1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO PEDAGOGIA SUZANA SANCHES DOS SANTOS O BILINGUISMO COMO PROPOSTA INCLUSIVA PARA SURDOS NO PROCESSO INICIAL DE ESCOLARIZAÇÃO FORTALEZA 2013 2 SUZANA SANCHES DOS SANTOS O BILINGUISMO COMO PROPOSTA INCLUSIVA PARA SURDOS NO PROCESSO INICIAL DE ESCOLARIZAÇÃO Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Pedagogia do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação, sob a orientação da Prof.ª Nívea Maria Pinheiro Costa. FORTALEZA 2013 S237b Santos, Suzana Sanches dos O bilinguismo como proposta inclusiva para suedos no processo inicial de escolarização / Suzana Sanches dos Santos. Fortaleza – 2013. 55f. Orientador: Profª. Esp. Nívea Maria Pinheiro Costa. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Pedagogia, 2013. 1. Educação - surdos. 2. Bilinguismo - escola. 3. Libras. I. Costa, Nívea Maria Pinheiro, Rémi. II. Título CDU 376 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 3 SUZANA SANCHES DOS SANTOS O BILINGUISMO COMO PROPOSTA INCLUSIVA PARA SURDOS NO PROCESSO INICIAL DE ESCOLARIZAÇÃO Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Licenciada em Pedagogia, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Professor Ms. Jeferson Falcão Sales _________________________________________________ Professor Dr. Michael Viana Peixoto _________________________________________________ Professor Esp. Nívea Maria Pinheiro 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, pois, “até aqui nos ajudou o Senhor” 1Sm 7:12b, só Ele que me sustentou e proporcionou essa vitória. A minha família que acreditou em mim e sempre me incentivou a prosseguir e nunca olhar para trás, compartilhou comigo nos momentos alegres e me amparou nas dificuldades. A minha filha Priscila Sanches, que começamos juntas essa caminhada e terminamos juntas essa conquista. As minhas amigas Adriana de Brito, Francisca Lucivanda, Luciana Alencar, Maria Simone, Talita Freitas, que desde o nivelamento do curso estamos juntas e compartilhando esse momento de alegria. Seus familiares que também colaboraram e nos apoiaram nessa trajetória. Ao professor Jeferson S. Falcão que sempre entrou em sala de aula transmitindo alegria e nos motivando dizendo: “vocês são alunos fantásticos” e ao Professor Michael Viana Peixoto e todos os professores que me acompanharam e contribuíram com novos aprendizados. A coordenação do curso de Pedagogia representada pala Professora Luiza Lúlia Simões que sempre procurou orientar e conduzir o curso dando o seu melhor. A minha orientadora e professora Nívea Pinheiro que sempre me conduziu a novos conhecimentos e acreditou no meu potencial, sempre me incentivando e se dedicando com toda atenção na orientação deste trabalho. 5 RESUMO O trabalho “O Bilinguismo como proposta inclusiva para surdos no processo inicial de escolarização” teve como objetivo geral investigar o contexto histórico da educação do surdo e sua inclusão com ênfase na filosofia bilíngue. Sobre o método, trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica, onde foram incluídos na revisão livros, artigos e dissertações de mestrado já publicadas. Nos resultados e conclusão em âmbito geral, constatou-se que existe de fato a necessidade de inserção da filosofia bilíngue na escola regular, sendo necessário este suporte, para que se efetive o ensino e aprendizagem do aluno surdo. E que a perspectiva é de um ajuste para tornar acessível as duas línguas no contexto escolar, a Língua de Sinais com primeira língua e a Língua Oficial do país como segunda. Com relação a fundamentação teórica este trabalho se ancorou nos autores Falcão (2010), Moura (2008), Levy (1999), Lodi (2009), Vygotsky (1989) dentre outros, tendo sido também analisado a educação do surdo baseado nos princípios norteadores das leis que garantem o direito da pessoa surda e que almejam o seu desenvolvimento. Palavras-Chave: Surdos; Bilinguismo; Educação; Escola; Libras; Sociedade. 6 ABSTRACT The work " Bilingualism as inclusive proposal for the deaf in the initial process of schooling ' main goal was to investigate the historical context of education of the deaf and their inclusion with emphasis on bilingual philosophy. On the method , it is a survey of literature review , which were included in the review books , articles and dissertations already published . The results and conclusion in general context , we found that there is indeed a need for bilingual philosophy of inclusion in regular schools , this support is needed , so that becomes effective teaching and learning of deaf students . And that prospect is a fit making it accessible both languages in the school context , sign language to first language and the official language of the country as the second . Regarding the theoretical foundation this work is anchored in the authors Falcon (2010 ) , Moura (2008 ) , Levy (1999 ) , Lodi (2009 ) , Vygotsky (1989 ) among others , were also analyzed education of the deaf based on guiding principles laws that guarantee the right of deaf people and their development aims . Keywords : Deaf ; Bilingualism , Education, School , Pounds ; Society . 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8 1. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS .......................................................... 10 2. A LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................................. 18 3. ASPECTOS LEGAIS NA EDUCAÇÃO E INCLUSÃO DO SURDO ..................... 25 4. O BILINGUISMO COMO PROPOSTA METODOLÓGICA NA ESCOLARIZAÇÃO DO SURDO ................................................................................ 34 4.1 A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA SURDA ATRAVÉS DA FILOSOFIA BILÍNGUE ................................................................................................ 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 53 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 55 8 INTRODUÇÃO Este trabalho de pesquisa que tem como título "O Bilinguismo como proposta inclusiva para surdos no processo inicial de escolarização" teve como objetivo geral investigar o contexto histórico da educação do surdo e sua inclusão com ênfase na filosofia bilíngue, visto que o surdo vive numa condição bilíngue e bicultural, isto é, convive no dia a dia com duas línguas e duas culturas. Assim sendo, a comunidade surda propõe que a língua gestual oficial do seu país de origem lhes seja ensinada, como primeira língua e que a língua oral oficial do seu país não deve ser por ela ignorada, mas ensinada na modalidade escrita, como segunda língua. Com relação à fundamentação teórica este trabalho se ancorou nos autores Falcão (2010), Moura (2008), Levy (1999), Lodi (2009), Vygotsky (1989) dentre outros estudiosos dessa temática. O interesse por esse tema de estudo ocorreu a partir do conhecimento de experiências em sala de aula com surdos, e a necessidade de se pensar em metodologias que pudessem favorecer a aprendizagem desta minoria que é excluída do universo educativo, sendo negada uma educação de qualidade e condições que necessitam para apreendê-la. Nesse caminho, nos deparamos com o seguinte problema: Quais as dificuldades na inclusão do aluno surdo e que metodologias são aplicadas atualmente nas escolas? Dessa forma, encontramos nesta pesquisa relevância acadêmica para um estudo sobre a proposta de inclusão do surdo através da filosofia bilíngue. Feitas essas considerações, passo a expor que os objetivos específicos desta pesquisa: - Conhecer a história dos surdos e a evolução do seu processo educacional; - Identificar a importância e a consistência das leis que temos hoje sobre a educação inclusiva e os direitos dos surdos; - Investigar as filosofias aplicadas na educação dos surdos no contexto escolar; - Compreender a evolução da Língua de Sinais e sua importância no processo de socialização dos surdos. 9 Quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, retrospectiva, onde as obras e teorias de grandes especialistas no assunto são analisadas e relacionadas entre si e com a realidade do momento atual. Esperamos que a pesquisa cumpra as expectativas almejadas, o que não significa a conclusão de um assunto e de nossas ideias, pois muito se tem a pesquisar, mas sim a forma resumida da pesquisa e a provocação ao questionamento de seus papéis na sociedade que o fazem culturalmente responsáveis. É um trabalho de pesquisa que propõe novos caminhos, coloca dúvidas em conceitos arraigados nessa área de tão difícil modificação. Os surdos merecem a mesma oportunidade que a maioria ouvintes da nossa sociedade. Existem barreiras a serem transpostas, preconceitos a serem erradicados, mas o mais importante já foi conseguido: iniciou-se uma caminhada. Diante dos constantes desafios educacionais que promovem transformações significativas nos sujeitos de aprendizagem, esperamos contribuir com algumas reflexões sobre práticas pedagógicas aplicadas na inclusão dos surdos. Partindo de tais pressupostos, apresento a seguir a Revisão de Literatura sobre a problemática abordada. 10 2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS Sabemos que cada ser humano é diferente do outro e essas diferenças são de vários tipos e maneiras. Cada um tem seu modo de ser, de agir, de pensar, de falar, sua característica física, seu biótipo, seu comportamento e existem aqueles que não ouvem, o surdo. Mas, para falar deles precisamos saber um pouco de sua história e trajetória. Tem-se relatos sobre a educação dos surdos desde os gregos e os romanos. Relatam que os surdos não eram considerados seres humanos, pois os entendiam como seres incompetentes e incapazes de pensar e de desenvolver a linguagem, e, consequentemente, não eram ensinados, porque não podiam aprender. Os romanos não davam importância aos surdos, pois não tinham direitos perante as leis, não eram vistos como cidadãos, não podiam receber heranças e nem ser dono do seu próprio negócio, não podiam casar, não eram vistos como pessoas capazes e autônomas, mas sim como retardados. A igreja na Idade Média não os reconhecia como ser cristão, pois não podiam falar os sacramentos. Isto decorria do pressuposto de que o pensamento não podia se desenvolver sem linguagem e que esta não se desenvolvia sem a fala. Desde que a fala não se desenvolvia sem a audição e, portanto, aprender. Este argumento era usado pelos gregos e romanos para aqueles que nasciam Surdos. (MOURA, 2000, p. 16) Para Aristóteles, era “a linguagem que dava condição de humano para o indivíduo”, e que, para ser humano e ter intelecto era necessário a fala, a linguagem. Por muito tempo, durante séculos pensou-se que o surdo não era capaz de se comunicar, mas surgiu, então, a preocupação de humanização e recuperação do surdo. Existem até relatos datados de 685 d.C, onde um bispo, John of Hagulstat, segurou a língua de um mudo e fez o sinal da cruz no intuito que ele falasse, e assim, acontecesse um milagre de Deus. Segundo Moura (2000), por volta da Idade Moderna, meados do século XIV, em uma primeira alusão, começou a surgir os primeiros indícios da comunicação com o surdo, acreditava-se que os surdos poderiam se comunicar através de sinais, logo, os surdos deveriam receber instrução para ler e escrever sem precisar falar. Porém, o início da educação do surdo aconteceu através de Pedro Ponce de León (1520-1584), que era monge beneditino em San Salvador, Oña na Espanha. Ele 11 educava os filhos surdos dos nobres a ler, escrever, rezar e as doutrinas do cristianismo. Ele contestava os argumentos dos médicos que diziam que os surdos não eram capazes de aprender, pois tinham lesões cerebrais. As famílias queriam que seus filhos surdos falassem, pois seus interesses financeiros estavam em jogo e seus filhos tinham que ser vistos como cidadãos. Ele demonstrou também que os argumentos médicos que afirmavam que os surdos não podiam aprender porque tinham lesões cerebrais não eram verdadeiros. Desta forma ele demonstrou a falsidade de todas as crenças religiosas, filosóficas ou médicas existentes até aquele momento sobre os surdos. (MOURA, 2000, p. 17) Percebe-se aqui que as questões políticas se sobressaem, pois, assim como na atualidade, os interesses econômicos falam mais alto e ficam em segundo a importância com o bem estar do surdo, entretanto muitos educadores deram continuidade aos métodos de Ponce Leon, como Juan Pablo Bonet (1579-1629) filósofo, que também se interessou pela educação dos surdos, dando continuidade ao seu trabalho através do alfabeto digital. Posteriormente, Bonet escreve um livro “Reduccion de las Letras Y Arte para Ensñar à Hablar los Mudos”, onde os surdos teriam para cada som de fala, uma forma visual, com o alfabeto, que posteriormente foi espalhado por toda Europa e em seguida aos Estados Unidos. Já outros estudiosos e educadores de surdos, defendiam a oralização dos surdos, utilizavam os sinais para auxiliar nas explicações léxicas, até eles desenvolverem a fala e a escrita. Sendo defendido o movimento oralista, baseado na crença que o ser humano tinha a possibilidade da fala, dado por Deus e que através dela o conhecimento, acreditava-se também que o uso de sinais poderia atrofiar a mente e assim prejudicar o raciocínio. O alfabeto digital era usado para ensinar a ler, e a gramática era ensinada através da Língua de Sinais. A leitura orofacial dependia da habilidade de cada aluno, não sendo especificamente trabalhada. A fala era ensinada pela manipulação dos órgãos fonoarticulatórios e pelo ensino das diferentes posições para a emissão das “letras reduzidas” do alfabeto. (MOURA, 2000, p. 18) Alguns estudiosos continuaram na linha de pesquisa de Bonet, outros desistiram e seguiram outra linha de raciocínio, criando as primeiras escolas dedicadas 12 exclusivamente aos surdos, tendo como objetivo corrigir deficiências na fala. Porém, mais uma vez, vemos a problemática da vertente financeira interagindo em meio à ciência, atrapalhando mesmo o seu progresso, pois em virtude do desejo particular, talvez riqueza, muitos deixaram grandes descobertas em segredo por muito tempo, a fim de não querer compartilhar métodos eficazes no desenvolvimento de uma melhor qualidade de vida dos surdos, dessa forma monopolizando métodos com intuito financeiro. É certo que muitos outros estudiosos desejaram avançar nas descobertas sobre o problema da surdez, tanto que Francis Green lutou pela implantação de uma escola pra Surdos nos Estados Unidos. Ele se envolveu tanto na luta pelo direito dos Surdos terem uma escola especializada que publicou um livro em Londres: (...), em 1783, no qual defendia a necessidade da instalação de uma escola pública para Surdos na Inglaterra. (MOURA, 2000, p. 22) Nesta trajetória educacional, também houve aqueles que entendiam que a educação do surdo deveria ser através de sinais. Charles Michel de L’Epée em 1760 começou a trabalhar com sinais e o que lhe motivou foi as suas duas irmãs surdas. Sua preocupação era ensinar-lhes a escrita, para que assim, entendessem a palavra de Deus, utilizou então os sinais, para uma melhor compreensão. Em seu livro, escrito em 1776 ele escreve, Todo Surdo-Mudo enviado a nós já tem uma linguagem... Ele tem o hábito de usá-la e compreende os outros que o fazem. Com ela, ele expressa suas necessidades, desejos, dúvidas, dores etc. e não erra quando os outros se expressam da mesma forma . Nós desejamos instituí-los e assim ensiná-los o Francês. Qual é o método mais simples e mais curto? Não seria nos expressando na sua língua? Adotando sua língua e fazendo com que ela se adapte a regras claras, nós não seríamos capazes de conduzir a sua instrução como desejamos? (MOURA, 2000, p. 23 apud L’EPÉE, 1776, p. 59-60) L’Epée foi quem realmente se propôs a usar o método dos sinais para a educação e desenvolvimento dos surdos, dando a eles a condição de ser humano, que anteriormente não era dado, pelo simples fato de não poderem falar e nem ouvir. Sua dedicação deu origem ao Instituto Nacional para Surdos em Paris, uma educação gratuita e de forma coletiva, onde a interação facilitava a aprendizagem. Em época seguinte, Abbé Sicard em 1790 é nomeado diretor do Instituto Nacional de Surdo-Mudo no lugar de L’Epée que havia falecido em 1789. Sicard 13 escreveu dois livros: uma gramática geral e outro de como ele havia treinado Jean Massieu, que era surdo. Houve também, o médico cirurgião Jean-Marc Itard que realizava experiências médicas no Instituto, onde tentava descobrir as visíveis causas da surdez e ainda estudava cadáveres de surdos, fazendo várias experiências. Seus métodos muitas vezes foram agressivos ao ponto de ferir e machucar fisicamente pessoas com surdez, mas todas essas tentativas foram em vão, trazendo muito sofrimento e morte, tendo sido a surdez considerada uma doença. Também publicou artigos sobre técnicas de colocar cateter no ouvido de pessoas surdas. Essa técnica ficou conhecida como a Sonda de Itard, que deu a ele muita fama e prestígio. Apesar de Itard, utilizar técnicas pouco convencionais, ele deu sua contribuição aos surdos: Ele foi o primeiro a considerar que os Surdos tinham uma língua, ainda que a considerasse falha para ser usada como método de ensino. Através desta visão, em que a língua dos Surdos era reconhecida, ele colocou os Surdos na categoria humana. (MOURA, 2000, p. 24) Itard acreditava que poderia restaurar a audição através do movimento articulatório, para então desenvolver a fala. Criticava o uso da Língua de Sinais, pois impedia o desenvolvimento da fala, e sem os sinais o surdo seria estimulado e forçado a falar. Mas o próprio Itard, após muitos anos de tentativa em oralizar o surdo e de descobrir a doença da surdez, chegou à conclusão que o surdo só seria educado através da língua de sinais, pois era a maneira mais fácil de compreensão, aprendizado e comunicação. Com tudo isso ainda teve pessoas que tentaram banir o avanço das pesquisas com relação aos Surdos, muitas delas, até por não entenderem os fatos envolvidos, e por essa razão, tinham opiniões sem embasamento. É o caso, por exemplo, de Baron de Gérando, conforme Moura (2000), que entendia os europeus como uma raça superior e via o Surdo como selvagem, considerando a língua de sinais, como mímica, incapaz de educar alguém. Ele desejava que todos fossem europeus, superiores, como ele acreditava que fossem os europeus, e para isso, colaborou para que os surdos fossem transformados também em uma raça favorecida. Segundo Moura (2000), Gérando, antes de morrer, reconheceu a Língua de Sinais como uma língua, que aprendeu a valorizar. 14 Embora as intenções de Gérando não tenham sido das mais louváveis, podemos verificar que foi de fato uma excelente contribuição, pois, provavelmente, visando igualar raças, ele tornou-se diretor administrativo do Instituto Nacional de surdomudo, e, usando de seu poder, conseguiu fazer algumas mudanças como a retomada da oralização do surdo e a substituição dos professores surdos por professores ouvintes. Ainda que essa ação não tenha surtido bom êxito, ela vem mostrar os esforços de querer conseguir mudar o quadro, onde se encontrava o surdo naquela época. Várias tentativas de oralizar o surdo e fazê-lo falar não obtiveram sucesso, pois a não valorização e a rejeição pela língua de sinais trouxe muita marcas ao longo da história da educação do surdo, onde havia interesse financeiro, religioso e político, o surdo não era visto como um ser humano capaz de aprender. No entanto, muitos tiveram que concordar com uma verdade inegável que se mostrou com o passar do tempo. Muitos se convenceram disto e declararam publicamente a inutilidade de seus esforços e a importância da Língua de Sinais na educação dos Surdos. (...) É importante para os educadores atuais se questionarem quanto a sua forma de trabalho e resultado obtido. Não há vergonha em se declarar improdutivo na realização de um trabalho, mas, ao contrário, há mérito em reconhecer que aquele trabalho não dá as respostas esperadas e se questionar a razão da utilização do mesmo. (MOURA, 2000, p. 28) A popularização da educação dos surdos começou a se propagar em vários países, nos Estados Unidos, Thomas Gallaudet (1787-1851), se interessou pela surdez através da filha surda de um vizinho. Resolveu então ir a Europa para aprender o método de Braidwood, mas não obteve êxito, decidiu então ir à França em 1816 e conheceu o método desenvolvido por L’Epée. Ele teve a oportunidade de aprender os sinais com Laurent Clerc (1785-1869) surdo, que foi educado desde cedo no Instituto e se tornou um professor de língua de sinais. Clerc foi contratado por Thomas para implantar a primeira escola pública nos Estados Unidos em 1817, em Hartford, Connectcurt, com o nome de Hartford School, e seus professores aprenderam a língua de sinais francesa, que gradativamente foi sendo modificada pelos alunos e então formando a Língua de Sinais Americana. Muitos surdos saíram de suas cidades para estudar nessa escola e assim levaram a língua de sinais para suas cidades de origem, surgindo então outras escolas para surdos. Tanto que de acordo com Moura, 15 Em 1869, existiam aproximadamente trinta escolas para Surdos nos Estados Unidos, formando uma rede americana de educação para Surdos cujo ponto de partida havia sido a Escola de Hartford. (MOURA, 2000, p. 32) Essa abordagem foi importante, precisava-se de uma postura positiva quanto à aceitação de pessoas surdas na sociedade, muitos ainda se mostravam preconceituosos em relação ao convívio com tais pessoas, haja vista, não saberem nem mesmo como lidarem com elas, muito menos aceitar uma nova Língua. Não se poderia deixar uma pessoa excluída do convívio social por falta simplesmente de comunicação. A história da humanidade tem registrado acontecimentos e fatos marcantes como temos visto até agora. Outro registro data de 1941; naquele período, a concepção de inteligência era medida por intermédio de testes psicométricos (o famoso, teste de Q.I.). Porém, segundo Moores (1978), esse teste tem uma amostragem artificial, pois se compõe de um padrão prévio, predeterminado e qualquer indivíduo que não esteja dentro desse padrão seria reprovado, (...) É com estes pressupostos que Moores comenta que os achados de Pinter, Eisenson e Staton, qual seja um rebaixamento no nível intelectual dos surdos, não pode ser acolhido sem ressalvas já que tais testes requerem, via de regra, proficiência em fala, leitura oro-facial ou conhecimento do inglês padrão. (LODI E LACERDA, 2006, p. 113) Ainda segundo o trabalho realizado por Moores ele comenta os estudos, de 1950 a 1960, desenvolvidos por Myklebust em 1953, onde ele conclui que a criança surda apresenta diferença qualitativa. Referente aos aspectos relativos à percepção e conceito, dando ênfase a capacidade de observação que o surdo demonstrava. Na visão de Moores, Rosenstein em 1961, foi quem primeiro considerou a igualdade entre surdos e ouvintes. Baseado na teoria de Piaget, de que a inteligência tem como princípio as atividades sensório-motoras e não a linguagem, Furth, em 1981, através de experimentos não ligados ao tipo verbal/oral, para não desprestigiar os surdos, chegou a conclusão de que havia igualdade de competência cognitiva entre surdos e ouvintes. No Brasil essa teoria também serviu de peça chave para as pesquisas de estudiosos com Ferreiro e Teberosky (1988) entre os anos de 1980 e 1990. No mesmo período em que se discutia uma política educacional bilíngue nos Estados Unidos, Países da Europa e da América Latina. Tinha também início as primeiras discussões no Brasil. Toda essa discussão se justificava em vista do fracasso de ensino e aprendizagem da 16 linguagem oral com os surdos. Era uma proposta que visava à língua de sinais como primeira língua e a aprendizagem da linguagem escrita como segunda língua para os surdos, uma batalha se iniciava. Há aproximadamente cinco séculos, vários teóricos veem debatendo a questão da linguística no contexto da surdez. Se estes deveriam ou não desenvolver a linguagem oral (com ou sem o uso dos sinais). Isso tem revelado um cenário inquietante. No Brasil, as experiências ainda são recentes; os estudos iniciaram-se na década de 1990, quando se iniciaram as discussões relativas à linguagem dos surdos, bem como o desenvolvimento de práticas educativas. O surdo se confronta com dificuldades ao acesso dos conhecimentos, pois em seu meio a maioria são ouvintes. Ele precisava com urgência obter uma língua adequada para sua realidade. A linguagem de sinais deveria constituir-se como a primeira língua e como segunda, aquela utilizada pelos pais. Todavia, isso aconteceu de modo isolado e de forma até experimental. Com isso, eles não tinham acesso a uma escolarização que atendesse às necessidades. As escolas agregavam os surdos em suas salas de aula e queriam que eles absorvessem conhecimentos, como se fossem pessoas ouvintes, lendo lábios ou coisa do tipo. Se, nem para os ouvintes ficou claro algumas instruções, que dizer aos surdos. A inserção do aluno no ensino regular foi clara, mas as condições expostas não respondiam de modo satisfatório, pois os professores e alunos não estavam capacitados a conviver com essas propostas de modo a contemplar os surdos. Segundo Lodi e Lacerda (2009, p 14) (...) a falta de surdos adultos usuários de língua de sinais e habilitados como professores, o preconceito social, a dificuldade de muitos em aceitar os surdos como pertencentes a uma comunidade linguística diferenciada fazem com que esta proposta de educação avance lentamente. Na visão de que a escola é que deve se adaptar ao aluno, ela contempla a pedagogia da diversidade, amparando o aluno independente do social, ético ou linguístico. Os surdos trazem consigo uma história de dificuldades de acesso à informação, portanto restrição ao mundo (quanto ao que ele conhece) o que o coloca em desvantagem. 17 Na medida em que as condições linguísticas dos surdos são aumentadas, podem-se aumentar as chances de desenvolver e construir novos conhecimentos. Faz-se necessária a reflexão no interior das escolas com vistas a alterar o modo de atender e atuar com sujeitos com necessidades especiais. É com experiências práticas que se consegue isso. E as famílias enxergam como ponto positivo abrindo a confiança no trabalho realizado no ensino e aprendizagem do aluno, pois tem evolução significativa. 2 A LÍNGUA DE SINAIS 18 A Língua de Sinais é a língua natural da comunidade surda. Esta língua, com regras morfológicas, sintáticas e pragmáticas próprias, possibilita o desenvolvimento da pessoa surda, favorecendo o acesso desta aos conceitos e aos conhecimentos existentes na sociedade. De acordo com Segala (2008), as pesquisas linguísticas têm demonstrado que as Línguas de Sinais são sistemas de comunicação desenvolvidos pelas comunidades surdas, constituindo-se em línguas completas com estruturas independentes das línguas orais. Os sinais são formados com a combinação de movimentos das mãos em espaços determinados, sendo uma Língua com características visual e espacial. Baseado nesta mesma autora, os parâmetros da Língua de Sinais são: datilologia, soletração rítmica, configuração das mãos, orientação espacial, expressões gestuais e expressões faciais e corporais. As Línguas são consideradas naturais, quando são próprias de uma comunidade, que as têm como meio espontâneo de comunicação. Podendo ser adquirida através do convívio social, como primeira língua, ou língua materna, por qualquer um de seus membros. Dentre as línguas de sinais, encontramos a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que tem adquirido maior visibilidade na sociedade, na medida em que se expandem os movimentos surdos a favor de seus direitos, conforme a cultura e a língua própria do povo surdo ao longo dos anos, é uma lei ainda recente, data de 2002, Lei Federal no 10.436/2002 (Lei Ordinária); Decreto no 5.626/2005; Lei no 10.098/2000, porém a luta pelos direitos dos surdos é longa. Dessa forma, podemos compreender aspectos importantes na relação entre surdos e ouvintes, o choque entre culturas e especificidades e metodologias de ensino. A LIBRAS possui todos os elementos classificatórios identificáveis numa língua e demanda prática para seu aprendizado, sendo uma língua viva e autônoma. Da mesma forma que as línguas orais e auditivas não são iguais, variando de lugar para lugar, a língua de sinais também varia, existindo em vários países. É a língua de um povo, que se reconhece culturalmente, possui organizações políticas e habilidades. O seu surgimento se deu a partir de experiências de alguns professores, que se dedicaram às pessoas com surdez. Havia professores que se empenhavam na tarefa de comprovar a veracidade da aprendizagem dos sujeitos surdos ao usar a língua de sinais 19 e o alfabeto manual. Porém, o século XVIII é considerado o período mais fértil da educação surda, face ao aumento do número de escolas e do ensino da língua de sinais. Os surdos podiam aprender e dominar diversos assuntos, bem como exercer várias profissões. Aconteceram altos e baixos na trajetória da luta pela oficialização da Língua de Sinais. Diversos países perceberam que essa língua deveria ser utilizada independentemente da língua oral, isto é, o surdo deveria utilizar sinais em determinadas situações e a oral em outras ocasiões, e não concomitantemente, como era feito. A não aceitação da Língua de Sinais constitui um atraso no desenvolvimento dos surdos. É fundamental o convívio com pessoas que aceitem e façam uso da língua, para que eles percebam o mundo de forma mais completa, colocando-se inteirado das situações do mundo. A língua de sinais presente no ambiente familiar entre pais ouvintes e uma criança surda, efetiva a comunicação e o diálogo interpessoal e à medida que cresce e se desenvolve com competências e habilidades diferenciadas, a criança surda apreende novas regras sociais com a família e a escola sem maiores dificuldades. (FALCÃO, 2010, p. 34) Pesquisas realizadas mostram que uma criança, quando posta em contato o mais cedo possível, com a língua de sinais demonstra maior interação com os não surdos. O que promove a inserção eficaz no funcionamento linguístico da língua de sinais. Isso não é geral, e não acontece sempre, porque muitos surdos não mantêm contato frequente com outros que fazem uso dos métodos linguísticos dos sinais. Compreende-se, assim, que a aquisição natural e plena dos padrões estruturais no contexto de uma língua natural pode fornecer uma vantagem de se aprender a usar estruturas similares em outras línguas. Isso demonstra, de modo consistente e convincente que os processos e as fases da aquisição para crianças surdas são muito parecidos com aqueles de crianças ouvintes. Em outras línguas, como nos Estados Unidos, por exemplo, já faz tempo que os usuários nativos surdos fazem uso de uma variedade de sinais (fala): ASL CS (sinais de contato) que é uma forma de sinalizar como descrito por Lucas (1992). Isso demonstra uma habilidade de transição o que sugere que crianças, e até mesmo adultos, trocam de língua com certa facilidade. 20 Uma das funções da língua é promover o desenvolvimento cognitivo, facilitando a comunicação. Como colocado por Vigotsky (1989), a criança possuidora de algum déficit sensorial não se desenvolve menos que outras crianças, apenas de forma diferente, apropriando-se do sentido de maneira própria e inerente à sua dificuldade. Dentro dessa visão, ao assumir a língua de sinais como língua natural do surdo, o ambiente escolar necessita de participação efetiva de educadores surdos usuários da língua de sinais, pois compreendemos que cada povo, assim como cada homem, tem a maleabilidade de adquirir um modo próprio de atribuir sentido as coisas, isso nos mostra que o aluno surdo em contato direto com um também surdo, progredirá com mais rapidez e de modo mais fácil. Nesse ponto é interessante também citar Vigotsky. Ele nunca usou o termo “cognição”, mas poderia ser considerado um cognitivista, na medida em que se preocupava com a investigação dos processos internos relacionados à aquisição, organização e uso do conhecimento e, com sua dimensão simbólica. Nada mais apropriada então, que estudiosos da Língua de Sinais, façam uso dos estudos de Vigotsky para ampliar seus métodos de ensino. A eles, cabe essa responsabilidade, pois são os principais responsáveis pela divulgação e métodos de ensino da língua de sinais, e mais especificamente, da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). A fluência em Libras, língua materna dos surdos, é fator-chave para o desenvolvimento do surdo, mas, por vezes, falta-lhes o conhecimento para aprendizagem adequada. A Libras é o processo natural para a socialização da pessoa surda; sua aquisição plena e natural tende a ser paralela a outra língua, que fornece o potencial para o acesso geral e comum ao conhecimento. O ambiente mais propício para sua aquisição seria a própria escola, que desenvolve atividades sociais que ajudam na aquisição do conhecimento. A Língua de Sinais também pode ser aprendida, concomitante com uma segunda Língua, com a colaboração de uma segunda pessoa, que não seria o professor, mas um intérprete, o Intérprete da Língua de Sinais (ILS), o ISL está presente em sala de aula com função mediadora dos conhecimentos, entre o professor e o aluno surdo assumindo a responsabilidade de transformar os sons e a fala, em sala de aula e em todos os ambientes educacionais, em 21 gestos, sinais e expressões faciais que sejam admitidos na visão dos surdos como língua e cognição. Mas nem sempre é assim! (FALCÃO, 2010, p. 331) Os alunos exigem muito do intérprete, já que é o único disponível capaz de ajudá-lo em todo tipo de informação. São em geral, crianças que ainda estão no processo de aquisição de linguagem, construindo conceitos e para tais torna-se mais difícil, um obstáculo a mais para seu desenvolvimento, dissociar duas línguas: Português e Libras (usada apenas para adquirir o conhecimento em Português e entender o que a professora diz, parece não fazer sentido). A inserção do profissional intérprete em sala de aula com surdos objetiva-se e justifica-se pela ignorância do professor regente em como lidar e se comunicar com o aluno surdo. (...) Ao final, o ensino é tido pelos surdos como “fraco” porque os professores não souberam ensinar e os intérpretes, nesse momento, se esquivam da responsabilidade do que foi repassado e volatizado. (FALCÃO, 2010, p. 332) O ideal na realidade não seria um intérprete, seria o domínio da Libras e a construção dos conceitos nesta mesma língua – Libras. Para tudo isso muitos problemas de formação ainda precisam ser transpostos, porém torna-se difícil aos alunos surdos, além de enfrentarem as dificuldades pertinentes a sua língua peculiar, tenham que ser acompanhados por pessoas sem formação. As capacitações que contemplam especialidades acadêmicas para serem repassadas em sala, como os surdos, não contemplam as reais condições e favorecimento do ambiente educativo, pois o educando, muitas vezes sem nenhuma experiência de sala, se confronta pela primeira vez com uma sala de aula, onde terá que construir e quem sabe até reconstruir o saber a eles ensinado. Muitas vezes o professor ouvinte acredita que pode se isentar da responsabilidade com a aprendizagem de alunos com deficiência auditiva, mas não acontece bem assim. O educador precisa assumir essa demanda, do contrário, estaria descaracterizando a sua função na escola, que tem caráter social e emancipatório. Isso depende da qualidade das interações e das relações estabelecidas entre os sujeitos aprendizes no âmbito escolar. Para que a pessoa surda considere suas potencialidades e compreenda o desafio educacional como necessidade e possibilidade para então perceber-se envolvida e ser acolhida, todo o ambiente inclusivo, deve ser efetivamente modificado. É preciso haver um modelo educacional que respeite as diferenças e aos diferentes. O aluno surdo 22 não deve desistir. Embora muitas vezes esse convite seja feito de forma silenciosa, quando não respeitam as necessidades específicas desse aluno, com tudo isso ele precisa encarar os desafios e mostrar, de algum modo que é, sim, um ser importância e que deve ter seus direitos, inclusive constitucionais, assegurados no seu dia a dia. O meio social familiar e escolar devem atender as suas necessidades e especificidades sensoriais linguísticas e educacionais. É preciso haver o respeito ao potencial elaborativo, mental e cognitivo, já que as condições intelectuais inerentes aos ser humano com surdez são diferentes e requer uma pedagogia diferenciada. É imprescindível que se avalie o processo de construção e mediação dos saberes para poder chegar ao produto final adequado, reeducando e reestruturando novas estratégias de reflexão e percepção, daquilo que verdadeiramente corresponde ao que se pode ensinar aos surdos, através da observação do potencial de aprendizagem, com uma intervenção proativa de forma monitorada, visando trabalhar esse potencial de cada indivíduo o que para muitos é um fator crucial na evolução cultural. Eis mais um viés que se direciona para a autonomia e emancipação educacional dos sujeitos surdos como aprendizes e intelectualmente capazes quando mediados pela comunicação, aprendizagem e o diálogo em língua de sinais. (FALCÃO, 2010, p. 302) Portanto, a formação da pessoa surda não pode beirar a simplicidade ou a simplificação dos saberes como alguns querem fazer com a linguagem falada, porque é preciso ser trabalhado com eles suas habilidades técnicas e lógicas, visando qualificar e potencializar as suas outras competências humanas. Isso reflete a dignidade humana, em defesa dos valores da inclusão não importando se o aluno tem ou não necessidades especiais. Segundo Soares (1999) afirma que a “mudez não se constitui um impedimento para que o surdo adquira conhecimento.”, portanto, devemos empregar formas diversas para trabalhar com o surdo. Um dos princípios mais importantes é que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua próprias. A língua de sinais deve ser aprendida em contato com adultos fluentes, porém falta estrutura recomendada para sua utilização. O surdo em sua grande maioria cresce em meio a ouvintes e por isso não adquirem a Libras como deveria. Porém, todas as pessoas ditas falantes, são responsáveis 23 pela educação das pessoas com alguma deficiência, pois são parte integrante de uma organização social onde todos interagem em sociedade, para todos de fato. A discussão sobre o acesso a língua de sinais é oportuna, porque dá margem ao direito de adquiri-la o mais rápido e cedo possível, contribuindo desta forma no avanço de outros aprendizados, a partir do domínio de sua língua de sinais já estabelecida. A língua de sinais seria então a única forma de domínio completo que serviria para todas as necessidades de comunicação e cognitivas dos surdos. Todavia, na prática a língua ainda não foi totalmente implementada no Brasil: são raros os programas televisivos em língua de sinais, não existem intérpretes necessários e grande parte dos surdos e seus familiares sequer conhecem a linguagem. É evidente que a língua de sinais não pode ser utilizada simultaneamente com o português, pois não temos a capacidade neurológica de processá-las ao mesmo tempo. De forma geral, o que ocorre é uma imposição pela adaptação ao modelo tradicional, o que acaba desrespeitando a identidade do diferente. A Libras apresenta através da técnica visual, descrição sinalizada que o aluno surdo passa a compreender e apreender a relação significadosignificante de modo mais significativo, correlacionado, coerente, constructo e ativo, menos fracionado e lacunar, mais compreensível e apropriado. (FALCÃO, 2010, p. 27) Dessa forma, os surdos conseguem dominar as regras de sua língua, a Libras, de forma mais simples e com uma metodologia que contribui para um processo de ensino e aprendizagem pleno. Eles precisam ter mais tempo para conviver com a Libras, de forma isolada dos demais ouvintes. Elas precisam compartilhar momentos para eles treinarem a convivência afetiva, fazendo uso da linguagem dos surdos para ficarem fluentes, para que até mesmo a língua portuguesa se desenvolva através da percepção deles próprios, momento em que podem falar e pensar em Libras, raciocinando sobre vários assuntos abordados em sala. Assim, são apoiadas e incentivadas a desenvolverem seus próprios processos de leitura, produzir seus escritos e tornar-se cada vez mais autônomos. É preciso acreditar na importância da Libras na aprendizagem da língua portuguesa. Até as crianças ouvintes passaram a dar mais valor à aprendizagem da sua língua materna. Precisamos dar liberdade para que haja mais socialização entre os surdos 24 e ouvintes, pois é na descontração do momento social que elas de desenvolvem e assim somam conhecimento de mundo, em consequência, conhecimento de língua portuguesa, sua segunda língua. 3 ASPECTOS LEGAIS NA EDUCAÇÃO E INCLUSÃO DO SURDO 25 Para se ter uma compreensão mais aprofundada sobre a educação do surdo, faz-se necessário além de conhecer a história e suas filosofias, fazermos um breve esboço sobre a evolução das leis que ampara essa educação. No Brasil Colônia, a pessoa com deficiência era relegada à responsabilidade exclusiva da família. Diante da total ausência de políticas públicas, o trato dessa questão ficava à mercê das crenças e possibilidades das famílias, enfim, de suas condições sociais, econômicas, culturais e de seu posicionamento religioso. De maneira geral, a ignorância em relação à dimensão científica da questão determinava a prevalência de uma leitura carregada de mitos, preconceitos, no que se refere à deficiência em si e à pessoa com deficiência. Essa leitura, por sua vez, fazia do trato da deficiência uma tarefa difícil, dolorosa e frustrante. A educação obteve muitos avanços e mudanças no que diz respeito à escolarização de pessoas com alguma necessidade especial. Desde a época do Império, o Brasil oferecia atendimento às pessoas com deficiência, surgindo em 1854 às instituições, Imperial Instituto dos Meninos cegos, hoje sendo ele o atual Instituto Benjamin Constant IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos em 1857, atualmente Instituto Nacional da Educação dos Surdos INES, localizado no estado do Rio de Janeiro. Outras instituições foram surgindo, como o Instituto Pestalozzi (1926), a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE (1954). Essa situação se manteve no Brasil praticamente até o fim da década de 60, quando começaram a surgir movimentos e intensos debates, em diferentes países. Nessa época, foi instituído o princípio da normalização, que presumia a existência de uma “condição normal”. A mudança representou um grande avanço para a dignidade e a qualidade de vida da pessoa com deficiência. Passou-se a considerar que a “pessoa diferente” tem o direito à convivência social, embora ainda sujeita à necessidade de se ajustar ao perfil das pessoas consideradas “normais”. Com a Constituição de 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência dispõem de fundamentos amparados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, Lei no 4.024/61, que se refere ao direito dos excepcionais, e a educação preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. 26 Mudanças aconteceram com a Lei no 5.692/71, alterando a LDBEN de 1961, definindo “tratamento especial” para alunos com “deficiências físicas, mentais”, com idade regular e os superdotados. A constituição Federal de 1988 com seus objetivos em “prover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3o, inciso IV). Nessa perspectiva em âmbito internacional houve um marco na história da educação através de documentos que asseguram direitos à educação através da Declaração Nacional dos Direitos Humanos (1948), através da qual se deu o início à valorização e o reconhecimento ao direito do outro. Também em Joitien, Tailandia 1990, foi publicado a Declaração Mundial de Educação para todos e Diretrizes de Ação para o Encontro das Necessidades Básicas de Aprendizagem declara que: Todas as pessoas tem o direito fundamental à Educação e que a educação para todos representa um consenso mundial de uma visão muito mais abrangente de educação básica, assim como representa um renovado compromisso para assegurar que as necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, jovem ou adulta serão encontradas, efetivamente, em todos os países. (Haddad, Prefácio, 1990) De igual modo, a Declaração de Salamanca em uma Conferencia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (1994), assegura que cada criança tem direito à educação, a oportunidade de aprendizagem, respeitando suas necessidades, onde as escolas e sistemas de educação devem se adequar à diversidade de cada característica infantil. Também a crianças, os jovens com necessidades especiais deve ter o acesso livre às escolas regulares e as mesmas se adequar pedagogicamente ao aluno. A Constituição Federal de 1988 acompanhou a evolução mundial, dedicando diversos dispositivos à proteção de pessoas com deficiência, assegurando a todos os cidadãos os direitos sociais, os direitos ao trabalho e à acessibilidade. A esse respeito, vale observar o disposto nos artigos a seguir: Art. 5o – “Todos são iguais perante a Lei,(...)” sem fazer diferença entre sua nacionalidade, dando-lhe liberdade, segurança, o acesso a escola garantindo um atendimento especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino. Também proporcionará acesso nas construções para facilitar a mobilidade adequada e a facilitação na locomoção nos transportes públicos. 27 Amparado na Lei Magna, um conjunto de normas e diretrizes foi criado, visando proteger os direitos das pessoas com deficiência e promover sua inclusão social, através de decretos (nº 3.076 – 1999), criando conselhos que amparam as pessoas portadoras de deficiência, e a Lei nº 10.436 (2002) que reconhece a Libras (Língua Brasileira de sinais) como meio legal a comunicação e expressão da pessoa com deficiência auditiva. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, Lei no 8.069/90 no artigo 55 determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. A LDBEN (1996) no cap. V artigo 58 classifica educação especial “como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. No §1o do artigo 58 diz “haverá quando necessário serviços de apoio especializado na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial”. A atual LDBEN no 9394/96, no artigo 59, diz que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos, currículos, métodos, recursos e organizações específicos atendendo as necessidades e garantindo a conclusão do ensino fundamental. “[...] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art 37). Com relação às pessoas surdas, também deu-se sequência à evolução quando foram reconsiderados em vários aspectos importantes e necessários ao seu desenvolvimento. É preciso que os surdos tenham acesso a esses saberes e que sejam apresentados e resinificados com todos os seus valores, modos, intensidades e reinterpretações, como também, o mesmo mundo de contradições e conflitos sonoros, metafóricos e subjetivos devem ser apresentados, detalhadamente, em múltiplas dimensões, valores e princípios em imagens com gestos, faces, bocas e corpos que se movem e se comunicam permitindo compreensão, participação, intervenção, interação, compartilhamento e acima de tudo, humanização do acesso. (FALCÃO, 2010, p. 47) Sabemos que a SEEP (Secretaria de Educação Especial) desenvolve ações diversas com a finalidade de implementar a Política Nacional de Educação Especial. São contemplados com tais ações aqueles com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação. Para tanto, ela destina apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino para a oferta e garantia de 28 atendimento educacional especializado, complementar à escolarização, de acordo com o Decreto no 6.571, de 17 de setembro de 2008. Bem como Programas de Formação Continuada de Professores na Educação Especial – presencialmente e a distância –, Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, Programa Escola Acessível (adequação de prédios escolares para a acessibilidade). Destacam-se ainda as ações de garantia de acessibilidade nos programas nacionais do livro, implementados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Todo esse aparato descrito acima fala-nos de uma condição assegurada pelo Governo, mas que na realidade parece não existir nas escolas, percebemos a ausência de recursos, e a dificuldade dos educadores em conviver com uma realidade que segundo muitos falam, foi-lhes imposta sem nenhum preparo. No tocante à visão mundial sobre inclusão, o primeiro grande passo para a conquista dos direitos das pessoas com deficiência foi a Resolução ONU 2.542/75 – Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência – cujos Estados Membros, em Assembleia Geral, assumiram o compromisso de, em conjunto ou separadamente, cooperar com a Organização das Nações Unidas na adoção de medidas, a fim de promover níveis de vida mais elevados, trabalho permanente para todos e condições de progresso, desenvolvimento econômico e social para essas pessoas. Desta maneira entende-se que: A inclusão social é um processo de atitudes afirmativas, públicas e privadas, visando inserir, em um contexto social mais amplo, todos aqueles grupos ou populações marginalizadas historicamente. Para a educação, o sujeito com deficiência é um “aluno com necessidades especiais”, que demandam recursos e equipamentos, para atendimento à sua condição física, sensorial ou mental. (SENAC, 2006, p. 5) Foram criados os centros de reabilitação, as clínicas especializadas e as escolas especiais. Para a época, o salto qualitativo foi expressivo, embora não suficiente para responder aos anseios legítimos das pessoas com deficiência. Em muitos países, começou a proliferar a argumentação de que era um equívoco supor que alguém pudesse realmente ser “habilitado” para a integração social, através da manutenção de uma vida em convivência quase que exclusiva com outras pessoas com deficiência. As críticas a esse paradigma começaram a se manifestar principalmente a partir de organizações representativas das pessoas com deficiência. 29 Acontece que em 1990, os 189 países membros da ONU assinaram a Resolução no 451, em Nova York, na qual o termo Sociedade Inclusiva foi adotado pela primeira vez. Os parâmetros para a implementação de uma sociedade inclusiva, em nível mundial, foram estabelecidos em 2002, com a Declaração de Madri (Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência, 2002). Uma vez adotado o modelo, o Brasil dá o passo principal na direção de admitir a responsabilidade da sociedade para com todos que a constituem, estabelecendo os parâmetros norteadores do processo de transformação social. Vivemos em um país democrático, portanto a Lei de no 10.436 de 24 de abril de 2002 oficializada pala Constituição Brasileira, que reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais, garantindo como forma de apoio o seu uso e a inclusão da disciplina de libras, integrando no currículo, nos cursos de professores e fonoaudiologia abrindo assim novos caminhos para a educação dos surdos. Em seu artigo 4o ressalta-se que o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do distrito federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de educação especial, de fonoaudiologia e de magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da língua brasileira de sinais – libras, como parte integrante dos parâmetros curriculares nacionais – PCNs, conforme legislação vigente. (BRASIL, 2002) Portanto, neste contexto, essa lei dá garantias do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva com prioridade de matrículas nas redes de ensino da educação básica, sua inclusão, o direito a saúde com acompanhamento médico e fonoaudiológica e próteses auditivas. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (Brasília, 24 de abril de 2002; 181 o da Independência e 114o da República.) Todavia, temos que admitir que ainda são muitas as barreiras e dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência auditiva, para participar da vida em sociedade. A opção pela construção de uma sociedade inclusiva nos faz corresponsáveis no processo 30 de desenvolvimento do coletivo, especialmente através do respeito ativo às peculiaridades que constituem a riqueza da diversidade. A partir da Resolução ONU 2.542/75 (ONU, 2005) até a entrada do novo milênio, diversas convenções e normas internacionais, ampliaram as oportunidades de acesso à educação e ao trabalho dos brasileiros com deficiência. Refletindo sobre a ideia de que não devemos deixar que as incapacidades das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades, podemos perceber que para absorver conhecimento e desenvolvimento intelectual, a educação é, indiscutivelmente, um direito da pessoa com deficiência. Seja qual for sua limitação, ela não pode restringir sua cidadania seus direitos como cidadão e a educação está inclusa nesses direitos. A Resolução no2 do CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação, 2001) em seu artigo 12, nos diz mais específico, o § 2 determina que Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais educandos, a acessibilidade aos conteúdos curriculares, mediante a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, como o Sistema Braille e a língua de sinais. Com a evolução do conceito de inclusão e com o surgimento de uma legislação que assegura aos alunos com deficiência o convívio em salas de aulas comuns, as instituições de ensino especial, hoje, estão presentes como importantes parceiras, no que se refere à qualificação de profissionais, à metodologia, a orientação para o trabalho, entre outras coisas. É evidente que as possibilidades e limites das pessoas com deficiência, assim como de quaisquer alunos, devem ser consideradas, garantindo o respeito ao tempo de sua aprendizagem e a qualidade da capacitação oferecida. O contexto de vida de uma pessoa com deficiência determina parâmetros muito diferentes, a realidade desse aluno, sua história pessoal, não pode ser desconsiderada impondo-lhes novos conhecimentos e habilidades, e isso pode exigir alterações na metodologia, inserção de conteúdos e mudanças de percurso, é aí que o profissional e a instituição de ensino precisam estar atentos. Considerando o futuro profissional da pessoa com deficiência, a Lei de Diretrizes e Bases alerta os sistemas de ensino quanto à educação especial para o trabalho, 31 A sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (SENAC, 2006 apud BRASIL, 1996) Nos últimos anos, algumas vitórias foram conquistadas em defesa das pessoas com deficiência que, hoje, são amparadas por lei no seu direito de acesso ao trabalho. Diversas leis e convenções foram definidas no sentido de garantir às pessoas com deficiência o acesso ao mercado de trabalho. Entre elas, podemos citar a Convenção 159 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, a inserção e permanência das pessoas com deficiência no mercado de trabalho são asseguradas através de várias normas. Uma das mais importantes, a Lei no 8.213, estabelece que todas as empresas com 100 ou mais empregados devem reservar de 2% a 5% de suas vagas para beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência reabilitadas (BRASIL, 1991a). Os Planos de Benefícios da Previdência também estão descritos neste texto. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto no 2.172 (BRASIL, 1997), que foi revogado pelo Decreto no 3.048 (BRASIL, 1999a). Existe também o Decreto no 3.298 (BRASIL, 1999c), em seus artigos 37 a 43, assegura à pessoa com deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a sua deficiência. Entre outros deveres, está o de que a empresa não pode pagar um salário menor ou até mesmo deixar de admitir uma pessoa por ela ter uma deficiência. Que dizer então da acessibilidade. A acessibilidade, conceito que traduz uma das principais aspirações das pessoas com deficiência, surgiu na década de 1950, paralelamente ao movimento de integração. A princípio, estava ligado às barreiras arquitetônicas, pois as pessoas com deficiência que desejavam se integrar à sociedade eram, já de antemão, impossibilitadas por preconceitos concretos: obstáculos físicos, nas ruas, construções e meios de transporte. Como antes não se havia pensado na vida social e nos direitos das pessoas com deficiência, todos os espaços e utensílios públicos sempre foram planejados para pessoas consideradas “normais”. Seguindo o conceito de acessibilidade, ele ampliou-se através da inclusão. 32 A discussão sobre a sociedade inclusiva fez perceber que as condições de acesso são muitas vezes negadas em outros aspectos da vida em comunidade. Podemos citar seis tipos de acessibilidade, cuja promoção caracteriza a sociedade inclusiva: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Nos dias atuais, é incontestável o volume de informações imediatamente disponível em cada área do conhecimento. Ao utilizar um computador perfeitamente adaptado às suas necessidades e ter acesso à internet, a pessoa com deficiência, assim como qualquer outra, pode acessar um conjunto imenso de fontes de formação e informação, além de estabelecer contatos, trocar informações, exercer uma atividade laboral e, dessa forma, construir uma vida com significado. A Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação – Seesp – criou, em 1993, a Política Nacional de Educação Especial, que estipulou um crescimento de 25% no número de alunos com necessidades educativas diferenciadas nas escolas para os anos seguintes. Em 1997, a educação especial passou a integrar o Programa de Desenvolvimento do Ensino Fundamental. Mais do que a tecnologia da acessibilidade, o que se deseja da comunidade escolar é uma nova postura diante do novo paradigma. Até porque, a educação inclusiva, sendo para todos, não prevê conteúdos específicos de acordo com as deficiências – o que seria uma postura segregadora –, mas, sim, adaptações de recursos didáticos e do ambiente escolar para a total inclusão das pessoas com deficiência. (SENAC, 2006, p. 19) Recomenda-se que a comunidade escolar busque aprofundar seus conhecimentos com profissionais de saúde, para conhecer as características de cada aluno com deficiência, fornecendo-lhe os recursos que tornarão sua aprendizagem mais fluente. A LDB no seu capítulo V, que fala da educação especial, diz Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimentos especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns. (GROSSI, 2000, p. 40 apud BRASIL, 2000) Embora essa lei esteja expressa, não podemos entendê-la como ativa, pois o que se vê nas muitas escolas por todo o país, são relatos de casos onde professores não qualificados estão assumindo salas de aula com alunos especiais sem sequer serem comunicadas. Os pressupostos que norteiam essa reflexão em relação às pessoas com 33 deficiência baseiam-se no conceito de educação inclusiva, no respeito ao próximo. Isso implica a colaboração e coparticipação de toda a sociedade, requer a reconstrução da prática da democracia, cidadania, igualdade, a equidade. Independentemente da situação física e mental dos alunos na escola e posteriormente do cidadão apto ao trabalho, a sociedade, especialmente a escola tem o compromisso de ajudar a formar cidadãos cada vez mais conscientes, mais conhecedores de seus direitos, mais imersos nos processos sociais e mais qualificados para o mundo do trabalho e da convivência pacífica com todos, onde todos possam usufruir dos direitos garantidos pela sociedade através da carta magna, a Constituição. Sabemos que um número muito expressivo da sociedade é constituído de pessoas que têm alguma forma de limitação. Desta forma a realidade dessas pessoas é destituída do direito a uma vida social plena. Historicamente, a primeira atenção maior dirigida a essa questão foi após a Segunda Guerra Mundial quando a Organização das Nações Unidas voltou-se para a reabilitação das pessoas que se tinham tornado deficientes em razão da guerra. Em 1981, a preocupação mundial a esse respeito foi acentuada com a Declaração do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. (ONU, 1981) 4 O BILINGUISMO COMO PROPOSTA METODOLÓGICA NA ESCOLARIZAÇÃO DO SURDO 34 Conhecer a história e as filosofias educacionais para o povo surdo é um dos passos primordiais para analisarmos criticamente as consequências de cada filosofia no desenvolvimento das crianças. Como vimos em capítulo anterior, na antiguidade existia a visão negativa de que o surdo não podia ser educado, porém foi observado ao longo da história várias metodologias aplicadas ao surdo. Como já foi citado, encontramos a existência de três abordagens pedagógicas utilizada na educação das pessoas com deficiência auditiva: oralismo, comunicação total e bilinguismo. A primeira, o oralismo, é uma abordagem que visa à comunicação da criança surda na comunidade ouvinte, enfatizando a língua oral. Existem diversas metodologias nesta abordagem, entretanto, um ponto em comum é a estimulação da audição residual, detectada através de exames audiológicos. Essa audição é então trabalhada, após adaptação de aparelho para amplificação sonora individual, possibilitando que o surdo consiga melhorar sua capacidade de escutar. O oralismo, ou filosofia oralista, usa a integração da criança surda à comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o Português). O oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva. (GOLDFELD, 1997, pp. 30 e 31) No oralismo, a crença de que a língua oral é a única forma desejável de comunicação é predominante, o que leva a pensar que a criança surda deve, então, se submeter a um processo de reabilitação que inicia com a estimulação auditiva precoce, ou seja, que consiste em aproveitar os resíduos auditivos que quase a totalidade dos surdos possuem, possibilitando-lhes discriminar os sons ouvidos. A segunda é a comunicação total, que prega a completa liberdade na prática de qualquer estratégia, permitindo o resgate de comunicação, seja por meio de um método isolado ou pela combinação entre eles. Propõe uma maneira diferente de perceber o surdo, ou seja, como indivíduo diferente e não deficiente. Não tem como objetivo principal o aprendizado de uma língua e pode utilizar-se da datilologia (alfabeto manual), o cued speech (sinais manuais que representam os sons da língua portuguesa), português sinalizado e o pidgin (simplificação da gramática – uso do português e língua de sinais). 35 E finalmente o bilinguismo, faz uso da L1 (1a língua: materna para o surdo) e L2 (2a língua: língua portuguesa). O objetivo é levar o surdo a desenvolver habilidades em sua língua primária de sinais e secundária à escrita. A preocupação é que seja reconhecida e aceita na diversidade social, podendo contribuir para oportunidades semelhantes aos ouvintes na vida social. A educação dos surdos é um direito humano concernente aos surdos. O Bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngue, ou seja deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como Segunda língua , a língua oficial de seu país(...)os autores ligados ao bilinguismo percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores oralistas e da Comunicação Total. Para os bilinguistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo assumir sua surdez. (GOLDFELD, 1997, p. 38) Entendemos também que o uso do bilinguismo pode ser útil para demonstrar os benefícios do acesso à língua de sinais, natural para os indivíduos céticos sobre seu valor, muitos desses descrentes, mas que controlam as decisões sobre as experiências linguísticas de pessoas surdas. O pressuposto básico da filosofia bilíngue é o aprendizado da língua materna e natural (de sinais) e como segunda língua a oficial do país (para nós, o português brasileiro). Um diferencial profundo nesta concepção é a aceitação da surdez. Nesse contexto, podemos compreender que o povo surdo forma uma comunidade com cultura, língua e identidade próprias. Deve-se deixar de enxergar o surdo como uma pessoa incapaz e deficiente, mas encará-lo como diferente e como tal possuindo peculiaridades e especificidades que devem ser consideradas, dando-lhe oportunidade para que seja ele próprio. A luta em alguns momentos parece ser menos uma questão linguística e mais uma questão político-cultural e social, já que o que subjaz a ela é a possibilidade de inserção dos surdos em uma sociedade ouvinte. Compreender isso significa, talvez, considerar irrelevantes as classificações sobre o bilinguismo na surdez, tais como: a partir de que momento poderíamos chamar o surdo de bilíngue? O bilinguismo nada mais é que a aceitação e a convivência com a diferença, procurando aproximar e facilitar a comunicação entre a criança surda e a família ouvinte, sendo essas famílias na sua maioria ouvintes, o que torna essencial o envolvimento das 36 mesmas na aprendizagem da língua de sinais. O bilinguismo aumenta as capacidades cognitivas e linguísticas do surdo, possibilitando melhores resultados educacionais que os conseguidos sob priorização da língua na modalidade oral. As décadas seguintes marcaram a ascensão do bilinguismo com as pesquisas da professora Lucinda Ferreira Brito, que em 1994 propôs a abreviação “LIBRAS” para a língua de sinais no Brasil. Hoje, contamos com várias classes especiais, salas de recursos e espaços educacionais para os surdos, contudo, isto se mostra insuficiente diante da realidade que vivemos. É preciso estar consciente de que a falta e falha de uma língua atribuída com argumentação e contradições, não se aplica em tudo a relatividade. Os sujeitos surdos desconhecem, não são estimulados a refletir, construir nem construir-se criticamente ressignificando o conhecimento nem se apropriando dos saberes pela reflexão. O pacote é apresentado e nem sempre, raramente é absorvido. Esta realidade é atual e presente na escola, nas mãos de intérpretes de língua de sinais (ILS) e professores inconsequentes. Diante desta modalidade de ensino o risco de déficit cognitivo se concretiza e se aprofunda em cada sala de aula cuja retórica se diz “contextualizada”. (FALCÃO, 2010, p. 27) Segundo Falcão (2010), devemos estar atentos para proporcionar aos surdos uma criticidade, uma reflexão e construção de significados no que diz respeito da aquisição de novos saberes. Também faz uma critica a postura de professores e interpretes da língua de sinais em relação à falta de sensibilidade para com o déficit cognitivo dos surdos, quando se usam somente modalidades contextualizadas, não efetivando a Língua de Sinais. 4.1 A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA SURDA ATRAVÉS DA FILOSOFIA BILÍNGUE 37 Os bilinguístas defendem que a língua gestual deve ser adquirida, preferencialmente, pelo convívio com outros surdos que dominem a língua gestual, porém, como cerca de 90% dos surdos têm família ouvinte, faz-se necessário que a família aprenda a língua gestual para que a criança possa usá-la ao comunicar-se, em casa. A língua oral, que geralmente é a língua da família da criança, seria a segunda língua dessa criança. Os bilinguístas preocupam-se em entender o indivíduo surdo, as suas particularidades, a sua cultura e a sua forma particular de pensar, em vez de apenas os aspectos biológicos ligados à surdez. Fato é que a pessoa surda tem os mesmos direitos, os mesmos sentimentos, os mesmos receios, os mesmos sonhos que uma pessoa comum, como qualquer outra. Por isso precisamos aceitar a diferença. Devemos lembrar que a deficiência traz limitações, mas não impede a pessoa de ter uma vida normal. Não podemos subestimar as possibilidades, nem superestimar as dificuldades, apenas incentivar a pessoa surda para realizar o que sabe e pode fazer sozinha, pois ela tem esse direito, podem e querem tomar suas próprias decisões e assumir a responsabilidade por suas escolhas. Ter uma deficiência não faz com que a pessoa seja melhor ou pior do que uma pessoa dita "normal". Ela certamente tem dificuldades em algumas coisas, mas possui habilidades para desenvolver outras, exatamente como todo mundo. É preciso enfrentar o espaço escolar garantindo o ensino para todos sem esquecer suas condições, especificidades inerentes a cada um. Todos têm direito ao aprender. É conveniente formação aprofundada e de modo contínuo, devem ser autônomos nesse trabalho coletivo. Os métodos e filosofias educacionais de maior importância já foram citados e divulgados, são abordagens que ao longo do tempo vêm sendo modificadas no intuito de possibilitar à pessoa surda avançar e desenvolver-se, visando uma melhor qualidade de vida social a essa minoria particular. O aluno tem direito de aprender e ser incluído da escola, mas isso não significa estar matriculado em salas sem condições apropriadas. Elas precisam de equipe escolar capaz de atuar adequadamente com eles, onde todos os profissionais bem como os pais dessas crianças recebam o curso Libras, ai se pode falar em escola bilíngue. Estes profissionais precisam de acompanhamento, de formação continuada, alguém especializado que os mostre como agir. É a teoria separada da prática. 38 Não basta orientar sem ter noção da realidade, é preciso vivenciar para poder instruir. Não é só seguir o novo, o que o modismo nos instiga fazer sem ao menos questionarmos, pois em cada sala de aula quem conhece bem a realidade vivida são os professores que nela estão. A escola bilíngue pretende ensinar todos, bilíngues e ouvintes, em todas as circunstâncias. Então é preciso trabalhar junto em seus diferentes papeis, mas coletivamente de forma que cada um se transforma a medida que transforma o outro, o conjunto de relações ao seu redor. Os surdos necessitam viver uma história pedagógica diferente da dos ouvintes. Não porque sejam menos ou mais capazes, mas porque sua condição impõe/exige conhecimentos específicos (aliás, como os deficientes mentais, os cegos, os deficientes físicos...).(...) (LODI E LACERDA, 2006, p. 113) Uma escola comprometida chega a assumir a Libras como primeira língua dos surdos para todos que nela frequentam. Dessa forma, não só os surdos, mas todos saem ganhando em conhecimento e socialização, estado a vida de fato partilhada. Não é só achar que tendo intérprete em sala acabou-se o problema, já consideramos anteriormente que isso não é suficiente, é preciso mais compromisso político e pedagógico, esforço e verbas para aquisição de materiais, mesmo os de cunho cultural e humano. O professor ao assumir uma sala com surdos, não significa que ele está aprendendo, por isso faz-se necessária a formação constante. Estamos diante de um novo paradigma que desafia a cultura e a história. É simplesmente normal que uma pessoa habilidosa tenha seus direitos respeitados, bem como suas condições linguísticas e educacionais no campo da cognição visual. É uma oportunidade que traz como consequências da conquista de habilidades e competências, certo grau salutar de status e poder ante a sociedade. Para tanto sé importante aprofundar estudos e pesquisas na área de formação técnica e superior na docência bilíngue, bem como nas demais áreas do conhecimento, visando pluralizar o leque de ofertas de cursos em diversos níveis de aprendizagem. Não se pode mais ter exclusividade de surdos para surdos e ouvintes para os outros, isso é inconstitucional e maléfico. Com certeza, nem todas as práticas vividas por um surdo são significativas, mas ao tomar um ônibus, ao circular pelo supermercado, ao assistir à TV e até mesmo ao assistir um sujeito qualquer em situação de letramento, a criança começa a construir suas relações sociais de práticas 39 de leitura e escrita. Porque então a escola, como agência formal de letramento deveria esquivar-se das práticas com a aquisição da língua de sinais? Com essa visão a escola existe para propiciar acesso ao saber elaborado (científico), para tanto os profissionais da escola devem esboçar uma visão crítica de mundo, até porque cada um é responsável pela sua própria história. Só o conhecimento apurado, assegura autonomia aos profissionais. Eles precisam assumir o comando. Temse uma filosofia de que o que importa é transformar o mundo, seja de que maneira for, às vezes, pelo simples fato de revolucionar. Mas na educação não pode se dar assim, de forma um tanto irresponsável. Os profissionais da educação não podem simplesmente aceitar ditames superiores sem questionar, fazendo uso de conhecimentos aligeirados sem uma ideia continuada, onde de repente por decisão de alguns que não acompanham o dia a dia dos alunos revoguem decisões que apoiam e dão resultados progressivos, mas que não convêm a certas políticas. Atualmente, reconhece-se cada vez mais que os surdos possuem as mesmas possibilidades cognitivas que os ouvintes, e, socialmente, apresentam-se como pertencentes a um grupo não deficiente, mas com direito à língua e cultura próprias. Tendo essa certeza, e sabendo também que a escola é o lugar para onde profissionais educadores são formados e selecionados de acordo com suas respectivas responsabilidades. O que mostra que a prática cotidiana da profissão docente não favorece apenas o desenvolvimento de certezas experimentadas, mas também com relação à avaliação dos outros saberes. Assim os professores retraduzem sua formação e adaptam a profissão. A questão sobre a educação dos surdos e a formação de professores ouvintes e surdos é um assunto que requer cada vez mais a atenção de educadores e pesquisadores, não só na aquisição da LP como segunda língua, mas em todas as áreas do conhecimento, desde a aquisição da apropriação da lógica e da linguagem matemática, aos princípios fisiológicos e anatômicos para a preservação e manutenção da vida humana com saúde, dignidade e qualidade. (FALCÃO, 2010, p. 321) O professor ensina porque aprende e vivencia a humildade dando oportunidades a que outros sujeitos compartilhem desse aprendizado. Com isso, vem a perspectiva de observar o desenvolvimento do aluno, refletindo suas experiências e ressignificando suas práticas reconstruindo conhecimentos. A opção de negligenciar as 40 necessidades educacionais dos educandos é uma decisão criminosa, dolosa e lamentavelmente comum. Logo, quando vemos escolas que agem de forma contrária a essa filosofia, tiramos o chapéu por assim dizer, para essas instituições que permanecem com objetivos ideologizados e idealizadores acreditando na possibilidade de transformação por um novo olhar mais sensível e efetivo. Vendo os surdos não como estrangeiros ou como uma pessoa que precisa que falem por ela por toda a vida, e sim como indivíduos capazes de realizar seus desejos e buscar a emancipação pessoal com qualidades humanas e profissionais. Assim, como Falcão (2010) “concordamos que o enfrentamento consciente da surdez, considerando sua especialidade e especificidade linguística é um passo decisivo para a organização e construção de indivíduos capazes e produtivos”. Esse processo “emancipatório” exige uma gama de técnicas e metodologias reestruturantes dos princípios linguísticos e educacionais. Algumas escolas tem atividades com professores especializados, fazendo uso da Libras ou uma forma de comunicação com sinais, também há a presença de intérpretes. Porém esse aparato especializado não é suficiente para a demanda e algumas escolas, nem dispõem de profissionais com essas qualificações. Percebemos que os instrutores surdos são indispensáveis nessa socialização, eles são referência de identificação entre um surdo e os ouvintes. Ela tem direito de se colocar includente no meio social mesmo com suas especificidades, assim como qualquer ouvinte, que também tem suas diferenças e convive socialmente com seus direitos assegurados. (...) Esse desafio torna-se mais complexo quando se trata de articular a educação bilíngue e a inclusão escolar, o que merece análises e discussões quanto à viabilidade e às condições necessárias para a formação bilíngue da criança surda no âmbito da escola regular. (Lodi e Lacerda, 2006, p. 113) Essa educação certamente é possível com um acompanhamento certo, orientação adequada. É importante avaliar experiências já existentes, para ter base e alternativas visando melhoramento e não apenas repeti-las como único modelo. Cada situação é diferente, já que cada ser é em si, diferente. Um dos momentos onde se vê o resultado das atividades feitas em sala é no intervalo da escola, pois é nesse momento que se observa o quanto cada membro dessa história avançou. Tanto os ouvintes como os funcionários da escola e o próprio surdo vão interagir sem a presença de um interlocutor, 41 realizando assim uma ação comum que o surdo certamente vivenciará fora da escola. Afinal é por isso que a escola deve prepará-lo, ser capaz de conviver de modo aceitável com todos os ouvintes e sem exclusão, de modo confiante, autônomo. Essa vivência faz parte do cotidiano, onde a criança desenvolve seu psiquismo, comportamento, modo de ver o mundo e a si mesmo. Convém salientar que a família pode ou não optar pelo aprendizado da fala pela criança. Porém, tanto a importância da língua de sinais, como a de uma segunda língua, deve ser bem esclarecida. O acesso a todo tipo de informação é direito do surdo, no entanto, o que se observa é que a criança chega a escola sem conhecimento da Libras, sem nenhum contato com tal experiência. Também lá, o contato é limitado, pois as condições institucionais existentes são precárias. O pouco que se tem é no período que se está em sala. Mas a criança não convive só em sala de aula. O convívio da criança em sala não deve ser mais importante que a aquisição da Libras que valorizará sua formação bilíngue; esta deve deixar de ser parcialmente suprida, pois só com a sua ação totalizada, ampliada é que teremos a inclusão perfeita em escolas bilíngues. Por muito tempo acreditou-se que a dificuldade dos surdos em aprendizado era em virtude da própria deficiência, por isso a proposta de colocar a Libras como primeira língua para surdos. Foi com ela que se comprovou o desenvolvimento dos surdos em vários campos da vida desses deficientes. A Libras ampliou seus conhecimentos, pois permitiu a elas colocar suas ideias e suas opiniões, assim como se deparar com ideias e opiniões diferentes, o que é quase impossível através da língua oral. O uso de sinais facilita a comunicação com o surdo e enriquece suas trocas com o meio. O processo de aquisição da linguagem pelo surdo se dá por intermédio da captação da realidade priorizando as referências espaciais e visuais. Essa apreensão resulta da linguagem própria, a língua de sinais. Não implica, em absoluto, em aquisição danosa que precisa ser coibida, pelo contrário, necessita ser assimilada e desenvolvida juntamente com a escrita, acompanhada ou não da linguagem oral, as quais adicionam capacidade comunicativa a essa população. Essa ajuda tem destaque em vários campos, como reconhecimento da cultura, comunidade e identidade dos surdos. Além de afirmar a sua autenticidade, consegue mobilizar alguns responsáveis pela educação dos surdos para a reformulação da situação da educação dos mesmos. Percebe-se que essa língua gestual não pode constituir-se apenas numa ferramenta para outra língua, pois enquanto língua 42 tem um estatuto e um lugar privilegiado na definição de uma identidade e na expressão de uma cultura. Para a maioria das crianças, a língua oficial do país onde vivem é, simultaneamente, língua materna e língua de escolarização – não o é, no entanto, para os surdos. Para essa população, a língua de aquisição espontânea e natural terá de ser uma língua gestual. O uso de uma língua gestual e de uma língua oral torna imperioso que na educação da criança se tenha sempre presente o desenvolvimento de competências que lhe permitam funcionar, eficaz e adequadamente nas duas línguas e nas duas comunidades. Ao contrário do que acontece com as crianças ouvintes, a aprendizagem da leitura e da escrita, por parte dos surdos, não pode partir da mobilização do conhecimento da língua oral; antes, é através da aprendizagem do vocabulário escrito e pelo ensino explícito da estrutura gramatical da língua oral que a criança surda, quando desconhecedora da língua oral, tem acesso ao conhecimento dessa língua, e assim extrai significado do material escrito – estamos assim diante da aprendizagem de uma segunda língua e não de um uso secundário de uma língua oral. Não há como negar as inquietações frente às dificuldades enfrentadas na busca do conhecimento do novo. É um longo processo; acompanhar os avanços não é fácil. O objetivo do ensino da linguagem escrita é tornar o aluno autônomo na procura e uso de informação, que lhe permita a integração dessa informação na sua vida escolar e social. O que não isenta a aquisição da língua gestual, pois caso ela não tenha essa aquisição isso pode lhe acarretar graves consequências tais como: perda da oportunidade de usar a linguagem; não adquirirá independência da situação visual concreta; tornará mais difícil controlar seu próprio comportamento e o ambiente; não terá vida social adequada. No que se refere à constituição da subjetividade do surdo. Essa língua, que ele adquirre espontaneamente, convivendo com outros surdos o permite sentir-se “dono da linguagem”. Sobre a inclusão nas escolas de ouvintes, o ideal é que as mesmas se preparem para dar aos alunos surdos os conteúdos pela língua de sinais, através de recursos visuais, a fim de desenvolver nos alunos a memória visual e o hábito de leitura; precisam também ofertar um maior apoio de professores especialistas conhecedores de língua de sinais e enfim, proporcionando intérpretes de língua de sinais, para o maior acompanhamento das 43 aulas. Outra possibilidade é contar com a ajuda de professores, instrutores e monitores surdos. Isso faz com que a educação se repagine, pois o que vemos é uma forçada adaptação com a situação do cotidiano nas salas de aula. O Brasil ainda precisa perceber o sujeito surdo como uma diferença linguística e cultural, para que o surdo tenha a possibilidade de estudar e lutar por seus espaços para comunicar-se adequadamente. Uma ferramenta bastante eficaz na educação dos surdos são as brincadeiras. Experiências têm mostrado que seu uso, associado à Língua de Sinais produz um desenvolvimento fantástico do indivíduo surdo. Pois, através da brincadeira ela se apropria de um mundo que faz parte do seu cotidiano, preparando-a para uma convivência mais segura com o meio, embora muitos sejam de um mundo basicamente de ouvintes. Certamente não é fácil, pois acrescido a isso tem a diferença normalmente existente entre eles próprios; idades diferentes, conhecimentos diferentes, parece outro mundo, na realidade é outra cultura. O que se conclui que é preciso oferecer formação para tais instrutores surdos, pois os mesmos se reconhecem como necessitados de maior ajuda. Estão vencendo seus próprios desafios – o de aprender; seu próprio enriquecimento é ainda repassar com precisão o aprendizado, conseguindo atingir cada aluno surdo no desenvolvimento de sua cognição. Assim, como os ouvintes os surdos tem suas diferenças e o educador precisa saber ajudar a todos na busca do conhecimento. A criança surda é um ser humana que tem a via sensorial auditiva diferente, sem resposta, mas a mente e o mecanismo da aprendizagem não estão comprometidos, por isso é fundamental que o professor (intérprete) tenha a compreensão inclusiva e saiba direcionar essa situação. O papel do intérprete é propiciar acesso aos conhecimentos. Permitir que o aluno surdo partilhe temas de forma integral. Infelizmente, ele ainda é pouco reconhecido nos meios de comunicação social, o que é lamentável, pois é um facilitador. Não é que ele vá contemplar todas as necessidades, não assegura, por exemplo, questões metodológicas, uma vez que são poucos que chegam a concluir o ensino superior. O que é esperado daqueles que repassam conhecimento. Mas que no caso dos intérpretes não foram qualificados. Em sala ele assume várias funções que são exercidas por um educador. 44 Fato é que os intérpretes precisam de apoio para desempenharem seu papel com afinco. Na sua grande maioria estão atuando com crianças que estão adquirindo conceitos fundamentais, valores sociais e éticos. Em todos esses aspectos é imprescindível que um bom educador facilite e proporcione uma relação entre si. De acordo com Lodi e Lacerda (2009, p. 69) (...) a autora enfatiza que a responsabilidade pela educação do aluno surdo não pode recair sobre o intérprete, já que seu papel principal é interpretar. É preciso que a atuação do intérprete se constituía em parceria com o professor, propiciando que cada um cumpra com seu papel, em uma atitude colaborativa, em que cada um possa sugerir coisas ao outro, promovendo a melhor condição possível de aprendizagem para a criança surda. A escola constitui-se um espaço diferenciado para formação. Isso por si já justifica a necessidade da formação para tais interpretes, bem como suporte técnico. Já foram comprovados os motivos que embasam essa necessidade. O aluno surdo só terá aprendizado satisfatório, pleno, se houver a atuação plena da linguagem de sinais. Isso só será alcançado a partir da abordagem bilíngue. A atuação desse ajudador, como por vezes é chamado, deve ser frequente desde suas primeiras lições de vida. Os relatos de vários intérpretes nos incitam a procurar compreender melhor sua atuação, a melhor compreensão do seu papel e dos modos como ele é desempenhado em cada nível de ensino. Os resultados são positivos, mas há a necessidade de esforço coletivo para manter a atenção das crianças. Nesse contexto o intérprete se desdobra para conquistar a atenção dos mesmos. A filosofia bilíngue também contribui para o bom desempenho da inclusão dos surdos na escola. Espera-se que apenas a escola realize esse papel, quando na verdade toda sociedade é responsável nessa inclusão. Não podemos separar a criança do contexto social do qual deriva, assim, para que serviria ensiná-la se ela não iria conviver junto aos “diferentes”? Que sentido teria a inclusão? É preciso ter consciência para poder mudar a realidade. Ainda assim a educação é um direito, direito a absorção do conhecimento. Bom lembrar que no início a educação formal a que todos hoje temos direito já foi também, de certo modo, excludente, pois alguns apenas podiam ter acesso e hoje se tornou direito de todos. Então se vê a inclusão como processo de transformação de padrões de desenvolvimento atingidos. É, uma inclusão ampla respeitando todos que 45 lembram que os objetivos são igualitários, mas as peculiaridades podem e devem ser diferentes. Daí a adequação de cada educando. A Libras não é, nesses ambientes impróprios à percepção e cognição visual, estruturante do desenvolvimento mental e cognitivo para uma aprendizagem significativa, desta forma, não é naturalmente apreendida pelos surdos. Um ambiente favorece o desenvolvimento pleno pessoal, social, intelectual, mental, linguístico das crianças ouvintes e surdas se houver adequação, atenção e respeito às suas necessidades individuais, linguísticas e educacionais, à aquisição dos saberes quer pela cognição de ouvintes, oro-auditiva, quer pela cognição dos surdos, visuo-gestual, e de igual maneira se estruturam como cognoscíveis estabelecendo relações entre significado-significante. (FALCÃO, 2010, p. 46) É preciso uma reestruturação do sistema educacional para contemplar a todos. Precisa haver reflexão se esperamos pelos colegas ou se seguimos em frente, para fazer nossa parte. Devemos avançar no que é possível, pois é imprescindível que a criança desenvolva competências linguísticas no mesmo ritmo de uma criança ouvinte. É verdade que a escola não dispõe de todas as ferramentas e pessoal preparado para auxiliar nessa necessidade, já que enfrenta outros desafios além desse para colocar todo tipo de inclusão nas salas regulares, mas é preciso avançar. Um fato importante é a questão de que as crianças precisam colocar-se incluídas aos ouvintes. Mas não se destaca a necessidade de elas conviverem mais entre si, para conviverem com a diferença e a igualdade. Alguns dos surdos mal conhecem a Libras e precisam se comunicar para desenvolverem esse potencial. As possibilidades de interlocução das crianças surdas em ambientes bilíngues precisam ser estimuladas para que possam posicionar-se diante das situações mais diversas. Muitas tentativas são em vão, mas outras mostram que é possível derrubar as barreiras impostas ao longo do tempo. É por isso que autores apontam: Na direção do que vem sendo recomendado pelas diretrizes oficiais e pelos estudos na área da surdez, o programa de inclusão pesquisado enfatiza a importância da aquisição da língua de sinais o mais cedo possível; possibilita o encontro entre iguais, ou seja, que as crianças surdas tenham parceiros surdos em suas salas de aula (...). (LODI E LACERDA, 2009, p. 96) É realmente difícil atender uma diversidade numa escola que é em sua maioria monolíngue. Em razão de políticas de redução de custos bem como de outros problemas as decisões, às vezes, não ficam somente nas mãos das equipes de 46 coordenação da escola. Fica a sugestão de mudanças urgentes. É no intercâmbio dos diálogos que os interlocutores constroem e reconstroem suas ideias, sendo que nenhum deles tem valor menor ou maior que outro. Diferentemente do que muitos supõem, o grupo de sujeitos surdos não é homogêneo, e podem estar relacionadas ao tipo de deficiência auditiva, à etiologia da surdez, à idade de início da surdez, ao grau de perda auditiva, à fatores educacionais. Por isso é relevante abrir perspectivas e novas abordagens de trabalho, principalmente na escola. Percebe-se que a maneira como muitos professores trabalham ainda denota uso da educação tradicional onde só ele fala, os exercícios são de repetição, mesmo sem compreensão. Denota uma divergência de ações, quando ele na verdade deve atender as singularidades dos alunos que tem necessidade e não permanecer com uma educação que nem para os alunos ouvintes se deve aplicar. Ele precisa se adequar as circunstâncias. A própria convivência associada a experiências de sala em anos passados acaba por ajudar a quebrar algumas barreiras. É preciso apenas um pouco mais de esforço desses profissionais. Isso até favorece a formação dos mesmos. É imprescindível que o professor aprenda mais sobre Libras para que sua atuação seja mais bem aproveitada em sala. Nessa inter-relação aluno ouvinte- professor-aluno surdo. É oportuno ver as peculiaridades da surdez, essa outra língua, com seus significados. Pois é com ela que os alunos surdos constroem seu cognitivo e mantém redes sociais ativas. As perspectivas e as práticas educacionais bilíngues para surdos devem garantir a experiência “da” e “na” língua natural dos surdos, a língua de sinais de natureza viso e espacial. (...) A linguagem é responsável pela regulação da atividade psíquica humana, pois é ela que permeia a estruturação dos processos cognitivos e que constitui o sujeito, pois possibilita interações fundamentais para a construção do conhecimento. (LODI E LACERDA, 2006, p. 110 apud VYGOTSKY, 2001) É certo que a presença do intérprete por si só não garante aprendizado de conteúdo, pois os surdos têm outras dificuldades, conhecimento precário de sua própria língua. Por isso é preciso uma série de outras providências para atendimento adequado. A filosofia é a de valorizar o intérprete, colocá-lo a par das questões do ensino, pois o mesmo faz parte da equipe, sem, no entanto, ocupar o lugar do professor que é o centro da educação em sala. 47 Lidar com a diferença é difícil. Os próprios ouvintes têm dificuldades em reconhecer as necessidades dos outros, que dizer então dos surdos. Mas não é impossível, uma vez que haja compromisso associado a uma reflexão. Sendo o ouvinte capaz de colocar-se a par do que os surdos precisam. Não há nada pronto, pois tratamos com seres que mudam constantemente. (...) O medo, as dúvidas e principalmente os mitos têm acompanhado os professores, causando confusões teóricas, práticas pedagógicas inadequadas e frustrações. (LODI E LACERDA, 2006, p. 113) É preciso enfrentar o espaço escolar garantindo o ensino para todos sem esquecer suas condições, especificidades inerentes a cada um. Todos têm direito ao aprender. É conveniente formação aprofundada e de modo contínuo, devem ser autônomos nesse trabalho coletivo. Os métodos e filosofias educacionais de maior importância já foram citados e divulgados, são abordagens que ao longo do tempo vêm sendo modificadas no intuito de possibilitar à pessoa surda avançar e desenvolver-se, visando uma melhor qualidade de vida social a essa minoria particular. O aluno tem direito de aprender, mas isso não significa estar matriculado em salas sem condições apropriadas. Elas precisam de equipe escolar capaz de atuar adequadamente com eles, onde todos os profissionais bem como os pais dessas crianças recebam o curso Libras, ai se pode falar em escola bilíngue. Estes profissionais precisam de acompanhamento, alguém especializado que nos mostre como agir. Eles, às vezes, só criticam sem ver o que se passa realmente em sala. É a teoria separada da prática. Não basta orientar sem ter noção da realidade, é preciso vivenciar para poder instruir. Não é só seguir o novo, o que o modismo nos instiga fazer sem ao menos questionarmos, pois em cada sala de aula quem conhece bem a realidade vivida são os professores que nela estão. A escola bilíngue pretende ensinar todos, bilíngues e ouvintes, em todas as circunstâncias. Então é preciso trabalhar junto em seus diferentes papeis, mas coletivamente de forma que cada um se transforma à medida que transforma o outro, o conjunto de relações ao seu redor. Os surdos necessitam viver uma história pedagógica diferente da dos ouvintes. Não porque sejam menos ou mais capazes, mas porque sua condição impõe/exige conhecimentos específicos (aliás, como os deficientes mentais, os cegos, os deficientes físicos...).(...) (LODI E LACERDA, 2006, p. 113) 48 Uma escola comprometida chega a assumir a Libras como primeira língua dos surdos para todos que nela frequentam. Nisso não só os surdos, mas todos saem ganhando em conhecimento e socialização, a vida é de fato partilhada. Não é só achar que tendo intérprete em sala acabou-se o problema, já consideramos anteriormente que isso não é suficiente, é preciso mais compromisso político e pedagógico, esforço e verbas para aquisição de materiais, mesmo os de cunho cultural e humano. O professor assumir uma sala com surdos, ou outra dificuldade, não significa que ele está aprendendo, por isso a formação constante. Estamos diante de um novo paradigma que desafia a cultura e a história. É simplesmente normal que uma pessoa habilidosa tenha seus direitos respeitados, bem como suas condições linguísticas e educacionais no campo da cognição visual. É uma oportunidade que traz como consequências da conquista de habilidades e competências, certo grau salutar de status e poder ante a sociedade. Para tanto, se faz mister aprofundar estudos e pesquisas na área de formação técnica e superior na docência bilíngue, bem como nas demais área do conhecimento, visando pluralizar o leque de ofertas de cursos em diversos níveis de aprendizagem. Não se pode mais ter exclusividade de surdos para surdos e ouvintes para os outros, isso é inconstitucional e maléfico. Com certeza, nem todas as práticas vividas por um surdo são significativas, mas ao tomar um ônibus, ao circular pelo supermercado com a mãe, ao assistir à TV e até mesmo ao assistir um sujeito qualquer em situação de letramento a criança começa a construir suas relações sociais de práticas de leitura e escrita. Porque, então, a escola como agência formal de letramento deveria esquivar-se das práticas com a aquisição da língua de sinais? Com essa visão a escola existe para propiciar acesso ao saber elaborado (científico), para tanto os profissionais da escola devem esboçar uma visão crítica de mundo, até porque cada um é responsável pela sua própria história. Só o conhecimento apurado, assegura autonomia aos profissionais. Eles precisam assumir o comando. Temse uma filosofia de que o que importa é transformar o mundo, seja de que maneira for, às vezes, pelo simples fato de revolucionar. Mas na educação não pode se dar assim, de forma um tanto irresponsável. Os profissionais da educação não podem simplesmente aceitar ditames superiores sem questionar, fazendo uso de conhecimentos aligeirados sem uma ideia continuada, onde de repente por decisão de alguns que não acompanham o dia 49 a dia dos alunos revoguem decisões que apoiam e dão resultados progressivos, mas que não convêm a certas políticas. Atualmente, reconhece-se cada vez mais que os surdos possuem as mesmas possibilidades cognitivas que os ouvintes, e, socialmente, apresentam-se como pertencentes a um grupo não deficiente, com direito à língua e cultura próprias. Tendo essa certeza, e sabendo também que a escola é o lugar para onde profissionais educadores são formados e selecionados de acordo com suas respectivas responsabilidades, mais que nunca ela deve assumir deveres e funções e a cobrança em relação aos princípios estipulados que ocorrem de forma intensa e em múltiplas direções. O que mostra que a prática cotidiana da profissão docente não favorece apenas o desenvolvimento de certezas experimentadas, mas também com relação à avaliação dos outros saberes. Assim os professores retraduzem sua formação e adaptam a profissão. A questão sobre a educação dos surdos e a formação de professores ouvintes e surdos é um assunto que requer cada vez mais a atenção de educadores e pesquisadores, não só na aquisição da LP como segunda língua, mas em todas as áreas do conhecimento, desde a aquisição da apropriação da lógica e da linguagem matemática, aos princípios fisiológicos e anatômicos para a preservação e manutenção da vida humana com saúde, dignidade e qualidade. (FALCÃO, 2010, p. 321) O professor ensina porque aprende e vivencia a humildade, dando oportunidades a que outros sujeitos compartilhem desse aprendizado. Com isso, vem a perspectiva de observar o desenvolvimento do aluno, refletindo suas experiências e ressignificando suas práticas reconstruindo conhecimentos. A opção de negligenciar as necessidades educacionais dos educandos é uma decisão criminosa, dolosa e lamentavelmente comum. Logo, quando vemos escolas que agem de forma contrária a essa filosofia, tiramos o chapéu por assim dizer, para essas instituições que permanecem com objetivos ideologizados e idealizadores acreditando na possibilidade de transformação por um novo olhar mais sensível e efetivo. Vendo os surdos não como estrangeiros, ou como uma pessoa que precisa que falem por ela por toda a vida, e sim como indivíduos capazes de realizar seus desejos e buscar a emancipação pessoal com qualidades humanas e profissionais. Assim como Falcão (2010) “concordamos que o enfrentamento consciente da surdez, considerando sua especialidade e especificidade linguística é um passo decisivo para a organização e construção de indivíduos capazes e 50 produtivos”. Esse processo “emancipatório” exige uma gama de técnicas e metodologias reestruturantes dos princípios linguísticos e educacionais. As questões de letramento dos surdos passam também pela cultura da segunda língua. Não basta aprender o código alfabético e escrever frases ou textos que os outros compreendam. Desejamos possibilitar o surdo encontrar-se no mundo e com o mundo. Ele precisa entender que a segunda língua lhe dá sentido ao que lhe acontece, pois está intimamente associada a sua primeira língua. A existência de uma língua visual, a Língua de Sinais, demonstra que o cérebro é rico em potenciais que nunca teríamos imaginado e também revela a quase ilimitada flexibilidade e capacidade do sistema nervoso, do organismo humano, quando depara com o novo e precisa adaptar-se e os infinitos recursos de sobrevivência. Aprendermos a língua de sinais é o caminho para a comunicação, diálogo e mediação de saberes pela descrição visual sinalizada, para então aprendermos a ensinar, ajudando-os a terem liberdade e autonomia, direitos essenciais que colaboram na relação consigo e com o mundo. Para que essa liberdade aconteça é preciso que a Libras seja reconhecida e aprendida em todos os campos, pois assim, eles se aproximaram mais da naturalidade linguística, comunicacional, porque estarão vivenciando um ambiente onde “reina” o bilinguismo. É algo que se espera acontecer, inicialmente no seio familiar, e posteriormente com a sociedade e a escola. Precisamos pensar que o dom da comunicação não está só com os que têm o recurso da oralidade, mas também com os surdos, pois os limites da sociedade acabam desestruturando a oportunidade da cognição pelas vias sensoriais compensatórias visuais o que é bem defendido pela educação bilíngue. Ressignificar os ambiente familiares e escolares com o bilinguismo é reagir ao modelo da estrangeiricidade e da indispensabilidade dos intérpretes como exemplo de monopólio e dominação educacional e intelectual. (FALCÃO, 2010, p. 351) A língua de sinais deve ser considerada como primeira língua para os surdos e como favorecedora do aprendizado da língua oral e/ou escrita, que o surdo tem condições e necessidade de conhecer, visto habitar um mundo bilíngue e bicultural. Sempre que uma escola compartilha do pensamento bilinguista, assumindo a prática docente consciente e comprometida, tudo que seria falado e escutado passa a ser distintivamente 51 apresentado para análise e reflexão em sinais, visualizado em sinais. Afirmando que a escuta e percepção do mundo seja ressignificado através dos olhos para a mente, que se transforma e atende ao modelo da cognição visual e cerebral em toda a sua plenitude cognitiva e intelectual. É certo que questões devem ser levantadas para que se repense certos atos possibilitando uma melhor aprendizagem, se percebermos que é preciso mudar para trabalhar, por exemplo, as lacunas cognitivas da mente, isso deve ser feito com maior brevidade. Precisamos trabalhar os estímulos para garantir uma plenitude humana, tirando os surdos da condição de reféns e dependentes de pais, professores e intérpretes. Assim é preciso que todos os estímulos sonoros e audíveis sejam ressignificados e (re)-adaptados e sinalizados externamente para que internamente, de forma minuciosa e detalhada, seja contextualizada e decodificada cada imagem com distinção visual, com valor linguístico e conceitual, cada estímulo ensinado de forma diferenciada estabelece uma aprendizagem e cognição visual sinalizada. Este mecanismo é uma adaptação de forma compensatória e como via aferente, por estímulos visuais, ocorre a “escuta” da percepção visual cerebral sinalizada que se amplia e completa com todas as demais vias sensoriais naturais e preservadas. (FALCÃO, 2010, p. 352) Uma solução é adaptar o mundo audível e sonoro ao modelo da cognição visual para que universalmente e qualitativamente se torne acessível para todos, a comunicação. Afinal de contas não parece tão difícil assim uma vez que ao refletirmos sobre a proporcionalidade de indivíduos surdos x falantes, podemos concluir que os falantes estão em número maior, significando que não será todo o tempo de um falante será usado para se comunicar com surdos, o que se aborda é que, quando diante de uma situação como essa, precisamos nos colocar na pele do surdo e perceber que é bem mais fácil nos, falantes nos adaptarmos a sua fala que o contrário. Basta que pensemos que será como falar com uma pessoa de língua estrangeira, o esforço pode ser considerado semelhante. É preciso ter consciência para poder intervir de forma qualitativa. Na verdade a educação das pessoas surdas não é tão simples quanto parece, trata-se de uma nova língua que exige uma nova prática pedagógica diferenciada e adaptada aos princípios educacionais da descrição visual sinalizada à cognição visual. A busca de novos papéis e responsabilidades em comum que compartilham com a qualidade do ensino e da formação de cada indivíduo é um dever de todos. 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS 53 A produção de conhecimento deve necessariamente contemplar as relações do meio natural com o social, o papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização são indispensáveis em análise das condições de vida de cada sujeito surdo. Por isso a educação assume cada vez mais uma função transformadora de grande importância, para promover o desenvolvimento e aceitação da pessoa com deficiência. A sociedade está sendo convocada à inclusão. No caso do aluno surdo, profissionais da educação são convocados a aceitar e educar surdos, utilizando a metodologia bilíngue e serão cobrados por essa atividade mostrando compromisso, amor, ética e sensibilização. Vimos que, para que isso aconteça, há uma existência de leis que ajudam, mas, ainda é preciso ser incansavelmente trabalhada, tanto na escola como na sociedade como um todo. Vimos também como os familiares, em especial os pais, têm um papel importante nesta mudança, sendo a ação coletiva um reflexo de tantas outras ações individuais que se acumulam para produzir frutos positivos. Uma vez que a qualidade de vida não é apenas resultado do espaço físico e algumas poucas ações; é então, importante atentar para ações humanas causadoras de impactos. Após a investigação de diversas e respeitadas produções escritas acerca do tema, esta pesquisa teve seus objetivos alcançados. O objetivo geral desta revisão consistiu em investigar o contexto histórico da educação do surdo e sua inclusão com ênfase na filosofia bilíngue, e os objetivos específicos foram: conhecer a história dos surdos e a evolução do seu processo educacional; identificar a importância e a consistência das leis que temos hoje sobre a educação inclusiva e os direitos dos surdos; investigar as filosofias aplicadas na educação dos surdos no contexto escolar e compreender a evolução da Língua de Sinais e sua importância no processo de socialização dos surdos. Concluímos que a história do surdo foi muito difícil e de muita luta que se perpetua até os dias atuais, sendo também seu processo educacional marcado por muitos retrocessos, passando pela datilologia, que é a educação construída através do alfabeto manual, a linguagem de sinais, a oralização, até o reconhecimento da Língua de Sinais. Constatamos também nesta revisão que as leis não são respeitadas e que a inclusão do surdo não está acontecendo nas escolas. Esta realidade se estende a quase todos os ambientes onde os surdos estão inseridos. Quanto ao processo de escolarização 54 do surdo verificamos a inexistência da filosofia bilíngue, que torna acessível as duas línguas no contexto escolar, como língua materna a Libras, e, como segunda, a língua oficial do país, o português, metodologia que facilita o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. Observamos também que os surdos, assim como as pessoas com deficiência de modo geral sofrem ainda muito preconceito. Por isso, é importante que a sociedade busque conhecer seus direitos. Em suma, é necessária uma mudança nas práticas pedagógicas, para que seja implantada a filosofia bilíngue, oportunizando desta forma, uma aprendizagem adequada para uma pessoa normal, que tem apenas uma deficiência auditiva e que está sendo excluído na maioria das instituições de ensino, seja por falta de metodologias, recursos ou até mesmo por boa vontade. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 32. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. 55 BRASIL. Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Instrução Normativa no 5, de 30 de agosto de 1991 [capturado em 15 abr. 2006]. Disponível: http://www.nppd.ms.gov.br/legislacao.asp?lei_id=19. BRASIL, Secretaria de Educação Especial – Política Nacional de Educação Especial no Brasil. Livro 1. MEC, Brasília, 1994. CARVALHO, Rodrigo Janoni. Língua de Sinais Brasileira e Breve Histórico da Educação Surda Informações em Internet. 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