EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO DE SURDOS NUMA PROPOSTA
BILÍNGÜE
Edna Márcia de Souza1
Giovana Medianeira Fracari Hautrive2
Vanise Mello Lorensi3
Resumo
Neste estudo, o propósito foi investigar a importância do bilingüismo na otimização da
aprendizagem da criança surda. O percurso de construção deste estudo fundamenta-se em uma
investigação-ação. Foi realizado um estudo empírico sobre o processo de alfabetização com
crianças surdas, numa metodologia bilíngüe. Os resultados obtidos apontam para a
necessidade de um redirecionamento no processo de alfabetização de surdos a fim de
transformar a aprendizagem da língua escrita em algo significativo para o aluno, fazendo com
que aspectos importantes da linguagem, como seu papel na estruturação do pensamento e seu
aspecto comunicativo sejam respeitados e considerados nesse processo. As atividades
pedagógicas podem ser instigantes, se ministradas de maneira estimulante e inovadora, se
respeitarem a diversidade inerente a cada ser humano. Para tanto, a língua de sinais aparece
como recurso favorável e oportuno; suas características, que habilitam a crianças para o
processo de transição de significados, levam à abstração e podem ser direcionadas para a
aprendizagem da leitura e da escrita. Destaca-se ainda, como resultado a importância da
instrumentalização da língua de sinais como primeira língua na educação de surdos.
Palavras-Chave: Surdez . Alfabetização. Bilingüismo
O nascimento de um bebê é acompanhado de vários sentimentos e sonhos, idealizados
por mãe, pai e familiares. Há no entorno, uma expectativa envolvendo o nascimento, no qual
se espera a chegada de um bebê saudável, concretizando os sonhos e os ideais tão almejados
por todos.
Logo ao nascer, a família é o primeiro núcleo, que recebe, acolhe o pequeno ser, e passa
a suprir suas necessidades inatas de sobrevivência e relacionamentos. Ele terá, assim,
condições de se desenvolver e aprender.
Quando defrontados com um diagnóstico de deficiência, emerge neles um sentimento de
impotência, diante da realidade do “sonho” da normalidade. Essa passagem, natural ao
sentimento de perda do filho esperado, é denominada período de luto.
1
Professora do Centro Universitário Franciscano e da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser –
Mestre em Educação Brasileira – UFSM.
2
Professora da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser – Especialista em Educação Infantil –
UNIFRA.
3
Professora da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser – Especialista em Educação Especial –
UFSM.
2
Os pais então precisam adaptar-se a nova realidade que se impõe e viver os sentimentos
necessários que decorrem da perda do bebê sonhado, pois somente com o tempo é que vão
conseguir reorganizar internamente suas emoções e assumir a sua responsabilidade com o
filho.
Os pais, após reelaborarem a situação, começam a peregrinação nas clínicas,
instituições, em busca de soluções ou de maiores esclarecimentos para o problema enfrentado.
De acordo com o Ministério da Educação:
A presença de uma deficiência no bebê vem, além do conjunto de tarefas próprias
desse período, acrescentar grande peso emocional à mãe e aos familiares. As
pesquisas mostram que receber um filho com deficiência geralmente provoca, na
família (e em especial, nos pais) as mesmas fases emocionais características de
situações de perda: negação, rejeição, raiva e aceitação (não necessariamente nesta
ordem). A sensação de culpa é também freqüente na maioria dos casos (BRASIL,
2004, v. 4, p. 11).
No caso de, no diagnóstico, constatar-se a surdez, a modalidade de comunicação é o
maior obstáculo entre eles.
Os pais sentem-se inseguros em relação à limitação auditiva de seu filho/a surdo/a e,
como apresentam dificuldades em estabelecer uma modalidade de comunicação satisfatória,
evitam os assuntos abstratos. A criança surda é privada de receber informações lingüísticas do
que ocorre no seu entorno e a tendência é a criação de sinais convencionais, que são
limitados, não proporcionando a aquisição de linguagens significativas.
Conforme Goldfeld,
[...] percebe-se que os problemas comunicativos e cognitivos da criança surda não
têm origem na criança e sim no meio social em que ela está inserida, que
freqüentemente não é adequado, ou seja, não utiliza uma língua que esta criança
tenha condições de adquirir de forma espontânea, a língua de sinais (1997, p. 53).
Essa incapacidade dos pais em conversar com seu filho/a surdo/a, estimulá-lo e educálo, é decorrente da limitação de trocas lingüísticas e da dificuldade de não conseguirem
estabelecer regras de comportamento e de eficaz entendimento por falta de feedback e
carência de afetividade.
A criança surda, além de ter a necessidade de ser compreendida pelos seus pais, precisa
ter acesso a dados lingüísticos, necessários para que ocorra o desenvolvimento de linguagens
significativas (no período de aquisição da língua natural). E, os pais ouvintes, ao descobrirem
a surdez de seu filho, devem dar-lhe a possibilidade de mútua compreensão, procurando
aprender e usar a língua de sinais, com o propósito de possibilitar a comunicação nas
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atividades de vida diária e nas interações.
Segundo Quadros:
[...] o desenvolvimento sócio-emocional também deve ser garantido na relação dos
pais com as crianças. A criança precisa ter oportunidade de conceber sua própria
teoria de mundo através de suas experiências diárias e do diálogo com as pessoas
que a rodeiam. [...] Os pais, normalmente, não sabem ser pais de crianças surdas.
Além disso, eles não conhecem a língua de sinais (1997, p.108).
A criança possui capacidade de desenvolver a linguagem, que está relacionada ao
desenvolvimento global da inteligência, da motricidade, da afetividade e da socialização.
Para Novaes, a
[...] linguagem, conjunto de sinais intencionalmente expressivos, é instrumento de
pensamento, de expressão emocional e, sobretudo, de interação social, feita através
da comunicação de interesses, crenças, conhecimentos, aspirações e ideais comuns
aos indivíduos e às gerações que se sucedem (1982, p. 202).
Para a criança surda, a possibilidade de adquirir a língua de sinais é através da
interação com seus pares, na comunidade surda.
A língua é um código lingüístico adquirido e compartilhado pelos membros
pertencentes à mesma comunidade lingüística e cultural, no qual é possível a interação e a
comunicação de anseios comuns.
Devido à essa realidade e à necessidade de um espaço em que tais características
pudessem ser respeitadas, após estudos e discussões, criou-se uma escola para surdos que tem
suas atividades desenvolvidas, direcionadas às necessidades apontadas.
A Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser, situada na Rua
Valdemar Coimbra, Vila Lorenzi, no município de Santa Maria, foi criada, a partir dos
anseios da comunidade surda e dos professores, preocupados com os altos índices de evasão e
repetência dos alunos surdos incluídos no ensino regular e da necessidade de priorizar a
língua de sinais na educação dos surdos. Nesse sentido, a escola propõe uma metodologia
bilíngüe para a educação dos sujeitos surdos; prioriza a Língua de Sinais, como primeira
língua e, como segunda, a Língua Portuguesa, na modalidade escrita.
A escola oferece a Educação Infantil, Ensino Fundamental (séries iniciais e finais),
Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio, com habilitação em Magistério em caráter
experimental..
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da Escola:
[...] os sujeitos surdos precisam freqüentar Escolas Bilíngües para surdos, desde a
mais tenra idade, pois o desenvolvimento cognitivo, afetivo, sócio-cultural e
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acadêmico dos sujeitos surdos não dependem, necessariamente, da audição, mas sim
do desenvolvimento espontâneo da sua língua. A língua de sinais propicia o
desenvolvimento lingüístico e cognitivo dos sujeitos surdos, facilitando o processo
de aprendizagem de outra língua, no caso o português como segunda língua,
principalmente em sua modalidade escrita (2001, p. 3).
A proposta de educação bilíngüe pode ser traduzida como uma oposição às
características da educação e escolarização dada aos surdos historicamente. Essa proposta
busca captar o direito de os surdos poderem ser educados através da língua de sinais,
considerada como língua natural e adquirida de forma natural por eles. Em Quadros, o
bilingüismo é delineado como “uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a
tornar possível à criança duas línguas no contexto escolar” (1997, p. 27). Como primeira
língua, está a língua de sinais, considerada como mais adequada para o ensino de crianças
surdas, e tomada como pressuposto para o ensino da língua portuguesa escrita.
Teóricos comprometidos com a formação bilíngüe consideram que os surdos formam
uma comunidade, com cultura e língua próprias. A tão almejada “normalidade” que poderia
ser adquirida através do ensino sistematizado da língua oral é ilusória.
Skliar (1999, p. 7) diz que, além da oposição à prática educativa tradicional dada ao
surdo, o bilingüismo é considerado “como um reconhecimento político da surdez como
diferença”, que tem em conta o grupo lingüístico e cultural no qual o surdo está inserido.
Os estudos sobre bilingüismo estão direcionados para o entendimento do surdo, suas
potencialidades, sua língua, sua cultura, sua forma peculiar de pensar, de agir, etc., e não
apenas para os aspectos ligados à surdez. Nesse sentido, as realidades psicossocial, cultural e
lingüística são consideradas como balizadoras e desencadeadoras do processo educacional.
A autonomia das línguas de sinais e a estruturação de um plano de educação que não
afete a experiência psicossocial e lingüística da criança surda, são referendadas por vários
estudiosos, como: Vigotsky (1933), Stokoe (1960), Bellugi & Klima (1979), Joachim &
Prillwitz (1993), em Skliar (1997a); Góes (1996); Quadros (1997); Skliar (1997b, 1998), entre
outros.
A educação bilíngüe, para surdos, proporcionará às crianças condições para adquirirem
e desenvolverem a Língua de Sinais como primeira língua e a Língua Portuguesa, como
segunda língua.
Por fim, Felipe posiciona-se dizendo que,
[...] os alunos surdos devem ser atendidos em Escolas Bilíngües para surdos, desde a
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mais tenra idade. Estas escolas propiciarão às crianças surdas condições para
adquirir e desenvolver a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), como primeira
língua, e para aprender a Língua Portuguesa, como segunda língua, tendo
oportunidade de vivenciar todas as outras atividades curriculares específicas de
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio em LIBRAS (1999, p.18).
Além do respeito à língua natural do surdo, é importante considerar que a comunidade
surda apresenta uma cultura própria que deve ser respeitada. Então, além de bilíngüe, a
proposta educacional deve ser bicultural, para “permitir o acesso rápido e natural da criança
surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como parte de uma
comunidade surda” (QUADROS, 1997, p. 28).
Skliar apresenta os objetivos da educação bilíngüe-bicultural:
a) criar um ambiente lingüístico apropriado às formas particulares de processamento
cognitivo e lingüístico das crianças surdas; b) assegurar o desenvolvimento sócioemocional íntegro das crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos;
c) garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo; e, d)
oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural (apud QUADROS,
1997, p. 33).
A Escola conta com educadores surdos, adultos, que são usuários da língua de sinais,
que atuam como facilitadores da prática pedagógica, nas salas de aula, assim como em todo
trabalho escolar.
O educador surdo tem um papel fundamental dentro de uma escola de proposta
bilíngüe, pois é o usuário experiente da língua e membro da comunidade surda. Por isso, atua
na mediação da aprendizagem em língua de sinais e na transmissão da cultura surda para os
alunos.
As interações, com pares surdos da mesma idade e surdos adultos, possibilitam o
influxo cultural, intelectual e lingüístico de sua comunidade, possibilitando-lhe a construção
da identidade.
Essas são situações de interação, que, geralmente, as famílias ouvintes têm dificuldades
de estabelecer. A experiência vivida pelos alunos no ambiente escolar demonstra o quanto a
escola oportuniza o encontro dos alunos com seus pares, favorecendo as conversas em língua
de sinais. É nesse ambiente que os alunos(as) surdos(as) têm efetivo acesso às histórias
infantis, sinalizadas pelo educador surdo, o que torna possível recontar a história pela
dramatização e uso da língua de sinais, no processo de alfabetização.
A alfabetização, para alguns autores, pode ser definida como o desenvolvimento da
linguagem escrita desde seu início até seu domínio como sistema de representação para a
comunicação com os outros. É necessário, então, que a criança reconheça a função social da
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escrita. Somente dessa forma, permitida pela interação com o meio, será despertado o
interesse pelos processos de leitura e escrita. Nesse sentido, a interação social é fundamental
para a comunicação humana.
A partir da perspectiva sócio-histórica, é possível dizer que a existência de interação
precoce (com familiares) poderá resultar num benefício à alfabetização, mas isso não é
suficiente; é necessário que esse conhecimento seja sistematizado na escola.
A alfabetização é considerada como um processo contínuo, no qual encontram
imbricados o aspecto cognitivo da lingüística e a consciência metalingüística. Para que a
criança vá, paulatinamente, incorporando o conhecimento da língua, podendo sistematizá-la
na escola, é imprescindível que haja interação com o seu meio no período pré-escolar.
Nesse sentido, os modelos lingüísticos e de interação com o outro podem levar a
criança, por meio de uma comunicação viso-gestual, à aquisição da linguagem escrita. Para
Hocevar et al. (1999, p. 85-86),
[...] uno de los procesos que puede llevar a una mejor comunicación del niño sordo
com su medio es el de la escritura, es por ello que debe considerarse com sumo
cuidado los procesos que ayuden a su desarrollo. Cuando los niños oyentes acceden
a la escolaridad, ya tienen un extenso caudal de lenguaje, lo que favorece la
posibilidad de pensar y hablar acerca del lenguaje, así como también la posibilidad
de usar el lenguaje como un sistema de representación para la lectura y escritura.
Essas autoras trazem, em seu trabalho, uma questão fundamental para o processo de
aquisição da linguagem escrita. Preconizam que a construção da escrita é uma construção
ativa por parte do sujeito, caracterizada por uma seqüência evolutiva que tem seu início muito
antes de a criança ser exposta à ação sistematizada da alfabetização. Quando o processo
formal de alfabetização é iniciado, as crianças já possuem conhecimentos prévios, adquiridos
pela interação com os outros, em diferentes contextos de desenvolvimento. Elas denominam
esse período de “alfabetização emergente”, definida como conhecimentos e ações de leitura e
escrita que precedem e conduzem à alfabetização convencional, ou seja, o período entre o
nascimento e o momento em que a criança começa a ler e escrever convencionalmente. Por
esse motivo, a escrita deve fazer parte, constantemente, das experiências sociais da criança,
mas deve-se atentar para o fato de que, apesar de ter muitas semelhanças com a fala, a escrita
também é diferente. Para as autoras, “la escritura no es sólo habla escrita, implica una relación
entre lenguaje y pensamiento, diferente a la que se da en una conversasión” (p. 86).
É importante salientar que a língua escrita não é adquirida como uma língua natural; ela
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é adquirida quando a linguagem oral ou gestual já se desenvolveu ou está em processo de
desenvolvimento.
Os modelos de alfabetização de surdos, vinculados ao oralismo, têm fracassado; apesar
do amplo período de escolarização, os alunos ainda têm dificuldade na leitura e escrita de
textos. Além disso, esses textos são, normalmente, desvinculados de sua realidade.
As autoras demonstram em seu trabalho que a aprendizagem baseada na metodologia
oralista não obteve o sucesso do trabalho realizado com crianças que tiveram, desde tenra
idade, acesso à língua de sinais, numa proposta bilíngüe. Consideram ainda que, a partir da
pesquisa que realizaram, o crescimento da competência das crianças surdas em língua de
sinais possibilitou maior compreensão e produção da língua escrita.
Esta pesquisa foi desenvolvida dentro de uma abordagem qualitativa, caracterizada pela
investigação-ação. Nessa, é imprescindível que a investigação se preocupe com a prática, que
permita a seus participantes o conhecimento de suas dificuldades e de seus problemas e que
encaminhe ações que possibilitem mudar essa realidade.
Segundo Rasco (1990, p. 40), "la investigación-acción es a la vez un proceso
epistemológico de indagación y conocimiento, un proceso práctico de acción y cambio, y un
compromiso ético de servicio a la comunidad social y educativa".
Esse processo pretende relacionar, diretamente, a compreensão da realidade com a ação
futura. Assim, esse método vem ao encontro do foco desta pesquisa, no que se refere a tentar
transformar a situação vigente da alfabetização de alunos surdos.
As atividades realizadas na escola tiveram como objetivo analisar a função da língua de
sinais na otimização da aprendizagem da criança surda. Buscou-se, então, uma situação
educacional em que se pudesse verificar as potencialidades do uso dessa língua no processo
de alfabetização de crianças surdas.
Com a língua de sinais, contamos histórias, registramos experiências, expressamos
opiniões, desejos, sentimentos e necessidades, estabelecendo para a criança surda uma relação
viva e efetiva com o mundo em que está inserida.
A criança, ao relatar algo que experienciou, expressando o que pensa e o que está
vivendo, até mesmo da própria história contada, encontra no professor um interlocutor aberto
à comunicação, de modo que sua linguagem revela o que realmente ela pensa, sente ou quer a
respeito da história ou da proposta a ser desenvolvida.
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Ao relatar a história ou apenas os elementos que lhe chamaram atenção, a criança se
expõe, facilitando para que se sinta compreendida e respeitada. A linguagem é um dos modos
eficazes para compreendermos a existência dos homens, das coisas, das idéias e da própria
cultura.
A utilização da língua de sinais, enquanto uma atividade mediadora para a
alfabetização, no ambiente escolar, é um recurso potencial em produção de conhecimento. O
uso do relato, do diálogo e de outras manifestações como a expressão, a dramatização,
expressões faciais e corporais caracterizam esse desenvolvimento.
O educador surdo, ao transmitir a história em língua de sinais, procura relações com o
vocabulário que as crianças já dominavam, visando à construção de um novo vocabulário,
fazendo relações com o cotidiano. Somente num segundo momento do conto houve a busca
de diferentes recursos visuais, pois o educador oferecia um momento para que os alunos
construíssem relações com o mundo em que vivem, com o que conhecem do cotidiano,
trazendo para a realidade que estavam vivenciando.
Esse momento se torna extremamente rico quando as crianças fazem intervenções com a
finalidade de explorar os detalhes, absorver os conceitos e valores e, principalmente, quando
se envolvem com a história, deixando sua imaginação fluir.
A língua de sinais, pois, pode servir para que as crianças surdas adquiram todo um
conjunto de habilidades lingüísticas que não só favoreçam a aquisição da língua escrita da
comunidade na qual está inserida, como também propiciem uma série de habilidades
lingüísticas e metalingüísticas que possibilitem o acesso a ela.
Conclui-se que as pesquisas realizadas nos últimos anos e o trabalho desenvolvido na
escola, no âmbito da alfabetização de surdos, demonstram que o instrumento de mediação
semiótica mais importante para facilitar a aquisição da linguagem escrita pelas crianças
surdas, sem dúvida alguma, é a língua de sinais.
A partir desse pressuposto, apontamos algumas estratégias, atividades e recursos que
podem ser usados na alfabetização de alunos surdos em interação com a língua de sinais. O
professor, ao definir as estratégias, deve atribuir intenção comunicativa às crianças, a seus
gestos e expressões visuais; deve interpretar o que a criança expressa ou está tentando
expressar, procurando ampliar o conteúdo, o meio de expressão e favorecer os eixos de
interesse, permitindo aos alunos compartilharem experiências e construírem significados.
As atividades devem envolver experiências diretas, rotinas cotidianas, exploração de
brincadeiras e de jogos dramáticos, ampliação do diálogo em língua de sinais. Além dessas
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atividades, os alunos deverão ter experiências com o uso e funções da leitura e da escrita no
meio social, através de leitura de textos, de contos, releitura dos mesmos, da utilização do
dicionário de língua de sinais; devem participar e observar ações de leitura, criar e utilizar
uma biblioteca em sala de aula, conhecer as principais convenções da escrita: direcionamento,
horizontalidade, tipo de escrita, sinais de pontuação, etc., reconhecer palavras, letras e sílabas.
Além disso, os alunos deverão participar de atividades organizadas que envolvam o uso de
materiais escritos, jogos para o desenvolvimento da consciência grafêmica, léxico-semântica e
morfológico-sintática. Essas atividades devem envolver a escrita espontânea de textos por
parte dos alunos e a elaboração dirigida de textos ditados à professora, para que ela os escreva
no quadro de giz.
Essas estratégias, atividades e recursos podem ser aplicados nas escolas que trabalham
com a proposta bilíngüe de educação para surdos, com a finalidade de favorecer a aquisição
da leitura e escrita, tornando-as um veículo de comunicação que permita a interação social, a
consciência metalingüística, que lhes possibilite refletir sobre a linguagem. Há, dessa forma,
um equilíbrio entre as habilidades e os conhecimentos anteriores, que a criança leva para o
processo de aprendizagem, bem como o reconhecimento de suas limitações.
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