hipertexto
Famecos/ PUCRS. Porto Alegre, setembro de 2007 – Ano 9 – Nº 58
Fernanda Fell/Hiper
Set mostra
seu vigor
aos 20 anos
Diogo Mainardi (foto), de Veja, o designer
e curador de exposições Marcelo Dantas
e os ex-alunos e ex-professores da
Famecos, hoje diretores da Globo,
Carlos Kober, do Domingão do Faustão, e
Edson Erdmann, da novela Eterna Magia,
entre os destaques
Página 6
Jornalismo Gráfico da Famecos faturou cinco prêmios na mostra
competitiva: Hipertexto com reportagem, Jornal da Manhã venceu
dois, como Publicação Impressa e Cartoon de Fabiane Bento Alver,
Ufa! como Projeto Experimental e Matheus Beck com Crônica
Caos na saúde
de Porto Alegre
Vinícius Carvalho/ Hiper
Esporte
Eles jogam
futebol com
a imaginação
Deficientes visuais
se superam no futsal
Fernando Corrêa/ Hiper
Página 10
Karol Denardin/Hiper
alerta
Ambiente
desorienta
as abelhas
Problemas causados pela
monocultura e formicidas
Greves, falta de repasse de verbas, hospitais lotados, pacientes pelos corredores. Na página 4
Página 8
2 abertura
Porto Alegre, setembro de 2007
Editorial
O futuro sem limites
Por Lidiana de Moraes, editora
A quantidade de trabalhos inscritos no 20º Set Universitário
aumentou 41% comparados ao ano
passado. O crescimento no número
de participações é um sinal de que
os futuros profissionais da comunicação estão preocupados com o
desenvolvimento acadêmico e com
a construção de um currículo bem
fundamentado que abra as portas
de um mercado que para muitos já
está saturado.
A preocupação destes estudantes
é louvável e mostra que há o interesse de melhorar as condições da educação no país, mas as conseqüências
de eventos como o Set vão além de
horas complementares e premiações.
A experiência adquirida durante
pelo menos três dias respirando
comunicação e a convivendo com
pessoas com o mesmo interesse é
espetacular. Abre uma nova fronteira
de pensamento para que os alunos
aprendam que não basta ser bom
naquilo que se faz, é preciso ser o
melhor. Ou, como disse o designer
e curador de exposições, Marcello
Dantas, durante o Debate RBS:
“Você tem que ser o número 1, mas
para ser o número 1, você tem que
inventar a sua própria corrida”.
Tomará que nos próximos anos
aumente ainda mais o número de
interessados nestas iniciativas. Deste
modo os estudantes terão a oportunidade de criar e experimentar, sem
limites, traçando o futuro da comunicação de forma promissora. Não
se trata apenas de dar oportunidade
aos estudantes, mas de permitir que
eles mesmos criem seus ensejos.
Elvo Clemente (1921-2007)
Tibério VargasRamos, professor
Conheci o irmão Elvo Clemente quando entrei no Curso de
Jornalismo da Famecos, em 1968
e ele era vice-diretor. Quatro anos
mais tarde, 23 anos de idade, recém
formado e cabelos nos ombros, fui
o primeiro assessor de imprensa da
Universidade. O reitor era o irmão
José Otão e seu chefe de gabinete, o
irmão Elvo. Tornei-me seu colega e
admirador.
Nascido na Itália, batizado como
Antônio João Silvestre Motin, entrou
jovem na Congregação dos Irmãos
Maristas. Sua vida foi dedicada ao
magistério e à PUCRS. Doutor em
Letras Clássicas, Elvo Clemente foi
pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e de Extensão. Continuava
em plena atividade como assessor
especial da Reitoria e presidente da
Academia Rio-Grandense de Letras.
Acabara de finalizar dois livros de
uma produção de mais de 30.
Nos últimos nove anos, ao rece-
ber a edição mensal do Hipertexto,
[email protected] sempre me
mandava um e-mail com elogios e
incentivos. Fiel a uma longa amizade. Neste mês, sua mensagem não
chegará pela Internet, mas em outro
plano. No dia 19 de setembro, aos
86 anos, quando tomava o café da
manhã para mais uma jornada de
trabalho, seu coração parou.
Quando encontrava com o irmão Elvo pelo campus, na frente
da Faculdade de Letras ou no bar
da Famecos, sempre costumava
brincar: “eis a forma humana da
Universidade”. Ele sorria, apertava
os lábios e batia a mão direita para
baixo, em seu gesto característico.
Era mais do que uma saudação.
Era como eu o via. Culto, religioso,
simples, educado, elegante, afável,
atencioso, prestativo, leal, inteligente
e visionário. Foram quase quatro
décadas de convivência. Sua morte
o fez abandonar a forma humana
para se tornar o espírito eterno da
Universidade Católica gaúcha.
Crise aérea: trégua ou solução?
Por Yara Tropea
Após dois meses da colisão do
avião da TAM com o prédio da
empresa de cargas da mesma companhia, a pergunta que continua no ar é:
A crise aérea brasileira acabou?
O acidente e o auge do caos fizeram com que o governo brasileiro
empossasse Nelson Jobim como o
novo ministro da Defesa. Nascido
em Santa Maria, deputado federal
constituinte pelo PMDB e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal,
ele situou-se no centro da crise e
tomou medidas como estudo para a
implantação de um novo aeroporto
em São Paulo, a redistribuição dos
vôos de Congonhas e a sugestão de
redução no número de poltronas por
avião. A entrada do novo ministro e
as resoluções trouxeram esperança
para os usuários dos aeroportos
brasileiros. Experientes nas frustrações, os usuários se perguntam
se as iniciativas vão resultar na
solução do problema e quando isso
acontecerá.
Quase um mês antes do acidente
em Congonhas, em 23 de junho, o
presidente da Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, que havia trocado o PDT pelo
PT junto com o presidente regional
do partido Sereno Chaise e Dilma
Reitor: Ir. Joaquim Clotet
Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira
Roussef, considerava “tranqüilo” o
tráfego aéreo.
Mais precavido, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva assumiu
que o colapso ainda não acabou. Jobim faz coro: “Não está superado”.
Após o acidente, no fim de julho,
três diretores da Anac renunciaram
e deixaram seus postos. “Já caminhamos para solucionar o problema da
segurança, que era o primeiro objetivo de nossa administração. Agora
temos que caminhar para o regime
da pontualidade, o problema dos
atrasos, que será resolvido com toda
a reconstituição da malha aérea”,
explica o ministro.
Com o acidente, o foco da crise
foi para Congonhas, mas o professor e vice-diretor da Faculdade de
Ciências Aeronáuticas da PUCRS,
Hildebrando Hoffmann, enfatizar
que as mudanças no maior aeroporto
brasileiro em número de passageiros
visam à segurança e não resolvem
a dificuldade nacional. “A redução
do número de vôos em Congonhas
diminui enormemente o risco de acidentes, porém precisamos também
de uma área de escape”. A área garante que, no caso de alguma pane, a
aeronave tenha tempo de parar antes
de colidir em construções que estejam próximas aos aeroportos, como
aconteceu com o avião da TAM.
“A crise aérea nacional só será
solucionada com novos controladores de vôo”, lembra o professor
Hoffmann. O conjunto de decisões
de Jobim pode solucionar a tensão
se ele não ceder às pressões externas,
porém os resultados não serão imediatos. “Os resultados virão a curto,
médio e longo prazos”, enfatiza
Hoffmann. Esclarece que controladores de vôo demoram, pelo menos,
três anos para serem formados. Lula
assegura que o reforço será de 300
profissionais. Quanto à redução do
número de poltronas, Hoffmann é
enfático: “É como um bode que se
coloca na sala para dispersar a atenção do principal, a crise”.
Entre os passageiros, a principal
conseqüência é o aumento do preço
da passagem. “Depois do acidente
os preços subiram muito. Antes eu
ia de Porto Alegre a Campo Grande
por R$ 350, hoje não gasto menos de
500. O jeito é viajar de ônibus”, conforma-se Maíra Fedatto, estudante
de jornalismo com família em Mato
Grosso do Sul. Hoffmann alerta os
usuários: “O pessoal tem que tomar
cuidado com o superfaturamento das
passagens. As medidas contra o caos
aéreo não implicam em dobro de
custos, mas as empresas aproveitam
para aumentar indevidamente os preços, usando-as como desculpa”.
Um Fausto na Assembléia gaúcha
Por Lidiana de Moraes
Um dia ele fez parte da classe
operária e, aos poucos, através de
contatos políticos, foi subindo de
cargo até chegar a ganhar R$15.000
por mês, quantia que boa parte da
população brasileira precisa trabalhar
mais de três anos, sem gastos, para
acumular.
Ubirajara Amaral Macalão começou a trabalhar no dia 29 de junho de
1978 como servente na Assembléia
Legislativa. Três anos depois passou
a integrar o Departamento de Serviços Administrativos. Em 1995, os
rendimentos cresceram ainda mais
com o exercício de funções gratifi-
Hipertexto
Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social
(Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS).
Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto
Alegre, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
Site: http:// www.pucrs.br/ famecos/ hipertexto/
045/ index.php
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cadas, até que, no fim de 2004, com
a indicação do PTB, foi promovido a
diretor de Departamento, recebendo
a tão sonhada quantia com cinco
dígitos.
A trajetória de Macalão poderia
ser mais uma mostrando a garra do
brasileiro para mudar de vida, mas
a ganância degenerou sua história.
Tornou-se o Doutor Fausto, de
Goethe, que vendeu a alma para o
diabo. Sua ação colocou o Rio Grande do Sul, que sempre se apresentou
como diferente, na lista dos estados
corruptos.
Os altos rendimentos como
funcionário da Assembléia despertaram em Ubirajara um desejo de ir
além, conseguir mais. Com diversas
oportunidades surgindo, parecia não
haver razões para não incrementar a
renda. Propina de R$3.000 ao mês
para pagar as 50 parcelas da casa
de praia, em Xangri-lá, onde foram
enterrados os R$ 232,7 mil em selos,
mais R$ 45 mil para não exigir da
companhia de limpeza Silvestre o
número de funcionários firmados
em contrato.
O caso dos selos é repleto de
ironias que poderiam render boas
piadas, caso não se tratasse de uma
ocasião de desrespeito com os cidadãos. O presidente Frederico Antunes (PP), pelo menos, assegura: “A
Casa não irá proteger ninguém”.
Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem 5.000
Diretora da Famecos: Mágda Cunha
Coordenadora/ Jornalismo: Cristiane Finger
Produção dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico
e de Fotografia.
Professores Responsáveis:
Tibério Vargas Ramos e Ivone Cassol (redação e
edição), Celso Schröder (arte e editoração eletrônica)
e Elson Sempé Pedroso (fotojornalismo).
ESTAGIÁRIOS:
Gerente de produção: Thais Silveira
Editoras: Ariane Xavier Borba Jorej e Lidiana de
Moraes
Editora de Fotografia: Fernanda Fell
Editor de Arte: Bruno Gazola de Paoli
Repórteres: Ariane Jorej, Bernhard Friedrich Schlee, Bruna Ostermann, Bruna Weis Scirea, Bruno
Gazola de Paoli, Cássia Sírio de Oliveira, Camila Alves Schaedler, Camila Rinaldi, Clarissa Leite Caum,
Fernando Rotta Weigert, Guilherme Zauith, Helena
Wilhelm Eilers, Igor Elias Carrasco, Jamille Callai,
Luciana Birck, Maurício Círio, Natasha Centenaro,
Patrícia Lima, Rafael Lopes Codonho, Raiza Ismério
Roznieski, Tatiana Feldens, Thiago Oliveira, Vinícius
Roratto Carvalho, Yara Tropea.
Repórteres Fotográficos: Andressa Vargas Griffante, Daniela Curtis do Lago, Fernanda Faria Correa, Fernando Sá Correa, Gabriel Pozzobom Silveira,
Gabriela M de Oliveira, Ingrid Guerra , Jaqueline O.
Sordi, Jessica Tarantino de Carvalho, Karoline Sara
Danardi, Laís Cerutti Scortegagna, Lucas Soares
Costanzi, Pedro de Oliveira, Raissa Genro, Tamara
Carvalho, Vinicius Roratto Carvalho.
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brasil 3
Porto Alegre, setembro de 2007
Fernanda Fell/Hiper
STF abre processo contra
40 acusados no mensalão
Dois ex-ministros, deputados e publicitários entre os réus
Por Ariane Jorej
Movimentos sociais se mobilizam na capital pela retomada da mineradora
Contestada privatização da Vale
Por Bruna Scirea
e Natasha Centenaro
Anular a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
e retornar à situação anterior de
estatal é o objetivo da campanha de
mobilização que culminou com consulta popular informal, realizada na
Semana da Pátria. Com o lema “Isso
não Vale! Queremos participação
no destino da nação”, milhares de
pessoas saíram às ruas para protestar
e denunciar o leilão de privatização
da companhia.
A campanha contrária à privatização da maior produtora de minério
de ferro e segunda mineradora em
âmbito mundial é encabeçada por
movimentos sociais, entre eles dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), Atingidos por Barragens
(MAB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional
dos Estudantes (UNE), Conlutas,
Central dos Movimentos Populares,
setores da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) e outras
entidades sociais e sindicais.
A convocação da população para
comparecer às urnas foi motivada
pela alegação de irregularidades e
fraudes cometidas na época do leilão
em 1997, quando ocorreu a alienação
da Companhia. A privatização da
CVRD é encarada como um golpe
para o país. Promovido no governo
Fernando Henrique Cardoso, o
Plano Nacional de Desestatização
(PND) privatizou cerca de 70% das
estatais brasileiras, entre elas, Embratel, Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) e Eletrobrás, até incluir a Vale,
a mais significativa economicamente
para o Brasil. Foi criada na década
de 1940, por Getúlio Vargas, com
recursos do Tesouro e do governo
norte-americano, interessado na
entrada do Brasil da II Guerra ao
lado dos Aliados. Desde então expande sua produção, exportação e
comercialização, transformando-se
na maior fornecedora de minério de
ferro do mundo em 1970. Quando
foi arrematada por R$ 3,3 bilhões,
figurava como a primeira empresa
no ranking nacional..
“A entrega do patrimônio sem
consulta ou debate político tira do
povo a única identidade brasileira
que o mantém, o direito à democracia garantido pela Constituição”,
argumenta o professor da PUCRS
Pedrinho Guareschi, consultor do
Secretariado de Justiça e Paz da
Caritas Internationalis.
46 senadores livram Renan
Por Lidiana de Moraes
No dia 12 de setembro, o presidente do Senado, Renan Calheiros,
foi absolvido das acusações de
quebra de decoro parlamentar. No
fim da sessão secreta, 40 votos o
inocentaram, 35 senadores votaram
a favor da cassação do mandato e
seis se abstiveram.
A votação colocou fim apenas
a uma parte do escândalo que começou há quatro meses quando
surgiram denúncias de que Calheiros
usaria recursos do lobista Cláudio
Gontijo, da construtora Mendes Júnior, para pagar pensão alimentícia à
jornalista Mônica Veloso, com quem
teve uma filha.
Antes mesmo do início da votação, o clima no Plenário estava
tenso. Uma liminar concedida na
madrugada do dia 12, pelo ministro
Ricardo Lewandowski e mantida
pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), permitiu que 13 deputados
tivessem acesso à Assembléia. Mesmo com a permissão, houve brigas
quando seguranças tentaram barrar
a entrada na sessão. Para o vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT
– AC) a medida do STF prejudicaria
o sigilo da reunião.
Apesar da absolvição, Renan
ainda enfrenta outros processos no
Conselho de Ética. As acusações
de favorecer a empresa Schincariol
no INSS, de compra de veículos de
comunicação alagoanos por meio
de laranjas e um suposto esquema
de arrecadação de dinheiro em Ministérios comandados pelo PMDB,
ainda podem custar o mandato a
Calheiros.
Todas as 40 pessoas denunciadas
de participar do esquema de compra
de votos em troca de apoio político,
caso do mensalão, irão responder
processos penais. Com a decisão,
o Supremo Tribunal Federal(STF)
encerrou a primeira parte do julgamento, que durou cinco dias. A
denúncia do procurador-geral da
República, Antonio Fernando de
Souza, acusava 40 pessoas de envolvimento no esquema que financiava
parlamentares da base aliada em
troca de apoio político, conforme
tornara público o ex-deputado
Roberto Jefferson (PTB-RJ)em 6
de junho de 2005. O escândalo foi
considerado a maior crise política
recente da história brasileira para o
governo federal e o PT.
Por unanimidade, o STF acolheu
denúncia contra os últimos dois
da lista de acusados: o publicitário
Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar
Fernandes, que responderão por
lavagem de dinheiro e evasão de
divisas. O STF também aceitou a
denúncia contra Silvio Pereira por
formação de quadrilha.
Os 40 réus no caso do mensalão
têm mais uma coisa com que se pre-
ocupar. O procurador-geral da assegura ter novas provas que reforçam
as acusações. Segundo ele, laudos
periciais, que estavam em fase final
de elaboração no momento em que
a denúncia foi apresentada, estão
prontos e serão incluídos no processo. Entre os novos documentos está
um laudo que, no entendimento do
procurador, “comprova a presença
de dinheiro público fortalecendo o
esquema”.
A oposição vem criticando duramente o governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva que teve
o escândalo como uma das marcas
de sua primeira gestão, apesar disto
não ter se refletido em sua reeleição.
O jornalista e professor Roberto
Ramos pondera que o mensalão
não nasceu com o PT, com o seu
governo. “Todavia, veio à tona e
se materializou no governo Lula,
como o maior e mais impactante
processo de corrupção da história da República brasileira. O PT
mostrou, no governo, as suas duas
faces ambígüas. Na oposição, é o
latifundiário da ética; na situação, é
protagonista do mensalão. Portanto,
a sua imagem política foi maculada,
ainda que tenha vencido a eleição
presidencial. Isso não apaga a sua
ambigüidade histórica, ressalta o
professor da Famecos.
Recebida a denúncia, o caso
agora entra em fase de instrução,
quando acusação e defesa indicarão testemunhas e terão o direito
a requerer perícias. O STF abriu
processo por formação de quadrilha
contra 24 acusados. A pena para
esse crime varia de um a três anos e
a prescrição ocorre após oito anos
do início da ação.
O prazo do processo poderá
durar mais, dadas as peculiaridades.
Para a jurista Diórgia Streit, não há
como fazer previsões de sentença,
pois o processo judicial brasileiro é
extremamente demorado.
Os denunciados
Entre os acusados estão os
ex-ministros José Dirceu e Luiz
Gushiken, o então presidente
da Câmara dos Deputados, João
Paulo Cunha, e seus colegas do
PT e partidos aliados do governo,
Roberto Jefferson, Pedro Henry
Neto, João Cláudio de Carvalho
Genu, Bispo Rodrigues, Professor Luizinho e Costa Neto.
Também os publicitários Marcos
Valério e Duda Mendonça.
4 últimas
recortes
Thais Silveira e Jamille Callai
Grenal na Fifa
A passagem dos cinco dirigentes da Fifa por Porto Alegre
fez nascer mais uma disputa
entre Grêmio e Internacional.
Os dois clubes prometeram
reformulações para que seus
estádios cumpram as exigências
dos inspetores e possam receber
as partidas da Copa do Mundo
de 2014.
O atual campeão do mundo,
Internacional, planeja construir
uma espécie de shopping, um
estacionamento ao lado do
Gigantinho, um hotel de luxo,
centro de convenções e até um
restaurante de vista panorâmica
com a venda do Estádio dos
Eucaliptos. Beira-Rio passará
a ter capacidade para 60 mil
pessoas.
O Estádio Olímpico está
fora da disputa, mas o Grêmio
tem grandes chances com a
construção da Arena. O projeto do novo estádio deverá ser
construído até 2011, no bairro
Humaitá. O clube definirá até
outubro por uma das quatro
propostas para a execução da
obra. A área será de 33 hectares,
quatro vezes maior que o Olímpico, e terá um orçamento de R$
440 milhões .
Porto Alegre, setembro de 2007
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Emergência para saúde
Acordo prevê concurso público para contratar pessoal do Programa da Família
Por Clarissa Leite Caum
Dose extra de paciência foi preciso para os pacientes do Sistema
Único de Saúde (SUS) no final de
agosto e início de setembro. As demissões ocasionadas pela mudança
no contrato de prestação de serviços
à prefeitura de Porto Alegre e a paralisação dos hospitais filantrópicos
geram novos conflitos para médicos,
enfermeiros e funcionários, e muitos
prejuízos aos pacientes.
Os problemas na assistência do
SUS não são recentes, mas se agravaram a partir do término do contrato
da prefeitura de Porto Alegre com
a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Faurgs). A empresa terceirizava o
Programa de Saúde da Família (PSF),
que o Ministério da Saúde mudou
para Estratégia de Saúde da Família,
recebendo da prefeitura para organizar as contratações dos funcionários
da saúde.
A Faurgs encerrou sua participação no mês passado, devido à
falta de pagamento pela prefeitura,
de R$ 240 mil mensais. A quantia se
refere às despesas de administração
dos funcionários, e o valor não estava previsto no contrato, segundo
o conselheiro do Sindicato Médico
do RS (Simers), Sami El Jundi. As
contratações de funcionários sempre
foram repassadas às prefeituras que
historicamente terceirizam esse tipo
de estrutura, não realizando concurso público para esses cargos.
A terceirização ocorre há 10
anos. A prefeitura teme que o governo federal retire a parcela de
incentivo ao programa e tenha que
arcar com o pagamento dos profissionais. Se o rompimento ocorrer e a
prefeitura ficar sem dinheiro, será cobrada pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, que a proíbe de se endividar.
Prosseguindo com a terceirização, o
município não se preocupa com a lei.
Enquanto isso a União previa que as
prefeituras passassem a absorver os
profissionais. Isso não foi feito e as
contratações continuaram terceirizadas. O secretário municipal da Saúde,
Eliseu Santos, alega que o Ministério
Público Federal recomendava, desde
2004, à prefeitura que não pagasse
a taxa reclamada pela Faurgs. Os
problemas jurídico-financeiros ocasionaram o fim do pagamento e conseqüente rompimento do contrato
pela fundação.
Para El Jundi, essa conta não
prevista no orçamento fez com que a
prefeitura tivesse, por recomendação
do Tribunal de Contas, que abrir um
novo processo que previsse todas as
despesas necessárias. A partir disso, a
prefeitura contatou uma nova entidade de intermediação dos contratos, o
Instituto Sollus, de São Paulo, pouco
conhecido.
A problemática desse novo contrato era a falta de negociação entre
médicos e empresa. Os funcionários
mais antigos queriam contratos de 20
horas semanais, como na empresa
antiga, mas a Sollus insistia em contrato de 40 horas. Os médicos mais
antigos seriam os mais prejudicados
por perderem privilégios.
Com a proposta da prefeitura
ao Simers de pagar R$ 6.500 para
médicos, os profissionais retornaram
ao trabalho. O salário básico ficou em
R$ 5,5 mil. No final, houve acordo.
Os funcionários aceitaram a contratação via Instituto Sollus, e a prefeitura
se comprometeu de realizar concurso
público a partir de 2008.
Fotos Fernando Correa/ Hiper
Mercado multimídia
As plataformas digitais e a
produção do conteúdo jornalístico na era tecnológica foram
temas centrais dos debates do
Seminário Internacional de
Imprensa Multimídia. Promovido pela revista Imprensa, o
evento ocorreu nos dias 3 e 4
de setembro na PUCRS. O mercado multimídia foi o assunto
tratado pelo diretor de redação
da Zero Hora, Marcelo Rech, e
do editor-assistente do Correio
Brasiliense, Carlos Alexandre
de Souza.
A multimídia não é nenhuma novidade na RBS, observou
Rech, pois nos anos 60 jornalistas como Mendes Ribeiro e Cândido Norberto já convergiam
informações para o rádio e TV.
“A melhor definição para este
novo modelo de redação é que
todos fazem tudo para todos”,
comentou. Um dos benefícios
da consolidação do mercado
multimídia, para Carlos Souza, é
que jornais estão mais atentos à
checagem da informação, mas o
grande dilema é a falta de recursos: “poucas empresas têm os
recursos financeiros necessários,
já que a internet ainda garante
pouco retorno”, acrescentou
Souza. Outros painéis trataram
do Second Life, a TV Digital e o
papel das assessorias de imprensa na era da multimídia.
Dornelles de Matos: defasagem
Romualdo Pandolfo está há um ano na fila para transplante de pulmão
El Jundi: denuncia terceirização
Falta de funcionários nos hospitais prejudica atendimento à população
Hospitais filantrópicos reclamam da tabela do SUS
Os administradores dos hospitais
filantrópicos, aqueles voltados ao
atendimento pelo SUS de, no mínimo, 60%, reclamam que o custo de
manutenção é muito maior do que
o governo remunera. A defasagem
atual é de 81,8%, ou seja, a cada
R$ 100 gastos em atendimento, 55
são restituídos aos hospitais pelos
governos federal e estadual. A receita
destina menos que a metade do valor
que deveria aos serviços de saúde. A
tabela do SUS não foi reajustada da
mesma forma que cresceu a inflação.
Esta subiu 400%, enquanto o reajuste se deu por volta de 33,7%.
O presidente do Sindicato dos
Hospitais Beneficentes, Religiosos
e Filantrópicos do Rio Grande do
Sul (Sindiberf) e vice-presidente da
Federação das Santas Casas, Julio F.
Dornelles de Matos, argumentou
que as filas hoje por atendimento
são virtuais e não em hospitais como
antigamente. “O paciente espera
em casa, silenciosamente, e quando
é chamado para o atendimento, ele
pode já ter falecido”. Salientou que a
demora no atendimento dos pacientes agrava o problemática do sistema
de emergência: “O indivíduo que
recebe atendimento em um hospital
após longa espera, se tivesse tratado
do problema desde o início, teria uma
solução e um custo bem menor. Mas
ele acaba entrando nas emergências
com um grau de complexidade muito
maior e um custo alto, em função
do tempo que levou para acessar ao
sistema”.
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medicina 5
Porto Alegre, setembro de 2007
Justiça Federal obriga SUS a pagar
cirurgias para mudanças de sexo
Ação foi impetrada pelo Ministério Público e medicina gaúcha é pioneira na redesignação sexual
Por Guilherme Zauith
O Ministério da Saúde terá de
incluir, na tabela de preços do Sistema Único de Saúde, a operação
de mudança de sexo realizada em
hospitais universitários do país.
A decisão judicial, votada no Rio
Grande do Sul, prevê que em caso
de transexualidade, ou seja, o indivíduo que possui uma identidade
de gênero oposta ao designado, o
SUS deve “auxiliar” no processo
operatório, não ficando definido em
que níveis.
O juiz da Justiça Federal Roger
Raupp Rios, 39 anos, relator do
processo no Tribunal Regional Federal da 4º região, em Porto Alegre,
explica que o Ministério Público
entrou com uma ação civil pública
contra a União: “Foi pedido que fosse incluído na tabela procedimentos
de cirurgia de transgenitalização em
favor de transexuais pelo SUS”. De
acordo com Roger Raupp, a determinação foi impetrada em 2001, mas
a União sempre recorria. “Desta vez
ganhamos por unanimidade e não
houve contestação. Portanto, foi
decidido que o Sistema Único pague uma parte do procedimento e a
operação seja realizada em hospitais
universitários”, assegura o jurista.
O magistrado acentua que o direito à saúde é constitucional e não
pode ser discriminado pela diferença
sexual. “Qualquer pessoa que sofrer
um acidente que seja necessário uma
cirurgia de reconstituição genital, o
SUS paga”. Com base neste argumento, Roger Raupp votou que “a
transexualidade é um distúrbio de
identidade sexual, no qual o individuo necessita alterar a designação,
é um desejo e direito do paciente,
que pode levar a casos mais graves
como mutilação, ou até mesmo ao
suicídio”.
Grupo de apoio
No Hospital de Clínicas de
Porto Alegre, 16 pessoas, entre elas
assistentes sociais, médicos, fonoaudiólogos, psiquiatras e psicólogos
são chefiadas pelo urologista Walter
Koff, 60 anos. Coordenador do Programa de Transtorno de Identidade
de Gênero, Koff explica que o grupo formado no Hospital das Clínicas
tem a finalidade de acompanhar o
transexual antes, durante e depois da
cirurgia de troca de sexo. “O paciente é acompanhado todo este tempo,
porque existe um processo rigoroso,
uma vez que a cirurgia é irreversível
e eles têm de tomar hormônio para
o resto da vida”.
Walter Koff alega que a procura
não aumentou depois da decisão
judicial. Ele opera, em média, 30
pacientes por ano. De acordo com
o médico, em clínicas particulares
chega a custar R$ 20 mil, “agora a
internação e o material custam R$
2 mil”. A operação de resignação
pode ser realizada tanto em homem
como mulher. “A procura maior é
de pessoas do sexo masculino que
não aceitam o gênero, mas também há mulheres que sofrem de
transexualismo e desejam realizar
neofaloplastia (a transformação da
vagina em pênis)”. Koff conta que
já operou 80 pacientes desde 2001
e 60 aguardam na fila de espera. A
primeira cirurgia moderna foi realizada 1951, na Alemanha, com um
oficial da marinha sueca. “No Brasil,
começou na década de 60 em São
Paulo”, informa.
A psicóloga do grupo, Jaqueline
Salvador, explica que o transtorno
da identidade de gênero inicia na
infância. “Geralmente aos seis anos
de idade o transexual começa a
sentir aversão ao corpo. A partir daí,
sofre com discriminação em casa, na
escola, no trabalho”. A inserção na
sociedade é o mais complicado e o
grupo de apoio assiste nesse aspecto. “Eles dividem as experiências e
sofrimentos nas sessões. A exclusão
é um fato na vida do transexual, que
acaba se isolando. Muitos fogem de
casa, mas depois do acompanhamento do grupo e da cirurgia, normalmente a família passa a entender
e a auto-estima do paciente melhora.
Assim, é mais fácil trabalhar, estudar,
namorar”, argumenta.
Fotos Jaqueline Sordi/ Hiper
Pacientes se encontram na sala de espera do Hospital de Clínicas para marcar a cirurgia de troca de sexo
“Sempre me senti uma menina, o difícil é enfrentar o preconceito”
A universitária de Farroupilha
prefere não se identificar. Aos 20
anos, os cabelos loiros caem macios
sobre os ombros estreitos. Veste um
casaco rosa, calça jeans e sapato preto de bico fino. Colocou silicone no
peito, operou o pomo de adão para
afinar a voz. O rosto é fino e liso, a
sobrancelha arqueada. As unhas são
delicadamente vermelhas. Ela fará a
necopovulvoplastia (cirurgia em que
o pênis é transformado em vagina)
no final do ano. “Sempre me senti
menina. Quando criança gostava de
boneca e maquiagem”, conta com
orgulho. Reconhece que o precon-
ceito é muito forte e a família não
entendia. “Depois que minha mãe
me levou ao psicólogo, na adolescência, ela entendeu. Hoje as pessoas
aceitam. Trabalho, estudo, e estou
feliz que vou operar”, desabafa.
Acompanham a universitária
duas mulheres que já fizeram a
cirurgia de redesignação sexual.
Márcia Beatriz e Marcela, ambas de
37 anos. Alta e loira, Márcia é natural
de Ametista do Sul. Fez a cirurgia em
2001, mas colocou prótese mamária
este ano e agora exibe seios fartos
tapados apenas por uma fina camiseta amarela. “Nunca abandonei o
grupo”, diz.
Márcia considera importante
a troca de experiências entre as
mais velhas e as mais novas. “Nasci
mulher, mas no corpo errado. Já
tive namorados. Agora tenho um
relacionamento estável e ano que
vem quero casar de véu, grinalda
e tudo”, revela com voz que ainda
denuncia a masculinidade da qual
quer se livrar.
A bageense Marcela trabalha
como relações-públicas e promotora
cultural. Trocou de sexo em março.
Sentada com a coluna ereta e as pernas cruzadas, fala com desenvoltura
enquanto arruma o cabelo castanho
escuro e curto. As orelhas sustentam
grandes brincos de argola prata.
“Sete dias após a cirurgia estava em
casa, a recuperação foi perfeita”.
Para Marcela, o preconceito é
o maior sofrimento e conta que já
tentou suicídio quatro vezes. “Hoje
estou realizada, fiquei seis anos sem
me olhar no espelho. É uma conquista. Sou casada há quatro anos
e pretendo adotar uma criança”. E
confessa, extasiada: “tomo anticoncepcional para ter seios pequenos,
não ponho silicone por que odeio
sutiã”.
6 sociedade
Porto Alegre, setembro de 2007
hipertexto
A diversidade marcou 20° Set na PUC
Gabriel Pozzobom/Hiper
Marcelo Dantas, designer e curador, participou do RBS Debates
Camila Rinaldi e Igor Carrasco
Alunos de Comunicação de
diversas partes do país viver a experiência do 20º Set Universitário entre
17 a 19 de setembro na Famecos.
Palestras, oficinas e uma mostra
competitiva reuniu estudantes de Jornalismo, Publicidade e Propaganda,
Relações Públicas e Cinema.
A abertura do evento contou
com a presença do colunista Diogo
Mainardi, da revista Veja, discutindo
a “relação incestuosa entre mídia
e poder”. À noite, o RBS Debates
reuniu o designer e curador de exposições Marcelo Dantas; a professora
da PUCRS, Ana Carolina Escosteguy; o diretor de redação dos jornais
RBS, Marcelo Rech e o publicitário
Beto Callage que abordaram o tema
“Comunicação pelos poros”.
Uma edição especial do Sarau
Elétrico, com Kátia Suman e os
escritores Luís Augusto Fischer e
Claudia Tajes marcou o encerramento no último dia do SET no auditório
da Famecos. Na cerimônia, foram
anunciados os vencedores da competição que contou com 853 trabalhos inscritos. Entre os ganhadores,
Hipertexto esteve representado pela
editora Lidiana de Moraes, primeiro
lugar em reportagem com “Literatura atual relê os clássicos”, publicada
na edição de junho.
Assim se desfaz um mito: Diogo Mainardi
Por Natasha Centenaro
Segundo fontes astrológicas, ele é
virginiano, nascido em 22 de setembro. Superorganizado, é uma pessoa
sincera, mas tem um jeito sério demais. Seu maior problema é quando
sua seriedade é confundida com
frieza. No entanto, é só aparência e
quem se deixa levar pelas aparências,
se engana e muito. Ele também se
emociona, ri, chora, sofre, ama e escova os dentes. Outro defeito de sua
personalidade é que tem certa mania
de analisar tudo o que acontece e
quem está ao seu redor.
Apesar de revelar todos esses
traços de personalidade, ainda o consideram rude, rabugento, implicante
e insuportável. Tudo por causa do
seu trabalho, árduo, escrever o que
bem entende e sobre quem define.
Normalmente são personalidades ou
fatos conhecidos do cenário político,
econômico, casual. Mas ele também
já falou de livros, música e filmes,
aliás, ele já foi roteirista de cinema.
Bom, livros, também já os fez. Todavia, desde uma recente safra de autores e cineastas, considera a cultura
monótona e medíocre. Realmente,
cultura não é mais seu alvo preferido.
Não é passível de escândalos, corrupções, promiscuidades, polêmicas
figuras, uma temática totalmente
desinteressante. Ele acha que o voto
não deveria ser obrigatório e não se
considera responsável pelos políticos
eleitos no Brasil por que ele não vota,
disse “estar isento de votar no Brasil”. Mas foi para isso que ele aterrisou em Porto Alegre, falar sobre as
“relações incestuosas entre a mídia
e o poder”, muito mais atrativo que
os últimos lançamentos do Caderno
de Cultura. Falar o que ele pensa e
retrata nas suas colunas semanais da
Revista Veja e no programa dominical do canal por assinatura GNT,
Manhattan Connection.
Como já era esperado e anunciado, o colunista Diogo Mainardi
estaria na cidade para palestrar na
PUCRS, nada além disso. Nada de
conversas com a imprensa e muito
menos, com aprendizes de imprensa.
Aí, entram as aparências. Serenamente, Diogo caminhava no saguão
da Famecos. Diogo Mainardi, caminhando pela Famecos? Uma realidade improvável, que só quando foi
vista e conferida se tornou realidade.
Com uma paciência inimaginável,
ele concedeu entrevistas, conversou
com estudantes e professores e, o
ápice da gentileza, aguardou o gravador dessa repórter em desespero
funcionar. O momento da reflexão:
ele é assim mesmo? E a polêmica, o
deboche, a ironia? E para completar
a cena idílica, ele pediu para escovar
os dentes antes de uma entrevista. É
sério? Não, só pode ser gozação.
Chegou a hora da verdade, da
revelação. Diogo Mainardi é gentil,
paciente e, sem falsas impressões,
bem educado. E a imagem de rude e
implicante, cadê? Aqui, cabe um relevante parênteses, antes de qualquer
processo contra minha pessoa por
dizer esses impropérios, na palestra
não foi bem assim. Durante uma
hora e meia de profunda troca de elogios entre o palestrante e o mediador,
renomado jornalista e professor da
Famecos, Juremir Machado da Silva,
seu aguçado e mordaz censo crítico
ressurgiu das entranhas sensoriais
e estratégicas desse provocador e
instigante escritor. Mainardi voltou
a ser Mainardi, odiado, rejeitado e
repudiado, inclusive por um grupo
de estudantes presente no Centro
de Eventos. Aos gritos e com uma
faixa em letras garrafais, eles acusavam: “Diogo Mainardi: o Traíra da
América Latina”. Sem titubear, ele
só respondeu: “Vou levar o cartaz
para pendurar em minha casa.”
Ainda bem, ele voltou a ser esse
personagem tão verossímil que só
ele sabe fazer.
Se vira nos 20
O que se esperava da palestra
“Se vira nos 20 – a TV ontem, hoje
e amanhã” era o que se espera de
qualquer palestra do SET Universitário, muita informação. É justo
dizer que a palestra superou todas
as expectativas dos presentes. Os
ex-estudantes da Famecos, Carlos
Kober e Edson Erdmann contaram
como foi a criação do Set Universitário, em 1988.
Erdmann e Kober levaram o
público por um passeio por suas
carreiras. Desde o começo na ProVídeo, atual Centro de Produção
Multimídia, onde faziam programas
para aulas de diversos cursos da
PUC, até os dias atuais, com Kober
na direção do “Domingão do Faustão”, e Erdmann dirigindo a novela
“Eterna Magia”.
O tema da palestra em geral foi,
como não poderia deixar de ser,
televisão. Ambos os palestrantes
possuem um currículo invejável nesta mídia, tendo passagem pela RBS
TV e TV Globo, além do tempo de
Kober na TV Cultura.No final da
conversa, os palestrantes deixaram
ao público, formado em sua maioria
por jovens em formação, uma pergunta: onde vocês estarão daqui a 20
anos? Com esta indagação terminou
um ciclo de duas décadas, onde os
ex-alunos da PUCRS, Carlos Kober e
Edson Erdmann, passaram de meros
estudantes improvisando com os
recursos que possuíam, a referência
internacional na área da televisão.
Comunicação interativa
No segundo dia do SET Universitário, um dos painéis tratou da
“Convergência digital – o passado
e o futuro da comunicação interativa”. Para falar sobre o tema foram
convidados o diretor de conteúdo
do IG, Caíque Severo, e a jornalista,
professora do curso de jornalismo e
do programa de pós-graduação em
comunicação midiática da UFSM,
Luciana Mielniczuk. O debate fora
mediado pelo professor da Famecos,
Eduardo Pellanda.
Segundo Severo, é difícil ter uma
real noção sobre a transformação
pela qual a sociedade vem passando
e sobre o futuro, pois as mudanças
ocorrem rápido demais. Outra
preocupação ou provocação, como
definiu Luciana, foi com a formação
dos alunos pelas universidades em
tempos de intensa interatividade.
A jornalista vê que o futuro da comunicação são os alunos que saem
hoje das universidades e questiona o
quanto está sendo investido para que
estes possam sair capacitados para o
mercado de trabalho da comunicação interativa.
Fernanda Fell/Hiper
Pequeno grupo compareceu só para vaiar o polêmico Diogo Mainardi
hipertexto
cultura 7
Porto Alegre, setembro de 2007
Qualidade consolida bom
momento do teatro local
Sucesso do Porto Alegre Em Cena comprova a força da dramaturgia,
apesar das falhas estruturais (falta de palco, recursos limitados)
Fotos Tamara Carvalho/Hiper
Por Patrícia Lima
A qualidade dos espetáculos
produzidos e a resposta do público
que prestigia com intensidade são as
provas do momento positivo que se
encontra o teatro no Rio Grande do
Sul. “O Porto Alegre em Cena está
aí para se fazer a comparação. Artisticamente, estamos bem, obrigado,
com ótimos diretores, atores, novos
e velhos dramaturgos e um time de
técnicos de excelente qualidade”,
afirma o ator da peça Homens de Perto,
Artur José Pinto.
Os caminhos da dramaturgia
gaúcha contemporânea foram objetos de debate em um evento que
reuniu, no mês de agosto, alguns
dos principais representantes da
dramaturgia gaúcha. O Seminário
de Dramaturgia Contemporânea foi
realizado no Teatro de Arena.
A cada ano, algumas produções
se destacam. Há grupos profissionais e alguns amadores que ainda
mantém o desejo de pesquisa, investigação de linguagem, tentando
dar consistência ao fazer teatral. “A
grande maioria não tem subsídios
para manter seus espetáculos por
longo tempo em cartaz”, lastima
Hermes Bernardi Jr., que atua na
peça A Tempestade. De outra forma,
com a velocidade das coisas e o
instinto de sobrevivência falando
mais alto, não permitem que pessoas
se reúnam e aprofundem alguma
linguagem, o que acaba por abortar
bons projetos e a continuidade de
pesquisas relevantes na área.
Entre os problemas da classe
teatral, é fácil apontar os principais: faltam salas de espetáculo, os
recursos de patrocínio são poucos
e os espaços de divulgação cultural
reduzidos. O público que freqüenta
as salas cresce, mas, como em todo
o país, é pequeno se comparado à
Argentina, por exemplo.
Mais divulgação por parte da
mídia é o que Renata Peppl, autora
e atriz das peças Solteiríssima e Casa-
Produções se destacam nos palcos
díssima, também reivindica. Para ela,
o teatro está cada vez melhor. Porém
o sucesso e o público seriam maiores
se houvesse mais apoio por parte da
imprensa. Existem bons textos, apesar de poucas pessoas escreverem
peças teatrais no Estado. A identidade do teatro também é regionalizada,
buscando se aprimorar ainda mais
para concorrer em festivais fora
do Rio Grande do Sul. Renata, que
concluiu o curso de Jornalismo na
Famecos em julho passado, também
lamenta o investimento reduzido
dos brasileiros em cultura, tanto no
teatro como em outras artes como
cinema. Ela acredita que, muitas vezes, as pessoas não vão ao teatro até
por medo de não entender a história
e sentir-se ignorante.
O valor dos ingressos também
afasta o público das salas, segundo
Bernardi Jr. O público local quer
ingressos a preços populares quando
se trata de artistas gaúchos em cena.
O contrário acontece quando produções do eixo Rio-São Paulo desembarcam em Porto Alegre e ocupam
os melhores teatros. Atendem uma
classe que pode pagar para lotar as
casas de espetáculos e, por vezes, vai
ao teatro mais pelo status, procurando ser vista do que exatamente pelo
espetáculo em si.
Drama ou comédia
A função do teatro é provocar
uma reação em quem assiste. Emocionar. Ao fazer rir, o encenador
toca nas referências do público
acerca do tema apresentado e, de
uma forma lúdica, posicionando-se
artisticamente. Não tem como comparar os gêneros tragédia e comédia.
Ambos são teatro. A diferença que
deve ser feita é entre trabalhos bons
e ruins.
Muitas pessoas fazem comparações e reduzem a importância do
gênero comédia, esquecendo suas
origens. Textos cômicos foram
escritos pelos mesmos dramaturgos clássicos que formaram a
dramaturgia mundial. Aristófanes,
Plauto, Sófocles, Molière, Maquiavel,
Shakespeare, e tantos outros erigiram uma obra cheia de significados
com seus textos cômicos. “No período do golpe militar muita gente se
posicionou politicamente e tentou
comunicar suas idéias por meio de
textos cômicos cheios de sinais a
serem decodificados. Ainda hoje tem
muita gente que utiliza o humor para
atingir o público com arte e bom
gosto”, argumenta Artur Pinto.
Falta de divulgação ainda prejudica o sucesso de público do teatro gaúcho
As produções nos palcos do Estado investem na comédia e no drama
Oprimido pela
realidade,
público quer
ver comédia
As pessoas machucadas pela
realidade em que vivem preferem,
na hora de lazer, desopilar, divertir-se, optando por programas
que não provoquem mais dor.
Por isso, o público “de televisão”,
ou seja, o que não vai ao teatro
habitualmente, prefere espetáculos em que possa rir. Os que
estão acostumados com o teatro
já entenderam que a emoção da
obra teatral eleva a alma e produz
o mesmo efeito de renovação na
pessoa. Bernardi diz que há uma
parcela do público que gosta de
teatro bem feito, sendo comédia
ou drama. É exigente. Outra parcela, bem maior, ainda faz papel
do colonizado, prestigia o que
vem de fora.
O ator Hermes Bernardi Jr.
sustenta que comédia também é
drama. Os dois gêneros do drama
são a tragédia e a comédia, que
têm na estrutura os mesmos elementos: a situação inicial, o conflito e o desenlace, apresentados
de forma diferenciada em um ou
outro. No teatro contemporâneo,
esses elementos não se apresentam necessariamente nesta
ordem. A investigação permeia a
construção, desconstrução e reconstrução. O que os diferencia
é a via de comunicação com seus
públicos, ou seja, a dor, o humor,
a tristeza, a profundidade da
abordagem dos temas. Existem
ainda os dramas cômicos e as comédias dramáticas, que utilizam
ambos intercaladamente a fim de
uma determinada comunicação.
Em se tratando de texto teatral,
8 natureza
Porto Alegre, setembro de 2007
Abelhas perdem
o rumo de casa
hipertexto
Fotos Karol Denardin/ Hiper
Formicidas, radiação, monoculturas e
raios ultravioleta desorientam e matam
Por Tatiana Feldens
“Adeus e obrigado pelos peixes!” Essa foi a mensagem deixada
pelos golfinhos ao desaparecerem
do planeta na comédia literária do
inglês Douglas Adams. A obra, parte
da série O Guia do Mochileiro das
Galáxias, narra o desaparecimento
súbito da espécie, que teria abandonado o planeta ao descobrir que
ele seria destruído. Em proporções
reduzidas, ainda que impressionantes, a vida imitou a arte no Brasil e
no mundo.
O desaparecimento das abelhas
– fenômeno apelidado pelos norteamericanos de desordem de colapso
de colônias, ou CCD – é motivo de
preocupação principalmente entre
apicultores do Rio Grande do Sul
e de Santa Catarina. O fenômeno
registrado particularmente no início
deste ano pode causar graves desequilíbrios ambientais, uma vez que
as abelhas são responsáveis por mais
de 90% da polinização (fecundação
das plantas através do transporte do
grão de pólen) e, de forma direta
ou indireta, por 65% dos alimentos
consumidos pelos seres humanos.
O engenheiro agrônomo da
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) Aroni Satler conta
que é comum as abelhas deixarem
a colméia devido a um mau manejo
ou por falta de comida. No entanto,
ele ressalta que neste caso as abelhas
estão morrendo intoxicadas por
formicidas e venenos utilizados para
matar pragas nas lavouras do sul
do Brasil. “O que temos aí, e que é
bem característico, são mortandades
grandes, nos últimos anos, com
agrotóxico”, diz.
Segundo Satler, quando as abelhas são intoxicadas, a perda é total,
tanto no caso da pequena propriedade como das empresas. “A abelha
que é contaminada e não morre no
campo, traz o produto para dentro
da colméia, onde contamina as
operárias que estão trabalhando
junto”. Aroni alerta ainda para um
possível aumento da intoxicação
das abelhas com a expansão das
culturas de girassol e canola para a
produção de biocombustível. “Isso
tem uma tendência a aumentar ainda
mais, porque com os monocultivos
destinados ao biodiesel, principalmente de girassol e de canola, são
muito atrativas para as abelhas. Se
não houver um bom controle disso,
um trabalho de conscientização dos
produtores e dos apicultores, esse
prejuízo vai ficar maior ainda”, diz.
Suspeitas
Entre as possíveis causas do
fenômeno, são citadas, além do
uso indiscriminado de herbicidas, a
radiação de telefones celulares e o
uso de transgênicos, em especial os
do milho Bt (com gene resistente a
insetos; contém pedaços do DNA da
bactéria Bacillus thuringiensis).
Jair Barbosa Júnior, do Instituto
de Estudos Socioeconômicos de
Brasília, em entrevista à revista Carta
Maior, confirma uma das possíveis
causas. No Brasil, lembrou Barbosa,
Apicultores denunciam o desaparecimento das abelhas de colméias do Rio Grande do Sul
não há estudos aprofundados sobre
o impacto das lavouras transgênicas
no ecossistema. Outro provável
motivo apontado pelo pesquisador
é o aquecimento global. O sistema
de orientação das abelhas funciona
por meio dos olhos. As abelhas dependem da luz solar para encontrar
o caminho de volta para as colméias.
Assim, o aumento da incidência de
raios ultravioletas poderia ser uma
das causas do fenômeno.
O jornal inglês The Independent
publicou uma matéria afirmando
que a radiação dos celulares poderia
estar interferindo no sistema de navegação das abelhas, provocando a
desorientação, que não conseguiriam
mais voltar para suas colméias. O
periódico também citou pesquisas
alemãs que apontaram mudanças
de comportamento dos insetos nas
proximidades de linhas de transmissão de alta tensão.
Alguns cientistas, por outro
lado, minimizam o problema. O
professor emérito de entomologia
da Oregon State University, Michael Burgett, disse, ao jornal The
New York Times, que as grandes
baixas em abelhas em algumas regiões poderiam ser reflexo de picos
populacionais superiores à taxa
normal de mortalidade em décadas
recentes. Segundo ele, no final dos
anos 70 houve um fenômeno similar
a este, que, na época, foi chamado de
“doença do desaparecimento”. Não
foi encontrada uma causa específica
para o desaparecimento.
O desaparecimento das abelhas
começou a ser tema na mídia em
2006, nos Estados Unidos e no
Canadá..A redução das colônias
de abelhas no país vem ocorrendo,
pelo menos, desde 1980. A morte
repentina de abelhas também já foi
registrada em países como Alemanha, Suíça, Espanha, Portugal, Itália
e Grécia.
A advertência
de Einstein
O físico Albert Einstein
disse que se as abelhas desaparecessem, a humanidade
seguiria o mesmo rumo em
um período de quatro anos.
A razão é muito simples: sem
abelhas não há polinização,
e sem polinização não há alimentos.
Peruanos reconstroem região atingida pelo terremoto
Eitan Abramovich/AFP
Por Bruna Weis Scirea
Quarta-feira, 15 de agosto,
18h40min. Habitantes da costa e da
região noroeste do Peru voltavam
para seus lares após mais um dia de
trabalho. De repente tudo tremeu,
a terra cedeu e casas e estradas
desabaram. O país foi atingido por
um terremoto de 8 graus na escala
Richter.
“A ajuda internacional foi rápida.
Chegam aviões de vários países trazendo alimentos e ajuda profissional.
Temos medo porque a terra ainda
treme e, mesmo sendo em menor
intensidade, há construções do
século passado que continuam desmoronando”, relata Elsa de Leyton,
58 anos, duas semanas após o ocorrido. Moradora da cidade de Piúra,
que se localiza a 1300 km ao norte
500 mortos nos escombros
do epicentro do terremoto, afirma
que o governo está cadastrando as
pessoas afetadas para que possam
fazer empréstimos sem pagar juros.
A peruana, que é avó de uma brasileira, explicou no e-mail que enviou
para a família no Brasil: “Nós como
população e o governo percebemos
que não estamos preparados para
estas emergências, mesmo sendo o
Peru um país que muito sofre com
os abalos sísmicos”.
“O Peru fica na costa oeste
do continente sul americano onde
é a margem de colisões de placas
tectônicas”, explica o doutor em
Geociências, Jorge Alberto Villwock, professor da PUCRS e diretor do
Instituto de Meio Ambiente. “Estas
colisões, no caso entre as placas da
América do Sul e a Nazca, liberam
uma grande quantidade de energia,
que é manifestada na forma de
vibrações sísmicas”, complementa
Villwock. Os tremores menos intensos, reflexos dos grandes terremotos, podem ser notados em regiões
distantes, como recentemente no
Amazonas. No sul brasileiro, já
foram sentidas pequenas vibrações
decorrentes de um terremoto na
Cordilheira dos Andes, há anos. O
professor garante que as chances de
acontecer abalos sísmicos no Brasil
são bastante remotas pelo fato de
estar situado no centro de uma placa
tectônica, portanto não sujeito às
oscilações. O geocientista relembra
que, desta vez, o aquecimento global
não é o vilão da história: os terremotos têm sua fonte de energia no
interior da terra, diferentemente dos
furacões, ligados à energia solar que,
sendo superficial, relaciona-se com
as mudanças climáticas.
O abalo do dia 15 de agosto foi
o pior desde 1970, quando o país
foi atingido por avalanches de gelo e
deslizamentos de terra ocasionados
por um tremor. Naquele ano, 50
mil pessoas morreram. Desta vez,
segundo autoridades do Peru, foram
mais de 500 mortos e mil feridos,
números que, apesar de menores
em relação aos de 1970, carregam
o mesmo sofrimento. Nas palavras
de Elsa: “A vida continua e o desejo
de todos os peruanos é que em
poucos anos estejam restabelecidas
as cidades e os povoados que desapareceram com o terremoto”
O terremoto e suas conseqüências comoveram povos de várias regiões. O Brasil, por exemplo, enviou
ajuda humanitária, alimentos não
perecíveis, tendas e medicamentos.
A ONU e a União européia arrecadaram e disponibilizaram milhões
de dólares para as áreas afetadas.
A memória histórica do país e dos
habitantes, entretanto, só o Peru será
capaz de recuperar.
hipertexto
memória 9
Porto Alegre, setembro de 2007
Tradição contestada
provoca debate
Manifesto Contra o Tradicionalismo quer revisar MTG
Foto Raissa Genro /Hiper
Luciana Birck
O tradicionalismo gaúcho, representado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), foi
criticado em manifesto liderado
pelo professor de História Luiz
Carlos Tau Golin, da Universidade
de Passo Fundo. “Somos contra o
MTG devido a sua ação de controle
cultural, uso das verbas públicas, interferência nos currículos escolares,
vigilância sobre os meios de comunicação, imposição manipulatória de
uma idéia de ‘história’ que converteu
em ‘heróis’ senhores de escravos”,
protestam professores, estudantes
que assinam o manifesto lançado
em março passado.
Ainda na véspera da Semana
Farroupilha, o MCT provocou
reações, como a do patrão do 35
CTG, Luiz Clóvis Fernandes, que
diz ser lamentável o ato: “Tau Golin analisa a evolução dos tempos
com os olhos de hoje, ele não se
reporta ao passado para analisar os
fatos na sua época, com as leis que
existiam e com as necessidades que
a época apresentava para que fossem
julgadas”.
Para eles, o MTG não é uma
forma de cultura legítima, pois
não representa a diversidade do
povo do Rio Grande. Ele seria o
principal instrumento de negação
e destruição dos traços culturais e
direitos fundamentais do povo riograndense. O patrão do 35 CTG
rebate: “Tau Golin critica o MTG
porque não teve a oportunidade de
estar junto quando foi criado e nem
teve a brilhante idéia que os outros
tiveram. Ele é uma das pessoas que
mais admira o movimento, só não
quer admitir”.
A declaração também aponta
uma espécie de aliança entre MTG
e ditadura militar no golpe de 1964.
“Até pode ter havido um aproveitamento por parte do governo, assim
Academia tem dificuldade em reconhecer como legítimo o culto ao gaúcho
como aconteceu em outros lugares.
Mas não concordo que o MTG tenha se juntado ao governo, porque
o Tradicionalismo é um movimento
cultural que tem o firme propósito
de congregar o povo em benefício
de uma cultura própria que forma
seres humanos diferentes e independentes”, sustenta Fernandes.
Fundado em 27 de novembro
de 1967, o MTG surgiu como
órgão orientador e coordenador
das entidades tradicionalistas, para
preservar, resgatar e desenvolver a
cultura gaúcha. Os mais de 1.400
CTGs e piquetes filiados ao MTG
devem seguir os regulamentos que
incluem o comportamento da prenda e do peão nos concursos, a Carta
de Princípios, entre outros.
A revisão proposta pelos autores
do manifesto sugere rever as normas
e conceitos da cultura tradicionalista.
Os manifestantes também reclamam
da arrecadação das verbas públicas
usadas no “imenso calendário de
eventos, onde, nem sempre, se
distingue a cultura do turismo e do
lazer”. Pedem audiências públicas no
Conselho de Cultura para debater a
destinação dos recursos e também
sugerem à Assembléia Legislativa a
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
RBS: 50 anos em exposição
Clarissa Leite Caum
O estilo e o casamento entre
conforto, criatividade e interatividade são marcas da exposição que
celebra os 50 anos da Rede Brasil
Sul (RBS). Na Usina do Gasômetro,
estão expostos o passado e presente
de uma empresa que há 50 anos faz
parte da vida dos gaúchos e mais
recentemente também dos catarinenses.
A exposição destaca a maneira
como as pessoas recebem, em casa,
as notícias anunciadas pelo rádio,
jornal e televisão. O público tem à
disposição elementos que buscam
reproduzir o ambiente doméstico e
familiar dos ouvintes e telespectadores, como o sofá, a cama, o armário
e a geladeira.
Os principais momentos da
história da comunicação no Brasil e
o mundo são retratados no evento,
que relembra notícias, telenovelas,
programações de rádio e a história
da Fundação Mauricio Sirotsky
Sobrinho (FMSS). Os utensílios
ultrapassados e as técnicas de transmissão de informação mexem com
a memória de quem vai ao encontro
das décadas contadas pelos veículos
da RBS, a partir de 1957.
Para orientar os visitantes, 54
facilitadores que, como o próprio
nome diz são pessoas que dão informações e conduzem o público ao
encontro das descobertas. O facilitador Jaques Machado explicou que
o principal objetivo da promoção é
comover o público. “A importância
da exposição é justamente a emoção.
Eu não posso generalizar, pois isso
é muito relativo, mas vejo que as
pessoas se fascinam com os objetos
expostos, com os programas de rádio
que ouvem”, comenta. Ele percebeu
que alguns até choram ao relembrarem de épocas passadas.
Cátia Silveira Krieger, que foi
à exposição com o pai, Osvaldo,
relatou que a visita foi essencial para
conhecer a época e os costumes paternos. “Eu me encantei quando o
vi sentado naquela cadeira, animado,
ouvindo algumas programações do
rádio. Só quem viveu aquela época
pode sentir essa emoção”.
Há também jornais dispostos
numa mesa retangular, visíveis como
uma imagem, onde o leitor pode
acessar a capa do ano, mês e dia
que escolher. Nela, são encontradas
as manchetes do que foi notícia no
passado, desde o surgimento da Zero
Hora, em 1964. A interatividade é
marca da exposição. O público toca,
experimenta, ouve.
A idéia da exposição partiu do
diretor-presidente do grupo Nelson
Sirotsky que, visitando o Museu da
Língua Portuguesa em São Paulo,
chamou Marcelo Dantas, seu criador,
para ajudá-lo neste projeto aqui, no
Rio Grande do Sul.
No site www.noar50anosdevida.
com.br os interessados encontram
dicas de tudo que os aguardam,
vídeos em geral e interatividade.
Na entrada, um guia de exposição
é destinado ao visitante, que toma
conhecimento do que verá no interior da Usina. A exposição fica, na
Usina, até 18 de novembro, de terça
a domingo, das 9h às 21 horas e a
entrada é franca.
Lucas Constanzi/Hiper
Em defesa da inclusão das culturas
Trechos do manifesto
•
O MTG é doutrinador
e usurpador do direito individual,
impõe modelos de comportamento fora de seu espaço privado, se
auto-elegendo como arquétipo de
uma moralidade para toda a sociedade.
•
Somos contra o MTG,
porque seu controle e patrulhamento vigora sobre a sociedade
como um espectro opressivo,
em muitos casos como uma maldição, como uma ameaça punitiva,
desclassificativa daqueles que não
ideologizam as pilchas ou não se enquadram nos modelos “humanos”,
geralmente caricaturais, decretados
pelo MTG.
•
Em defesa da cultura
rio-grandense, postulamos pela
instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa, para investigar a
transferência de verbas e infra-estruturas públicas para as atividades
tradicionalistas, o que caracteriza
flagrantemente uma usurpação do
patrimônio público.
•
Alertamos e igualmente
reivindicamos audiências públicas
ao Conselho de Educação, para
discutir a deturpação dos currículos e dos princípios de Educação
Pública, em conseqüência da infestação, da usurpação e da distorção
pedagógica representada pela
invasão tradicionalista nas escolas
de todo o Estado.
Exposição da RBS na Usina do Gasômetro comove o público
10 esporte
Porto Alegre, setembro de 2007
Eles jogam
futsal com o
subconsciente
Fotos Vinícius Carvalho/Hiper
A bola é igual à de futsal, com a
única diferença de possuir um guizo
para a orientação dos atletas, o que a
deixa mais pesada do que o normal.
Esse e outros detalhes constituem
as regras do futebol de 5, adaptado
para pessoas com deficiência visual.
Poucos sabem, mas o Rio Grande do
Sul tem uma tradição vitoriosa nesta
modalidade.
Atletas gaúchos têm participado
de para competições nacionais e internacionais. Eles estavam presentes
nos recentes Jogos Parapan-Americanos do Rio de Janeiro, quando
a Seleção Brasileira de futebol de
cegos conquistou a medalha de ouro
em cima da Argentina, com o placar
de 1 a 0. O artilheiro da competição
foi o porto-alegrense de 18 anos,
Ricardo Alves, o Ricardinho, com
nove gols marcados.
Em Porto Alegre, o time da
Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs) reúne atletas de
diferentes idades, porém com algo
em comum: a busca no esporte de
uma qualidade de vida melhor, de
forma autônoma e saudável. Nesta
adaptação do futsal convencional,
Fotos Pedro Revillion/Hiper
existem três pessoas que enxergam
normalmente e influenciam na partida. O goleiro (que além de defender,
tem a função de orientar a defesa),
o chamador (fica atrás da goleira do
adversário com o objetivo de orientar o ataque do seu time), e o técnico
(que só pode dar suas instruções
para os jogadores que estiverem no
meio da quadra). Para não atrapalhar
a concentração dos atletas, as torcidas devem permanecer em silêncio
durante as partidas, com exceção da
hora do gol, quando podem gritar e
comemorar a vontade.
Ricardinho perdeu a visão aos
oito anos e dois anos depois começou a jogar no Instituto Santa Luzia,
escola da Capital para pessoas com
deficiência visual. Com 15 anos, o
garoto encontrou a Acergs e participou, desde então, de campeonatos
pelo time gaúcho e pela seleção
brasileira. Hoje ele é considerado
o melhor jogador do mundo na
categoria, mas, humilde, divide seu
sucesso na Seleção Brasileira: “Sempre que faço gol, costumo dizer,
que metade dele pertence a mim
e a outra ao chamador do time. É
ele quem diz para onde tenho que
driblar e chutar”.
Celso Roth, do Vasco da Gama
O gaúcho Ricardinho, goleador da Seleção Brasileira de futebol para cegos, é considerado o “melhor do mundo”
Presenciar um jogo desta modalidade impressiona. Eles jogam
todos vendados, devido às diferenças de grau na deficiência visual de
cada um. Porém, tal limitação não
atrapalha a emoção das partidas,
que têm um ritmo acelerado e competitivo. O estudante de educação
física João César Nunes Tortorella
foi por dois anos chamador e auxiliar técnico do time gaúcho. Ele
afirma que construiu, ao longo deste
período, uma amizade com Ricardinho e os outros atletas do time.
“Aqui fiz muitas amizades, por isso,
mesmo com a minha saída, procuro
visitá-los e dar sempre o apoio que
for preciso. Com eles aprendi a dar
valor às coisas simples, as quais
passam despercebidas pela maioria
das pessoas.”
O veterano do time, Pedro Beber, conhecido como Pedrão, tem
uma história de garra e perseverança.
Ele parou de enxergar aos 22 anos,
pois sofre de glaucoma, doença que
afeta a pressão dos olhos. Entrou em
depressão, mas a superou quando
encontrou no esporte a força para
reerguer sua auto-estima.
Além do futebol de 5, Pedrão
disputou e venceu campeonatos em
outras categorias, como goalball e 100
metros rasos. Agora, com 47 anos,
orgulha-se de sua trajetória de vitórias e explica um pouco a emoção
de competir. “Mesmo sem a visão,
enxergo o gol, vejo quando driblo o
zagueiro e chuto, vejo onde a bola
entra”. Como teve visão normal por
22 anos, ele diz “enxergar com a
ajuda do seu subconsciente”. Hoje, o
atleta não encontra mais problemas
por causa da cegueira. Ao contrário,
depois que ficou cego, aprendeu a
sentir novos prazeres e a apreciar
novos cheiros e gostos, que nunca
tinha reparado antes.
Querência dos treinadores de futebol
Por Thiago Oliveira
Mano Menezes, do Grêmio
Futebol de cegos
começou
nos anos 60
O futebol de cegos surgiu no
Brasil na década de 60, e está se
ampliando pelo cenário esportivo mundial. É daqui que saem
as bolas oficiais para competição internacional, distribuídas
gratuitamente para o mundo
todo. São fabricadas por presidiários no programa “Pintando
a liberdade”, do Ministério
do Esporte. O próximo passo
brasileiro são os Jogos Parapan-americanos de Pequim,
em 2008, para o qual a Seleção
Brasileira garantiu vaga com
a vitória na competição deste
ano.
Atletas brasileiros com deficiência
visual dão exemplos de superação,
colocam a alma em quadra
Por Maurício Círio
hipertexto
Quando se fala em treinadores
de futebol, nomes gaúchos são
lembrados instantaneamente. São
vários os comandantes de destaque
nascidos no Rio Grande do Sul. O
legado que os técnicos de grande sucesso nas décadas de 70 e 80, como
Ênio Andrade, três vezes campeão
brasileiro, por Internacional, Grêmio e Coritiba, e Valdir Espinoza,
campeão da Libertadores e mundial
pelo Grêmio, em 83, deixaram é
aproveitado por seguidores de uma
escola de futebol única.
Mas a que se deve tantos talentos
surgirem no Estado gaúcho, tão criticado por abrigar o “futebol força e
retranqueiro”? Apenas coincidência
ou qualidade da terra? “Acho que a
qualidade dos treinadores gaúchos
está na disciplina tática. Os técnicos
daqui estão mais para o estilo euro-
peu do que para o jeito do Centro do
país, que é muito ‘festeiro’”, analisa
o apresentador e repórter da Rádio
e TV Pampa, Marinho Saldanha.
“Os técnicos do Rio Grande não
aceitam indisciplina. Além de serem,
sim, bons na parte técnica e tática”,
comenta Gabriel Cardoso, da Rádio
Bandeirantes. Ele ainda defende a
tese de que os gaúchos são comandantes na acepção da palavra.
Na Série A do Campeonato Brasileiro, na 22ª rodada, por exemplo,
o Rio Grande do Sul conta com sete
treinadores, dos 20 clubes que disputam o torneio, sendo o Estado que
mais possui técnicos neste certame.
Na Copa Libertadores da América,
dos nove comandantes brasileiros
que já dirigiram um time campeão,
quatro eram cariocas, três eram
gaúchos – Luís Felipe Scolari, Valdir
Espinoza e Paulo César Carpeggiani
– um era paulista e o outro era mi-
neiro. Em nível de Seleção Brasileira,
cinco gaúchos (Scolari, Cláudio
Coutinho, João Saldanha, Sylvio
Pirillo e o atual Dunga) já estiveram
à frente da “Canarinha”, número
inferior apenas ao de cariocas.
Além disso, a representatividade
dos números não é menor do que
o sucesso dos técnicos gaúchos no
futebol. Nomes como o de “Felipão”, multicampeão por Criciúma,
Grêmio, Palmeiras e Cruzeiro e de
grandes vitórias em Portugal, o de
Adenor “Tite” Bacchi, campeão
da Copa do Brasil pelo Grêmio em
2001 e com passagens por grandes clubes do Centro do país, são
cada vez mais constantes. Renato
“Gaúcho” Portaluppi, Paulo Bonamigo, Ivo Wortmann e Celso Roth
também dão continuidade a um
trabalho na escola gaúcha de futebol
começado no final da década de 70
por Ênio e início da de 80, por Car-
peggiani, campeão da Libertadores e
do Mundo em 81 com o Flamengo,
e Espinoza. O mais recente, Mano
Menezes, também tem chamado a
atenção da mídia nacional por ter
levado o Tricolor gaúcho da Série
B do Campeonato Brasileiro ao
terceiro lugar na Série A e à final da
Libertadores em aproximadamente
dois anos de trabalho.
O crescente apelo por comandantes gaúchos ficou caracterizado
na convocação do técnico Dunga,
escolhido em 24 de julho do ano
passado. Após o fracasso de Carlos
Alberto Parreira, carioca, na Copa
do Mundo daquele ano, a Confederação Brasileira de Futebol deu uma
ordem expressa a Carlos Caetano
Bledorn Verri: recuperar a extinta
motivação dos jogadores brasileiros.
Algo que só o símbolo da raça e da
vibração na conquista do Tetra em
94 poderia fazer.
hipertexto
mundo 11
Porto Alegre, setembro de 2007
Arquivo Pessoal
CRÔNICAS DA CHINA
O intercâmbio entre a PUCRS e a Universidade de Comunicação
da China já promoveu a ida de brasileiros para estudar em Pequim.
O aluno do curso de Jornalismo da Famecos Rafael Codonho morou
por 11 meses na cidade de Pequim, de onde enviou alguns relatos
ao Hipertexto. De volta a Porto Alegre, o repórter começa
publicar aqui histórias da vida cotidiana naquele país.
Nas noites de
Pequim, a babel
de estrangeiros
“Chegamos a Xangai. hora de pousar para a fotografia. Sorria! Lá estou eu, em pé, de blusão preto”
Rafael Codonho
Pequim é uma cidade turística
por sua história milenar, provocando
curiosidade imediata de se conhecer.
Em uma semana se busca no mapa o
próximo destino. Não que a cidade
seja desagradável, mas o espetacular
vai da primeira impressão à rotina e
cansa. É hora de conhecer Xangai,
Xi’an (dos famosos guerreiros de
Terracota), Hong Kong, Sichuan
(terra dos ursos pandas), Yunnan
(paraíso natural) ou dezenas de
outras cidades.
A capital chinesa é veloz, oferece
oportunidades ótimas para estrangeiros e para quem busca o recesso.
Dá para se levar uma vida de estrangeiro no país de Mao Tsé-Tung.
Ao laowai (expressão pejorativa para
designar estrangeiro, em especial os
europeus: lao significa velho, wai, de
fora) disposto a pagar caro e que
não quer molhos, frituras e pimentas
em excesso, a cidade oferece um
roteiro gastronômico que deixaria
um paulistano espantado. Salames,
presuntos, bolachas brasileiras,
vinhos e espumantes franceses e
chilenos, chocolates belgas, artigos
provenientes de todos os lados que
possibilitam uma saída fácil para
quem não está disposto a comer
como os chineses. Assim, tem uma
vida estrangeira mesmo que depois
afirme ter morado no país onde se
comem grilos e escorpiões.
Para completar a vida laowai,
vai-se ao bairro noturno Sanlitun. O
olho fecha e abre de novo. Estranhamento ou motivo para celebração?
Talvez os dois. Pode-se caminhar
por vários minutos e a impressão
de não estar na China continua.
Nas mesmas portas fora dos bares,
os estrangeiros se deliciam em bom
inglês, tomam chopes alemães e fumam narguilé. Garçons se aproximam
e com muita insistência oferecem
um women’s club. Estrangeiros de
meia-idade, chineses da high society se
espalham por uma rua de bares com
música ao vivo.
Um pouco adiante, há um bar
nigeriano de fachada especializado
no que Al Pacino construiu seu
império em Scarface. Espetinhos de
carne de ovelha preparados por
migrantes da província muçulmana
de Xinjiang trazem recordações.
Livrarias especializadas em best-sellers em inglês, lojas de DVD piratas
e uma multidão de estrangeiros é
abordada por moradores de rua,
vistos diariamente no mesmo lugar.
A deputada federal Manuela D’Ávila,
a convite do Partido Comunista da
China, esteve por 15 dias na China
e declarou a revista Voto de agosto
último: “Para não falar que não há
pobreza, vi três mendigos em Shanghai. Os três estavam com obras de
literatura nas mãos”. A deputada
precisa andar uma vez no metrô de
Pequim, descer em qualquer parada e
observar se os mendigos que pedem
esmolas lêem Gustave Flaubert ou
George Orwell.
Os bares agora ocupam a paisagem com danceterias, entre elas a
moderna China Doll. Meninas aparentando 15 anos de idade, de pernas
finas, saias curtíssimas, perucas e decotes chupam pirulitos, sentadas em
bolas gigantes na entrada. Convidam
o estrangeiro ao escape da realidade.
Não se está na China mais. São dois
andares, o primeiro com diversas
mesas; o de cima, uma pista de dança
com mais luzes do que o usual e uma
ilha onde se preparam drinks caros.
Um shooter, nome pomposo para
designar uma pequena quantidade
de bebida, uma espécie de cachaça,
custou o equivalente a seis garrafas
de cerveja.
Danças sensuais
A primeira vez que fui ao famoso
bairro noturno optei pela danceteria
Vics, avaliada como um must nos
guias na internet. Na porta do local,
uma Ferrari e uma BMW conversível
atraíam a atenção. A entrada era 50
yuans (R$ 13). Havia dois ambientes
principais, um destinado ao hiphop e outro à música eletrônica. O
primeiro estava lotado e parecia ter
recebido uma caravana de suecos.
Um rapper contratado acompanhava
as músicas. Empunhava um microfone e desfilava com os clichês que
pedem o estilo: aquele característico
caminhar com a perna esquerda pra
um lado, a perna direita pro outro,
barriga pra frente, inclinação corporal de 115 graus, simulando uma
mancada. A patota sueca malandra
formava pares com as adolescentes
chinesas e subiam no palco, ensaiando danças sensuais.
Um amigo iraniano encontrava a
liberdade que não tinha no seu país.
Vez ou outra aparecia na aula, já que
dominava o idioma como poucos e
usava isto como ferramenta para o
que realmente gostava. Saía quase
todos os dias e se apresentava como
italiano para atrair as meninas, num
profissionalismo invejável. Aos 18
anos se voltasse ao Irã seria obrigado
a participar do treinamento militar e
seguir a Lei Seca, aplicada no país.
No dia-a-dia, nosso batalhão de
amigos, todos estrangeiros, se reunia
perto da faculdade. Mesas e cadeiras
de plástico ao ar livre, chope chinês ,
espetinhos de ovelha apimentados e
o refrão: “zai lai yige” (traz mais um).
A “torre de Babel” só se desfazia
quando havia comprometimento
de se falar apenas uma língua. As
rodadas iam e vinham e, no dia se-
guinte, ninguém se lembrava quem
tinha pago a conta. Do restaurante
muçulmano, íamos a um bar instalado numa rua estreita e suja, onde
habitavam os moradores antigos.
Ao lado do Lele Bar, uma casa
de massagem encerrava o expediente
de madrugada. É certo que ninguém
batia à porta na madrugada para fazer massagem. Mulheres com roupas
incomuns, maquiagens exageradas
davam boas-vindas lembrando a
famosa Ópera de Pequim. No barzinho, os próprios donos serviam os
clientes. As bebidas eram caras, mas
o local bastante simples. Uma vez
por semana todos os drinks custavam 10 yuans. Muitas das melhores
lembranças que tenho remetem a
esses encontros. Partíamos um a um
sem perceber, rumando ao fim da
noite que celebrava as boas amizades
e momentos. Personagens curiosos
circulavam por lá, inclusive um chinês, sempre de boné, que o francês
Eric temia, devido a uma aventura de
acompanhá-lo em trajeto etílico. O
parisiense saiu cambaleando e toda
vez que o chinês aparecia no bar, ele
solicitava nossa proteção.
Mais chineses chegam ao campus da PUCRS
Rafael Codonho
Tem tourada no Brasil”, perguntou a estudante chinesa Cristina
(Zha Yingying), ao responder sobre
o que conhecia do país. Estava em
sala de aula esperando a professora
chegar, acompanhada da colega
Nelis (Shan Yijian), ambas comendo cachorro-quente que disseram
ser “muito gostoso”. O que mais
sabiam sobre o país em que haviam
chegado há sete dias? “Futebol,
samba, praias, mulheres bonitas,
biquíni, produtos de couro e churrasco”, intercalava Nelis nas línguas
de Eça de Queiroz e Lao She.
O grupo de 18 chineses chegou
a Porto Alegre no dia 29 de agosto.
Conforme acordo firmado em 2005
e renovado em 2007, entre a PUCRS
e a Universidade de Comunicação
da China (CUC), a segunda turma
de estudantes ficará 10 meses no
Brasil. Neste semestre e no próximo,
em 2008, eles estudarão nas Faculdades de Letras e de Comunicação
Social. De acordo com o programa
de estudos, está inclusa também uma
aula de língua estrangeira.
Em agosto de 2005, a primeira
turma proveniente do país asiático
estreou o intercâmbio. Por dois
semestres freqüentaram aulas de
português e disciplinas do Jornalismo. A segunda turma estudou
Língua Portuguesa por dois anos
na sede da CUC em Nanquim, no
leste chinês, diferente da primeira,
que permaneceu os dois primeiros
anos em Macau, o terceiro em Porto
Alegre e o último em Pequim, onde
se graduaram. Alguns trabalham na
China, outros em Angola. Ambas
as turmas aprenderam o Português
de Portugal, acrescentando essa
dificuldade na chegada ao Brasil.
“Nós não fomos a Portugal, porque
o visto é muito difícil de tirar”, revelou Cristina. Ela avalia que a maior
dificuldade do Português são os
verbos e completa que no mandarim
não há conjugação.
Nestes primeiros dias em Porto
Alegre, muitos sorrisos e poucas
queixas. Entre estas, Cristina demonstrava insatisfação de ter apenas
colegas chineses. A saudade de casa
ainda é pequena, mas seus pais se
preocupam com eles. Na cerimônia
de recepção à nova turma, ocorrida
em 31 de agosto, despertou atenção
dos presentes os nomes. Cada estudante foi ao microfone se apresentar,
dizendo o nome adotado. Entre
nomes incomuns como Leven e
Egéria, um dos três rapazes da turma
se destacou: Lisinho (Li Nan). Li
questionava onde ficavam as quadras de basquete da Universidade.
Revelou que a intenção da escolha
era se aproximar do nome chinês na
sonoridade. “Se eu voltasse à China
amanhã, a primeira coisa que eu faria
seria comer huoguo (fondue chinês)”,
brincou Lisinho.
12 ponto final
Porto Alegre, julho-agosto de 2007
Lucas Constanzi/ Hiper
Espetáculo no Centro de Eventos da PUCRS durante o festival de dança da cidade
Os calos da dança
Na comemoração dos dez anos do Porto Alegre
em Dança, bailarinos questionam a promoção
Gabriela Oliveira/Hiper
por Camila Rinaldi
Nos bastidores de um grande
evento como o Porto Alegre em
Dança, realizado de 31 de agosto
a 9 de setembro, era evidente a ansiedade e a excitação no rosto dos
bailarinos. Pessoas que ensaiaram o
ano inteiro tiveram a oportunidade
de mostrar em até seis minutos o
motivo dos pés calejados. Mas nem
tudo era o que parecia. A alegria com
que deixavam o palco após a apresentação escondia uma preocupação: sobrará gás para mais um ano de
dedicação sem reconhecimento?
Existe muita reclamação por
parte dos dançarinos gaúchos em
relação à profissionalização desta
arte. O Estado não possui uma
companhia que absorva a demanda,
pois não há uma sede que ofereça
um salário aos seus bailarinos. Pelo
contrário, quem mantém as escolas
e academias são os próprios dançarinos.
O POA em Dança é dado como
o maior evento do gênero no Estado
e alvo de criticas por professores,
coreógrafos e diretores de centros
e escolas. Para Paulo Guimarães,
ex-bailarino da companhia Quasar e
atual diretor do Centro de Pesquisa
do Movimento (Meme), o festival
é questionável: “Não sou contra o
Porto Alegre em Dança, sou contra
a estrutura dele, a forma como ele
é abordado. Para mim é um caça
níquel, pois não está promovendo
a dança enquanto arte e educação”.
O desabafo do bailarino vem em
forma de repudio à maneira como é
realizado o evento. Escolas e alunos
hipertexto
Ficam os troféus, faltam verbas
Coreógrafos criticam que o uso
do dinheiro dos eventos não é investido para a desenvolver da dança no
Estado. Os troféus que uma academia leva para a estante ficam como
mérito, mas não agregam valor ao
esporte, já que o festival tem pouca
projeção nacional. Para o diretor do
Centro Meme, o valor das inscrições
deve ser utilizado para a capacitação
dos bailarinos e a criação de um público para a arte: “Os organizadores
poderiam oferecer bolsas, fazer as
apresentações a preços bem populares ou então gratuitos”, explica
Paulo Guimarães. Nas bilheterias, os
ingressos eram vendidos entre R$ 12
e R$ 15. Apesar de informados sobre
as críticas, os promotores preferiram
não se manifestar.
Do jeito que as coisas estão o que
vem acontecendo é uma deserção
dos bailarinos gaúchos para outros
locais do país e mesmo para o exterior. Um recente caso é o de Norton
Ramos Fantinel, aluno da Escola
de Ballet Vera Bublitz, que recebeu
uma bolsa de aprofundamento e
hoje dança na companhia americana
Washington Ballet. A explicação para
este fato vem da própria professora
da Escola, Rosane Novoa Barbosa:
“Um bailarino em Porto Alegre não
tem como sobreviver da dança, eu já
fui bailarina. É complicado porque
não tem uma companhia estável que
dê o valor ao bailarino, onde o bailarino possa se profissionalizar.”
No Brasil, atualmente existem
grandes companhias de dança que
oferecem emprego a bailarinos
pagando além de um cachê por
apresentação, um salário condizente
com o teto da categoria. Entre elas
se destacam as companhias Quasar
(GO), o Grupo Corpo (MG), Balé
da Cidade de São Paulo (SP), Balé
Stagium (SP), Cisne Negro Cia de
Dança (SP), Deborah Colker (RJ)
e o Theatro Municipal do Rio de
Janeiro (RJ). Este último é a única
instituição cultural brasileira a manter simultaneamente um coro, uma
orquestra sinfônica e uma companhia de balé.
Tantos estados e cadê o Rio
Grande do Sul? Porto Alegre tem
bons bailarinos e capacidade de
manter a sua própria companhia de
dança. Enquanto os talentos gaúchos
sobem em direção ao eixo Rio/São
Paulo a dança por aqui desce. Os
dados sobre as últimas participações
no Em Dança comprovam. Na 9º
edição, participaram 177 escolas, já
neste ano, 120 grupos nacionais e
três internacionais.
Espaços para dançar, a província
tem; bailarinos qualificados, também
há; o que falta então para que os
artistas divulguem seu trabalho durante o ano todo? Letícia já prevê o
futuro: “O que se fala muito é criar
uma companhia de dança aqui do
Rio Grande do Sul, seria um começo”. Sem saber ela segue as palavras
de um excelente bailarino: “Não tento dançar melhor do que ninguém.
Tento apenas dançar melhor do que
eu mesmo”, Mikhail Baryshnikov.
Gabriela Oliveira/Hiper
É preciso calejar os pés para chegar a um lugar de destaque
devem pagar para participar.
Em 2007, a aquisição de verba
para a competição não contou com
os recursos da LIC, Lei de Incentivo
a Cultura, assim, o espetáculo foi
realizado com a ajuda de patrocinadores, apoiadores e o dinheiro
arrecadado com as inscrições. Entretanto, a premiação usufruiu da
LIC em edições anteriores e carrega
o peso de conseguir esse patrocínio
e ainda cobrar valores que não condiziam com o formato do projeto. A
estrutura do evento é a mesma com
ou sem o auxilio das leis captadas.
A bailarina Letícia Krenzinger,
que dança há 20 anos, não vê uma
evolução da dança na Capital, pelo
contrário, além de pagar para participar dos festivais, ela acredita
haver uma queda na qualidade das
apresentações. “O festival está crescendo, mas a qualidade técnica dos
bailarinos não acompanha”. Bem
como nos esportes, o bailarino é um
atleta. Os ensaios e a alimentação
devem ser controlados e acompanhados por quem entenda do
assunto. Mas para que isso ocorra se
faz necessário investimento, não só
físico como financeiro. Um bailarino
clássico, por exemplo, tem gastos
com ensaios e trajes – uma sapatilha
de ponta chega a mais de 40 reais.
Sem a ajuda de custo devida, eles
tem que fazer escolhas, como trabalhar ou estudar em outras áreas, e
a dedicação à dança diminui ou pára
por completo.
Mas há quem defenda o pagamento das inscrições. O professor
de dança do Centro de Arte Aldo
Gonçalves classifica o evento como
competitivo, igual a outros pelo
mundo: “As pessoas pagam inscrição
e se preparam para uma competição”. Além de troféus e medalhas,
recentemente existem os prêmios
em dinheiro, que são dados aos
trabalhos de maior destaque em 5 categorias: melhor bailarino e bailarina,
melhor duo, conjunto e grupo.
Norton se apresentou em Porto Alegre e segue para os Estados Unidos
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