profunda.
Nas observações, Danilo não possuía intérprete, sentava-se na primeira fileira
ao lado de um colega que lhe ajudava nas atividades propostas pelo professor. O colega
que ajudava o aluno surdo utilizava-se de gestos caseiros por não ter muito
conhecimento da língua de sinais. O professor Marcelo não se aproximava quase do
aluno, a aula era barulhenta e ele dava prioridade ao aluno autista que se demonstrava
agitado, reproduzindo repetitivamente a batida do seu caderno na classe, recusando-se a
copiar a matéria que Marcelo tinha passado no quadro negro.
Murilo é um surdo congênito profundo, possui dezesseis anos. Ingressou na
escola nas séries iniciais, sempre frequentando o AEE e uma instituição que lhe dá
apoio fonoaudiólogo. O aluno aprendeu Língua de Sinais aos três anos de idade com
uma professora aposentada surda a qual ministrava aulas de Libras em Bagé. A irmã
mais velha de Murilo fala fluentemente Libras e o restante da família fala, porém com
menos fluidez.
A sala de aula do nono ano possui trinta alunos, sendo apenas Murilo incluso.
Nas observações Murilo conversava com o professor através do ILS, já com os colegas
que o cercavam ele comunicou-se através da Libras. A maioria dos colegas acompanha
o aluno desde as séries iniciais, aprendendo a falar utilizando a Libras com o Murilo.
Nas observações feitas em sala de aula, apenas o intérprete de Murilo estava
presente na sala de aula. Demonstrava-se atento a cada movimento do aluno,
interpretando as explicações do professor.
Pedimos ao professor uma produção escrita dos discentes, já que o mesmo não
possuía o habito de propor este tipo de atividade. A proposta de produção escrita dos
alunos surdos ocorreu em suas salas de aula, sendo desenvolvida a mesma proposta aos
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alunos ouvintes pelo professor e utilizando como ferramentas quadro de giz para a
exposição da temática e estrutura do texto.
A produção escrita dos alunos foi realizada individualmente; o docente sugeriu
a temática da construção de identidade. Deste modo os alunos produziram sobre fatos
que viveram. As redações partiram, portanto, da experiência pessoal de cada sujeito.
A proposta textual seria a mesma para os dois alunos surdos, porém apenas o
aluno Murilo produziu o texto. No dia em que foi proposta a atividade discursiva aos
alunos do sexto ano, Danilo não possuía intérprete e a professora colocou a proposta no
quadro já que não possui conhecimento sobre Libras, porém o aluno não produziu
nenhuma linha, talvez por não ter entendido a proposta apresentada pelo professor.
A partir das observações de sala de aula e das entrevistas podemos notar que o
grau de domínio do português e da Libras é relacionado à maneira como a família se
comporta diante da surdez, motivando ou não o surdo, além do apoio pedagógico do
atendimento educacional especializado (AEE), da convivência dos alunos surdos com a
comunidade surda e de professores ou mesmo do ambiente escolar fluentes ou não em
Libras.
Em relação à proposta de produção textual aos dois alunos, o professor aplicou
a mesma metodologia ao requerer a elaboração do texto: o docente começou explicando
que a aula daquele dia teria como foco a elaboração de um texto o qual deveria ser
entregue até o final da aula. Com isto pode-se notar a importância do professor saber a
Libras para ministrar suas aulas e a sua dependência em relação ao intérprete.
Ao questionar os intérpretes nas entrevistas sobre o seu papel na escola ambos
informaram que são ILS. Porém, ao serem questionados se o papel que lhes cabe em
sala de aula vai além de serem intérpretes de LS, a ILS do aluno do sexto ano revelou
que muitas vezes necessita fazer o papel de professora de Danilo para auxiliá-lo na
aprendizagem tanto da Libras quanto da LP na modalidade escrita e Diego pondera
apenas que auxilia Murilo nos exercícios.
Analisando os questionários dos intérpretes, percebe-se que eles não têm
formação acadêmica específica, possuem apenas o ensino médio completo e alguns
cursos de capacitação oferecidos pela Smed. É necessário lembrar que os cursos de
9
capacitação oferecidos são muitas vezes somente de nível básico e médio, sendo
insuficientes para uma formação real de um profissional desta área.
No que se diz respeito à capacitação, quando se foi perguntado sobre quais
cursos os intérpretes possuíam como curso de formação, Diego respondeu que possuía o
PROLIBRAS1. Porém, o PROLIBRAS não é um curso de capacitação e sim um exame
de proficiência em que o participante aprovado receberá um certificado que prova que
sabe LS, sendo geralmente uma pessoa que já atua como ILS. Assim, o indivíduo que
presta o exame recebe o certificado que comprova a competência na interpretação de
Libras.
Um mito que prevalece sobre a interpretação da Libras é o de que basta ser
fluente em Língua de Sinais e em Português para ser capaz de interpretar de uma língua
para a outra. No ambiente escolar acontece de uma maneira diferente, visto que ao
interpretar e ser mediador na relação aluno-professor, o intérprete necessita ter um
conhecimento sobre o conteúdo abordado pelo professor para poder interpretar o aluno e
o professor. Os intérpretes estão na escola com a função de ser um canal na
comunicação entre os alunos surdos e o professor, não possuem capacitação para
exercerem a função de professor ou dar alguma resposta de exercícios como foi visto
em uma observação na sala de aula.
A falta de preparo ao ingressar na escola para ser ILS tornava-os despreparados
para interpretar conteúdos, consequentemente interferindo na aprendizagem do aluno
que depende do intérprete como o canal de comunicação entre ele, o professor e a
aquisição de conhecimento. Pode-se dizer que colocar um ILS despreparado em sala de
aula é o mesmo que não ter este profissional, uma vez que se nega ao aluno o direito de
ter sua língua de forma fluente no dia a dia na aula.
No que se diz respeito à disponibilização de material por parte do professor
antes da aula para o intérprete, houve divergências nas respostas. Joana foi categórica ao
1
O PROLIBRAS - Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de
Sinais- é um exame de proficiência que certifica, anualmente, docentes, tradutores e intérpretes de Libras, recebendo
um certificado de profissional.
10
afirmar que o professor não disponibiliza material, já Diego pondera que o docente
apenas disponibiliza se o intérprete solicitar para Marcelo.
Os ILS foram questionados de como seria a relação deles com o professor e
ambos afirmaram que é boa. Ao afirmar que a relação de ILS é boa, pode-se então
destacar que o convívio na sala de aula dos ILS com o professor é bom. Porém, ao ver
essa relação pela forma profissional a qual interfere na “ajuda” no ensino e aprendizado
do aluno, torna-se deficiente “esta relação” porque não há disponibilização de material
antes da aula para que o intérprete se prepare para conseguir sinalizar a explicação do
professor para que o aluno entenda de forma clara.
Deste modo, vimos que falta esclarecimento por parte dos ILS e do professor
sobre seus papéis em sala de aula, assim como a falta de capacitação dos mesmos para
que os alunos realmente aprendam.
Em relação à produção escrita do aluno surdo, existem algumas falhas
gramaticais são visíveis na composição do texto de Murilo, porém não impedem a
compreensão textual. Um exemplo disto é a confusão presente no emprego da regra da
LP em começar a frase com letra maiúscula (“eu amor estudar como sempre”).
A produção textual não foi passada a limpo pelo aluno para uma possível
revisão textual do mesmo, sendo assim, as falhas gramaticais podem ser encontradas em
textos de ouvintes nas mesmas condições de escrita.
Vale ressaltar que o nível de escrita que Murilo possui é de acordo com seu
processo de aquisição de L2, e as questões internas do aluno como emocional, questões
familiares, aquisição de língua, e com questões externas como apoio pedagógico,
quando o aluno entrou na escola também interferiram de maneira positiva neste
processo. Deste modo, o emocional de Murilo que se demonstra confiante na entrevista
e no seu texto quando fala da importância da cultura surda em sua vida, a idade em que
adquiriu a sua L1, o incentivo da família, a presença de intérprete na sala de aula e a
própria procura de materiais de apoio para aprender a L2 foram fatores que interferiram
positivamente no seu processo de aquisição de línguas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Por mais que a intenção dos ILS ao tentar ajudar os alunos atuando como professor
seja positiva, seu papel é de intérprete, não possuem capacitação para ensinar, logo, o fato de
trocarem este papel pode ser prejudicial aos alunos pela falta de formação adequada, além de
ferir a ética profissional.
Ficou nítido neste trabalho que o processo de ensino e aprendizagem dos
surdos está relacionado às questões internas do aluno como emocional, questões
familiares, aquisição de língua, e com questões externas como apoio pedagógico,
quando o aluno entrou na escola.
Deste modo, cabe ao professor de LP conhecer o processo de aquisição de
línguas para assim preparar suas aulas buscando metodologias para que o aluno
aprenda, além de que, neste caso, o ideal seria melhores estratégias de ensino,
lembrando qual é a L1 do aluno.
Não pudemos deixar de ressaltar a falta de suporte pedagógico para o
professor. No caso do aluno do sexto ano, a bagagem de conhecimento é menor por ele
ter entrado na escola este ano. O professor sabe a importância da Libras na sala de aula,
embora não tenho feito nenhum curso de capacitação para que não precisasse depender
apenas do intérprete.
Outro fato importante ao que se refere às dificuldades do professor em sala de
aula é que sua turma de sexto ano possui mais alunos com necessidades especiais e com
isso acaba dificultando nas adaptações de conteúdo, por exemplo.
Logo, não podemos culpar apenas o professor pelas dificuldades no processo
de ensino e aprendizagem da escrita pelos alunos surdos; cada aluno tem um processo
diferente de aquisição de escrita e os fatores internos e externos contribuem para isso.
Por fim, destacamos, mais uma vez, o valor de trabalhos como o nosso, ou seja,
trabalhos que visem refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem dos alunos na
modalidade escrita do português para que assim os professores busquem metodologias
e/ou estratégias para que o discente realmente aprenda e não apenas decodifique a
língua portuguesa.
É necessário que a escola, os pais, professores e intérpretes interajam de uma
forma que vá além do convívio social, e sim visando à busca de melhorias para o aluno
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surdo para que o mesmo realmente aprenda e seja incluído. Com a nossa pesquisa ficou
claro que para que o aluno surdo aprenda é necessário um engajamento desde a sua
aquisição da língua para que ele tenha um processo de ensino e aprendizado satisfatório
e não apenas uma inclusão social na escola.
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