UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE - MAPPS SÂMEA MOREIRA MESQUITA ALVES CUIDAR OU SER RESPONSÁVEL ? UMA ANÁLISE SOBRE A INTERGERACIONALIDADE NA RELAÇÃO AVÓS E NETOS FORTALEZA - CE Abril / 2013 SÂMEA MOREIRA MESQUITA ALVES CUIDAR OU SER RESPONSÁVEL ? UMA ANÁLISE SOBRE A INTERGERACIONALIDADE NA RELAÇÃO AVÓS E NETOS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do grau de mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Socorro Ferreira Osterne FORTALEZA - CE Abril / 2013 Maria do Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Bibliotecário (a) Leila Cavalcante Sátiro – CRB-3 / 544 A948c Alves, Sâmea Moreira Mesquita. Cuidar ou ser responsável? Uma análise sobre a intergeracionalidade na relação avós e netos / Sâmea Moreira Mesquita Alves. — 2013. CD-ROM 188f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. ―CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)‖. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em Política e Sociedade, Fortaleza, 2013. Área de Concentração: Políticas Públicas. Orientação: Profª. Drª. Maria do Socorro Ferreira Osterne. 1. Velhice. 2. Relações internacionais. 3. Avosidade. 4. Família. I. Título. CDD:711.4 AGRADECIMENTOS Em especial ao meu Deus, por me dar forças, iluminar e abençoar constantemente a trajetória da minha vida, mesmo nos momentos mais difíceis desta caminhada, confirmando sua presença, cuidado e planos em meu viver. Deus é fiel ! Aos meus pais, Anastácio Moreira e Vera Lúcia (em memória), pelo amor, educação, zelo e incentivos para eu ir em frente e lutar pelos meus sonhos a fim de torná-los realidade. E, especialmente à você mãe querida que tanto apoiou meu crescimento pessoal e profissional. A profissão que hoje exerço dedico a você. Aos meus familiares, em especial a minha avó Dourinha, que me acolheu com todo o seu carinho e preocupação, contribuindo demasiadamente para que meus sonhos se realizassem. Aos meus manos, Anastácio Júnior e Rafael Alves, pelo carinho e compreensão em todos os momentos. Ao João Paulo, querido esposo e amigo, por todo o seu amor, companheirismo, compreensão, paciência, e, principalmente, por todo apoio que me concedeu, não só no percurso desta pesquisa, mas em toda nossa convivência. Obrigada por acompanhar minhas batalhas na procura do saber, compreendendo também as duras renúncias que necessitei fazer, neste período. O mérito dessa vitória é nosso ! Às minhas queridas amigas de longas datas e que sempre torceram por mim, vibraram, incentivaram, elogiaram desde a minha aprovação no mestrado, e, também entenderam e perdoaram minhas ausências, são elas: Wládia Ribeiro, Elisângela Lino, Isabel Cristina e Fabrícia GIrão. Às amigas Ana Valesca, Andréa Cialdini e Herliene Cardoso, mestras que muito apoiaram e incentivaram mais esta etapa da minha trajetória acadêmica, desde o período da seleção. À minha turma, com a qual tive a oportunidade de estudar, viver momentos de tensões acadêmicas e também, muitas vezes, descontrair-me. Em especial à Eniana Pachêco e Ana Marques, queridas amigas do MAPPS, pela amizade conquistada nestes anos, pelo apoio em momentos difíceis, trocas de experiências tão valiosas para a elaboração desta pesquisa. Às profissionais da Coordenadoria de Habitação da Prefeitura Municipal de Maracanaú-Ce, Eva Cristina e Maria Silênia, grandes profissionais. Histórias vivas da urbe acima citada. À minha orientadora, Profª. Dra. Socorro Osterne, que me recebeu com muito carinho, dedicação e que muito contribuiu, com ricos momentos de orientação, na construção deste trabalho acadêmico. Sou grata por seu apoio e paciência. Aos professores que compõem a banca examinadora deste trabalho por aceitarem o convite com toda gentileza e atenção, Prof. João Tadeu e Profª Adriana, bem como aos professores que participaram da banca de qualificação, contribuindo com suas colaborações e sugestões, as quais serviram para lapidar a pesquisa que ora apresento. Em especial, à Prof. Dra. Adriana Alcântara que colaborou demasiadamente em meus conhecimentos acadêmicos, incentivando e valorizando o presente trabalho desde que surgiam como pequenas sementes de gerontologia, durante minha graduação em Serviço Social. Registro aqui minha sincera admiração e estima. Sua participação na banca de qualificação significou uma bússola mestra no meu caminhar. Ao corpo docente do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da UECE pelas trocas constituídas ao longo destes dois anos de vivência acadêmica. À Cristina Maria Pires, secretária do programa de pós-graduação do MAPPS, pelas palavras, por todos os esclarecimentos necessários, bem como pela atenção e carinho sempre a mim destinados. Às avós entrevistadas nesta pesquisa, sempre solícitas e receptivas a todas as nossas necessidades, com relação à realização deste estudo. Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram na realização desta investigação, participando comigo desta jornada. Muito Obrigada a todos ! O tempo pode apagar lembranças de um corpo ou de um rosto,mas nunca a memória daquelas pessoas que souberam fazer de um pequeno instante, um grande momento. (Charles Chaplin) RESUMO Esta pesquisa partiu do objetivo central de ampliar o debate sobre as relações intergeracionais, mediante o recorte das velhas avós que cuidam de seus netos, compreendendo as características que estas assumem na reorganização do contexto familiar. Para tanto, foram delineados alguns objetivos específicos, a saber: explorar o significado da velhice, presente no pensamento das avós cuidadoras de netos, ante a realidade cotidiana enfrentada por este segmento populacional; desvendar o conceito de cuidador que permeia a realidade das avós que tomam para si a responsabilidade para com seus netos; e, por fim, conhecer a realidade dessas avós, analisando suas condições atuais de vida, bem como de quais benefícios e programas sociais esses sujeitos são usuários e/ou possíveis beneficiários. O local onde foi realizado o estudo denomina-se Residencial Vitória, moradia verticalizada, localizada no Município de Maracanaú-CE, Região Metropolitana de Fortaleza-CE. Para a coleta de dados, foram considerados os seguintes instrumentos metodológicos: entrevista áudiogravada (semiestruturada), realizada durante os meses de agosto e setembro do ano de 2012; análise de depoimento, história de vida (destaque para a história oral), observação direta e utilização do diário de campo. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa e do tipo bibliográfica, documental e de campo. Por meio deste trabalho, observa-se, destarte, que as relações compreendidas pela avosidade, no âmbito familiar moderno, ultrapassam a imagem que outrora ocupava o imaginário coletivo, ou seja, a das avós como meras transmissoras de legados geracionais. Assim sendo, elas assumem papel de protagonistas na vida dos netos, inclusive, no tocante ao seu sustento, independentemente da presença ou ausência dos genitores dessas crianças e/ou adolescentes, tomando para si obrigações com filhos adultos e netos. O vocábulo cuidado admite sentido mais amplo. Os avós passam a assumir significação de pais substitutos para os netos, inclusive, também, no campo das discussões. Palavras-chaves: Velhice . Relações Intergeracionais. Avosidade. Família. ABSTRACT This study started from the central objective of broadening the debate on intergenerational relations, by clipping the old grandparents caring for their grandchildren, including the features that these assume the reorganization of the family context. Thus, we outlined some specific objectives, namely: to explore the meaning of old age, in this thought Grannies caregivers of grandchildren, before the daily reality faced by this population segment; unravel the concept of caregiver pervading reality of grandparents who take on the responsibility to his grandchildren, and, finally, to know the reality of these grandparents, analyzing their current life conditions, as well as social programs and benefits which these subjects are users and / or potential beneficiaries. The place where the study was conducted is called Victory Residential, housing vertically located in the municipality of Maracanaú-EC Metropolitan Region of Fortaleza-CE. To collect data, we considered the following methodological tools: áudiogravada interview (semistructured), held during the months of August and September of the year 2012, analysis of evidence, life history (especially oral history), direct observation and use of the field diary. This is a qualitative research and the type literature, documentary and field. Through this work, it is observed, Thus, the relations understood by avosidade within modern family, beyond the image that once occupied the collective imagination, ie the Grannies as mere transmitters of generational legacy. Thus, they assume leading role in the lives of grandchildren, including with regard to their livelihood, regardless of the presence or absence of the parents of these children and / or adolescents, taking on obligations to adult children and grandchildren. The term care supports the broadest sense. Grandparents are taking on significance of surrogate parents to their grandchildren, including also in the field of discussion. Keywords: Old age. Intergenerational Relationships. Avosidade. Family. LISTA DE FIGURAS Figura 01: Localização de Maracanaú na Região Metropolitana de Fortaleza Figura 02: Ave conhecida como Maracanã Maracanaú Figura 03: Residencial Vitória Figura 04: Área de Desenvolvimento Local de Maracanaú Figura 05: Distribuição das Intervenções Figura 06: Placa de identificação do Residencial Figura 07: Residencial Vitória com maquete Figura 08: Mapa das Áreas de Risco do Município Figura 09: Frente do empreendimento Figura 10: Visão aérea dos blocos Figura 11: Visão aérea completa do empreendimento Figura 12: Visão aérea do Salão de Festas e Área de Lazer Figura 13: Salão de Festas do Residencial Vitória Figura 14: Área de Lazer do Residencial Vitória LISTA DE QUADROS Quadro 01: Faixa Etária Geral Quadro 02: Titularidade do Cadastro Quadro 03: Escolaridade da População Cadastrada Quadro 04: Atividades e Situações Profissionais LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CAIXA – Caixa Econômica Federal CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. FAR- Fundo de Arrendamento Residencial. HABITAFOR – Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IDI – Índice de Desenvolvimento Infantil IDM - Índice de Desenvolvimento Municipal IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicados MAPPS – Mestrado Acadêmico de Políticas públicas NOB – Norma Operacional Básica OMS - Organização Mundial de Saúde PUC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SEINFRA – Secretaria de Infra Estrutura de Maracanaú SUAS – Sistema Único de Assistência Social UECE- Universidade Estadual do Ceará UVA – Universidade Vale do Acaraú SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE QUADROS LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS RESUMO ........................................................................................................................7 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO.....................................................................................14 CAPÍTULO 2– O OBJETO DE PESQUISA E AS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS: CONHECENDO A REALIDADE DAS FAMÍLIAS DO RESIDENCIAL VITÓRIA.........25 2.1 A aproximação com o objeto.......................................................................25 2.1.1 Breve apresentação do município de Maracanaú....................................33 2.1.2 O Projeto Salgadinho................................................................................36 2.1.3 Perfil dos atores da pesquisa....................................................................40 2.1.4 Retrato social dos moradores...................................................................42 2.2 Trilha metodológica percorrida....................................................................46 2.3 Compartilhando algumas impressões de campo.........................................59 2.4 Sobre as informantes: As avós....................................................................61 2.5 Os domicílios...............................................................................................69 CAPÍTULO 3 – DEBATE SOBRE A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA..........................73 3.1 A família no cotidiano da luta pela sobrevivência........................................73 3.2 Organização familiar: da diversidade dos modelos aos dias atuais............80 3.2.1 Famílias brasileiras: História e dinamismo...............................................83 3.3 A modernidade e suas conseqüências na família.......................................89 3.4 A fluidez nas relações: a participação dos avós no contexto familiar........93 CAPÍTULO 4 – ABORDAGENS SOBRE A TEMÁTICA VELHICE............................114 4.1 Velhices: entre conceitos e preconceitos...................................................114 4.1.1 Sob as lentes do estereótipo..................................................................124 4.2 Laços intergeracionais...............................................................................130 4.2.1 Avosidade: o tornar-se avó.....................................................................142 4.3 Cultura e natureza feminina.......................................................................144 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................152 REFERÊNCIAS..........................................................................................................158 ANEXOS.....................................................................................................................169 APÊNDICE..................................................................................................................186 Termo de Consentimento............................................................................................187 Roteiro de Entrevista...................................................................................................188 14 1 INTRODUÇÃO No século atual, o envelhecimento torna-se um acontecimento sensível, comum e preocupante, tanto para o mundo desenvolvido quanto para o subdesenvolvido. Segundo registros do IBGE (2010), de maneira geral se observa que o crescimento da população envelhecida é mais intensificado nos países em desenvolvimento, conquanto este contingente ainda seja, proporcionalmente, bastante inferior ao identificado nos países desenvolvidos. Identificado como fenômeno mundial, o crescimento da população denominada velha é alarmante em números absolutos e relativos. Registrado em todo o mundo, desde o início do século XX, a elevação do número de pessoas do segmento em estudo instiga pesquisadores, desta temática, a incluírem nas discussões (de caráter científico e político) a condição e as implicações que permeiam o fenômeno da condição de avó, no cenário atual, que inclui a assistência entre as gerações, ou, conforme expressa Camarano (1999), ―a dialética entre dependência/interdependência entre as gerações‖ (P.86). Contextualizando a dinâmica populacional brasileira em âmbito mundial, pode-se destacar o indicador social chamado índice de envelhecimento, cujo valor medido para o Brasil indicou 51,8, número bem próximo do índice de envelhecimento mundial, que resultou em 48,2, conforme dados do IBGE (2012). Ainda analisando o caso do Brasil, relevante é destacar o fato de que este assume posição intermediária, demonstrando uma população de velhos, correspondente a 8,6 % da população total, em relação aos países da América Latina. Tanto no Brasil, quanto em outros países, o grupo da população que mais cresce refere-se ao segmento envelhecido. A estimativa é de que a população brasileira, maior de 60 (sessenta) anos, seja de 14,2% em 2020. Diferentemente de outrora, gradativamente, o Brasil deixa de ser considerado um país de jovens. Num futuro próximo, a Nação brasileira deverá enfrentar, portanto, um grande desafio oriundo do crescente envelhecimento populacional. Conforme registros do censo IBGE (2010), a expressividade dos grupos etários no total da população no ano de 2010 está inferior a que foi observada em 2000 para todas as faixas com idade até 25 anos, enquanto os demais grupos etários 15 elevaram suas participações na última década. O alargamento do topo da pirâmide etária pode ser verificado pelo crescimento da participação relativa da população com 65 anos ou mais. A predominância da população feminina entre os velhos é comprovada em registros do IBGE (2012)1. Segundo a pesquisa, a razão de sexo da população deste segmento etário é bastante diferenciada, sendo bem elevado o índice de mulheres. No Brasil, em 2000, o percentual de mulheres equivalia a 55,1% da população envelhecida; já em 2011 este valor aumentou para 55,7%. Isto significa que enquanto em 2000, para cada 100 mulheres velhas havia 81,6 homens velhos; atualmente, a proporção é de 79,5 para o mesmo número de mulheres. No tocante à esperança de vida feminina, por meio de dados do IBGE, constatou-se que, em 1980, esta era de 65 anos, ou seja, 6,4 mais elevada do que a masculina. Já em 2000, este diferencial aumentou para 8,7 anos, em virtude da mais acentuada diminuição da mortalidade entre o sexo feminino2. Em média, no Brasil, as mulheres vivem oito anos a mais do que os homens. Convém citar que fatores como a diminuição da taxa de natalidade, bem como a elevação da expectativa de vida e a rapidez do processo de envelhecimento do Brasil cooperam para um novo perfil populacional. Tal situação deixa um alerta para gestores da esfera pública, pesquisadores e, por que não dizer, para o próprio núcleo familiar. Com efeito, pode-se projetar o Brasil com a chamada ―Revolução da Terceira Idade‖, abordada por Giddens (2005) ao destacar a idéia de que: [...] Quase todos os países desenvolvidos testemunharão o envelhecimento de suas populações nas próximas décadas. Peter Peterson descreveu essa mudança como uma ―aurora grisalha‖ (1999). Atualmente, uma em cada sete pessoas no mundo desenvolvido tem mais de 65 anos. Em 30 anos, irá subir para uma em quatro [...]. O número de ―muitos velhos‖ (acima de 85 anos) está se expandindo mais rapidamente do que o de ―jovens velhos‖. Daqui a meio século, o número de pessoas acima de 85 anos terá crescido seis vezes mais. Esse processo é algumas vezes chamado de ―envelhecimento dos idosos. (P. 145). 1 2 Dados referentes ao Censo do IBGE ano 2010. Para o ano de 2000, foi estimada uma esperança de vida de 64,6 e 73,4 anos para os sexos masculino e feminino, respectivamente, de acordo com números do Ipeadata. 16 Esse crescimento contínuo da população com idade igual ou superior a 65 anos apresenta uma preocupação de ordem mundial e apregoa a realização de pesquisas sobre a temática da velhice. Nessa realidade, ampara-se o interesse em desenvolver esta investigação. Na opinião de Debert (1999): A preocupação da sociedade com o processo de envelhecimento deve-se, sem dúvida, ao fato de os idosos corresponderem a uma parcela da população cada vez mais representativa do ponto de vista numérico. Contudo, explicar por razões de ordem demográfica a aparente quebra da ‗conspiração do silêncio‘ em relação à velhice é perder a oportunidade de descrever os processos por meio dos quais o envelhecimento se transforma num problema que ganha expressão e legitimidade, no campo das preocupações sociais do momento. Considerar que as mudanças nas imagens e nas formas de gestão do envelhecimento são puros reflexos de mudanças na estrutura etária da população é fechar o acesso para a reflexão sobre um conjunto de questões que interessa pesquisar. (P.12). Vale frisar que trabalhos e pesquisas envolvendo a temática velhice ainda possuem pouca visibilidade na literatura especializada, bem como no debate profissional das diversas áreas do conhecimento. A representação numérica desta faixa etária; todavia, desperta interesse em âmbito público (Estado) e privado (comunidade e esfera doméstica) pelo fato de eles, os velhos, estarem cada vez mais presentes no cotidiano da sociedade, no enfrentamento das expressões da questão social3, muitas vezes, participando deste cenário como atores principais da vida real. Conforme Fraiman (1991), a partir de 1950, os estudos referentes à velhice ganharam destaque, em virtude da transição demográfica dos Estados Unidos, bem como de vários países europeus. Assim sendo, o campo da Gerontologia adquiriu novos espaços, como relevante área de conhecimento do desenvolvimento humano. Já no Brasil, estudos que versam sobre a velhice emanam desde a década de 1980. Foi neste período, segundo Alcântara (2004), que este segmento auferiu ―maior 3 ―Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.‖ (IAMAMOTO, 2004, p.27). 17 atenção por parte de geriatras, gerontólogos, movimentos sociais e universidades (...).‖ (P.13). Abordar o assunto velhice, compreender algumas definições terminológicas, tais como o que significam Gerontologia e Geriatria, são providências de suma relevância, tanto para o pesquisador, quanto para o leitor. Convém frisar que não há conformidade entre estas definições. Dessa forma, esta investigação se pauta na análise expressa por Neri (2005), ao esclarecer que: [...] Gerontologia é o campo multi e interdisciplinar que visa à descrição e á explicação das mudanças típicas do processo do envelhecimento e de seus determinantes genéticos-biológicos, psicológicos e socioculturais. Interessa-se também pelo estudo das características dos idosos, bem como pelas várias experiências de velhice e de envelhecimento ocorridas em diferentes contextos socioculturais e históricos. Abrange aspectos do envelhecimento normal e patológico. Compreende a consideração dos níveis atuais de desenvolvimento e do potencial para o desenvolvimento. (...) A gerontologia também comporta interfaces com áreas profissionais dentre as quais se destacam a clínica médica, a psiquiatria, a geriatria, a fisioterapia, a enfermagem, o serviço social, o direito, a psicologia clínica e a psicologia educacional, das quais derivam soluções para problemas individuais e sociais, novas tecnologias, evidências e hipóteses para a pesquisa. [...] o campo da Geriatria compreende a prevenção e o manejo das doenças do envelhecimento. É uma especialidade em Medicina e também em Odontologia, Enfermagem e Fisioterapia, que se desenvolvem á medida que aumenta a população de adultos mais velhos e idosos portadores de doenças crônicas e de doenças típicas da velhice, em virtude do aumento da longevidade desses segmentos populacionais. (pp 95-96) A pouca literatura, ou seja, a escassez de material para o estudo desta temática, bem como o desprestígio cultural e no âmbito das discussões, foram alguns dos fatores que contribuíram para as motivações e inspirações de se dar continuidade a este ensaio, cada vez mais, ampliando informações sobre a categoria pelo qual se nutre verdadeira paixão, desde a graduação, passando pela especialização, e, agora no mestrado: velhice. Vale salientar que, inicialmente, nas primeiras disciplinas da graduação em Serviço Social, ou seja, no decorrer das disciplinas de Pesquisa (I e II) a visão da pesquisadora em alusão já se desenhava para este objeto de estudo. Posteriormente, durante as disciplinas de Estágio Supervisionado (I e II), os quais foram realizados no Fórum Clóvis Beviláqua, no Setor de Serviço Social de Atendimento às Varas de Família, foram proporcionadas vivências e muitos momentos reflexivos no tocante à 18 condição do velho, na sociedade atual. Tais vivências produziram inquietações que nortearam a elaboração do trabalho final monográfico, da graduação do curso de Serviço Social, realizado na Universidade Estadual do Ceará - UECE. Foi com suporte nessas instigações empíricas, bem como da leitura de teóricos especializados (em velhice e família), que surgiram os questionamentos que demarcaram a formulação do projeto de pesquisa para o Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade da UECE. Cabe ressaltar aqui que, no decorrer deste trabalho, adota-se o termo ―velho‖ pelo fato de se compreender que este corresponde ao sujeito do processo definido como velhice. Esta situação foi muito bem ponderada por Alcântara (2010), quando a autora acentua que esta opção decorre do fato de ―esta categoria redimensionar com maior clareza as representações pelas quais a velhice vem passando.‖ (P. 15). Ainda sobre este assunto, Alcântara (2010) revela: Na sociedade brasileira, percebo que, existe um certo melindre para pronunciar a palavra ‗velho‖, pois parece que soa como insulto, o que não é difícil de compreender, uma vez que a juventude é uma categoria privilegiada, apresentando-se como um padrão valorizado, em oposição à desvalorização da velhice. (P. 15). Durante esta investigação, a circunstância há pouco exposta por Alcântara (2010) foi identificada nas falas e reações das entrevistadas. Não se restringiu, todavia, a estas, haja vista que se identificou também tais comportamentos de negação ou eufemismo da velhice na equipe técnica social da Coordenadoria de Habitação do Município de Maracanaú-CE, bem como na comunidade onde residem os sujeitos desta busca de teor acadêmico. Esta ―negação‖ da velhice e/ou imagens negativas da velhice foram também abordadas de forma poética por grandes ícones da literatura, tais como: Rubem Alves, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Leonardo Boff, dentre outros, os quais são compartilhados nos anexos deste estudo. Caracterizado por intensas mudanças culturais, éticas, econômicas, sociais e ainda no plano do comportamento humano, num Brasil cada vez mais urbano, ainda permanece o consenso em torno da família como espaço privilegiado para a prática de valores e solidariedade. 19 Apesar de ser concebida como uma categoria historicamente determinada, a família é sempre alvo de mudanças, fato que chama a atenção, principalmente, no tocante à constituição dos ―novos arranjos familiares‖, em que se pode focalizar aqui a significativa presença dos avós do século XXI. O modo de ser e viver a avosidade vem se transformando ao longo do tempo. Na atualidade, os avós oferecem aos seus netos muito mais que simples proteção, pois se tornam cuidadores integrais e, até mesmo, legais, de seus netos. Ao ressaltar as relações intergeracionais, Vitale (2005) faz menção à figura das avós, no contexto de modificações dos laços familiares, os quais demandam novas exigências à imagem dessas avós que surgem como protagonistas no panorama das relações familiares. No último século, a sociedade passou por diversas transformações. Muitas dessas mudanças impactaram, e ainda impactam, a população envelhecida da sociedade, na atualidade. Vale lembrar que estas estão relacionadas ao contexto familiar, o qual, conforme exprime Szymanski (2003), tende a se ajustar, constantemente, ao cotidiano enfrentado, marcado pela fluidez das relações, de modo geral. Nesta ambiência de modernidade, Giddens (1991) adverte para a noção de que ―a vida social e os laços que ela envolve estão profundamente entrelaçados com os sistemas abstratos de mais longo alcance.‖ (P.108). Na óptica do autor, a modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta os aspectos mais pessoais da existência humana. É relevante destacar a idéia de que circunstâncias diversas, como desemprego, falta de recursos financeiros, gravidez precoce, envolvimento com drogas, separações conjugais e outras situações, são alguns dos fatores que tem contribuído para o retorno dos filhos à casa dos pais. Na verdade, essa situação muda o sistema de solidariedade, e a própria estrutura da família muda de eixo, já que outras gerações (netos e /ou bisnetos) entram em cena. Sabe-se que transformações sociais afetam também a instituição família, a qual desenvolve novas características em sua organização, em sua composição, como também nas formas de relações entre seus membros, as quais, paulatinamente, 20 passam a se diferenciar do modelo de família nuclear burguês, presente no período de colonização. Assim sendo, a instituição família encontra-se em constante mudança e dinamismo, em decorrência da própria estrutura e da conjuntura da sociedade, que refletem as multifacetadas expressões da questão social. Ocorre que tais acontecimentos refletem na população velha que, perante a reorganização familiar, assume novas outra configuração nas relações intergeracionais. Ocorre que, na atualidade, tais acontecimentos refletem na população velha, aqui representada pelas avós, as quais, ante a reorganização familiar, passam a assumir características mais amplas no que se refere a ―cuidar de netos‖, ao bancarem, além de suas despesas, o custo de manutenção de filhos e, principalmente, de seus netos, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA). Nesta pesquisa, verificou-se que tal situação, talvez, derive muito mais da falta de opção do que mesmo de escolha para estas ―personagens‖ reais num cenário cotidiano de famílias monoparentais4, composta por avós e netos. Na intelecção de SIingly (2010), a família é, assim, apanhada entre as exigências da vida comum e da existência individual, entre infantes, adolescentes e adultos, estando sujeita a tensões que atingem também a população mais velha. Referido autor destaca que a família contemporânea é caracterizada por um duplo movimento, pois, na medida em que é privada, é simultaneamente, pública. Portanto, a família, como espaço em que as pessoas acreditam proteger sua individualidade, é também alvo de intervenções do Estado nas relações com seus membros. Releva salientar o fato de que, em estudos da história da família e da criança, a figura dos avós podia exercer relevante papel social no âmbito familiar. Mascaro (1997) destaca o fato de que, no Império Romano, as famílias abastadas ―confiavam sua casa de campo e seus filhos aos cuidados da avó ou de uma parente idosa, virtuosa e responsável.‖ (P.27). O aumento do número de netos que vivem com os avós, sendo, portanto, criados e/ou até mesmo sustentados por eles, é fato registrado, inclusive, pelo estudo Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios no Brasil /IBGE (2002). 4 O reconhecimento e a definição da família monoparental, como família natural, podem ser observados no dispositivo 25, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o qual dispõe que: ―entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes‖. 21 Ao vivenciar uma situação que, muitas vezes, lhe surge como inesperada, a população mais velha adquire novo lugar na sociedade contemporânea, ou seja, a de cuidador5 dos netos, com tendência a reunirem as características maternas e ou paternas nesta relação. Com efeito, faz-se necessário destacar a amplitude que o vocábulo cuidado vem assumindo. É válido mencionar que o ato de cuidar passa a ser considerado inerente ao gênero feminino por motivos históricos e culturais, as quais ainda nos dias de hoje acompanham o ser mulher. Assim, o ambiente doméstico e as funções ligadas à esfera privada foram, desde muito tempo, atribuídas ao sexo feminino, como sendo natural e vinculada às características da maternidade, conforme considerações de Beauvoir (1980). Esta circunstância a que estão expostos os avós do século XXI caracteriza a família como espaço de mudanças também entre gerações, no qual os avós participam diretamente da organização desta nova estrutura familiar, de modo a ocupar um lugar de destaque no modelo de organização da família brasileira, bem como na sociedade. Desse modo, pode-se perceber que a presença dos avós nas famílias de hoje insere-se num âmbito de modificações dos laços familiares, os quais lhes demandam novas exigências. Vale frisar que as atuais imagens do envelhecimento, as quais anunciam mudanças sociais e redefinem identidades, clamam por uma rediscussão sobre as categorias família e velhice, bem como acerca da dependência/interdependência entre gerações, segundo alerta Camarano (1999). O despertar para o estudo da temática velhice, na pesquisa em alusão, pelo recorte das avós, com idade igual ou superior a 60 anos, que cuidam de seus netos como já explicitado decorre do fato de se nutrir paixão pela temática ora desenvolvida. Daí a decisão de se continuar as investigações deste objeto de estudo, iniciadas ainda na graduação. O cenário eleito para esta pesquisa foi o empreendimento denominado Residencial Vitória, local onde foram beneficiadas com unidade habitacional, do tipo verticalizada (ou seja, apartamentos), 80 famílias de baixa renda, residentes, a maioria, anteriormente às margens do riacho Salgadinho, o qual está situado no Município de Maracanaú-CE. O projeto desenvolvido com estas famílias recebeu o mesmo nome do Riacho (Projeto Salgadinho), o qual, mediante atividades 5 Relevante é frisar aqui a dimensão que assume a palavra cuidado ou a ―expansão nos papéis― das avós na atualidade , conforme enfatizado por Dellman-Jenkins, Blanemeyer e Olesh (2002). 22 desenvolvidas pela equipe Técnica Social6, tem como objetivo garantir condições adequadas de moradia, segurança e lazer para a comunidade local, assim como a preservação ambiental de importantes recursos naturais da área. Por intermédio de dados cadastrais7, do próprio Município, comprova-se que a maioria destas famílias sobrevive de maneira simples, ou seja, suas condições econômicas não lhes proporcionam, na maioria das vezes, opções de lazer e alimentação adequadas. São pessoas que sobrevivem com dificuldades, sob uma realidade dinâmica, crítica e preocupante. Este texto dissertativo tem como objetivo central ampliar o debate sobre as relações intergeracionais, compreendendo as características que estas assumem no contexto familiar. Para tanto, foram traçados alguns objetivos específicos, a saber: explorar o significado de velhice, compreendido no pensamento das avós cuidadoras de netos, ante a realidade cotidiana enfrentada por este segmento populacional; identificar quais fatores contribuem, na atual conjuntura, para que essas avós passem a cuidar de seus netos, provendo, até mesmo, o seu sustento; e desvendar o conceito de cuidador (legal ou informal) que permeia a realidade das avós que tomam para si a responsabilidade com seus netos. Para a realização deste estudo, alguns autores foram fundamentais, com suas considerações e orientações sobre o cotidiano da família, sua luta pela sobrevivência e as conseqüências da modernidade em suas configurações. Foram eles: Cruz (2012), Yazbek (2012), Iamamoto (2004), Petrini (2003), Szymanski (2003), Bauman (2001), Osterne (2001), Peixoto (2000) e Giddens (1991). No que se concerne às discussões relativas à temática velhice, destacam-se, principalmente, os seguintes autores: Alcântara (2010), Leite (2004), Araújo (2002), Ferrigno (2003), Vitale (2002), Guedes (2000), Peixoto (2000), Camarano (1999), Mascaro (1997), Bosi 6 Relevante é mencionar que, nos projetos habitacionais, existe uma equipe técnica multiprofissional, composta por assistentes sociais, sociólogos, geógrafos e advogados, os quais visam a atender as diversas complexidades que se somam à questão habitacional. No que se refere ao Trabalho Técnico Social – TTS, este é desenvolvido por assistentes sociais e estagiários da área, sendo responsáveis pela elaboração, organização, execução e avaliação das ações previstas no projeto de intervenção. Convém salientar que se teve a oportunidade de compor a equipe técnica social do Município em tela, e, embora não se atuasse no Projeto Salgadinho, acompanhou-se algumas etapas deste, contemplando de perto experiências e angústias da população beneficiária do referido projeto; momento de vivências, observações e questionamentos. Também já se possuía experiência profissional, na área habitacional, no Município de Fortaleza-CE, todavia, nunca se deixou passar despercebido objeto de estudo e o pano de fundo que norteiam as relações entre eles (velhos) tanto como assistente social, quanto como estudiosa da temática. 7 Para elaboração deste perfil foram utilizados os cadastros sócioeconômicos preenchidos pela equipe do Serviço Social da Coordenadoria de Habitação, mediante atendimentos sociais e/ou visitas domiciliares. 23 (1994) e Beauvoir (1990). Tais autores, dentre outros, contribuíram para ampliar o debate das relações intergeracionais. A pesquisa em alusão está estruturada em cinco capítulos, incluindo Introdução e Considerações finais O primeiro capítulo refere-se à introdução e expressa: a contextualização da pesquisa, a relevância do estudo, as razões para a escolha do tema, os objetivos e a organização do trabalho em capítulos. O segundo segmento denominado ―O objeto de pesquisa e as estratégias metodológicas: conhecendo a realidade das famílias do Residencial Vitória‖, expõe, em sua primeira parte, a narrativa da aproximação com o objeto, o campo de pesquisa, bem como o perfil geral dos moradores deste empreendimento, participantes da investigação ora relatada. Já na segunda parte, este capítulo traz o percurso metodológico da pesquisa, explicitando os instrumentais utilizados, aspectos observados no campo, bem como informações sobre as avós que participaram do estudo. Sob o ponto de vista metodológico, convém mencionar que esta dissertação se pauta na concepção metodológica de natureza qualitativa, além de avançar também em sua fase exploratória, a qual antecede e sucede a construção do projeto, conforme orienta Minayo (1995). O terceiro módulo traz o título de ―Debate sobre a família contemporânea‖ e visa compreender a categoria família no cotidiano da luta pela sobrevivência, sua organização e reorganização sob a modernidade e suas consequências na estrutura familiar, com ênfase na fluidez entre as relações e a participação das avós (velhas), que cuidam de netos, para melhor apreensão do objeto de estudo. Vale frisar que pesquisar sobre família é essencial para compreensão desta realidade, haja vista ser esta a célula básica ou menor célula organizada da sociedade. Na esteira desta idéia, Prado salienta que ―uma família é não só um tecido fundamental de relações, mas também um conjunto de papéis socialmente definidos‖. (1985:23). O quarto capítulo, nomeado ―Abordagens sobre a temática velhice‖, objetiva desvendar os conceitos (e preconceitos) sobre velhice, abordar as relações intergeracionais, estudar a cultura do feminino na sociedade e o fenômeno da avosidade, assim como a complexidade que assume a palavra cuidar para as avós 24 que cuidam de seus netos. O último momento do trabalho comporta ás ―Considerações finais‖. Nesta etapa, são expressas as conclusões sobre os principais pontos suscitados no trabalho em pauta. Sintam-se, destarte, convidados a apreciar o material que resultou deste empenho! 25 2 O OBJETO METODOLÓGICAS: DE PESQUISA CONHECENDO E A AS ESTRATÉGIAS REALIDADE DAS FAMÍLIAS DO RESIDENCIAL VITÓRIA ―Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.‖ José Saramago 2.1 A aproximação com o objeto É crucial iniciar dizendo que o envelhecimento da população brasileira ocorre de maneira rápida, e que o aumento da expectativa de vida, bem como a redução da taxa de natalidade, são fatores que cooperam para um novo perfil populacional. É fato que o Brasil, cada vez mais urbano, é marcado por profundas transformações sociais, econômicas, culturais, éticas e até mesmo no plano do comportamento humano. Compreendendo que a população envelhecida é um segmento em constante expansão no contexto mundial, deve-se considerar ainda que este aumento também trouxe novos desafios a essa categoria, na contemporaneidade. Sendo assim, na atualidade, observa-se que os avós (especificamente as mulheres) passam a ser, cada vez mais, responsáveis diretos pelos netos, de modo que, na redefinição dos laços familiares, esses avós assumem o papel de protagonistas principais na vida dos mencionados, inclusive, no tocante ao seu sustento, independentemente da presença ou ausência dos genitores dessas crianças e /ou adolescentes. Debruçar-se sobre a temática velhice e relações intergeracionais não consiste numa tarefa simples, conforme abordado em capítulos anteriores e também ratificado nas palavras da Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli8, quando mencionou que havia ―poucos estudos sobre o tema do envelhecimento no CNPq‖, fato este que chama a atenção, inclusive, no sentido de fazer um alerta quanto à 8 Em agosto de 2012, a Universidade Estadual do Ceará-UECE contou com a significativa presença da Prof. Dra. Martinelli (PUC/SP), em evento promovido pelo Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas – MAPPS, a saber: III Seminário Estado, sociedade e Políticas Públicas. A convidada em alusão abriu a mesa de debate intitulada ―Dimensão Política da Pesquisa Social‖, a qual contou também com a presença da prof. Dra. Maria do Socorro Ferreira Osterne, orientadora desta pesquisa. 26 necessidade de formar gerontólogos para esta sociedade, haja vista que a pesquisa, em si, possui ligação com a vida em que se vive e/ou com a vida dos sujeitos. Relevante é mencionar, por oportuno, a importância da leitura do cotidiano, a qual deve ser feita pelo pesquisador, haja vista ser por seu intermédio (do cotidiano), que se faz possível ler/interpretar a conjuntura. É preciso que o pesquisador saiba dialogar com o real, pois todo problema (objeto de conhecimento e pesquisa) é, antes de tudo, um problema de vida prática, conforme explanou Martinelli durante evento na UECE. A arte da pesquisa é uma tarefa árdua. Ao bom pesquisador deve-se remeter, dentre outras, à sua capacidade de unir os fios da experiência, considerando o dia a dia do campo. Nesse sentido, Bourdieu (1989) destaca a pesquisa como fenômeno ininterrupto e inacabado, enfatizando que: [...] a construção do objeto (...) não é uma coisa que se produza de uma assentada, (...) é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por uma série de correções, de emendas, sugeridas por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas. (P. 26-27). O interesse em estudar velhice e as relações intergeracionais, compreendida nesta pesquisa na relação avós-netos, deu-se com amparo em vivências anteriores no campo dos estudos (na graduação, conforme exposto na introdução) e intervenções sobre velhice, as quais aconteceram no primeiro campo de estágio que se desenvolveu, o qual ocorreu no Fórum Clóvis Beviláqua, no Setor de Serviço Social de Atendimento às Varas de Família, como se adiantou noutra passagem. No ambiente ora descrito, sucederam as primeiras experiências e contatos com a categoria velhice, e seus representantes, na atual conjuntura. Este setor é responsável pela elaboração de relatórios sociais, de suma importância para nortear o juiz, em suas decisões, durante a audiência, sendo, portanto, peças importantes em processos dos tipos curatela9, guarda judicial, e/ou em outros 9 Ação judicial que objetiva identificar alguém para a função/ação de curador (responsável por uma pessoa incapaz de gerir a si e aos seus bens). Segundo consulta ao dicionário Aurélio, curador consiste na pessoa que é ―encarregada por lei, da administração de bens, de um menor emancipado, de um ausente ou de um alienado internado, ou então pela gestão e liquidação de uma sucessão vacante. 27 casos/processos em que o juiz considere necessária a intervenção do conhecimento do profissional de Serviço Social, para sua decisão. Estes ricos momentos de estágio, os quais perduraram por três anos, foram responsáveis por muitas inquietações, as quais conduziram a elaboração do trabalho final monográfico, da graduação do curso de Serviço Social, realizado na Universidade Estadual do Ceará - UECE. A paixão pelo tema, porém, não se exauriu aí, mas foi acompanhante diuturno na especialização que se cursou na área de Saúde Pública (realizado na Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA), e, posteriormente, indo mais além, chegando ao MAPPS, Mestrado da UECE. Confessa-se que nos dois primeiros materiais elaborados, há pouco mencionados, não houve recorte no que concerne à classe social. Para o projeto do mestrado, no entanto, a nova visão voltava-se para as camadas urbanas populares, mais especificamente para os avós que cuidavam de seus netos, os quais estavam inseridos no perfil de ―possíveis‖ beneficiários para o Programa Minha casa, Minha Vida10 - PMCMV, pertencente ao Governo Federal, em parceria com a Caixa Econômica Federal-CEF. Inicialmente, se pensou como cenário para a pesquisa o 11 empreendimento, do PMCMV, denominado Senador Virgílio Távora , localizado em Maracanaú-CE, o qual seria (e foi) o primeiro empreendimento entregue pelo PMCMV no Município. Para o referido condomínio, foram cadastradas famílias que residiam em bairros circunvizinhos à área do empreendimento, e que atendiam ao perfil exigido, ou seja, famílias que em sua maioria compreendem realidades críticas, moradores de áreas que os expunha a vários tipos de riscos (tanto físicos12 quanto sociais). Vale frisar que, neste período, o PMCMV era totalmente novo, e que as técnicas sociais (bem como os demais profissionais que atuavam no programa em 10 Durante o ano de 2009, teve-se a oportunidade de realizar os trabalhos iniciais no que concerne ao Programa Minha Casa, Minha Vida, no Município de Fortaleza-CE, na Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza – HABITAFOR, período em que já se direcionava olhar para estes sujeitos na busca da inserção desta política pública. 11 Composto por 672 unidades habitacionais verticalizadas, dividido em três blocos, com 208 (duzentos e oito), 240 e 224 apartamentos, respectivamente. Os tipos de empreendimentos do tipo térreo +1 ainda são experiência nova para o Município de Maracanaú-CE, o qual é permeado de experiências exitosas do FAR no Município, cujo agente gestor é a CEF. 12 Foram apontados como principais: desabamento, inundações causadas pelas chuvas, além da precariedade das edificações em razão dos materiais utilizados (pelos próprios moradores) para a construção (madeira e plástico). 28 alusão) do Município, recebiam orientações da CEF, a qual repassava critérios federais para inscrição da família (além, claro, dos critérios identificados pelo próprio Município). Preocupante é mencionar aqui que, após identificados, cadastrados e selecionados por perfil, a CEF comunicou, de maneira informal, que pessoas ―analfabetas‖ não poderiam ser beneficiadas pelo PMCMV, haja vista que, mesmo sendo pensado/elaborado para pessoas carentes com o intuito de ―realização do sonho do imóvel próprio‖, este dizia respeito a um financiamento, e, como qualquer outro, se exigia um procurador (para aqueles sem alfabetização). Tal fato resultou numa situação bastante complicada, tanto para a equipe social (que conhecia a realidades das pessoas/famílias inscritas), quanto para o objeto de pesquisa (os velhos) que se pretendia, os quais, muitas vezes residiam, apenas, na companhia de netos (ainda infantes ou adolescentes). O resultado desse imenso problema, ocasionado por uma política pública pensada ―de cima para baixo‖, foi a saída de pessoas já velhas que não tinham ―ninguém de confiança‖ para ser seu procurador ou para transferir-lhe a titularidade do imóvel. Em outras palavras, os velhos foram excluídos do contexto dessa política pública de modo sutil, e, atualmente, a maioria de beneficiários do PMCMV se refere a pessoas jovens (jovens casais e/ou mães solteiras). Quanto aos poucos que permaneceram insistindo no direito à moradia com dignidade, não puderam ser os donos de direito (ou seja, a titularidade do imóvel foi transferida para alguém de confiança e da família: netos, filhos, irmãos...), embora o compromisso e a responsabilidade em arcar com o financiamento continuassem, de fato, a ser do velho, o provedor destas famílias. Nesse sentido, Ferrigno (2003) esclarece que, Todavia, esse novo paradigma da velhice, ao mesmo tempo em que coloca à sombra a velhice pobre e desassistida e, por conseguinte, as determinações socioeconômicas dessa exclusão, tende a responsabilizar o indivíduo idoso por conquistar, ou não, um determinado estilo idealizado de vida. (P. 73-74). Recorda-se que, no interior da sala de Serviço Social, da COHAB, por muitas vezes, se pôde contemplar a insatisfação, a tristeza (expressadas algumas vezes em lágrimas, outras em palavras), o descrédito em relação ao Poder Público, e até mesmo as indignações diante de duras realidades daqueles que não puderam continuar no processo de sua cidadania. São personagens e histórias, algumas das 29 quais registradas em Diário de Campo, àquela época, às observações que seguem abaixo: O dia de trabalho transcorria normalmente, entre um atendimento e outro ...Eu e estagiários de serviço social, envolvidos nas atividades do setor, quando durante um atendimento soa aquela voz envolvida entre sentimentos de raiva e tristeza: - Doutora, essa era a única chance que eu tinha de possuir minha casa própria e sair do aluguel. Esperei tanto por isso. Peguei uma fila imensa pra inscrição. Cheguei cedinho pra conseguir um lugar. Passei sol e chuva. Agora não posso ficar no programa? E por que é que não disseram isso antes? (Diário de Campo, outubro de 2011). Passou a ser ―comum‖ a expressão de sentimentos mistos de raiva, tristeza e indignação, durante os atendimentos. E por mais que esclarecêssemos que as orientações não haviam sido repassadas no início do Programa Minha Casa, Minha Vida, aquelas pessoas, já velhas, viam seu sonho (talvez o da vida toda) se desconstruir, naquele momento. No registro do contato com outra usuária, registrou-se: Todos os dias ela telefonava, escolhia turnos e horários diferenciados. Seu intuito era, simplesmente, de ―dá notícias sobre a sua situação‖. Em virtude das datas estabelecidas pelo banco financiador, Caixa Econômica, essa usuária queria, como ela mesma dizia ―segurar sua vaga‖. Pois, não mais sendo possível ser a contratante, teria que apresentar com urgência alguém (e de confiança) para ser o seu procurador. E, como não conseguiu. Ela ficou de fora do programa. O último contato telefônico com a citada, com voz de choro, ela disse: ―eu não tenho ninguém de confiança para passar a minha casa. Não entendo, porque mesmo apresentando outra pessoa. sou eu mesma quem vou pagar.‖ E ela tinha razão. O que ela tentou explicar é que no nome do procurador seria emitida toda documentação, inclusive o contrato do imóvel. O procurador seria o dono de direito. Todavia, não o dono de fato, pois o pagamento advinha da aposentadoria daquela senhora. Ela era o pillar econômico de seu lar. Convém lembrar aqui das palavras de Yazbek (2012), quando questiona o contexto, preocupante e paradoxal, em que estão inseridas as políticas públicas, ao ressaltar que: 30 Pois se de um lado contam com as garantias constitucionais que pressionam o Estado para o reconhecimento de direitos, por outro se inserem nesse contexto de ajuste às configurações da ordem capitalista internacional, com seu caráter regressivo e conservador, que ameaça o direito e a cidadania (...). (P.316). Nesta caminhada, entretanto, os percalços não foram capazes de fazer com que se parasse. A pouca literatura relacionada à temática foi, destarte, considerada o desafio inicial. Então, continuando com o desejo de estudar as relações intergeracionais, nas classes subalternas, a segunda opção, para se realizar esta pesquisa foi o Residencial Vitória13, conjunto habitacional localizado na cidade de Maracanaú-CE, onde se experimentou a oportunidade de trabalhar como assistente social. Nas impressões decorrentes desses atendimentos (e de tantos outros) foram também elementos que motivaram a seguir neste estudo, que compreende os temas velhice, família e relações intergeracionais. Igualmente, os estudos aos longos dos anos como discente do nível superior despertaram a sensibilidade em formular algumas indagações que permeiam o universo desta investigação, sobre as quais se investiu tempo e empenho na tentativa de respondê-las, e que para tal foram necessárias idas e vindas ao campo, haja vista que os significados e respostas não se revelam de imediato. Cabe aqui mencionar que estes foram momentos valiosos, os quais compreendem trocas acadêmicas e não acadêmicas; períodos de desaprender as respostas prontas, de modo a não impedir o avanço do conhecimento, desfazendo-as, no campo, pela leitura do cotidiano, como alerta o poeta Fernando Pessoa14, ao mencionar que ―o essencial é saber ver‖. Foram ocasiões ímpares de expor idéias e também de recebê-las, tendo a sensibilidade de perceber que o conhecimento não se esgota. Assim sendo, ressalta-se que a escolha da temática em estudo é fruto de um conjunto de fatores, dos quais podem ser destacados: o interesse pelo tema, a relevância, bem como a viabilidade de ser investigada; a viabilidade, no tocante a recursos de estudo, e o acesso ao que está sendo pesquisado – tudo isto encerra 13 14 Mais detalhadamente caracterizado no Item.2.1.2, desta pesquisa, denominado ―O Projeto Salgadinho‖. Como Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa). 31 grande importância. Gondim e Lima (2002), todavia, chamam a atenção para o seguinte aspecto: o fator primordial deve ser o interesse do aluno sobre o assunto. Convém lembrar que, no âmbito da pesquisa, as temáticas não se limitam, apenas, ao mundo acadêmico, mas tomam dimensões mais amplas, ou seja, de vida, de política e também cultural, com necessidade de retorno à sociedade. Portanto, temas que impactam e inquietam a sociedade devem fazer parte, constantemente, da contingência da Academia. Qual a relação entre velhas avós e seus netos, na complexidade do vocábulo cuidado? Qual a percepção da velhice para essas avós? O que levou essas avós a serem cuidadoras de seus netos? Qual a percepção de cuidador para essas avós ? Com efeito, o trabalho ora relatado partiu do objetivo central de ampliar o debate sobre as relações intergeracionais, mediante o recorte das velhas avós que cuidam de netos, compreendendo as características que estas assumem na reorganização do contexto familiar, na contemporaneidade. Assim sendo, foram delineados os seguintes objetivos específicos, a saber: Explorar o significado de velhice, presente no pensamento das avós cuidadoras de netos, ante a realidade cotidiana enfrentada por este segmento populacional. Identificar quais fatores contribuem, ante a atual conjuntura, para que essas avós passem a cuidar de seus netos, provendo, até mesmo, o sustento diário dos citados. Desvendar o conceito de cuidador (legal ou informal) que permeia a realidade das avós que tomam para si a responsabilidade para com seus netos. Na busca de encontrar os nexos estabelecidos nestes objetivos, partiu-se dos pressupostos adiante expressos. 32 Nos dias atuais, a instituição familiar passa por constantes transformações em sua estrutura, em decorrência das expressões da questão social. A reorganização familiar alcança também a população envelhecida, aqui representada pelos avós, que passam a assumir novas funções para com seus netos. Estes ―novos avós‖ vêm transformando a dinâmica, ao longo do tempo no enfrentamento de problemas relacionados com o ciclo da pobreza. Tais configurações derivam muito mais da falta de opção do que mesmo de decisão dessas ―personagens‖ reais num cenário cotidiano de famílias monoparentais na relação entre avós e netos. A velhice compõe uma das etapas inerentes à condição de todo ser vivo, independentemente de raça, etnia e/ou classe social. Apresentada como um processo que modifica a relação do indivíduo com o tempo, a velhice, embora seja individual (ou seja, cada um vivencia seu próprio processo de envelhecimento), compreende um processo biológico, social e psicológico. Para os sujeitos desta pesquisa, em sua maioria, a velhice é vista mais como doença, incapacidade, desprezo, cansaço e encargo, dentre outras carregadas de negatividade. Para muitos, envelhecer e ficar velho torna-se um momento trágico da existência humana. As transformações ocorridas, ao longo do tempo, na estrutura familiar, o declínio do modelo nuclear burguês e os novos arranjos familiares atribuem a esses avós responsabilidades mais complexas. São avós que cuidam de netos em virtude de filhos que vão trabalhar e não têm com quem deixar as crianças e/ou adolescentes, mas, também, pessoas que, em sua maioria, se tornaram pais ainda na adolescência; que já faleceram; que são usuárias de drogas, e, portanto, não têm condições de exercer seus papéis como elementos cuidadores do processo de socialização de suas proles. Para as avós que cuidam de netos, sujeitos desta pesquisa, a palavra cuidado ganha amplitude, gradativamente, na expressão cotidiana desta relação, e troca intergeracional, haja vista que a contribuição destes avós se estabelece desde os cuidados básicos e diários (banhar, alimentar, dentre outros...) a orientar para a vida, educar e até mesmo em ser o representante legal, mediante solicitação de guarda judicial. Assim, o ato de cuidar, educar e/ou ser 33 responsável, faz destas avós um tipo de ―pais adotivos‖ dos netos, também, no campo das discussões teóricas. Algumas estratégias metodológicas foram desenhadas, a fim de contemplar os objetivos desta pesquisa, além de possibilitar melhor contato com a realidade estudada. A seguir, compartilhar-se-á com o leitor o caminho metodológico percorrido. 2.1.1 Breve apresentação do município de Maracanaú Maracanaú faz parte da Região Metropolitana de Fortaleza e está localizado à 25 km da Capital. Limita-se ao norte com Fortaleza e Caucaia, ao sul Pacatuba, o leste Pacatuba e o oeste Maranguape. Seu acesso se dá pela CE 60 e CE 065. A dimensão territorial do Município é de 105km², apresentando fácil acesso para a Capital por meio das rotas rodoviárias e recentes instalações do Metrofor. A população de Maracanaú, de acordo com dados do IBGE/CENSO 2010, é de 209.057 habitantes, com densidade demográfica de 1.877,75hab/km². FIGURA 01: Localização de Maracanaú na Região Metropolitana de Fortaleza Fonte: Diagnóstico Social, 2011 34 O desenvolvimento de Maracanaú foi bastante gradativo, no entanto, na última década o Município se destacou no contexto estadual, nas áreas da gestão, assistência social e habitação. Já ocupa a segunda colocação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), primeira no Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) e a terceira em Desenvolvimento Municipal (IDM) no âmbito do Ceará. O topônimo Maracanaú é de origem indígena, tupi-guarani, e possui como significado: “lagoa onde os maracanãs15 bebem”, referindo-se à lagoa do mesmo nome, em cujas mediações teve início o povoamento na região, inicialmente, pela ocupação espontânea, às margens de lagoas e rios, como a lagoa de Maracanaú, o rio Maranguapinho e a lagoa de Jaçanaú. Neste território, o primeiro contato dos colonizadores foi com indígenas de Jaçanaú, Mucunã e Cágado, aldeamentos que deram origem a nomes de bairros nos dias atuais. FIGURA 02: Ave conhecida como Maracanã. Fonte: WWW.google.com/imagens Sua denominação original era Vila do Santo Antônio do Pitaguary e depois, em 1890, passou a chamar-se Maracanaú, com sua emancipação definitiva de Maranguape, especificamente, em 5 de julho de 1983, pela Lei Estadual no. 10.811. 15 Ave da família dos psitacídeos, ou seja, aves trepadoras que compreende as araras (aves abundantes no local), periquitos, dentre outros. 35 Nos anos 1970 Maracanaú passou por uma grande transformação, quando foi escolhido para sediar o Distrito Industrial de Fortaleza, o qual conta, atualmente, com cerca de 135 indústrias, numa área de 1.100 hectares. Conforme o diagnóstico municipal (2005), a cidade de Maracanaú é caracterizada por uma sólida explosão demográfica, que teve início na década de 1980, época que se refere à implantação dos distritos industriais e dos primeiros conjuntos habitacionais, os quais alteraram consideravelmente a paisagem urbana e os modos de vida de sua população. O surgimento do polo industrial colaborou para a construção de conjuntos habitacionais para os trabalhadores das futuras fábricas, haja vista a Capital estar passando por um ―inchaço‖, em decorrência do processo imigratório, de famílias que fugiam da seca e vinham em busca de melhores condições de vida em Fortaleza. Vale ressaltar que Maracanaú também já foi conhecido como a maior cidade-dormitório16 do Ceará. No que se refere à economia17, o Município traz como destaque o setor industrial, com ênfase para as seguintes atividades: preparação de britamento e outros trabalhos em pedras (não associados à extração); produtos de laticínio (exceto leite); artefatos têxteis de tecidos (exceto vestuário); artigos para cama e mesa e colchoaria; biscoitos e bolachas; calçados de couro, plástico, tecidos, fibras, madeira ou borracha; fungicidas; herbicidas; defensivos agrícolas; massas alimentícias; material elétrico para veículos (exceto baterias) e medicamentos. A arrecadação de Maracanaú é a segunda maior do Estado. Sobre o clima desta cidade, este é identificado como sendo tropical. Quanto à hidrografia tem-se como principais fontes: rio Maranguape; riachos: Santo Antônio, Timbó (Lameirão), Salgadinho, Taboqueira e Urucutuba; lagoas: Marancanaú, Jaçunã, Jupaba e do Mingau. A maioria desses recursos hídricos, contudo, apresenta baixa qualidade em suas águas, em virtude de lançamentos de dejetos e lixo (doméstico e industrial) no leito dos riachos, de desmatamento de suas margens, bem como retirada de areia e argila de seus entornos para atender às necessidades comerciais das olarias e da construção civil. 16 17 Tendo em vista que, a maioria, de seus habitantes/moradores trabalhava em municípios vizinhos. O Município possui destaque quanto à economia, conhecido por seu polo comercial/industrial, enfatizando sua capacidade de geração de trabalho e renda. 36 Ante o aumento, nos últimos anos, dos níveis pluviométricos do Município, enfatizando os meses de janeiro a abril, as recorrências chuvosas afetam diretamente moradores das áreas de risco do Município, ou seja, que residem nas proximidades de rios e lagoas. Seu crescimento populacional não foi acompanhado por investimentos em infraestrutura, o que pode ser observado, por exemplo, na falta de acesso aos esgotamento sanitários que, atualmente, atendem a cerca de 55 % dos habitantes. 2.1.2 O Projeto Salgadinho FIGURA 03: Residencial Vitória Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação, 2009. De acordo com o Diagnóstico Social de Maracanaú, elaborado por equipe técnica especializada, no ano de 2005, como exigência Operacionalização Básica do SUAS/2005, para credenciamento e da Norma de habilitação do Município para o nível a gestão plena da assistência, Maracanáu dividiu-se, internamente, em dois distritos: Distrito-Sede, que abrange a maioria do seu território, e o Distrito de Pajuçara. Internamente, divide-se em 06 Áreas de Desenvolvimento Local (ADL's), espaços territoriais com características geográficas e demográficas. 37 FIGURA 04: Área de Desenvolvimento Local de Maracanaú Fonte: Diagnóstico Municipal de Maracanaú, 2005. Pajuçara integra a Área de Desenvolvimento Local - ADL III,, divisão administrativa e política utilizada pela Prefeitura. Nessa ADL, além do bairro em alusão, somam-se ainda os seguintes: Bom Jardim, Menino Jesus de Praga, Parque Progresso, Jardim Paraíso, Alto da Bonanza, Boa Esperança e Novo Mondubim I, É especificamente na área da Pajuçara que está situado o riacho Salgadinho, local de origem das famílias pesquisadas neste estudo. A localidade da Pajuçara é uma região de alta densidade populacional, A população que reside em seu entorno é extensa e corresponde a, aproximadamente, 26.172 habitantes, sendo habitada por 30,6 % da população do Município em tela. Vale destacar que a maioria de seus habitantes sobrevive em estado de pobreza e exposta à vulnerabilidade social. Neste espaço geográfico, concentram-se famílias com estilo de vida simples, ou seja: que vivem com renda mensal baixa (de 01 a 02 salários-mínimos), com predomínio de emprego do tipo informal, em virtude da baixa qualificação 38 profissional18, alta taxa de analfabetismo e desemprego, com moradias precárias e risco iminente de inundações. As famílias moradoras às margens do riacho Salgadinho, que corta o bairro anteriormente mencionado, encontra-se em sua maioria neste perfil. O projeto que recebeu o mesmo nome desse riacho teve como principal objetivo, através de atividades desenvolvidas pela equipe Técnica Social19, garantir condições adequadas de moradia, segurança e lazer da comunidade local, além da preservação ambiental de importantes recursos naturais da área. No tocante ao investimento, o Projeto Salgadinho custou um valor total de 6.153.507,84 (seis milhões, cento e cinqüenta e três mil, quinhentos e sete reais e oitenta e sete centavos) e a fonte do recurso é proveniente do Programa Ministério das Cidades/ Urbanização, Regularização e Integração dos Assentamentos Precários. O Projeto 20 reassentamento Salgadinho compreende intervenções dos tipos e urbanização, como se pode observar na ilustração a seguir: FIGURA 05: Distribuição das Intervenções Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação /Google Maps, 2011. No que se concerne ao número de famílias beneficiadas com estas intervenções, tem-se o total de 350, sendo divididas da seguinte forma: 80 para 18 Costureira, manicure, do lar, profissionais da construção civil e autônomos (vendedores). 19 Composta por assistentes sociais e estagiários de serviço social. 20 Transferências de famílias moradoras em áreas de risco para unidades habitacionais. 39 reassentamento e 270 para serem beneficiadas com regularização fundiária e melhorias habitacionais. Acrescenta-se ainda que os projetos referentes à regularização fundiária e as melhorias habitacionais encontram-se em andamento, não estando totalmente concluídas. Vale destacar que, mesmo com a concentração de esforços do Poder Público Municipal, inúmeros são os problemas enfrentados por esta população, no que se refere às dificuldades inerentes às grandes cidades, podendo-se mencionar como exemplo: violência, favelização, desemprego, insuficiência de saneamento básico, bem como outros serviços públicos básicos. De modo geral, a procura pela moradia precária, por uma parte da população maracanauense e em áreas consideradas como de risco, decorre de problemas estruturais, tais como o desordenamento do crescimento populacional urbano, o desemprego e até mesmo a desmontagem no sistema de garantias e proteções sociais. O empreendimento construído para acomodar as famílias que moravam às margens do riacho Salgadinho foi batizado, pelos próprios beneficiários, de Residencial Vitória, e foi entregue à população no ano de 2010. Foi edificado em terreno particular desapropriado pela Prefeitura Municipal de Maracanaú. Composto por unidade habitacional do tipo verticalizada21, contém 20 blocos residenciais multifamiliares, áreas de lazer com play-ground e salão comunitário. FIGURA 06: Placa de identificação do Residencial Fonte: Registro próprio/ trabalho de campo, 30.07.2012. 21 Apartamento 40 As edificações possuem pavimentos térreos e superiores, também com unidades adaptadas para portadores de deficiências. Cada unidade habitacional apresenta 44 m², distribuídos em dois quartos, sala, banheiro, cozinha e área de serviço. FIGURA 07: Residencial Vitória com maquete Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação, 2010. A distribuição das unidades habitacionais foi orientada pela metodologia de sorteio, contemplando moradores de áreas de riscos do município, bem como famílias remanejadas por desapropriações e indenizações por melhorias. Nesta localização, geográfica e espacial, foram pesquisados os sujeitos deste estudo, os velhos/avós, que cuidam de seus netos, bem como o perfil dos pesquisados, o delineamento de seus modos de vida cotidiana, reorganizações familiares, relações intergeracionais e estratégias diárias de sobrevivência (constituídas historicamente neste contexto social). 2.1.3 Perfil dos atores da pesquisa No Município de Maracanaú-CE, Região Metropolitana de Fortaleza, percebe-se a existência de conflitos e dificuldades presentes no cotidiano dos sujeitos 41 pobres (faixas etárias de jovens a velhos), os quais lutam por uma habitação própria e digna. Para grande parcela da população brasileira, a questão da moradia ainda se configura como um problema de solução difícil. Faz-se necessário esclarecer que o grupo familiar (moradores do Residencial Vitória) aqui apresentado, em sua maioria, compreende realidades críticas, haja vista que foram trazidos de uma área que os expunha a vários tipos de riscos (físicos e sociais), sendo apontados como principais os desabamentos, as inundações causadas pelas chuvas, bem como a precariedade das edificações, em razão do material disponibilizado para a construção dos imóveis (madeira, plástico). Por meio de dados cadastrais, do próprio Município, comprova-se que a maioria destas famílias sobrevive de maneira simples, ou seja, suas condições econômicas não lhes proporcionam opções de lazer e alimentação adequadas. São pessoas que sobrevivem com dificuldades, sob uma realidade crítica e preocupante. Vale frisar que a questão habitacional atinge moradores oriundos das mais complexas situações, tais como: aluguel, coabitação, área de risco22, imóveis cedidos (ou emprestados), aluguel social e terrenos em áreas verdes, sendo este último mais expressivo. Acrescenta-se ainda, ao fator localização do imóvel, a situação de imóveis com as condições inapropriadas para moradia, ou seja, carentes de infraestrutura, dessa forma, não possuindo alguns dos serviços básicos, como abastecimento de água, coleta de lixo e energia elétrica. FIGURA 08: Mapa das áreas de risco do município Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação /Google Maps, 2011. 22 Terrenos inadequados para fins de moradia, geralmente, localizados próximos aos rios, lagoas, encostas ou em morros, dentre outros. Conforme Diagnóstico Municipal (2005), as áreas de risco do Município de Maracanaú estão localizadas nas margens do rio Timbó e rio Maranguapinho, dos riachos Atalaia e Retiro, e dos sangradouros dos açudes Olho D‘água dos Pratas e Furna da Onça. No que concerne às localidades mais afetadas, destacam-se: Pajuçara, Jardim Bandeirante, Siqueira, Alto Alegre (I e II), Alto da Mangueira e Olho d‘Agua. 42 Conforme dados da Coordenadoria de Habitação de Maracanaú, órgão municipal responsável pela elaboração, execução e acompanhamento das ações habitacionais de Maracanaú-CE, foi possível conhecer o perfil dos moradores mediante informações repassadas, por eles mesmos, durante atendimento social e aplicação de cadastro socioeconômico. 2.1.4 Retrato social dos moradores De acordo com o Projeto Técnico Social do Salgadinho, o público beneficiado com o Projeto Salgadinho compreendeu um total de 302 pessoas, distribuídas nas seguintes faixas etárias: QUADRO 01: Faixa Etária Geral FAIXA ETÁRIA GERAL ESPECIFICAÇÃO QUANTIDADE % De 0 à 12 anos de idade 92 30,46 De 13 à 18 anos de idade 38 12,58 De 19 à 59 anos de idade 165 54,64 Acima de 59 anos de idade 07 2,32 TOTAL 302 100% Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/2011 Ao analisar este quadro, nota-se que há um número expressivo de crianças, representadas, com índice percentual de 30,46%. Relevante é considerar que este público deriva de um contexto social de limitações, e, por que não dizer, de exclusões, as quais perpassam, muitas vezes, as diversas fases da vida: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Quanto à titularidade do cadastro, por sexo, no quadro 02 se pode observar a situação. 43 QUADRO 02: Titularidade do Cadastro TITULARIDADE DO CADASTRO ESPECIFICAÇÃO QUANTIDADE % Homens 17 21,25 Mulheres 63 78,75 TOTAL 80 100% Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/2011 Conforme os dados revelados, observa-se que 78,75 % dos cadastros possuem titularidades femininas. Estas mulheres elaboram, ―dia após dia‖, possibilidades de trilhar novos desafios. Este indicador aponta para mudanças culturais e de papéis no âmbito familiar. Vale frisar que, na comunidade sob estudo, 60,31% das mulheres cadastradas são chefes de família. Segundo dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a chefia feminina no espaço familiar aumentou consideravelmente nos últimos dez anos. No que se refere à escolaridade da população cadastrada, identificou-se o que retrata o Quadro 03. QUADRO 03: Escolaridade da População Cadastrada ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO CADASTRADA ESPECIFICAÇÃO QUANTIDADE % Ensino superior incompleto 01 0,32 Ensino Médio Completo 29 9,45 Ensino Médio Incompleto 37 12,05 Ensino Fundamental Completo 29 9,45 Ensino Fundamental Incompleto 154 50,16 Educação Infantil 15 4,89 Alfabetizado 20 6,51 Analfabeto 17 5,54 TOTAL 302 100% Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/2011 44 No que se concerne à escolaridade da população cadastrada, verifica-se que um número significativo de pessoas possui, apenas, o ensino fundamental incompleto. Importa enfatizar que o baixo índice educacional reflete diretamente no mercado de trabalho, podendo ser observado no decorrer desta pesquisa quando mencionadas as profissões que demandam pouca (ou nenhuma) qualificação profissional, e, consequentemente, nos salários pagos por estas. Quanto à renda familiar, vale destacar que foi considerando todo valor obtido pelos membros familiares, seja ela oriunda do mercado de trabalho (formal ou informal), aposentadoria e/ou pensão, bem como de programas assistenciais. Convém informar que a renda familiar média da maioria desta população é de 01 e ½ (hum) salário-mínimo e meio, todavia, não se pode desconsiderar a existência de famílias que sobrevivem com valor inferior a este. Nesta situação, foram constatadas 20 famílias. Sobre às mulheres, chefes de família, as quais declararam que não trabalham, sendo, portanto, donas de casas, vale frisar que as rendas destas advêm do benefício do Bolsa-Família23, da renda do cônjuge ou de suas aposentadorias e/ou pensões. Ao observar a ficha cadastral dessas famílias, conforme já mencionado, no que se refere ao número de componentes familiares, foi possível identificar que, na conjuntura atual, o núcleo familiar está em redução constante, por diversos fatores relatados no decorrer dos atendimentos, os quais possuem registros em campos específicos do cadastro sócio-econômico. Situações como separações conjugais, mulheres chefes de família, mães solteiras, casais de velhos, pessoas viúvas e até mesmo avós que cuidam de netos, foram expressas como sendo alguns casos que justificam a diminuição do número de seus membros. Assim, a realidade dos dias atuais é caracterizada na luta pela sobrevivência, pois estão inseridos em tempos difíceis, expressados também nas relações precarizadas de trabalho, as quais também atingem a instituição familiar. 23 Refere-se a um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo país, e integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM). Fonte: www.mds.gov.br/bolsafamilia . 45 Quanto aos dados levantados sobre as situações e/ou atividades profissionais mais exercidas pelos beneficiários, os resultados estão contidos no quadro seguir: QUADRO 04: Atividades e Situações Profissionais ATIVIDADES E SITUAÇÕES PROFISSIONAIS ESPECIFICAÇÃO QUANTIDADE % Donas de casa 30 37,5 Aposentado 10 12,5 Doméstica 06 7,5 Operário 10 12,5 Reciclagem 01 1,25 Serviços Gerais 05 6,25 Comerciários 07 8,75 Construção Civil 05 6,25 Artesã 01 1,25 Costureira 04 5 Agente Comunitário de Saúde 01 1,25 TOTAL 80 100 % Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/2011 Em adição, em decorrência da precarização das relações de trabalho, muitas vezes, a pessoa que possui profissão definida submete-se a exercer trabalho do tipo ―informal24‖, haja vista a necessidade maior de garantia de sobrevivência, conforme constatado em atendimentos sociais, realizados pelo Setor de Serviço Social da citada Coordenadoria. Observa-se, em síntese, que a caracterização da população beneficiária corresponde a pessoas com estilo de vida simples que enfrentam dificuldades econômicas, as quais influenciam diretamente no acesso a direitos básicos, como alimentação e saúde. De modo mais geral, são famílias carentes da intervenção do Poder Público. 24 Também chamado de bico, este corresponde a um trabalho eventual e sem vínculo empregatício. 46 Assim sendo, este público se torna frequente no atendimento diário da rede socioassistencial, clamando por intervenção de modo compactuado com ações profissionais de áreas diversas do conhecimento, a fim de garantir a complementação de saberes e o acesso aos serviços necessários. Nesse sentido, a atuação do Serviço Social, no contexto de ação interdisciplinar, deve ser destacada como âncora, haja vista ser este o profissional capacitado para atuar na questão social e suas multiformes expressões25, num cotidiano cheio de imediatismo e estratégias, sem desconsiderá-lo como um rico campo de pesquisa. 2.2 Trilha metodológica percorrida A metodologia é parte indispensável do trabalho acadêmico, consequentemente, científico. Nesta, foi explicitada a procedência da pesquisa, ou seja, os passos metodológicos trilhados no decorrer do estudo. É válido acrescentar que a metodologia consiste numa fase complexa da pesquisa, necessitando, portanto, de maior cuidado por parte do pesquisador. Sábias são as palavras de Gondim (1999), ao frisar que a metodologia está presente desde o início do projeto, na medida em que é muito difícil separar o que fazer do modo como fazer. Convém mencionar que as idéias preconcebidas não devem acompanhar o estudante durante a pesquisa de campo, pois ele (o pesquisador) tem a obrigação de possuir conhecimento de teorias científicas pertinentes ao problema que será estudado, não deixando, deste modo, ser ―iluminado pelos fatos‖. Não se pode desconsiderar, todavia, o fato de que a pesquisa consiste num constante desafio, em que, neste, o pesquisador se torna um eterno aprendiz. Assim sendo, pesquisa é sempre uma aventura nova sobre a qual incide a necessidade de reflexão. No que se concerne ao material científico, faz-se necessário destacar a idéia de que este fornecerá verdades relativas, representadas pelas hipóteses, as quais poderão se modificar (ou não) a cada confronto com a realidade. Em outras palavras, não se pode garantir que as hipóteses se sustenham eternamente. 25 Seja no atendimento as demandas conhecidas ou na pesquisa de respostas mais complexas e qualificadas para elas. 47 Com efeito, Fonseca (2002) esclarece que ―é ilusório ditar quaisquer ‗regras‘ sobre valores e comportamentos em famílias de grupos populares‖. (P.22). É válido lembrar que nestes grupos estão inseridos os agentes desta pesquisa. A autora há pouco mencionada dá suporte à afirmação de Cardoso (2004), quando este expõe sobre o fenômeno estudado, e destaca que ―é a sistematização que a ciência propõe que permite avançar para além destes fragmentos na busca de uma explicação mais global, porém, sempre provisória.‖ (P.101). Esta busca científica, ora levada a efeito, e pautada na concepção metodológica de caráter qualitativo, em razão de possibilitar a análise da relação dinâmica que se estabelece entre os sujeitos sociais, bem como da vinculação destes com o mundo real, conforme se observa nas palavras de Bourdieu (1989): ―o objeto em questão não está isolado de um conjunto de relações que retira o essencial das sua propriedades.‖ (P.27). Vale destacar a idéia de que a pesquisa avançou também em sua fase exploratória, a qual antecede e sucede a construção do projeto, conforme elucida Minayo (1995). Consoante leciona essa autora, pode-se perceber que, como resultado concreto, a pesquisa qualitativa proporciona uma análise mais profunda das relações, das pessoas e dos fenômenos sociais, apreendendo os significados e valores dos sujeitos entrevistados. Minayo (1995) pondera explicando a noção de que a pesquisa qualitativa [...] trabalha com o universo de significados, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de valores. (p. 22) Baptista (1999), seguindo o raciocínio de Minayo (1995), destaca que o objeto estudado não se caracteriza como inerte e neutro, estando, por conseguinte, carregado de significados e relações que os sujeitos concretos instituem em suas ações, ou seja, os fenômenos e a situação estão inter-relacionados, bem como influenciados reciprocamente, de forma que se busca compreender estas interrelações numa dada conjuntura. Nos termos de Baptista (1999), nas pesquisas qualitativas, Deixam a verificação das regularidades para se dedicarem à análise dos significados que os indivíduos dão as suas ações, no espaço que 48 constroem as suas vidas, e suas relações, ou seja, à compreensão dos sentidos dos atos e das decisões dos atores sociais, assim como dos vínculos das ações particulares com o contexto social mais amplos em que estas de dão. (P. 35). Gil (2002) também compartilha da análise de Minayo (1995), e complementa, afirmando que, na fase exploratória, se enfatiza o estímulo ao livre pensamento dos entrevistados sobre os temas, objetos e/ou conceitos levantados. Ainda sobre pesquisa de caráter qualitativo, Goldenberg (2000) contribui, esclarecendo que esta é formada com origem numa perspectiva compreensiva, caracterizando-se num objeto de estudo aberto e amplo, em que a coleta de dados se por métodos qualitativos, os quais não pressupõem quantificação. Logo, é importante salientar que a preocupação que se tem não está na representatividade numérica, contudo, numa investigação a fundo da compreensão de um grupo social, de uma trajetória, de uma instituição, entre outros aspectos. No tocante à capacidade do pesquisador em tratar com minorias e suas realidades, Cardoso (2004) ensina que: Concentra-se o interesse na relevância do tema estudado e na forma pela qual o investigador se engaja no estudo. Um pesquisador capaz de uma ‗boa‘ interação com as minorias ou grupos populares será sempre um porta-voz de seus anseios e carências, logo, da sua ‗verdade‘. O critério para avaliar as pesquisas é principalmente sua capacidade de fotografar a realidade vivida. Sua função é tornar visível aquelas situações de vida que estão escondidas e que, só por 26 virem à luz, são elementos de denúncia do statu quo . (P. 95). Torna-se relevante refletir, porém na idéia de que a análise qualitativa não corresponde à substituição de métodos quantitativos, conforme esclarecem Cardoso (2004) e Martinelli (1999). Quanto a esta falsa oposição, Cardoso (2004) explana expressando o argumento de que: Certamente esta oposição qualitativo/quantitativo não corresponde a modos opostos e inconciliáveis de ver a realidade. São modos diversos de resgatar a vida social e chegar a iluminar aspectos não aparentes e não conscientes para os atores envolvidos. (Pp. 95-96). 26 Expressão em latim que significa: momento atual. Estado atual das coisas. 49 Na pesquisa qualitativa estão inseridas as abordagens biográficas, as quais demonstram compromisso com a história, com vistas a rememorar, no próprio instante em que fatos da vida cotidiana passam a ser revisitados pelos sujeitos. Tal razão é ratificado também nas palavras de Durham (2004), quando lembra que a popularidade das pesquisas antropológicas ocorre também pelo fato destas concentrarem-se ―(...) em grande medida em temas de interesse geral imediato (...), mas, muito do que é cotidiano e familiar em nossa sociedade urbana (...)‖. (P.17) É válido acrescentar que, conforme Bezerra (2002), o cotidiano se refere ao local onde são expressas as particularidades dos indivíduos, mediante ações e pensamentos imediatos, cristalizados e naturalizados, os quais reproduzem também a sociedade. Quanto à relação entre o cotidiano e o objeto de pesquisa, a mencionada autora aponta que Os objetos de pesquisa aparecem para o (a) pesquisador (a) como expressões de problemáticas sociais, questões que se apresentam como relevantes para serem estudadas. Ou seja, como manifestações da realidade social, do cotidiano no qual o (a) pesquisador (a) acha-se inserido. O cotidiano emerge, pois, como cenário histórico, palco onde se desenrolam as praticas sociais, o acontecimentos, os hábitos e comportamentos humanos que poderão ser problematizados pro cientistas sociais, pesquisadores, a depender de suas trajetórias individuais neste contexto. (P.11). Entrando no debate, Campos (2004) acrescenta que ―dentro do quadro referencial da metodologia qualitativa biográfica destacam-se: História Oral, Biografia, Autobiografia e História de Vida.‖ (P.43). Neste aspecto, convém ressaltar que o este trabalho abordará o método da História Oral, como instrumento de investigação, contemplada num recorte da história de vida das avós entrevistadas, bem como a experiência do dia a dia, de acordo com Queiroz (1998). No tocante à valorização do papel dos sujeitos na conjuntura social, por via de depoimentos e relatos pessoais, com ênfase para a história oral, Ferreira (1998) ensina: Na virada dos anos 70 e no decurso da década de 80 registraram-se informações expressivas nos diferentes campos da pesquisa histórica: incorporou-se o estudo de temas contemporâneos, valorizou-se a análise qualitativa, resgatou-se a importância das 50 experiências individuais, ou seja, deslocou-se o interesse das estruturas para as redes, dos sistemas de posições para as situações vividas, das normas coletivas para as situações singulares. (P.17). Ainda sobre história oral, Debert (2004) alerta para a noção de que ―a história oral e a história de vida são sempre um monte de fragmentos desconexos (...). Nossa tarefa enquanto analistas é entender esses relatos e depois apresentar um quadro minimamente coerente (...)‖. (P.150). Lang (1996) confirma o pensamento ora externado por Debert (2004), ao mencionar que existem ―histórias de vida mais ou menos ricas, mais completas ou mais fragmentadas.‖ (P.34). Lang (1996), todavia, considera não ser efetivamente possível a obtenção de uma história de vida completa, em virtude da expressividade numérica de facetas e fatos que envolvem uma vida. Neste aspecto, Bosi (2003) também se manifesta acerca da memória e expressa que ―a memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento‖. (P.39). Colaborando, outra vez, neste estudo, Lang (1996) destaca que história 27 oral de vida se reporta ao: [...] relato de um narrador sobre sua existência através do tempo. Os acontecimentos vivenciados são relatados, experiências e valores transmitidos, a partir dos fatos da vida pessoal. Através da narrativa de uma história de vida, se delineiam as relações com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social, da sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar. (P.34). Na definição de Queiroz (1998), história oral é [...] um termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação; ou cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variada forma, ela registra a experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos sobre um 27 Queiroz (1998), alude ao período de reaparecimento da história oral: ―Diz-se reaparecimento porque, do começo do século ao início dos anos 50, a ―história oral‖ fora utilizada por sociólogos como W.I. Thomas (1863-1947) e F. Znaniecki (1882-1958) em sua pesquisa conjunta, datada de 1918-1920; ou como John Dollard (1900) que pretendeu traçar-lhe as regras de aplicação; e também por antropólogos, netre os quias Franz Boas 91858-1942), geográfo alemão convertido à antropologia e naturalizado em 1886, que recolheu relatos e depoimentos de velhos caciques e pajés a fim de preservar do desaparecimento a memória da vida tribal. 51 mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhe destes tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias, poetas, cantadores inventam num momento dado. (P.7). Na concepção de Lozano (2005) sobre história oral, ele se posiciona ao mencionar a idéia de que: Diria que é antes um espaço de contato e influência intedisciplinares; sociais, (...) com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam, através da oralidade,oferecer interpretações qualitativas de processos histórico-sociais. Para isso, conta com métodos e técnicas precisas, em que a constituição de fontes e arquivos orais desempenham um papel importante. Dessa forma a história oral, ao se interessar pela oralidade, procura destacar e centrar sua análise na visão e versão que dimanam do interior e do mais profundo da experiência dos atores sociais. (P.16) Faz-se necessário mencionar que o narrador é o próprio objeto de estudo, haja vista que o relato prestado por ele (depoimento de vida, sua realidade vivida), enfatizando a subjetividade dos eventos, permite ao pesquisador identificar as relações sociais e as dinâmicas que se inserem no objeto de estudo, ou seja, apreender as articulações entre a trajetória individual e social. Conforme Lang (1996), ―a versão do indivíduo tem, portanto, um conteúdo marcado pelo coletivo ao lado certamente de aspectos decorrentes de peculiaridades individuais.‖ (P.45). Na avaliação de Gaujelac (2005), o objetivo da história de vida corresponde a ter acesso a uma realidade que ultrapassa o narrador. Relevante é frisar que, embora a história oral compreenda o indivíduo na sua singularidade, por seu intermédio é possível elaborar uma relação simultânea com os fatos sociais, conforme elucidado por Barros e Silva (2002), e Durham (2004). Quanto ao encanto que a narrativa oferece Grossi e Ferreira (2001) acentuam: O poder e a sedução remetem ao encantamento do outro que, no registro do falante, tranqüiliza-se ao penetrar em sua escuta e aprisioná-lo na teia de significados que a narrativa oferece. O narrador, no momento de sua fala, exerce sobre o outro o poder de seduzir (...). (Pp. 6-7). 52 Ainda sobre a ―arte de narrar‖, a autora Bosi (2003), em consonância com Grossi e Ferreira (2001), pondera que: A arte da narração não está confinada nos livros, seu veio épico é oral. O narrador tira o que narra da própria experiência e a transforma em experiência dos que o escutam. (p. 85) É válido acrescentar, ainda do ponto de vista metodológico, que este trabalho possui também caráter exploratório, visando a proporcionar maior aproximação acadêmica, identificação com o problema, além de permitir aproximação dos agentes e fatos sociais envolvidos na pesquisa, segundo Gil (1999). Ainda acerca da história oral, convém acrescentar a noção de que esta corresponde essencialmente a uma história de vida28. Como parte da metodologia de pesquisa, a história oral assenta em realizar entrevistas induzidas, instigadas e registradas (por meio de gravações) com pessoas que podem testemunhar a respeito de acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da contemporaneidade. Debert (2004), em conformidade com Queiroz (1998), assinala que a utilização da história oral possibilita ―o estabelecimento de uma conversação ou um diálogo entre informante e analista.‖ (P.142). Como leciona Haguette (2001), a história oral, a história de vida e a entrevista são técnicas que não podem ser vistas de maneiras individuais, haja vista que o produto da relação entre estas formam um ―conjunto de depoimentos que informam o todo de um determinado projeto de pesquisa‖. (P.94). De acordo com Queiroz (1998), a entrevista, nas Ciências Sociais, é a maneira mais antiga e difundida de coleta de dados orais. Quanto à captação dos dados, argumenta que esta provém da habilidade do pesquisador em orientar o informante para ponderar sobre o tema pretendido, haja vista ser este último quem: [...] conhece o acontecimento, suas circunstâncias, as condições atuais ou históricas, ou por tê-lo vivido, ou por deter a respeito 28 Ao abordar os métodos qualitativos de análise, dentre os quais a história de vida, Debert (2004) menciona que têm elevado cada vez mais seu prestígio perante os cientistas sociais. 53 informações preciosas, as quais ora fornecem dados originais, ora complementam dados já obtidos de outras fontes. Na verdade, a entrevista está presente em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes implicam sempre num colóquio entre pesquisador e narrador. (P.8). Na perspectiva de Oliveira (1999), a oralidade não é uma descrição seca, fria e distante. Esta é, portanto, rica em expressões, emoções, palavras, e, por que não dizer em silêncio, o qual não deve ser ignorado. Tal atitude é abordada pelo autor há instantes mencionado que faz um importante alerta para o pesquisador: Silêncio e infelicidade, assim, andando de mãos dadas, no coração e no semblante dos que vivem a opressão, podem sugerir ao cientista distanciado ou ao pesquisador mais afoito de que ali existe passividade e conformismo. (OLIVEIRA, 1999: p. 53). No que diz respeito à relação existente entre ciência/pesquisa e cotidiano, Debert (2004) chama a atenção para ―a importância de darmos condições aos informantes de nos levar a ver outras dimensões e a pensar de maneira mais criativa a problemática que, através deles, nos propomos a analisar.‖ (P.142). Assim sendo, pode-se perceber que, ao relatar a sua vida para o pesquisador, a pessoa passa a ser contextualizada na conjuntura social, sendo, portanto, estabelecida uma conexão entre o individual e o coletivo. Deste modo, esta análise possibilita ao pesquisador uma perspectiva de apreciação de um fenômeno mais global. Para Sader e Paoli (2004), ―os pesquisadores operam um movimento que os leva da aparência à essência, que constitui a realidade encoberta dos fenômenos‖. (P.64) Complementando a exposição ora exteriorizada por Sader e Paoli (2004), Debert (2004) acrescenta ainda que, mediante a utilização da história de vida, esperase ―é que a partir dela, da experiência concreta de uma vivência específica, possamos reformular nossos pressupostos e nossas hipóteses sobre um determinado assunto.‖ (P.142). Vale frisar que, embora o objetivo do pesquisador seja trabalhar as narrativas que ganham voz na fala de seus sujeitos, por intermédio da história oral, 54 pretende-se ir além da teia instigante dessa forma discursiva. Destarte, neste estudo, será privilegiada também a pesquisa do tipo bibliográfica, documental e de campo. Com efeito, Bourdieu (1989) orienta no sentido de que se deve romper com o monoteísmo metodológico. Faz, então, um importante alerta, ao mencionar que ―(...) tentar em cada caso, mobilizar todas as técnicas que, dadas as condições práticas de recolha dos dados, são praticamente utilizáveis‖. (P.26). Ainda seguindo o pensamento desse sociólogo francês, em harmonia com Oliveira (1999), destaca-se que a pesquisa é bastante séria e difícil, logo, o pesquisador deve ter cautela para não confundir a rigidez (oposto da inteligência e da intervenção), com o rigor, ficando privado de usar este ou aquele recurso entre a diversidade que podem ser ofertados pelo ―conjunto das tradições intelectuais da disciplina e das disciplinas vizinhas.‖ (P.26). Quanto aos instrumentos utilizados no decorrer da investigação, destacamse os seguintes: entrevista29 (do tipo semiestruturada) e análise de depoimento30, bem como história oral (anteriormente citada), sem desconsiderar as conversas informais com os sujeitos. Convém partilhar a idéia de que o exercício de observação foi expediente que se acompanhou a cada encontro (totalizando em nove), conquanto, tenha se intensificado no momento da conversação. Assim, à medida que o gravador registrava a fala dos sujeitos da presente pesquisa, não desprezava o desígnio demarcado de ―decifrar a linguagem não verbal e o ambiente daquela situação‖. (OLIVEIRA, 1999: p.61). É válido lembrar que as entrevistas não foram o único instrumento da presente pesquisa, haja vista ter sido associadas à observação. A combinação destas práticas foi facilitada pela utilização (permitida) do gravador. Do ponto de vista de Cardoso (2004), observar corresponde: Contar, descrever e situar os fatos únicos e os cotidianos, construindo cadeias de significação. Este modo de observar supõe, como vimos, 29 Vale frisar que é pela da entrevista que o pesquisador apreende os informes contidos na fala dos atores sociais. As entrevistas foram realizadas durante os meses de agosto e setembro de 2012. 30 A pesquisa se concentra na análise de depoimentos, a qual conforme Durham (2004), tem na ―entrevista o material empírico privilegiado‖. (P.26). 55 um investimento do observador na análise de seu próprio modo de olhar. (P. 103). Informa-se não ter havido qualquer oposição ao uso deste aparelho, por parte dos narradores. Confessa-se que, em alguns contatos, se optou por gravar e registrar no caderno tudo o que diziam. Tais anotações foram de grande valor, haja vista que a fala lenta e baixa das avós, muitas vezes, configurou maior dificuldade para transcrever as conversas. Quanto à escolha das depoentes, se falará mais adiante31. Enfim, nada era impossível, haja vista que o interesse e a paixão pelo objeto de pesquisa ainda são bem maiores. Sobre o uso do gravador como meio de registro, conforme Queiroz (1998), este reaviva o relato oral e possui relevância, à medida que encerra maior precisão e capacidade de ―conservar á narração uma vivacidade de que o simples registro no papel as despojava, seu vaivém no que contava, constituíam outros tantos dados preciosos para estudo‖. (P.03). Quanto à técnica da entrevista, Haguette (2001) argumenta que A entrevista pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas, na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado. As informações são obtidas através de um roteiro de entrevista constando de uma lista de pontos ou tópicos previamente estabelecidos de acordo com uma problemática central e que deve ser seguida. (P. 86). No que se diz respeito à diferença na escolha entre as técnicas de história de vida e depoimentos, na óptica de Queiroz (1998), esta não implica, somente, diferenças no modo de aplicá-las, mas, inclusive, e, principalmente, na diferença presente nas ansiedades do pesquisador com relação às informações que se almeja obter. Vale frisar que a intenção desta pesquisa não é conhecer a sequência de vida de seus sujeitos. Por conseguinte, foi eleita a coleta de informações por meio de seus depoimentos, os quais tiveram durações variáveis de trinta a cinqüenta minutos.. Como se verifica, no depoimento, o colóquio é dirigido abertamente pelo pesquisador; 31 No item 4.2.1 Sobre as informantes: as vós... 56 enquanto, na história de vida, a conversa é conduzida pelo narrador. (QUEIROZ, 1998: p.11) Sobre o depoimento, Queiroz (1998) adverte ainda para a noção de que: Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador; pode fazê-lo com maior ou menor sutileza, mas na verdade tem nas mãos o fio da meada e conduz a entrevista. Da ‗vida‘ de seu informante só lhe interessamos acontecimentos que venham se inserir diretamente no trabalho, e a escolha é unicamente efetuada com este critério. Se o narrador se afasta em digressões, o pesquisador corta-as para trazê-lo de novo ao seu assunto. Conhecendo o problema, busca obter do narrador o essencial, fugindo do que lhe parece supérfluo e desnecessário. E é muito mais fácil a colocação do ponto final neste caso, assim que o pesquisador considere ter obtido o que deseja. A obediência do narrador é patente, o pesquisador tem as rédeas nas mãos. A entrevista pode se esgotar num só encontro; os depoimentos podem ser muito curtos, residindo aqui uma de suas grandes diferenças para com as histórias de vida. (P.10) Freitas (2006) empreende um exame com relação à coleta de depoimentos, a qual pode ser traduzida num amplo empenho de reaver a palavra de sujeitos que, sem a interferência de um pesquisador, não deixariam qualquer registro e/ou testemunho. Acrescenta ainda que, por via do trabalho elaborado por um historiador oral, pretende-se registrar experiências e representações do indivíduo, ao considerar sua inserção num contexto social. Ainda sobre os instrumentos metodológicos utilizados no trabalho de campo: a entrevista32 e a observação direta, a qual impõe uma relação social com o meio estudado. Minayo (1995) ressalta que a entrevista ―se insere como um meio de coleta dos fatos relatados pelos autores sujeito-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada‖. (P.57). Contribuindo neste debate, quanto ao uso de entrevistas em pesquisas qualitativas, Haguette (2001) pondera que ―Estudos qualitativos raramente podem estabelecer, de antemão, quantas pessoas serão pesquisadas, uma vez que tal número vai depender da qualidade das informações fornecidas pelos próprios 32 Ressalta-se aqui que as entrevistas não consistiram no único instrumento de coleta de dados desta pesquisa, haja vista ter buscado associá-las á observação. Acrescenta-se ainda que nenhum dos sujeitos deste trabalho demonstrou qualquer objeção quanto ao uso do referido equipamento. Quanto ao motivo da pesquisa em alusão, informa-se que este foi explicado com toda clareza aos sujeitos. 57 informantes‖. (P.57). E acrescenta que à medida que as entrevistas se repetem em conteúdo, ou seja, não acrescentando nada mais às informações obtidas, chega-se ao momento de saturação qualitativa, ocasião propícia a encerrar tal procedimento. No tocante à observação direta, prática rotineira adotada pelo Serviço Social, nesse trabalho, esta possibilitará comparar as informações obtidas, verificar o nível de emoção dos entrevistados e suas atitudes com relação ao assunto em alusão. O ato de observar corresponde a um dos modos mais comuns, entre os seres humanos, empregado para conhecer e compreender pessoas, objetos e/ou situações. Na pesquisa, observar é também aplicar os sentidos, com a finalidade de obter determinada informação sobre algum aspecto da realidade estudada. Assim sendo, a observação é fator essencial para a pesquisa, sobretudo, a que tem enfoque qualitativo. A observação direta, como uma das técnicas de coleta de dados, corresponde também às visitas ao campo de pesquisa. Vale destacar o fato de que as observações podem variar de atividades formais e informais, durante a coleta de evidências. Para a pesquisa documental, foram utilizados tanto o diagnóstico social33 quanto cadastros socioeconômicos, os quais correspondem a instrumentais fundamentais no trabalho cotidiano dos profissionais34 de Serviço Social, da Coordenadoria de Habitação, tanto no atendimento social ao usuário em geral, quanto à aplicação deste no atendimento aos beneficiários de programas habitacionais. Quanto ao levantamento bibliográfico, Gondim (1999) acentua que este: [...] é um processo que se verifica ao longo de toda elaboração da tese: irá continuar durante a pesquisa de campo e na fase de análise dos dados, e mesmo durante a redação dos capítulos da dissertação, quando se constatar a necessidade de leituras complementares. (P. 32). Assim sendo, ela se reporta à importância de uma constante revisão de literatura para que haja o embasamento das idéias contidas no corpo do texto, garantindo, assim, qualidade ao objeto estudado. 33 Documento, elaborado por assistentes sociais, que apresenta a realidade social da área e sujeitos ora analisados. 34 Considerando aqui toda a equipe social, composta por assistentes sociais e estagiários do setor. 58 A pesquisa bibliográfica permite a apreensão das informações de várias vertentes teóricas referentes às categorias família e velhice (relações intergeracionais), como também o pronunciamento de alguns autores concernente ao tema em debate. Vale destacar, todavia, que a revisão bibliográfica incidiu durante todo o processo de elaboração desta pesquisa. A pesquisa de campo contou com observações técnicas do diário de campo. A utilização das anotações neste refere-se a alguns acontecimentos, falas, impressões orientadas durante toda a pesquisa, haja vista que um dos locais propostos para coleta de dados, COHAB, já foi campo onde já trabalhou a pesquisadora. Desse modo, vale frisar que esse contato cotidiano permitiu maior apreensão das relações que se estabelecem no dia a dia, contribuindo, assim, ao final, para análise dos dados. Minayo (1995) evidencia o argumento de que o diário de campo consiste em ser ―um amigo silencioso‖, o qual não pode ser subestimado no tocante à sua importância. Referida autora acrescenta ainda que sobre ele o pesquisador se debruça no intuito de obter detalhes, os quais em seu somatório vão congregar os diferentes momentos da pesquisa. O registro no diário de campo tem como objetivo suplementar com maior riqueza de detalhes o fenômeno estudado, no que concerne, segundo Martinelli (1999), a captar conteúdos não coletados em dados estatísticos, em arquivos e documentos oficiais, entretanto, são desvendados pela pesquisa qualitativa. É importante ressaltar que, na qualidade de investigador social, é preciso adotar atitude metodológica sempre voltada para o imparcial e o incompleto, ou seja, compreender que todos os aspectos investigados e selecionados devem ser revistos permanentemente, de modo que não se há de mencionar fatos e constatações como sendo absolutos e/ou inquestionáveis. Convém compartilhar aqui, porém, sobre os anseios que se guardaram vivenciados durante a investigação, elaboração deste estudo e contatos iniciais com os depoentes, os quais podem ser constatados em alguns registros elaborados no diário de campo, como, por exemplo: 59 [...] Muitas são minhas inquietações enquanto pesquisadora. Os questionamentos quanto à abordagem aos depoentes estão constantemente a me acompanhar...Como será o momento de chegada a cada domicílio ? Quais serão suas reações frente ao teor da minha pesquisa ? Como irão compartilhar comigo seus segredos e dores de ordem tão familiar... Revelações que, talvez, nunca fizeram a ninguém... Por falta de oportunidade? Falta de confiança? Por não ter a quem? Por naturalizar a situação? Sinceramente, não sei !!! Acredito que tudo fluirá aos poucos, que o tempo e o vínculo estabelecidos serão pontos fortes para esta ocasião. Vou seguir em frente !. (Diário de Campo, 10 ago. 2012) Vale frisar aqui o contínuo ―tecer‖ do pesquisador, pois, por muitas vezes, pensando que se havia concluído um capítulo, teve-se de que retomá-lo, rever, acrescentar, ler e reler até atingir o produto final. Em outros termos, a pesquisa corresponde a um trabalho artesanal, dotado de esforço, paciência e dedicação conforme a compreensão de Gondim e Lima (2002). Dessa forma, ao finalizar este tópico, convém retomar os autores Gondim e Lima (2002), quando estes esclarecem que as fases constitutivas da pesquisa ―não se desenvolvem de maneira estanque, mas se retroalimentam mediante o trabalho sistemático e cotidiano dos artesãos-pesquisadores‖. (P.81). Logo, a pesquisa deve ser considerada como um processo contínuo e inacabado. 2.3 Compartilhando Algumas Impressões de campo... Algumas vezes, questionava-se sobre o que a visita suscitaria no repensamento daquela relação intergeracional, o que as avós participantes sentiam depois que se saia, no que concerne às revelações feitas por elas sobre histórias tão intimamente familiares. Entretanto, ouvir esta frase final trazia toda satisfação e alegria: Quando precisar pode vim. Mesmo que já tenha terminado a pesquisa, passe para fazer uma visitinha ! Evidencia-se que não é fácil estimular as pessoas a falarem sobre questões intra-familiares, experiências dolorosas, acontecimentos íntimos e 60 comprometedores ao âmbito familiar, bem como a respeito de temas que a sociedade rejeita, dentre os quais a velhice. Daí, os constantes silêncios observados nas narrações, situações que, conforme Alcântara (2010), correspondem a ―abafos repletos de significados e, é mais do que compreensível, devem ser respeitados.‖ (P.83). Assim sendo, vale lembrar que na elaboração e reformulação da pesquisa, cabe ao investigador estar atento às tensões implícitas, como sugere Bosi (2003). Alguns momentos foram de relatos felizes (acompanhados de risos), embora outros tinham sido tristes, tensos (entre silêncios, lágrimas e/ou de expressões do próprio corpo). É válido frisar que apesar desta pesquisa ser constituída por falas, verbalizações, está também permeada por silêncios, os quais não podem ser analisados como involuntários, ou como ―coisas da idade‖, haja vista que, segundo Orlandi (2002), o silêncio é repleto de significados. Não é visível, é apenas observável, e, destarte, escorre por entre as falas. Nesse sentido, semelhantemente à multiplicidade de sentidos presente nas palavras, o silêncio também exprime sua complexidade no relato da experiência do indivíduo. Os sentidos desses vazios foram apreendidos por meio de gestos, movimentos expressos pelo próprio corpo, conforme também abordado por Grossi e Ferreira (2001), neste estudo, com ênfase nas mãos e rosto das avós entrevistadas. Quanto à relação entre o narrador e o pesquisador, Bosi (2003) esclarece que, O narrador está presente ao lado do ouvinte. Suas mãos, experimentadas no trabalho, fazem gestos que sustentam a história, que dão asas aos fatos principiados pela sua voz. Tira segredos e lições que estavam dentro das coisas, faz uma sopa deliciosa das pedras do chão, (...). A arte de narrar é uma reação alma, olho e mão: assim transforma o narrador sua matéria, a vida humana. (P.90). Portanto, não se poderia deixar de registrar o fato de que, no decorrer desta investigação, as idas e vindas ao campo foram momentos riquíssimos de 61 experiências, tanto como pesquisadora, quanto como ser humano, ao se ouvir as vivências dessas avós. 2.4 Sobre As informantes: as avós ... No Residencial Vitória, 35 denominado Faixa Etária Geral conforme visto anteriormente no quadro da população, consta o total de sete pessoas contempladas com unidade habitacional com idade acima de 59 anos. Considerando o respectivo perfil dessa pesquisa, no entanto, com vistas a atender os objetivos desta, foram identificadas três avós. Vale frisar que havia outras avós (velhas) que cuidavam de netos, mas que, por outras circunstâncias (doença, avanço da idade, ou emancipação dos netos), já não cuidavam mais... Ora, se o objetivo macro desta investigação consistia em ampliar o debate sobre as relações intergeracionais, estudando as avós envelhecidas que cuidam de netos, e, assim poder-se compreender as características que estas assumem na reorganização do contexto familiar, o caminho foi partir desse cenário como critério de escolha. Neste estudo, foram colhidos relatos de mulheres com faixa etária compreendida entre 61 e 74 anos. Daí por diante, o próprio cotidiano do campo de pesquisa sugeriu os sujeitos para esta pesquisa, haja vista que se acompanhou parte do Trabalho Técnico Social (incluindo o antes e pós-entrega dos imóveis). A aproximação com os sujeitos deste estudo aconteceu de forma tranqüila, e os primeiros contatos (com as avós pesquisadas) foram mediados pelas assistentes sociais que trabalham com as famílias do Residencial Vitória. Todavia, essas profissionais não permaneciam no momento das entrevistas para que as avós se sentissem ―á vontade‖ para falar. No primeiro encontro, havia toda a preocupação e sensibilidade da pesquisadora em explicar a pesquisa, bem como fazer o convite às avós. Cabe aqui recordar as palavras de Oliveira (1999), quando relata a importância de um mediador: O primeiro contato sendo feito por um mediador que é, ao mesmo tempo, uma pessoa conhecida não oferece constrangimento algum para eventuais recusas e, no caso de assentimento ao convite, 35 Ver em Cap. 2, item 2.1.4 - Retrato Social dos Moradores. 62 garanta ao pesquisador que os sujeitos estão predispostos a atuar cooperativamente. Além disso, o pesquisador nunca é confundido com um fiscal, um assistente social ou profissional qualquer que possa ser identificado no universo do eles, lembrando Hooggart. (P. 59). A conquista dos sujeitos ocorreu de forma gradativa. A relação de confiança e o vínculo com os sujeitos deste estudo cresciam a cada encontro, surgindo, assim, sempre um ―detalhe a mais‖ nos relatos das vivências destas avós e seus netos. Nos momentos de campo, durante a elaboração desta pesquisa, se tomou sempre o cuidado de não ser classificada como ―a assistente social‖, haja vista nunca ter atuado profissionalmente naquela comunidade. Embora já tendo o acesso aos cadastros e ao perfil do grupo de moradores do Residencial Vitória, antes mesmo das visitas de caráter exploratório, permitiu-se que o próprio ambiente de pesquisa influenciasse na escolha dos sujeitos a serem trabalhados. Assim sendo, os próprios moradores (diga-se, especificamente, ás mulheres donas de casa) que pela manhã se encontrava realizando as atividades domésticas, a elas destinadas, tais quais: lavando roupas, fazendo o almoço, cuidando da casa e das crianças... Estas também contribuíram no ―apontar‖ dos sujeitos desta pesquisa; situações confirmadas na fala daquelas profissionais (assistentes sociais e estagiários de serviço social) que destinavam seu dia a dia de trabalho naquela comunidade, e, portanto, suas orientações foram imprescindíveis. Impende relatar-se que, muitas foram as vezes que, ao se chegar ao Residencial (pela manhã), era-se indagada: ―Você está fazendo a pesquisa das avós, não é? Muito importante mesmo... uma coisa que vai pra faculdade...Mas, [risos] por que só pode ser as pessoas velhas?” . Nestas ocasiões, sempre se detinha á atenção em explicar com detalhes o foco e as categorias desta pesquisa. Embora se notasse que a informação era compreendida por elas, observava-se que outras avós (jovens) gostariam também de falar um pouco sobre a realidade que as cercava. Às vezes, elas não se continham e até comentavam... “eu também sou avó! mas, ainda não sou velha...”. O fato de ser ainda jovem, e, portanto, não poder fazer parte desta pesquisa era um consolo, haja vista que a imagem da velhice é, comumente, identificada, apontada e/ou observada, somente, no outro. 63 Nesse sentido, Bosi (2003) alerta para a noção de que a velhice ―é uma situação composta de aspectos percebidos pelo outro (...)‖. (P.79). Convém evidenciar que o contato estabelecido entre a pesquisadora e o local da pesquisa consiste num fator relevante do trabalho, com vistas a não perder a oportunidade de enriquecê-lo e aprofundá-lo com outras possibilidades de conhecimento, conforme orienta Oliveira (1999). Faz-se necessário sentir o campo de pesquisa, não desconsiderar nada. Assim, Oliveira (1999) destaca que ―(...) a afeição das pessoas da vizinhança é uma forma de mergulhar na vida dos sujeitos estudados‖. (P.62) Sem deixar nada passar despercebido, buscou-se expor no transcurso das narrativas as impressões, não restrita ao que se conseguia captar nos entrevistados, no entanto, também ao que se passava no interior. Sobre tal capacidade, assenta-se, aqui a ponderação de Oliveira (1999): Isto quer dizer levar sempre em consideração os outros: seus gestos, seus olhares, seu desprendimento, seus silêncios, seus modos de relacionamento com seus familiares ou com amigos, sem descuidar ainda dos objetos à sua volta. (P. 61). Com pertinência às peculiaridades dos narradores, ou as características destinadas à categoria que se decidiu estudar, informa-se que estas foram contadas oralmente e transcritas tal como colhidas de suas vozes. São limites da idade, partilhados nas entrevistas, bem como observados na fala, dentre outros, fatos estes abordados por Bosi (2003), ao se fazer opção por este objeto de pesquisa: E eles encontraram também os limites de seu corpo, instrumento de comunicação às vezes deficitário. Quando a memória amadurece e se extravasa lúcida, é através de um corpo alquebrado: dedos trêmulos, espinha torta, coração acelerado, dentes falhos, urina solta, a cegueira, a ânsia, a surdez, as cicatrizes, a íris apagada, as lágrimas incoercíveis. (P. 39). 64 O respeito ao narrador e a atitude do pesquisador, seguidos nesta pesquisa, foi ponderado por Bosi (2003) e também enfatizado em Oliveira (1999) quando esse autor alerta sobre os deslizes que devem ser evitados pelo pesquisador, a saber: [...] saber esperar, ter paciência, evitar os limites da inconveniência, aprender a conviver com o tempo dos entrevistados , alimentar as conversas conforme a receptividade, manter pontualmente os compromissos e procurar não solicitar dos sujeitos o que eles não têm, como algo já elaborado, no registro de suas consciências (...). Todos esses procedimentos não comportam regras fixas. Vão sendo trabalhados na medida das circunstâncias e da percepção do pesquisador (...). (P. 59). Em Bosi (2003), é possível compreender a figura do narrador como ―um mestre do ofício que conhece seu mister‖, uma vez que seu talento de narrar advém da experiência, com lições que ele extraiu da própria dor e, por conseguinte, demonstra dignidade em contá-la até o fim, e sem medo. Para a autora sob menção: ―uma atmosfera sagrada circunda o narrador‖. (P.91). No caso desta investigação, que teve como foco o segmento da população envelhecida, com um recorte aos velhos (no eufemismo da sociedade, chamado de idosos36) avós que cuidam de seus netos, desenvolvida com base em três histórias orais, faz-se relevante que o pesquisador esteja atento ao que já não se pode ouvir, que não perca de vista o sentido dessas relações ligando-as não somente em âmbito individual, todavia, também no coletivo. Nesse sentido, Bosi (2003) colabora, explanando no seguinte exemplo: Imagine-se um arqueólogo querendo reconstituir, a partir de fragmentos pequenos, um vaso antigo. É preciso mais que cuidados e atenção com esses cacos; é preciso compreender o sentido que o vaso tinha para o povo a quem pertenceu. A que função servia na vida daquelas pessoas? Temos que penetrar nas noções que as orientavam, fazer um reconhecimento de suas necessidades, ouvir o que já não é audível. Então recomporemos o vaso e conheceremos se foi doméstico, ritual, floral...(P. 414). 36 Consideram-se como idosos os indivíduos com sessenta anos ou mais, dado ser este o corte etário utilizado pela Política Nacional do Idoso, (Lei 8.842, de 4 de janeiro, Cap. I, art. 2). 65 Em informações mais amplas sobre do público-alvo deste trabalho, tem-se este como pessoas que vivem (e algumas vezes, até sobrevivem) de modo simples, ou seja, oriundos de áreas de riscos e/ou condições mínimas de habitabilidade37. Possuidores de pouca e/ou nenhuma qualificação profissional (baixo nível de instrução educacional), estas famílias enfrentam dificuldades no tocante à condição de ascensão e até mesmo de melhores condições de vida. Assim sendo, estes sujeitos expressam, em seu cotidiano, a carência da intervenção do Poder Público, considerando seus variados níveis de atuação. Convém destacar a noção de que, no decorrer desse tópico, foram traçadas linhas que configuram a singularidade de cada uma das informantes, embora também revelem o coletivo que passeia por esse trajeto. Faz-se necessário ressaltar que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido38 foi assinado por todas as depoentes. Na ocasião, as participantes eram esclarecidas, quanto a este ensaio, e, por meio deste documento, as avós se declaravam cientes de suas participações na pesquisa, iniciando, dessa forma, a coleta de dados. Quanto aos nomes verdadeiros das avós, ora sujeitos deste estudo, informa-se que foram substituídos por nomes fictícios e comuns39: Ana, Conceição e Rosa, a fim de resguardar a identificação de cada informante, netos e família, fato este compreendido nas palavras de Oliveira (1999), quando enfatiza que ―nomes trocados não invalidam a pesquisa, não distorcem conteúdos e protegem a intimidade dos sujeitos.‖ (P.64). Quem são, no entanto, essas avós-personagens de trajetórias em comum? Então, a seguir uma breve apresentação dessas depoentes... A Dona Conceição, casada, com 67 anos de idade, evangélica, do lar. Minha profissão é cuidar de casa. Tem seis filhos, sendo: quatro mulheres e dois 37 Que reúne condições/possibilidades de ser habitado. Conforme consulta, no dicionário Aurélio: ―Qualidade de habitável‖. 38 39 Este se encontra, no final deste trabalho, em ―apêndices‖. Ao designar nomes fictícios tidos como ―comuns‖ para os sujeitos desta pesquisa, pretendeu-se proporcionar ao leitor uma aproximação com a realidade do fenômeno investigado. 66 homens, sendo um dos quais adotivo40. A renda familiar corresponde às aposentadorias do casal, de um salário-41mínimo cada qual, e nada mais. Composição familiar no domicílio: Dona Conceição, o marido Sr. João, também com 67 anos de idade e o neto Elias, 09 de nove anos. Convém informar que Elias não é o primeiro neto que a Dona Conceição ―cria‖, pois, a entrevistada relatou ter “cuidado” de Perla, filha de outra filha. - Aqui também tinha uma moça...Mais, ela saiu também de dentro de casa...Mais, era neta também e eu criei desde novinha. Cuidei desde pequenininha. Desde a hora que nasceu. Aí, ela namorava com um rapaz, aí se ajuntou com o rapaz, mora lá pra bando do BoaEsperança. Aí, ficou só eu, o João e o Elias. Ela ainda não tinha completado os vinte não! (Depoimento concedido por D. Conceição, 67 anos). A genitora de Perla é a filha mais velha da entrevistada e, atualmente, mora em São Paulo-SP, após casar-se (pela segunda vez), e, como seu marido foi trabalhar nesse Estado, ela o acompanhou. Sobre o casal, o homem não é o genitor de Perla. A Dona Conceição assumiu financeiramente Perla e sua mãe, durante muitos anos, até que decidiu enfrentar um novo relacionamento e Perla permaneceu com sua avó. A mencionada família, antes de se mudar para o Residencial Vitória, residia no Município de Pacatuba-CE. Durante as visitas, a conversa se desenvolvia mesmo com a Dona Conceição, que inicialmente estava um pouco receosa em relatar suas vivências familiares, mas, que depois do primeiro encontro, se demonstrou comunicativa e interessada na pesquisa. O Sr. João, sempre estava em casa na hora das entrevistas, todavia, era mais calado e introvertido. Não participava com palavras, mas sentava-se pertinho de sua mulher, no sofá da sala, ouvindo toda a conversa. Sempre atenta a ele, não se perdia um só gesto de confirmação (feito com a cabeça) aos relatos de Dona Conceição. Em outras vezes, soava baixinho aquele “é verdade !” . Vale ressaltar que 40 ―mas, hoje em dia ele sabe quem é a mãe dele, porque eu disse a ele‖ (D. Conceição). Este filho adotivo, atualmente, tem 28 (vinte e oito) anos de idade, não possui laços de parentesco e/ou de consangüinidade com a informante. Todavia, é legalmente filho dela, ou seja, ―registrado em cartório‖. 41 Valor do salário-mínimo em vigência: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito) reais. (Reajustado em 01.01.2013). 67 a Dona Conceição enfatizou, no seu dia adia, cuidar, além do neto, também de seu esposo que já possui mais idade que ela, e que, anteriormente, sobrevivia e sustentava a família com a agricultura, mas hoje possui saúde e semblante desgastados pela dureza das atividades laborais. Outra é a Dona Rosa com 61 anos de idade, doméstica, mas, atualmente, não pode trabalhar em virtude de problemas de saúde (câncer). É beneficiária do auxílio-doença do INSS, o qual corresponde a um salário-mínimo. Viúva há 11 anos. Antes de morar no empreendimento, local da pesquisa, residia em Fortaleza, no bairro Messejana. No domicílio, atualmente, residem ela e o neto Elson, de 11 anos. Ela também cuidou de outros dois netos, desde que eles nasceram - Bia e César – respectivamente, com 15 e 16 anos de idade. Dona Rosa, apesar de ser a mais nova entre as depoentes, sempre mencionou as limitações que a doença lhe proporcionou. A patologia era citada em todas as conversas, bem como a vontade de viver...e, às vezes, a desesperança também surgia... - Eu era muito felliz, né! Mas, depois que eu descobri que eu tinha essa doença...Eu fiquei assim meia...Assim, parte da minha vida...(lágrimas). (Depoimento concedido por D. Rosa, 61 anos). Há seis anos, Dona Rosa foi acometida pela enfermidade acima citada e, ainda luta contra sua doença trouxe muitas modificações em seu viver, dentre elas a de necessitar residir três anos com uma filha, logo no início da doença. Contou ainda que a doença reduziu demasiadamente suas atividades, inclusive a de que ela mais gostava - cuidar dos netos - haja vista que ela teve que se afastar gradativamente daqueles netos que criava. Foi tão doloroso quando eu me separei deles, e esta separação deu-se devido á doença. Vale frisar, contudo, que, mesmo com o desafio diário de lutar contra essa doença, a Dona Rosa sempre recebeu muito bem a pesquisa, sorridente, expressiva e muito atenciosa. Quanto à importância em falar sobre o assunto deste estudo, Dona Rosa não atendia a visita de vizinhos, nem sequer telefone. Certa vez, durante uma entrevista, o celular tocou. Mas, ele não quis atender. Falei para ela que eu aguardaria, e que ela podia atender, 68 caso quisesse. Mas, ao atender sua reação foi: olha eu to fazendo uma entrevista aqui com a moça. Depois, eu ligo. Pronto ! Diga... e voltou-se para mim, sem perder tempo. (Diário de Campo, 30 set. 2012) Com seu jeito simpático, não queria que seu problema de saúde (e a tristeza que advinha deste) interferisse na qualidade de seus relatos, e, no final de uma entrevista, expressou: Eu espero que a história (risos) não seja muito (risos)...Por que a história é essa daí. E, até hoje, eu ainda sinto falta deles. Mas, num posso fazer nada. (Dona Rosa, 61 anos) Dona Ana, viúva, 74 anos de idade, do lar, é a terceira avó que participou deste estudo. Na residência, moram ela e seu neto, Pedro, de 16 anos. Esta informante possui oito netos, e destes cuidou42 de dois - Pedro e Maria, ambos adolescentes. Pedro é o único que ainda mora com ela. Com relação a Maria, argumenta que até hoje ainda cuido, no sentido de realizar os desejos de consumo e suprir as necessidades diárias. Certo dia, ao chegar no Conj. Vitória, a D. Ana não se encontrava em casa. Interessante é que mesmo com toda a proximidade da vizinhança, ninguém sabia onde ela estava. Posteriormente, quando a encontrei, ela falou baixinho (e fazendo gesto de silêncio), confidenciou-me um segredo...Ela havia ido ao centro comprar um presente para o neto uma televisão. E, não podia falar alto para não causar intrigas, nem ciúmes... (Diário de Campo, 04 jan. 2013) Essa depoente possui limitações, ocasionadas pela idade, bastante visíveis, bem como mencionadas por ela. Mesmo acometida de artrose, a Dona Ana é uma das moradoras mais participativas nas atividades e reuniões do Trabalho Técnico Social, ainda desenvolvido no empreendimento. Vale frisar que essa característica a acompanha também em outras atividades, como, por exemplo, nas programações da igreja evangélica, a qual a citada se congrega. 42 Aqui se referindo ao sentido de ―criar‖, pois, conforme ela mesma disse: ―desde o primeiro eu já cuido‖ (sic). 69 Durante as visitas, Dona Ana sempre fazia questão de mostrar seu novo material de cursos (livros e revistas da Escola Bíblica Dominical) que desenvolve em sua igreja. O Livro Sagrado, a Bíblia, fazia parte do cenário da sala. Estudiosa, atenciosa e emotiva, algumas vezes se emocionou durante seus relatos, não podendo conter as lágrimas naquela ocasião ao falar sobre seu neto. Faz-se necessário destacar o fato de que, em alguns momentos, sua filha sentou-se numa cadeira na sala e ficou a escutar a conversa. Não houve interferência ou qualquer outro contato negativo com relação a esta pesquisa; todavia, se esclareceu sobre o trabalho e ela disse que já tinha ouvido falar por aqui, referindo-se ao comentário de outras moradoras. Algumas vezes, se percebeu nas entrevistadas o sentimento de valor que elas expressavam no que se refere a fazer parte da pesquisa da faculdade, ao receberem, mais uma vez a protagonista do estudo em seus apartamentos. Eram momentos em que se sentiam importantes, como personagens principais da realidade de experiências com seus netos. E, realmente, o eram. 2.5 Os domicílios Era-se, frequentemente, bem recebida nas residências das entrevistadas era sempre bem-vinda. Embora, algumas vezes, se percebesse que o período da manhã (definido por elas) fosse um tanto quanto apertado haja vista os afazeres domésticos e as responsabilidades com os netos, ainda conseguiam tempo para compartilhar suas histórias, pois, conforme avalia Bosi (2003): ―uma pesquisa é um compromisso afetivo, um trabalho ombro a ombro com o sujeito da pesquisa‖. (P.38) Este representa fator de enorme relevância, bem como lembrado também nas palavras de Bosi (2003), quando esta menciona sobre a alegria do velho ao relatar sua história: ―Sua vida ganha uma finalidade se encontrar ouvidos atentos, ressonância‖‘. (P.82). Seguindo esse raciocínio, Oliveira (1999) faz a seguinte indagação: ―Quem ouve o que falam os velhos?‖. Nesta, o autor se reporta à exclusão que tal segmento recebe da sociedade, o qual, muitas vezes, é semelhante ao que acontece no ambiente familiar. Bosi (2003), ao analisar a conversa de um velho, acrescenta ainda que 70 A conversa evocativa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra de arte. (P. 82). Na sucessão das visitas, conforme alerta Oliveira (1999), olhos e ouvidos estavam atentos a tudo, haja vista a relevância desta interação, no decorrer da pesquisa. Sobre essas ―faculdades do espírito‖, o autor complementa: Portanto, se o olhar possui uma significação específica para o cientista social, o ouvir também goza dessa propriedade. Evidentemente tanto ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas- que não percamos com essa metáfora tão negativa – que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. A metáfora, propositalmente utilizada, permite lembrar que a caminhada da pesquisa é sempre difícil [...]. (P. 21). Então, no exercício do olhar em escrita, decide-se repartir com o leitor o subjetivo das relações representadas em objetos, fotos e seus significados. Os apartamentos das avós entrevistadas eram todos simples, não significando dizer que não havia ali um ambiente aconchegante, um ―sentido de pertencer‖, como aborda Osterne (2001), observado na arrumação dos móveis (alguns poucos móveis), da disposição dos quadros e das fotografias, do cheiro que exalava dos alimentos preparados na cozinha, pelas próprias entrevistadas, das cortinas estampadas (que dividiam ou serviam de portas em outros cômodos). Ao se adentrar as salas, a organização e os significados dos objetos impressionavam. Nestas, nem sempre o televisor ocupa lugar de destaque na estante, a qual tem junto à sua decoração, bibelôs, quadros, fotografias, e a Bíblia, livro fundamental de orientação, companheirismo, força e fé constantemente relatado nos encontros com Dona Ana. As fotografias, em sua maioria, apresentam registro de momentos marcantes (casamentos, aniversários, dentre outros...) ou lembranças, com retratos de familiares que residem distante (outras cidades e/ou estados) ou, até mesmo, já falecidos. Estes registros fotográficos foram encontrados em todas as salas dos 71 apartamentos das avós entrevistadas, expostos na parede, no móvel da sala ou na estante. No apartamento da Srª. Conceição, logo no primeiro encontro, ao contar sobre o neto caçula que ainda criava, haja vista os demais já terem crescido e/ou casado, a entrevistada retirou a foto do neto da parede para que se pudesse apreciar, e, no decorrer da narrativa, não economizava palavras de orgulho por criá-lo, por sua educação e comportamento; talvez, um sentimento de dever. Evidencia-se o mosaico de fotos diversas, exposto na parede do apartamento de Dona Conceição e elaborado por ela própria. Uma arte ! Este foi cuidadosamente mostrado e explicado, particularizando cada uma das fotografias. Considera-se que esta passagem ilustra bem a relevância de se manter uma relação de proximidade com os entrevistados. Assim, compreendeu-se que havia estabelecido com elas uma relação de confiança. Destaca-se que este vínculo de confiança se avaliou como sendo bastante positivo, também durante as abordagens. Quanto ao vínculo de amizade e confiança com as entrevistadas, Bosi (2003) expressa que ele [...]não traduz apenas uma simpatia espontânea que se foi desenvolvendo durante a pesquisa, mas resulta de um amadurecimento de quem deseja compreender a própria vida revelada do sujeito. (Pp. 37-38). Ainda sobre a convivência estabelecida entre sujeitos e pesquisador, Oliveira (1999) abordou muito bem ao mencionar que: A convivência próxima aos sujeitos da pesquisa permite que os ensinamentos ultrapassem os limites do que é tematizado (...). Não importa que se trate de um movimento assimétrico, informalmente realizado, desencadeado às vezes por pessoas que mal conhecem as letras. Aqui elas são portadoras de um saber não codificado, tecidos nos fios da experiência vivida e, por isso, múltiplo e infinito. Não são lições de casa; são lições de vida. (p.: 266). 72 Convém ressaltar a relevância da comunicação com o cenário da pesquisa, na compreensão do fenômeno estudado. Conforme expressa Bosi (2003), ―Temos com a casa e com a paisagem que a rodeia a comunicação silenciosa que marca nossas relações mais profundas.‖ (P.442). Segundo a citada, ―tudo fala!‖. 73 3 DEBATE SOBRE A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA ―A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar,não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo" Albert Einstein 3.1 A família no cotidiano da luta pela sobrevivência Ao pensar em família, no contexto de uma sociedade capitalista, não se pode desconsiderar que as desigualdades advindas deste modo de produção, as quais suscitam a ―questão social43‖, afligem a categoria família, que também é alvo, portanto, dos reflexos desses condicionamentos e/ou fatores externos. Abordar o núcleo familiar é situá-lo como espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, de desenvolvimento, bem como de assistência integral dos filhos e dos demais membros, independentemente do modo de sua organização e/ou estruturação. Pode-se dizer, destarte, que a família corresponde a um fenômeno universal, haja vista sua existência, nos mais diversos tipos de sociedade. A família é constituída pela iniciação de socialização e aprendizado dos afetos, bem como das relações sociais. Em consonância com esta afirmação, Petrini (2003) destaca a idéia de que a família surge como lugar ―da gratuidade, do acolhimento incondicional, que precede os cálculos da convivência, criando ao seu redor, uma rede de solidariedade (...)‖. (Pp.5-6). Na família, logo, são propiciados os aportes afetivos e, sobretudo, materiais, necessários com base nos relacionamentos pessoais. 43 Definida por Iamamoto (2004) como, ―o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade‖. (P. 27) 74 Alcântara (2010) contribui neste debate, acentuando o que exprime Pierre Bourdieu para que [...] o ‗espírito de família‘ como o estado de integração mútua entre os membros da família, no qual se estabelece em um cotidiano de trocas, ajuda mútua, festas comemorativas registradas nos álbuns fotográficos, produto de um consistente trabalho simbólico e prático. Nesse sentido, um verdadeiro trabalho de coesão, quer dizer, o de perpetuação do ‗sentimento familiar‘, um exercício de manutenção desempenhado principalmente pelas mulheres. (P. 98) Convém mencionar que a instituição família se encontra em constante mudança e dinamismo, decorrentes da própria estrutura, bem como conjuntura da sociedade. Nas famílias mais pobres, como, por exemplo, os interlocutores desta pesquisa, as trajetórias e movimentos traçados no meio intrafamiliar ocorrem, muitas vezes, do modo traumático, em razão da ditadura estabelecida, tanto pelas próprias condições econômicas quanto na luta diária pela sobrevivência, quer seja individual ou familiar. Cruz (2012) destaca ser esta uma ―época em que reina a luta pela sobrevivência e, portanto, o individualismo (...)‖. (P.266). Nos relatos de Dona Ana, sempre foi possível constatar a participação dessa avó no que concerne à preocupação em proporcionar melhores condições econômicas, mesmo aos netos que não residiam com ela. Durante os encontros com esta entrevistada, a expressão ―mensalidades‖ era frequentemente usada, aludindo à ajuda financeira que ela prestava, inclusive, aos netos que residiam em outras cidades do interior do Ceará. Já no caso de Dona Conceição, tal auxílio aos demais netos ocorria por meio de alimentos, ou mandando para as residências deles ou reunindo os netos em sua casa nos horários das refeições principais. A não naturalidade e a mutabilidade são características descobertas por estudiosos acerca da instituição família. Para Bruschini (1990), estudar família é despila de sua ―aparência de naturalidade percebendo-a como criação humana mutável‖. (P.50). Vale frisar que essa autora defende família, não como instituição natural, porém como um conjunto de indivíduos unidos por diferentes elos, podendo ser estes constituídos por sangue, adoção ou aliança (casamento e/ou união estável). 75 Assim, a família consiste numa elaboração social e simbólica, cujas relações de parentesco são estruturantes da vida social. Nas palavras de Bruschini (1990), ao pesquisar esta temática, deve-se considerar que Se de um lado, portanto, o conceito de família se refere a um grupo social e empiricamente delimitável, de outra parte ele remete também a um modelo cultural e sua representação. A análise da família deve por isso mover-se nos planos das construções ideológicas e de seu papel na organização da vida social. (1990: p. 34). Lasch (1991) ressalta a importância da família como locus privilegiado de vivência autônoma, da intimidade e de proteção das pessoas ante o poder normatizador e repressivo das instituições políticas e econômicas. Esse estudioso concorda ainda com o pensamento de Szymanski (2003), quando esta declara que a família, por dinamismo e contradição, também reproduz conflitos, violências e rejeições. A situação que envolve a realidade das famílias se caracteriza, também, por problemas sociais de ordens diversas, como, por exemplo, as barreiras econômicas, sociais e culturais que afetam diretamente o desenvolvimento integral de seus componentes. Portanto, a família, como forma específica de agregação44, possui dinâmica de vida própria, afetada também pelo desenvolvimento socioeconômico. Neste sentido, Szymanski (2003) complementa, assinalando que refletir sobre família é articular as idéias referentes a ela, no viver cotidiano. Assim sendo, pode-se observar que a família está suscetível as pressões internas (provenientes de mudanças evolutivas de seus membros), e externas (oriundas das exigências para se adaptar às instituições sociais significativas, as quais possuem impacto sobre os componentes da família). Responder a estas exigências, tanto de dentro como de fora, demanda transformação constante nos membros desse grupo primário, em relação um ao outro, de maneira que possa crescer, enquanto o sistema familiar mantém continuidade. 44 Vale salientar que, ao núcleo familiar, novos membros se agregam, nascem, saem alguns para constituição de outras famílias, para enfrentarem o mercado de trabalho, assim como morrem. A família, portanto, corresponde a um processo interagente não só da vida, mas também das trajetórias individuais de cada um de seus membros. 76 Ante as considerações ora expostas, torna-se possível compreender que a família não é composta, apenas, por um grupo de pessoas unidas por afinidade e/ou consangüinidade, todavia, como um espaço onde são atendidas as necessidades vitais, bem como materiais, de seus membros. Tal afirmação é ratificada nas palavras de Bruschini (1990): [...] a família também persiste como universo vital porque nela necessidades da vida material são satisfeitas a partir de relações pessoais nas quais as emoções desempenham papel decisivo. Desejo, afeto, amor, ódio, desgosto, prazer, são sentimentos presentes nas relações entre cônjuges, pais e filhos e demais parentes. (P. 28). Sobre os ―demais parentes‖, destacado nas palavras de Bruschini (1990), destaca-se também a participação dos avós na atualidade, compreendidos, também no campo das emoções, e, muitas vezes, por exercerem papel decisivos na vida de seus netos. Peixoto (2000), complementa destacando que ―os avós brasileiros participam intensamente da vida dos netos‖. (P.110). Convém salientar que esta participação dos velhos, em seu núcleo familiar, aparece em duas vertentes: subjetivas (amor, carinho...) e/ou materiais (garantia dos mínimos para a existência). Neste experimento, estes mínimos foram relatados pelas avós de várias formas, como alimentos, dinheiro, medicação e apoio no próprio domicílio. Ainda se reportando à família e suas modificações ao longo do tempo, Peixoto (2000) acrescenta: De todo modo, contrariamente às aparências de desordem, apontadas na variação dos indicadores demográficos, as famílias continuam a contribuir para a reprodução biológica e social da sociedade, função que podemos considerar do ponto de vista socioantropológico como sendo universal. (Pp. 7-8) Osterne (2001) contribui para este debate, ao analisar e definir a categoria família: [...] algum lugar seja o ‗lar‘, ‗a casa‘, ‗o domicílio‘, ‗o ponto focal‘, onde se possa desfrutar do sentido de pertencer, onde se possa experimentar a sensação de segurança, afetiva e emocional, onde se possa ser alguém para o outro, apesar das condições adversas mesmo independente das relações de parentesco e consangüinidade. (apud Osterne. P. 92) 77 É lícito evidenciar que a convivência cotidiana familiar entre os pobres45 é garantida, muitas vezes, a duras penas, como estratégia imprescindível à sobrevivência não apenas material, mas também afetiva. Consoante o raciocínio de Yazbek (2012), o adentrar no universo denominado pobreza, observa-se que este é [...] marcado pela subalternidade, pela revolta silenciosa, pela humilhação e fadiga, pela crença na felicidade das gerações futuras, (...) e, sobretudo pelas estratégias para melhor sobreviver, apesar de tudo. Embora a renda se configure como elemento essencial para a identificação da pobreza, o acesso a bens, recursos e serviços sociais, ao lado de outros meios complementares de sobrevivência precisa ser considerado para definir situações de pobreza‖. (P.292) Ainda refletindo sobre a pobreza e suas dimensões, convém destacar as situações, bem como ás estigmatizações46 a que é submetida esta parcela da “sociedade de escassez”, conforme a análise de Yazbek (2012), se referido à população que procura por trabalho, por local para dormir, sobreviver...Ou seja, ―gente que fica à espera em longas filas ‗para receber benefícios: uma cesta ‗um saco de leite, uma consulta, um lugar no ônibus para ir ou voltar do trabalho, para obter um documento, para conseguir um emprego, reivindicar um direito....‖ (P. 292) Observando a realidade das famílias menos ―favorecidas‖, ou seja, denominadas pobres, residentes em Maracanaú, constata-se que a pobreza é expressa neste Município, não somente pelo desemprego, mas também em virtude de acesso aos serviços públicos, podendo-se destacar educação, saúde, saneamento e habitação. Esta dificuldade, ou até mesmo, falta de acesso aos serviços públicos, foi também identificada na fala das entrevistas, como se pode constatar: - Agora, pra nós aqui nesse Conjunto, tá meio ruim pra nós...Nós tem só um agente de saúde. Mas, Não tem médico. Chega no médico sem conhecer mesmo, e pronto ! Você me atende, você me atende, 45 A noção de pobreza é ampla. A pobreza, compreendida como categoria multidimensional, não se limita, somente, pelo não acesso a bens, mas se expressa também através da carência de direitos, de oportunidades, de informações, de possibilidades e de esperanças. Convém mencionar que abordar a problemática familiar em todas as suas dimensões e singularidades constitui uma tarefa difícil e complexa, conforme esclarece Montãno (2012). 46 Inseridos numa ordem social que os desqualifica, os pobres passam também a ser marcados por clichês, do tipo: inadaptados, marginais, problematizados, portadores de alto risco, casos sociais, dentre outros, conforme Yazbeck (2012) 78 fulano me atende, é assim... Mas, a gente tem que dá graças a Deus por isso ! (Depoimento concedido por Dona Ana) Neste fragmento, pertencente a uma das avós entrevistadas, verifica-se a falta de compromisso do Poder Público para com o próprio segmento populacional, a que já atende, ou seja, que reúne necessidades constatadas pela equipe técnica social municipal para intervenção pública, com maior atenção e continuidade. Em decorrência das dificuldades enfrentadas na realidade diária, conforme expresso no capítulo anterior, as famílias maracanauenses encontraram como alternativas, de enfrentamento à sobrevivência (e, por que não dizer, garantia de sobrevivência), os trabalhos esporádicos, ou seja, informais, também denominados ―bicos‖. - Nós vendia era tapioca pra interar o salário que era pouco pra sobreviver...Quando ele era vivo (o esposo), ele ajudava até a ficar com eles (os netos) enquanto eu saia pra vender...tinha que ser! (Depoimento concedido por Dona Ana) Neste caso, acima apresentado, tem-se a seguinte situação: o bico é realizado até mesmo pelos mais velhos, ou seja, a própria entrevistada, a fim de complementar a renda familiar, haja vista de ter o compromisso tanto com a filha, que retornou para casa, quanto para o neto. Mesmo já velhos, os genitores mantinham (ou mantêm) as responsabilidades domésticas com suas diminutas aposentadorias. Atualmente, apenas com uma aposentadoria, pois Dona Ana está viúva. Cruz (2012) expressa, por oportuno, a noção de que ―em tempos da plena fetichização do capital, reificado na fase atual pela hegemonia da globalização financeira que tem como uma de suas expressões sociais o desemprego cultural (...)‖. (P.242) Neste espaço de incertezas, advindas do próprio capital, pode-se lembrar das palavras de Bauman (2001), ao evidenciar o argumento de: O capital pode viajar rápido e leve, e sua leveza e mobilidade se tornam as fontes mais importantes de incerteza para todo o resto. Essa é hoje a principal base da dominação e o principal fator das divisões sociais. (P. 145). 79 O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001) em sua obra denominada Modernidade Liquída, chama a atenção para a transição de uma Modernidade ―leve‖, ―fluida‖, que suplantou infinitamente a Modernidade ―sólida‖, de modo a ocasionar intensas alterações em todos os aspectos da vida humana, inclusive nas relações, fator este que causa preocupação também para os estudiosos da categoria família. Em suas análises, Bauman (2001) abordou também o assunto referente às estratégias de sobrevivência das famílias frente às teias da Modernidade. Prado (1985) e Peixoto (2000) argumentam não se poder negar que o ato de solidariedade, entre estas famílias, ainda é muito forte. Prado (1985) também salienta que a família não corresponde, exclusivamente, a ―um tecido fundamental de relações, mas também um conjunto de papéis socialmente definidos.‖ (P.23). Por conseguinte, a família também pode ser compreendida como um sistema complexo de relações, no qual seus componentes partilham um mesmo contexto social de pertencimento. Conforme Fichter (1967), a família pode ser interpretada como ―uma configuração ou combinação de padrões de comportamentos, compartilhado por uma coletividade, e centrado na satisfação de algumas necessidades básicas, do grupo‖. (P. 173) Brushini (1990), todavia, chama a atenção para o fato de que ―não há completa harmonia e unidade interna na família.‖ (P.77). Tal situação foi observada nas três famílias das avós entrevistadas. Nas palavras de uma delas, no que concerne a conflitos internos, considerou que: isso é coisa de família mesmo...é coisa comum! (Dona Ana) Acrescenta, ainda, que a família é um grupo social formado por pessoas que se relacionam diariamente, produzindo uma dinâmica e complexa trama de emoções, não consistindo numa soma de indivíduos, mas num conjunto vivo e conflitante de pessoas com personalidade e individualidade próprias. É neste espaço, possível de transformações, que deve ser ressaltada a dinâmica familiar, ponderando também as peculiaridades da história de cada família, marcada pelos diversos contextos sociais. Enfocando o cotidiano das famílias, na batalha pela sobrevivência, Vitale (2002) esclarece que 80 Inúmeros são os desafios que permeiam a vida da família contemporânea. Podemos pensar em temáticas como violência intra e extra familiar, desemprego, pobreza, drogas e tantas outras situações que atingem a dolorosamente a família e desafiam sua capacidade para resistir e encontrar saídas. (P. 45). É válido explicar que os impactos desses desafios e mudanças sobre o cotidiano das relações familiares atingem também a população envelhecida, ou seja, os velhos de cada família, de maneira a atribuir-lhes novas cobranças ante as imposições que a própria dinâmica do sistema lhes expõe. Perceber a família como um processo social, em elaboração e modificação, é alargar os horizontes para os novos arranjos que surgem no interior destas. Assim, aflora a participação do velho, representado nesta pesquisa pelo recorte das avós, haja vista este contexto favorecer a mudança de papéis para estes. Desse modo, observa-se que o papel do indivíduo velho foi modificado, tanto no âmbito social quanto familiar Torna-se, porém, salutar mencionar que as transformações sociais e, consequentemente, familiares, que se expressam nos dias atuais, ocorreram de modo gradativo mascarando uma realidade demasiadamente complexa. Neste trabalho, as estratégias de sobrevivência estão, intrinsecamente, ligadas à compreensão das relações pessoais que na sua base, com ênfase na inetergeracionalidade. 3.2 Organização familiar: da diversidade dos modelos aos dias atuais As diversas mudanças ocorridas no plano socioeconômico e cultural, pautadas na globalização da economia capitalista, refletem também em interferências no âmbito da estrutura familiar, ocasionando alterações em seu padrão tradicional de organização. Assim sendo, a categoria família passa a demonstrar novas características, ou seja, outra configuração em sua forma de estrutura e composição, sendo, portanto, desconstituído o modelo de família tradicional ideal. 81 Abandona-se, portanto, o modelo patriarcal e cede-se lugar aos modelos diversos, dos quais se originaram os também designados ―novos arranjos familiares‖. Desse modo, não se pode falar em família, contudo, em ―famílias‖, de modo que se possa tentar observar a diversidade de relações que a envolvem, do Brasil-Colônia à sociedade atual. Observa-se a família como categoria historicamente determinada, em que as mudanças nela ocorridas correspondem a reflexos das modificações sucedidas na própria sociedade. Assim, Benincá e Gomes (1998) concordam com Bruschini (1990), ao defenderem o argumento de que ―a família é um organismo mutável, que transforma e é transformado pela sociedade‖. (P.178). Tal fato chama a atenção, principalmente, no tocante aos desafios surgidos para os avós do século XXI, compreendidos como sujeitos desta pesquisa. Em anuência ao pensamento de Benincá e Gomes (1998), Petrini (2003) colabora neste estudo, ao exprimir a intenção de que: A família encontra-se me constante mudança por participar dos dinamismos próprios das relações sociais. O processo social dos últimos séculos acelerou as mudanças, com conseqüências substanciais em todos os aspetos da convivência humana. A família, integrada nesse contexto, necessariamente passa por transformações de tal magnitude, que parece prestes a desaparecer. (P. 60). Faz-se necessário ressaltar que, além da variedade de modelos de família entre as classes, e no interior dos grupos familiares, existe uma diversidade de experiências familiares e de modos de organizações plurais ao longo da história, bem como para diferentes modos de atribuir significados aos agrupamentos familiares47. É mprescindível destacar entretanto que, a instituição família não perdeu sua relevância, nem seu papel na sociedade. conforme Benincá e Gomes (1998), Bruschini (1990), Petrini (2003) e Peixoto (2000). Portanto, faz-se relevante entender a família não apenas como matriz da sociedade, mas feita um sistema em constante transformação. 47 Como as famílias monoparentais, reconstituídas de pessoas sozinhas, os ―ninchos vazios‖ de velhos, dentre outros mais visíveis na atualidade, dado seu crescimento demográfico. 82 Petrini (2003) faz uma excelente consideração, ao explicar que, no decorrer da evolução histórica, a família persiste como matriz do processo civilizatório. Compreendendo a família como sendo o fundamento da sociedade, referido autor complementa, acentuando essa idéia: Muitos estudiosos observam que a estrutura familiar continua presente nas diversas culturas, em todos os períodos históricos, como forma de relação social constitutiva da espécie humana. Esta encontra no ambiente da família, não só os elementos favoráveis à sobrevivência, mas as condições essenciais para o desenvolvimento e a realização da pessoa. (P. 65). Consoante ao que pensa Petrini (2003), Mello (2003) indica ser possível identificar o movimento e a diversidade inerentes à instituição família, quando assegura que ―em todas essas situações a família não está desorganizada, mas organizada de maneira diferente, segundo às necessidades que lhe são peculiares‖. (P.58). Torna-se, portanto, imperativo salientar que, neste movimento (de organização, desorganização ou reorganização) do grupo familiar, as relações se modificam constantemente, resultando no surgimento de outras atribuições. Ao explorar a instituição família, sob a óptica relacional, pode-se perceber que esta funciona com suporte numa interação mútua de seus membros (ou seja, as partes), de modo tal que o conjunto (o todo) se torna mais que do que somatório das partes, e que a alteração de uma destas modifica todo o produto. A família corresponde, por conseguinte, a um sistema vivo, haja vista sua constante transformação, conforme consideram Mello (2003), Petrini (2003), Szymanski (2003), Benincá e Gomes (1998) e Bruschini (1990). Para Petrini (2003), os vínculos familiares são capazes de traduzir uma relação entre o indivíduo e a totalidade de sua existência: Um grupo de pessoas é reconhecido como família quando se configura como uma relação de plena reciprocidade entre os sexos e entre as gerações. Trata-se de um recíproco pertencer, na maioria das vezes não simétrico, constituído através de processos de 48 vinculação desenvolvidos em contextos diádicos . (P.72). 48 Referência do próprio autor: Donati, 1998; Bronfenbrenner, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 83 Ainda com relação à diversidade de formas que a categoria família pode ostentar, Szymanski (2003) complementa: O mundo familiar mostra-se numa vibrante variedade de formas de organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas na busca de solução para as vicissitudes que a vida vai trazendo. Desconsiderar isso é ter a vã pretensão de colocar essa multiplicidade de manifestações sob a camisa-de-força de uma única forma de emocionar, interpretar (...). (P.27). Assim sendo, constata-se que não é fácil definir ou mesmo compreender claramente o que é a instituição família, como esta se compõe ou se relaciona, haja vista não existir ―família regular‖, ou um modelo, como se pensava outrora. Curioso é que apesar das alterações, a imagem da família ideal e estruturada, com base no modelo nuclear, ainda possui influência nos dias de hoje. Nas falas de Dona Rosa e Dona Conceição, narrando suas histórias, percebeu-se que este ―modelo‖ ainda era idealizado e desejado. Na circunstância de Dona Conceição, duas de suas filhas foram mães solteiras, e o desejo de vê-las com família constituída, estruturada (ou seja, marido e filhos) fazia parte, inclusive, de suas orações. Atualmente, a citada sente-se ―confortada‖ no sentido de suas filhas terem casado novamente. Os frutos do primeiro relacionamento, todavia, ficaram sob a responsabilidade da avó. Ao estudar família, há de se perceber a existência de uma diversidade (histórica e cultural) presente nas formas como as pessoas organizam sua vida privada, as relações afetivo-sexuais, a prática de criação de filhos, a divisão das tarefas domésticas, bem como de papéis, no grupo familiar. Assim sendo, faz-se necessário observar que, dentro de cada cultura, a organização da vida privada pode expressar formas e processos diferenciados. 3.2.1 Famílias brasileiras: História e dinamismo Desde o início do período colonial49 brasileiro, o assunto família ocupa um papel de grande relevância na História do País. Conforme a expressão empregada por 49 Nessa época, a família era popularmente conhecida como ―patriarcal‖ (focada na figura do pai), a qual se tornou base para caracterizar a família brasileira. A família possuía uma composição o qual configurou um padrão de ―família nuclear burguesa‖ que obrigatoriamente apresentava a existência de um homem, uma mulher e filhos, todos com papéis sociais definidos. 84 Costa (1989), no período focalizado, a família era popularmente conhecida como ―patriarcal50‖, a qual se tornou fundamento para caracterizar os grupos familiares nacionais. Quanto às análises sobre a família, na sociedade atual, é imprescindível ressaltar que estas constituem um mosaico que reflete os diferentes significados que essa instituição, tão básica quanto complexa, pode assumir. No tocante aos modelos de família, Samara (1986) chama a atenção para um detalhe importante, referente às ―famílias extensas do tipo patriarcal‖, ao esclarecer que estas não foram predominantes no Brasil, sendo, portanto trivial encontrar aquelas com menor número de integrantes. Acrescenta ainda que a família do tipo patriarcal adquiriu configurações regionalmente diferentes e mudou com o tempo. Convém frisar que para alguns autores, o modelo patriarcal foi historicamente analisado como insuficiente para dar conta das modificações peculiares às organizações familiares no Brasil, da Colônia ao Império. Durante os três primeiros séculos do período de colonização, o termo família estava exclusivamente relacionado à ―família latifundiária‖ segundo Costa (1989), porquanto, na época da organização/estrutura familiar, advinha todo poder social, administrativo, político e econômico. Da família patriarcal derivou toda a formação social do País. Destaca-se a idéia de que, além da diversidade, quanto aos modelos apresentados pela categoria família, havia também a presença de um arquétipo dominante (ou padrão), compreendido no modelo patriarcal. Osterne (2001) defende o argumento de que este modelo não existiu sozinho51, embora tenha exercido importante papel em determinada época. Ainda sobre o arquétipo do tipo patriarcal, Osterne (2001) corrobora com este estudo, quando ensina o seguinte: A famosa ‗família patriarcal‘ era decididamente uma forma dominante de constituição social e também política. Obviamente não consegue ser a única em termos de ordenamento social, uma vez que com ela 50 51 Definição no decorrer deste subcapítulo. Conforme Osterne (2001), o modelo de família patriarcal passou a ser dominante ao se sobrepor às formas oficiais existentes ao longo da história, as quais não foram compartilhadas pela maioria da população brasileira. 85 competiam as leis e uma burocracia polarizada que correspondia à ordem constitucional da sociedade. Não se pode negar é que o modelo patriarcal, enfim, tenha exercido sua dominação além de ser possuidor de expressiva visibilidade social, em razão do seu poder e da capacidade dos seus elementos em exercerem o controle dos recursos de poder no meio social. (P. 65) Na família do tipo patriarcal, as funções eram deliberadas, sobretudo, em razão do sexo. Assim sendo, mulheres e filhos ocupavam lugar de inferioridades em face da figura masculina52, ou seja, do pai que tinha a obrigação de sustentar a família, bem como de zelar pela sua unidade. À mulher, por sua vez, era reservado o papel de mãe. O homem/marido era o provedor. A mulher/mãe a dona de casa. Observa-se que a lenta transformação, no tradicional modelo familiar (casal e filhos), aponta para alterações relevantes na família. Convém mencionar que as mulheres, nos dias atuais, sobretudo nas camadas populares, possuem maior responsabilidade pela gestão do orçamento familiar, conforme evoca Peixoto (2000). Retomando o debate sobre a diversidade de modelos, Costa (1989) explica que a família latifundiária, até o século XIX, incidia numa ―unidade de produção e consumo‖. A família fabricava tudo de que necessitava (dos utensílios domésticos aos objetos de uso pessoal) no próprio lar, ou seja, na casa-grande, marco dessa estrutura familiar. De acordo com esse autor, sentimentos de intimidade ou privacidade eram desconhecidos ou ausentes neste ambiente familiar. Com base na obra do sociólogo Gilberto Freyre, no Prefácio à primeira edição de seu sublime livro Casa-Grande e Senzala, a importância da casa-grande pode ser constatada na afirmação do autor pernambucano, quando mencionar: A casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social e político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o bangüê, a rede, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao pater famílias, culto dos mortos, etc.); de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo e da casa (o ―tigre‖, a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de 52 A este eram devidos respeito e obediência. Modelo tradicional da família patriarcal em que a expressa dominação masculina lhe garantia privilégios. Vale lembrar que para as mulheres restavam-lhes ideais, tais como: castidade e submissão (ver item 4.3 deste estudo). 86 gamela, o banho de assento, o lava-pés); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, recolhendo órfãos (1983: XXXVII). Mediante transformações ocorridas na vida rural e na emergente urbanização do sistema econômico, conforme estudos feitos por Osterne (2001), a família patriarcal adentra a decadência, passando a ser exceção na organização da Pátria social brasileira. Bruschini (1990) ratifica o pensamento da autora há instantes mencionada ao exprimir que ―exceções ao modelo, porém, não reforçam sua elasticidade como também a riqueza da realidade empírica, que de longe o extrapola‖. (P.37) No final do século XIX, num quadro ainda predominantemente latifundiário e escravista, surge o tipo família burguesa ou modelo nuclear de família. Este era fundamentado no triângulo pai, mãe e filhos, bem como numa complexa combinação de autoridade e amor paternal. Observa-se que, com a chegada da Corte Lusitana ao Brasil, o molde patriarcal, gradativamente, foi sendo substituído pela família nuclear urbana, resultante de um conjunto de adaptações de regras importadas da Europa. Conquanto, porém, essa organização familiar tenha se tornado ―moderna‖, ela não nega as características patriarcais, pois, como ilustra Almeida apud Osterne (2001), A família nuclear burguesa, esse modelo ideal, surge no marco da ascensão da burguesia industrial (...). (...) A família intimista, fechada para si, reduzida ao pai, mãe e alguns filhos que vivem sós, sem criados, agregados e parentes na casa, eis o modelo de modernidade no limiar do século XIX. A mulher, ‗rainha do lar‘, mãe por instinto, abnegada e vivendo em osmose com os bebês, sendo ela o canal da relação entre eles e o pai, que só se fará presente para exercer a autoridade. Essa família, é bom que se diga, continua patriarcal: a mulher ‗reina‘ no lar dentro do privado da casa delibera sobre as questões imediatas dos filhos, mas é o pai quem comanda em última instância. Ou seja, no padrão ideal, ele deve comandar (...). (P. 69). Ainda quanto à organização familiar, pode-se esclarecer que os grupos familiares se mostram como diversificados, quanto ao parâmetro de composição. Tomando como critério de análise a unidade doméstica, esta categoria pode ser 87 formada por famílias biparentais, famílias monoparentais, famílias compostas de várias gerações, unidades ampliadas53, dentre outros. Ante esta exposição a respeito dos arquétipos de família, verifica-se que as expectativas em relação à família, existentes no imaginário coletivo, ainda se expressam saturadas de idealizações, e, dessa forma, a família nuclear passa a ser considerada como um dos símbolos, ou seja, a forma tradicional de se pensar família. Samara (1986) admite que a família do tipo patriarcal marcou a sociedade com vestígios de sua organização. Convém salientar que a categoria família possui características e normas baseadas nos costumes, como religião, hábitos, valores morais, que podem ser diferenciados, todavia, os laços afetivos não se alteram. Na opinião de Prado (1985), a família é ―uma instituição social que varia através da História e apresenta até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme o grupo social que esteja sendo observado‖. (P.12) Não há como negar ser a família a unidade social que enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento. Estas divergem junto com parâmetros das diferenças culturais, entretanto possuem raízes universais, como defende Tepedino (1997), ―(...) uma espécie de aspiração à solidariedade e a segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social‖. (P.326). É importante ressaltar que não se está a considerar os tipos de família, reconhecidas pelo ordenamento jurídico, tais como o casamento, a união estável, família monoparental e sim, a essência da família lato sensu, considerando que todas têm o fundamento principal que as originou, que é o aspecto emocional-afetivo. Hinoraka (2001) manifesta- se, neste sentido: [...] biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu âmago é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por 53 Onde além de pai, mãe e filhos existem outros componentes. 88 isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal (P. 72). Consideradas como grupos sociais concretos, as famílias são unidades sintetizadas, haja vista que a realidade cotidiana não se enquadra por inteiro em qualquer que seja o modelo sugerido. Dessa forma, percebe-se que a categoria família se mostra numa pluralidade de formas e sentidos, conforme aponta Alcântara (2010): A instituição família comporta uma diversidade de práticas, maneiras de organizar valores e visões de mundo diante das mudanças socioeconômicas e políticas, e não ponderar essa multiplicidade de expressões é incorporar o modelo hegemônico da ‗família pensada‘, imposto por um discurso oficial – seja o das instituições, o da mídia ou o de profissionais; tal discurso reforça a imagem da família nuclear burguesa – isto é, monogâmica, composta de mãe, pais e filhos – como um valor. (P. 92). Vale frisar que, na atualidade, a família não se mostra decadente, degradada e/ou desvalorizada, entretanto, inegavelmente é, diferente em seu modo de organização e enfrentamento do cotidiano. Carvalho (2003) faz uma consideração relevante, ao mencionar a necessidade de ―olhar a família em seu movimento‖, considerando-a como um grupo social, em que seus movimentos de organização, desorganização ou reorganização mantêm um estreito vínculo com o contexto sociocultural. Szymanski (2003) corrobora com a afirmação de Carvalho (2003) e alerta para a importância de apreender o cotidiano familiar, o qual exprime regras e códigos próprios, num modelo que passa a ser elaborado historicamente, ou seja, a ―família vivida‖. Importante destacar que a autora opta pelo afastamento de arquétipos rígidos e preestabelecidos, dando ênfase às particularidades dos grupos ou organizações familiares. Assim sendo, ao se estudar a vida privada, é possível notar o quanto é difícil acompanhar a natureza das mudanças em curso. Carvalho (2003) defende o argumento de que tal dificuldade sucede em razão da complexidade e amplitude das situações que permeiam este fenômeno de movimento. Ao longo das leituras sobre a temática família, é válido enfatizar que se torna impossível atribuir a esta um formato singular, um modelo único ou ideal, que possa abranger as relações humanas, e, por 89 conseguinte, a complexidade do debate sobre família. Estudar família é compreendêla como processo mutável, e não como um sistema pronto e finalizado. Nesse sentido, Alcântara (2010) reforça que: Os estudos antropológicos advogam o reconhecimento das relações familiares como um constante processo de grande complexidade social, no qual se constrói uma pluralidade, na qual gênero, geração e sexo operam como categorias fundamentais para o estudo da família. Tomar tal fenômeno sob a perspectiva de normas estabelecidas impossibilita a apreensão de um universo tão heterogêneo e dinâmico. (P. 93). Ao lado, porém, da variabilidade dos tipos de família, observa-se, portanto, a existência relevante de alterações nos padrões familiares, haja vista que a particularidade de como cada núcleo familiar cuida de seu equilíbrio e sobrevivência interage com os relacionamentos interpessoais, bem como intergeracionais de seus membros. Em oposição à família pautada em padrões normativos, foi regida esta pesquisa de modo a ser considerada, portanto, a ‗família vivida‘. 3.3 A modernidade e suas consequências na família Nos dias atuais, não se pode falar em modelo familiar único, haja vista a evidente heterogeneidade das configurações familiares encontradas no cenário social, conforme mostrado no tópico anterior. Ao longo deste estudo, identificou-se a instituição família como alvo de constante mudança decorrente da própria estrutura e conjuntura da sociedade. Como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, citado por Iamamoto (2004): ―Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada‖. (P. 17). Iamamoto (2004) ratifica essa exposição, ao ressaltar que a sociedade atual passa por profundas transformações, tanto em sua estrutura econômica quanto nas relações sociais, fato também expresso por Bauman (2001). 90 Nas palavras da autora Iamamoto (2004), tal situação vivenciada corresponde a tempos difíceis, em que o emprego e o subemprego expressa nitidamente o adensamento da questão social. Sobre estes novos tempos, Bauman (2001) acrescenta que ―a vida de trabalho está saturada de incertezas‖. (P.169). É válido salientar serem diversos os estudos elaborados acerca de mudanças ocorridas na instituição família. Alguns destacaram questões que afetam as relações de parentesco, como também os laços biológicos e familiares. Convém destacar que as alterações ocorridas no seio familiar, as quais podem ser facilmente notadas no mundo contemporâneo, trouxeram consigo novos desafios à população identificada como velha, principalmente no recorte da figura das avós cuidadoras de seus netos. Seguindo esse raciocínio, Alcântara (2010) ressalta que ―a esta nova configuração atribui-se a rapidez das mudanças (...)‖. (P. 102); mudanças estas consequências da emergência sociedade pós-industrial, as quais suscitam na sociedade contemporânea um processo de redefinição em diversos âmbitos, ou seja, são novos valores que configuram outra visão de mundo, de sociedade, de momento histórico que se instala globalmente. Bauman (2001) aborda, em seu conceito de Modernidade líquida, as constantes mudanças expressas pela população, na sociedade global; transformações estas que também podem ser mostradas como caráter negativo e influenciador direto das relações humanas; e, por que não dizer, de parentesco e/ou papéis? Numa linha próxima de pensamento, Ferrigno (2003) explana: A mudança de comportamento dos idosos, ao que parece, acompanha a mudança de hábitos da sociedade como um todo. Se a modernidade caracterizou-se por uma organização, classificação, ordenação do ciclo de desenvolvimento humano, uma certa ‗desorganização‘ da vida social e familiar é vista por certos autores como indício de um outro momento histórico que apenas está iniciando e que alguns chama de Pós-modernidade. (Pp. 61-62). Vitale (2005) colabora com esta discussão, ao alertar para a idéia de que ―as condições socioeconômicas imprimem organização material à vida cotidiana dos idosos e atribuem significados ao seu vínculo com os netos.‖ (P.104). A elevação do índice da convivência entre avós e netos, atualmente, toma grandes proporções, bem 91 como inquietações para os curiosos e/ou estudantes do assunto, haja vista a amplitude desse ―cuidado‖ no dia a dia, o qual perpassa situações como: fornecer recursos financeiros, apoio emocional, dentre outras implícitas nas relações de parentesco. Neste contexto, Peixoto (2000) alude que os avós passam a ―ser o apoio com que os netos podem contar‖ (P.110) Ainda sobre a abordagem da relação entre a Modernidade e suas ingerências no meio familiar, Petrini (2003) ressalta que o horizonte (ou a lógica) do mercado influi constantemente nestas, à medida que Realiza atualmente, com um radicalismo inédito, a sua vocação originária de ser ―auto-regulado‖, e invade todos os aspectos até mesmo os recantos mais íntimos da vida familiar e da consciência pessoal, difundindo seus critérios, valores, (...) realizando a mais ampla ―colonização do mundo da vida.” (P. 178). Assim sendo, pode-se destacar que as transformações sociais por que a família contemporânea passa a influenciam a redefinição dos laços familiares, e, consequentemente, altera o cotidiano das relações destas enfatizando, assim, a figura da pessoa velha na sociedade atual, ou seja, dos avós, no contexto social. Ainda de acordo com Bauman (2001), a Modernidade e suas incertezas produzem consequências em todas as relações, direcionando famílias na adoção de estratégias, até mesmo de sobrevivência, para enfrentar os desafios impostos pela sociedade contemporânea. O autor evidencia, em seu conceito de Modernidade líquida, as transformações vivenciadas pela população inserida no mundo globalizado. Seguindo o raciocínio de Bauman (2001), A nova instantaneidade do tempo muda radicalmente a modalidade do convívio humano – e mais conspicuamente o modo como os humanos cuidam (ou não cuidam, se for o caso) de seus afazeres coletivos, ou antes, o modo como transformam (ou não transformam, se for o caso) certas questões em questões coletivas. (P. 147). Yazbeck (2012) compartilha da análise ora exposta, e aborda a pobreza como um dos produtos da questão social, e, portanto, expressão direta das relações vigentes na sociedade capitalista e desigual. 92 Os ‗pobres‘ são produtos dessas relações, que produzem e reproduzem essa desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade. Um lugar onde são desqualificados por suas crenças, seu modo de se expressar e seu comportamento social, sinais de ‗qualidades negativas‘ e indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe, por sua condição social. Este lugar tem contornos ligados á própria trama social que gera a desigualdade e que se expressa não apenas em circunstâncias econômicas, sociais e políticas, mas também nos valores culturais das classes subalternas e de seus interlocutores na vida social. (P. 289). Retomando a globalização e seus efeitos, tanto Bauman (2001) quanto Giddens (1991), autores que trabalham com a Modernidade, tema de grande relevância nos debates das Ciências Sociais, reconhecem as dificuldades que o mundo globalizado impõe às pessoas, neste estudo refletido como transformador, inclusive, nas relações de parentesco. Nas exposições de Petrini (2003), verifica-se que, em meio às turbulências, a família se empenha em reorganizar, na sociedade contemporânea, aspectos de sua realidade que o ambiente sociocultural vai desgastando. Na opinião do referido autor, tal situação acontece por estarem as famílias ―reagindo aos condicionamentos externos, e ao mesmo tempo, adaptando-se a eles, a família encontra novas formas de estruturação que, de alguma maneira, a reconstituem (...).‖ Assim como Petrini (2003), Bauman (2001) admite que o núcleo familiar seja atingido por fatores externos a ele, ao abordar os efeitos de uma ―modernidade liquída‖, em que, por meio desta, é possível estabelecer uma relação no que concerne a esta ―liquidez‖ também em diversos âmbitos, que passa a afligir também as relações interpessoais cotidianas. Ao considerar o fenômeno da liquidez, proposta por Bauman (2001), é possível compreender que os liquídos não possuem formas, e desse modo, passam a se acomodar/adaptar conforme os invólucros que os contêm. Assim é a família, nos dias atuais, em seu ajustamento aos desafios que lhe são instituídos. Estudar as transformações ocorridas na sociedade, inclusive nas relações diversas (trabalho, família e comunidade), em Bauman (2001), é compreender que o contexto de todas estas relações deixam de ser concretos, passando a ser líquidos e relativos ao espaço, ao tempo, dentre outros. Portanto, reportar-se às conseqüências 93 da Modernidade, seguindo o pensamento desse autor, consiste em ponderar também sobre sentimentos diversos, sejam eles medo, ansiedades e incertezas. 3.4 A fluidez nas relações: a participação dos avós no contexto familiar No Brasil, pesquisas revelam a diversidade ocorrida na organização familiar, tanto no que se refere à sua composição quanto no que concerne às formas de sociabilidade que vivificam em seu interior, as quais trazem consigo mudanças também em suas relações. Aqui, há de se avaliar entrelaçamento da vida privada com a pública. Ante a elevação da expectativa de vida, os papéis familiares foram alterados, dada a complexidade de circunstâncias criadas por fatores socioculturais e econômicos, os quais afetaram diretamente a dinâmica da estrutura familiar, contribuindo, assim, de modo relevante, na composição e recomposição da família moderna. Nessa perspectiva, Peixoto (2000) indica: ―(...) notamos que nunca a vida privada apresentou tanta porosidade vis-à-vis a vida pública. Isso se manifesta pelo fato de que a primeira é cada vez mais atravessada por mecanismos de funcionamento próprios da segunda.‖ (P. 8). Para a autora, a instituição família não está enfraquecida, todavia, se deparando com o surgimento de novos modelos familiares, constituídos com base nos fenômenos sociais, como: transformações nas relações entre os sexos, inserção massiva da mulher no mercado de trabalho, dentre outras. No que se relaciona à revolução na escolaridade das mulheres e a relação com as transformações ocorridas no âmbito familiar, Peixoto (2000) exprime a noção de que: Uma das revoluções mais marcantes do século XX foi certamente a progressiva escolaridade das mulheres e a possibilidade de elas obterem os mais diversos diplomas e especializações. O acesso das 94 mulheres à instrução afetou o conjunto de seus comportamentos. Apesar de persistirem importantes desigualdades profissionais e familiares entre os gêneros, a escolarização das mulheres contribuiu para atenuar os efeitos desses fenômenos, autorizando-as a utilizar estratégias que colocam em questão a ordem vigente. Cada vez mais diplomadas, as mulheres participam ativa e maciçamente da vida profissional e têm acesso a empregos mais qualificados do que no período precedente. Tais mutações são acompanhadas de profundas transformações pessoais e familiares, que se traduzem sobretudo em um aumento do número de mulheres solteiras e em uma reinterpretação dos modelos conjugais e familiares. (P. 63). Contrariamente, destacam-se aqui as melhores condições de vida que demonstrou as pessoas envelhecidas, as quais por meio delas, se torna evidente sua elevada participação no mundo associativo e é visível uma melhor integração na rede familiar. Peixoto (2000) elabora, todavia, os seguintes questionamentos: ―que papel ainda desempenham os avós no seio da família? São eles os transmissores das histórias familiares, dos comportamentos e dos saberes ?‖ (P.96) Importa levar em conta o fato de que tais transformações sociais enfrentadas pela categoria família contribuíram para o crescimento do número de famílias nas quais coexistem três ou quatro gerações, e, portanto, a assistência financeira do domicílio atravesse uma mobilidade social geracional. Assim sendo, os avós passam a contribuir para melhorar a condição de vida das famílias. Tal subsídio, ofertado pela população mais velha aos mais jovens (filhos e/ou netos) pode dizer respeito tanto as aposentadorias, quanto o próprio trabalho da pessoa velha para complemento, ou até mesmo sustento do núcleo familiar. Nas histórias das três avós, abordadas nesta investigação, todas foram responsáveis por suprirem, além das necessidades das suas filhas, também as de seus netos. - Eu é quem sustentava tudim. É.. Eu trabalhava. Eu ganhava salário. Eu trabalhei quatro anos numa casa lá de uma senhora. (Depoimento concedido pela Dona Rosa, 61 anos) Desse modo, é mister mencionar a situação a que estão expostos os avós no século XXI, que não se constitui isoladamente, portanto, está inserida nos desafios da contemporaneidade. A evidência expressa por Petrini (2003) é de que nesse panorama de mudanças, também observado nas palavras de Mello (2003), pode-se destacar o novo modelo que assumem as relações intergeracionais na atualidade. 95 Vale frisar que, no contexto da estrutura proposta pelo núcleo familiar, devem ocorrer as interpretações54 presentes nas inter-relações. Compreende-se a família como uma rede de parentesco, cujos membros se organizam com objetivo cotidiano de existência e sobrevivência, valendo ressaltar, portanto, a participação das mulheres avós na vida de seus netos, com ênfase nas famílias pobres. Neste sentido, Sarti (2003): Essa rede que constitui a família pobre, através da qual as relações familiares se atualizam, permite revitalizar o sentido do papel central das mulheres na família, reiteradamente destacado na literatura sociológica e antropológica sobre as famílias pobres no Brasil. (P.70) Ainda no que concerne às relações intergeracionais, nesta conjuntura, Petrini (2003) expressa opinião: Nesse cenário de mudanças, é necessário compreender os novos arranjos familiares, as novas características que as relações intergeracionais assumem e os sistemas de referência disponíveis para pessoas e famílias nos diversos momentos do ciclo da vida, bem como as funções que assume a família na atualidade, sua relação com os dinamismos sociais, em ambiente caracterizado por pluralismo ético, cultural e religioso. As relações entre os sexos e as gerações constituem o fulcro da realidade familiar, ao redor do qual diferentes modelos se estruturam e se decompõem, em conseqüência de circunstâncias históricas e sociais, culturais e ideológicas diversas, dando origem ora a modelos nos quais prevalecem a cooperação, a reciprocidade, a solidariedade, a negociação, ora a modelos nos quais prevalecem a disputa, a competição, ou a indiferença, a estranheza e o conflito. (P.62) Considerando a contribuição das relações intergeracionais no contexto familiar na contemporaneidade, Szymanski (2003) acrescenta que não se pode ―desconsiderar a inegável influência das inter-relações pessoais na infância e adolescência‖. Convém destacar o fato de que alterações ocorridas no seio familiar trouxeram consigo rearranjos de papéis e funções. Osterne (2001) afirma que, no mundo contemporâneo, as mudanças ocorrentes na família possuem para estas certas conseqüências como a perda do sentido da tradição. 54 Petrini (2003) chama a atenção para as novas características que estas relações passam a ostentar, além das funções que toma para si a família na atualidade. 96 Vale ressaltar que transformações socioculturais e históricas ocidentais são fatores de relevantes contribuições, no que se refere às mudanças por que passa a categoria família, tanto em sua estrutura quanto em sua função. Não se pode desconsiderar que a elevação do fenômeno da longevidade corresponde a um dos aspectos que cooperam para as modificações na família, influenciando os relacionamentos entre as gerações, bem como diversificando as funções da pessoa velha na dinâmica familiar. Quanto à relação entre estudar as categorias velhice e família, Alcântara (2010) faz excelente explanação, ao esclarecer que É improvável abordar a questão do envelhecimento no contexto brasileiro, hoje, sem contemplar a família. Assim, pensar a velhice, tomando a família como perspectiva, é adentrar no âmbito das relações, de maneira a conhecer os modos pelos quais os indivíduos lidam com as peculiaridades de cada geração, além dos papéis que cada um desempenha no grupo (...). (P. 94) Compreende-se que esta intensa participação das avós, no seio familiar, é uma realidade complexa que demanda estudos que busquem apreender as transferências intergeracionais, haja vista estas velhas-avós emergirem, no cenário contemporâneo, como personagens centrais na vida de seus familiares. Com efeito, no que se diz respeito às transformações ocorridas nos ―novos‖ papéis intergeracionais, Camarano (1999) exprime seu ponto de vista assim: [...] os padrões de assistência entre as gerações devem ser vistos no contexto dinâmico do curso de vida das pessoas e das mudanças nas relações familiares (...) as novas imagens do envelhecimento, que expressam as mudanças sociais e redefinem identidades, vem acompanhadas de uma rediscussão sobre a família, envelhecimento e sobre a dialética entre dependência/interdependência entre gerações. (P.86) Vitale (2005) e Camarano (1999) compartilham da mesma idéia quanto à relevância dos avós no contexto familiar contemporâneo e a relação entre eles e seus netos. Nos dias atuais, é comum identificar crianças e/ou adolescentes ―criados‖ por avós, considerando o sentido mais amplo da palavra, haja vista que esta relação aconteça de lares cujos pais são ausentes ou em lares multigeracionais (ou 97 transgeracional55), isto é, compostos por pais, avós e até mesmo bisavós. Assim sendo, os avós velhos, no século XXI, passam a atuar como pais. Nas histórias das avós, abordadas neste estudo, o verbo cuidar toma proporções mais amplas, haja vista envolver situações como cuidados básicos e diários (desde o nascimento), preocupação com acompanhamento médico, compra de remédios, realização de desejos de consumo, o ato de educar, de aconselhar, o acompanhamento escolar, bem como o carinho e atenção. Os aconselhamentos ou ―noções recebidas pelos avós‖ (p.73), de acordo com Bosi (1994), foram também características registradas nos rotineiros encontros com as entrevistadas, principalmente nas conversas com Dona Ana, a avó mais velha que participou do estudo. Ela gostava de confidenciar ―alguns mimos‖ (compras de presentes mais caros) que fazia para o neto que mora com ela. Tais relatos eram contados em forma de segredo, segundo ela própria. E a razão para isso? Não despertar nos demais netos sentimentos de inferioridade ou ciúmes. O fato que chama a atenção é a presença ou o contato das genitoras em todas as situações. Não foram, porém, todas as avós que consideraram as mães como responsáveis, pelo menos no sentido moral, por seus filhos. Na opinião de Dona Conceição, ser uma avó cuidadora de neto é ser uma mãe...Mas, eu sou mais mãe dele do que ela, do que ela que teve né ? Já na opinião de Dona Rosa, sua filha sempre fez opção por más companhias, pessoas erradas...vagabundas ! Atualmente, observa-se ser expressiva a presença dos avós no espaço doméstico como cuidadores de netos, sem desconsiderar, portanto, outras funções que eles, os avós, podem também assumir. Vale lembrar que as relações e as dependências intergeracionais, nesta pesquisa, compreendem o relacionamento entre avós-netos. Contribuindo neste debate, Fonseca (2002) adverte para essa idéia: Os primeiros nascidos de uma geração freqüentemente passam seus primeiros anos com uma avó que, cuidando deles, cumpre as únicas obrigações familiares. Vinte anos depois, quando a obrigação se 55 Refere-se à coexistência/convivência de duas (ou mais) gerações dentro de uma mesma família. 98 transforma em direito, a vó pode muito bem reivindicar, na sua velhice, a companhia de um dos netos mais novos. (P.32) Indagadas quanto à existência ou não de diferença, no que se concerne ao cuidado dedicado ao primeiro neto em relação aos demais, as avós entrevistadas foram unânimes em dizer que não havia, contrariando, dessa forma, parte da explanação de Fonseca (2002). - Tem diferença não. Todos eu quero bem. Tudo é uma coisa só. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) - Não, minha filha. Não tem diferença ! (Depoimento concedido por Dona Ana, 74 anos) - O amor é igual. Ser avó que cuida é como ser uma segunda mãe. (Depoimento concedido pela D. Rosa, 61 anos) Consoante a perspectiva de Fonseca, ―ao cuidar de um neto, por exemplo, uma mulher justifica sua demanda de apoio e afeto aos seus próprios filhos‖. (P.33). Assim sendo, constata-se que o desempenho do papel ampliado que assumem os avós no âmbito familiar contemporâneo excede a imagem que outrora ocupava o imaginário coletivo, ou seja, a dos avós como exclusivos transmissores de legados geracionais, conforme ressalta Vitale (2005): ―a herança simbólica, a transmissão da memória familiar‖. Ela complementa, dizendo que ―os avós que estão em nossa volta ou os que alguns de nós somos hoje tendem a se distanciar dos modelos guardados em nossas lembranças‖. (P. 93) Ao falar em imaginário, interessante é destacar uma personagem clássica do escritor Monteiro Lobato56 - Dona Benta - é um dos componentes de uma das obras de maior destaque na literatura infantil, o famoso: Sítio do Picapau Amarelo, produção esta que atravessa gerações. Nesta literatura, Dona Benta é uma avó cujos netos são Pedrinho e Narizinho (crianças protagonistas da história que se desenvolve no sítio da avó, denominado de Sítio do Picapau Amarelo). A avó desta fabulosa história referese a uma senhora simpática, de cabelos brancos presos em coque e um livro na mão. Esta personagem foi utilizada como padrão para as avós brasileiras, durante muito tempo. 56 Um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX, José Bento Renato Monteiro Lobato, na literatura, destacou-se no gênero ―conto‖. Nascido em Taubaté-SP, em 18.04.1882, referido escritor faleceu aos 66 anos de idade, no dia 05.07.1948. 99 Saltando da ficção para a realidade, convém acrescentar que esta relação passa, antes de tudo, pelos circuitos constituídos internamente na família, portanto, pela dinâmica de vida familiar. Tal transformação presente na relação avós-netos foi abordada também por Peixoto (2000) e Vitale (2005). Vivenciando uma circunstância que, muitas vezes, lhe aparece como inesperada, a população velha, aqui representada pelos avós, assume nova função na sociedade contemporânea: a de provedor ou pilar econômico do grupo familiar. Camarano (1999) salienta que tais transferências intergeracionais ganham importância no seio familiar. Na opinião dessa autora, a nova configuração familiar em que muitos velhos estão inseridos advém: [...] não só pelo mencionado aumento da longevidade, mas também por novas realidades sociais resultantes de igualmente profundas na estrutura da família, no mundo do trabalho, [...] e em várias outras dimensões da economia e da sociedade. (p. 254). Destarte, pode-se observar em dias atuais que a responsabilidade e/ou colaboração dessas avós-velhas, seja financeira ou moral, sobrepõe-se a elegância dos cabelos brancos, os quais anteriormente representavam, apenas, respeito, afetividade, companheirismo e tranquilidade. Por conseguinte, no interior das famílias, a relação de cuidados das avós para com os netos também é alvo de modificações culturais e sociais, como diz Vitale (2005), ao classificar os avós como uma espécie de ―pais adotivos‖, considerando aqui o sentido mais amplo da palavra. Lopes e Park (2005) confirmam a ideia ora apresentada por Vitale (2005), ao destacarem que existem ―avós que são pais‖ e ―avós que são avós‖. No primeiro caso, ambos fazem alusão ao cuidado desses avós num sentido amplo e complexo, o qual não se define, apenas, na posição geracional, mas também no significado social que assumem para o grupo, em seu cotidiano. Já no segundo caso, reportam-se a um modelo anterior em que o amor, o interesse e a participação sem responsabilidade estavam atrelados aos avós. Na relação avós-netos, pode-se observar a existência de uma relação de troca entre estas duas gerações, tão distintas e próximas ao mesmo tempo, parecendo até mesmo uma relação de complementaridade. Para Peixoto (2000), ―os laços entre avós e netos se tecem pouco a pouco‖. (P.98). Sobretudo no que tange ao desenvolvimento dos seus netos a influência é recíproca. Desse modo, se pode 100 acentuar que a relação entre essas duas gerações possui caráter mutuamente relevante. Vale frisar que, ao analisar a relação dependência e velhice, Camarano (1999) adverte que, embora haja uma associação estabelecida entre estas, haja vista o indivíduo consumir mais do que produz, a partir de determinada idade, que se convenciona chamar de ―idosa57‖, no caso do Brasil a situação é diferente. Essa autora argumenta que na, evidência empírica da realidade brasileira, não se observa clara a associação ora descrita. Com efeito, Camarano (1999) considera que a população velha (vista como, socialmente, ―beneficiária58‖), na atualidade, passa da condição de assistida a assistente. Sobre este assunto, Vitale (2005) concorda com a exposição de Camarano (1999), quando assinala que os netos ou filhos adultos também são assumidos, em todas as áreas, haja vista que, [...] levando em conta as dificuldades experimentadas pelos adultos jovens dessa década, o idoso, (...) tem crescentemente recebido em seu domínio filhos adultos e crianças classificadas como parentes, os quais na maioria das vezes são netos. (P.304). Compreendendo, portanto, que a família é o grupo social concreto por meio do qual são realizados os vínculos, os avós constituem uma espécie de elo entre as gerações. Assim sendo, eles podem dedicar uma contribuição considerada rica e até mesmo complexa aos seus netos. Tal aporte pode ser encarado tanto de forma emocional quanto econômica. Muitos são os fatores que colaboram para este estatuto de ―pais reservas‖, dirigido aos avós (cuidadores de netos) nos dias atuais, como gravidez na adolescência, morte dos genitores, envolvimento com drogas, dentre outras situações que fazem dos avós figuras relevantes na socialização, como também na criação dos netos. 57 Informa-se que nesta pesquisa opta-se por utilizar a palavra velho para fazer alusão aos sujeitos desta, haja vista que eufemizar a situação (ou os sujeitos) não é interesse da pesquisada. 58 Aludindo ao período/fase da aposentadoria, como pondera Ferrigno (2003), ao esclarecer que ―(...) para cada etapa da existência há um conjunto de normas e de expectativas próprias de cada sociedade.‖ (p.74) 101 - E o pai dele é um...Bixovéi lá da banda do Maracanaú. Mas, aí depois ele... Eu descobri que ele vive nas drogas. Aí, um dia, ele falava que eu não levava o menino lá e eu levei o bichinho. Lá, achei foi ele drogada lá... Pensa que o menino quer ir mais lá ? quer não ! (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) Nas histórias abordadas neste estudo, a gravidez na adolescência e o uso de drogas foram identificados como motivos fortes para que esses netos passassem a conviver na companhia de suas avós. No caso das filhas de Dona Conceição, as citadas estabelecem novos relacionamentos, os quais deram origens a outros filhos que permaneceram com seus genitores. Já a filha de Dona Rosa, segundo a entrevistada, constitui vários outros relacionamentos e ainda não se firmou com ninguém. Assim a responsabilidade das avós entrevistadas entrou em cena e não contou também com ajuda dos genitores dos netos, haja vista o envolvimento deles no mundo obscuro das drogas. Retomando o fator socialização na relação avó e netos, Bosi (1994) se manifesta, declarando que ―eventos considerados trágicos para os tios, pais e irmãos mais velhos são relativizados pela avó‖. (P. 73). Convém frisar que, durante as conversas, foi possível perceber que tal atitude possuía dois significados, estabelecidos elas mesmas (as avós): proteger e amenizar os impactos que estas histórias pudessem trazer para a vida de seus netos. O retorno à casa dos pais, segundo Peixoto e Luz (2007), não se refere a um fenômeno recente. Então, a novidade consiste na elevação dos números destes arranjos por parte dos jovens oriundos de classes sociais, tanto popular quanto média. Este exemplo de rearranjo familiar também pode receber o nome de ―famílias ampliadas‖. Nos dias atuais, tornam-se frequentes os tipos de rearranjos familiares em que os indivíduos denominados ―velhos‖ estão incluídos. Com efeito na avaliação de Camarano et al. (1999), avalia que ―(...) não se sabe se, por exemplo, se do ponto de vista dos idosos os arranjos familiares predominantes estão refletindo as suas preferências ou se são resultado de uma ‗solidariedade imposta‘‖ (p.145), ou seja, a formação de famílias contendo três ou mais gerações não pode ser simplesmente elucidada por preferências, mas pode ser fruto de razões econômicas, cabendo aos mais velhos prestar apoio material aos filhos e netos dependentes. 102 No enfoque das relações intergeracionais, Vitale (2005), em conformidade com Camarano (1999), ressalta a figura das avós, em um contexto de modificações dos laços familiares, os quais lhes demandam novas funções e exigências. Nos dias atuais, as avós passam a ser responsáveis diretas, inclusive, no tocante ao sustento dos netos, independente da presença ou ausência dos genitores dessas crianças e ou adolescentes, por motivos diversos. Concluindo este raciocínio, Vitale (2005) pondera: Cuidar, educar ou ser responsável ? Disciplinar, ser companheiro das brincadeiras, contar histórias, oferecer pequenos presentes, passeios, guloseimas, conselhos, ouvir sentimentos, segredos, acolher, suprir algumas necessidades infantis, ajudar a sustentar, transmitir as histórias familiares...esses e tantos outros aspectos indicam a diversidade de situações que envolvem os avós. (P. 95). O ato de cuidar corresponde a uma atribuição, prioritária, do gênero feminino. Mascaro (1997) destaca que no Império Romano, as famílias abastadas ―confiavam sua casa de campo e seus filhos aos cuidados da avó ou de uma parenta idosa, virtuosa e responsável‖. (P. 27). Assim, verificou-se que as mulheres foram as primeiras cuidadoras e que estas desempenhavam seu papel no seio familiar, principalmente na função de mãe. E por que não citar as escravas e amas, as governantas, as babás, as religiosas, as avós, bem como as demais mulheres que exerciam e/ou cumprem o papel de cuidadoras ? Neste trabalho, que reflete sobre a família, as atenções se dirigem para a figura da avó, muito significativa, todavia, pouco reconhecida na sociedade, e até mesmo no âmbito acadêmico, conforme verificado por estudantes e autores da temática. O destaque dado à figura da avó é também expresso no ditado popular: ―ser mulher-avó e ser mãe duas vezes‖. Considerando esta premissa, Leite (2004) enfatiza que ser avó ―significa também ter cumprido todas as etapas da vida de uma mulher na sociedade e na família‖. (P. 54). 103 Tomando por exemplo a análise feita por Dona Conceição, uma das avós entrevistadas, no que concerne à ênfase na figura da avó cuidadora de netos, ela expressou: Eu sou mais mãe do que ela ! Nesta perspectiva, Bacelar (2002) assinala que o estudo da figura da avó se torna complexo também ―pela carência de informações a seu respeito‖. E complementa: [...] os estudiosos lamentam a escassez de estudos sobre muitos aspectos referentes à família, entre os quais destacamos aqueles pertinentes aos avós, especialmente à presença da avó, tão marcante na constelação familiar e que necessita de maiores esclarecimentos além da rotina no cotidiano das famílias: cuidar dos netos ou ajudar a filha nas tarefas domésticas. (Pp.26-27). Vitale (2005), em conformidade com Ferrigno (2003) e Bacelar (2002), reforça a noção de que embora haja ―reconhecimento inegável da importância e das implicações do envelhecer na sociedade, os avós não ocupam lugar privilegiado de discussão‖. (P. 94). Ou seja, pouca é a visibilidade desses agentes sociais, até mesmo em pesquisas sociológicas. A elevação do número de netos que vivem com as avós é fato. Um dos fenômenos registrados pelo estudo Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), é o crescimento do número de netos e bisnetos que vivem com os avós, em geral, criados e/ou sustentados por eles. Diversas são as razões que compreendem este acontecimento, mas o fato é que, nos últimos anos, o número de pessoas que têm a oportunidade de conviver com suas avós e bisavós é crescente. Conforme Lopes, Neri e Park (2005), a significativa elevação da expectativa de vida, em razão da melhoria da qualidade desta, corresponde a um dos fatores que melhor colabora para a elucidação desta realidade. Na língua portuguesa, a expressão cuidar possui significados diversos, tais como: zelar, desvelar, ter cautela, ter atenção. Ostenta ainda características unívocas de outros termos como, por exemplo: meditar, imaginar, pensar, empregar atenção ou interessar-se por. Esta palavra, todavia, representa muito mais do que um momento 104 de atenção, constituindo, na realidade, atitude de ocupação, preocupação, responsabilização, além da implicação afetuosa com o ser a quem se destina o cuidado. (REMEN, 1993; WALDOW, 1998; BOFF, 1999). - O Elias aqui é muito bem cuidado, minha filha! E eu quero muito bem a ele. É bem cuidado de carinho, é de tudo! Tudo que ele precisa a gente dá Só se a gente não puder...Mais a gente podendo, agente dá. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) Nesta parte da pesquisa, foi abordada a situação da avó tanto como mulher já velha, quanto a sua atuação na família contemporânea. Atualmente, é significativa a presença das avós no espaço doméstico como cuidadoras de netos, sem desconsiderar, portanto, outras funções que estas velhas avós podem também assumir, haja vista que elas, além de participarem da economia familiar, atuam na educação dos netos, assumindo cuidados parciais e/ou até mesmo integrais. Destaca-se, porém, que essa situação não se estabelece isoladamente, está, portanto, inserida nos desafios da contemporaneidade, como se pode observar nas declarações de Camarano (1999), quando acentua que ―(...) os padrões de assistência entre as gerações devem ser vistos no contexto dinâmico do curso de vida das pessoas e das mudanças nas relações familiares‖. (P. 86). Conforme Dellman-Jenkins, Blanemeyer e Olesh (2002), os papéis das avós foram ―expandidos‖ ao longo do século XXI, pois, além de responsáveis pelos cuidados básicos e diários de seus netos, passaram a ser responsáveis pelo sustento financeiro daqueles que moram em sua companhia. É comum observar, então, que muitas avós cuidam de seus netos enquanto os genitores destes trabalham, e, dessa forma, participam também do processo educacional de infantes e/ou adolescentes. As avós são os membros mais próximos e frequentes no auxílio ao cuidado dos netos. Responsáveis por seus netos de forma mais complexa, ou seja, além de bancar o sustento dos citados, estas avós assumem obrigações quanto à educação dos netos em período integral, dessa forma, representando até mesmo a principal referência adulta para os mencionados. D. Conceição é quem acompanha Elias também na escola, compra o material escolar, participa das reuniões, às vezes o leva para o colégio. Na escola, a professora sabe que ela (D. Conceição) é avó e mãe e repassa também os elogios para ela: A 105 professora disse que no colégio ele é um ótimo aluno. (Diário de Campo, 30 jul. 2012) No que concerne à classificação de cuidadores, Santos (2003) pondera que, [...] cuidadores secundários são representados por outros elementos que podem desempenhar o mesmo tipo de tarefa dos cuidadores primários, mas que não têm o mesmo grau de envolvimento e responsabilidade pelo cuidado. Os terciários são aquelas pessoas que auxiliam, esporadicamente ou quando solicitdas, no desenvolvimento de atividades instrumentais da vida diária mais relacionadas às tarefas especializadas. (SILVERSTEIN e LITWAK, apud SANTOS, p.17). Convém ressaltar que as avós, provavelmente, podem ser classificadas como cuidadoras primárias quando assumem o neto em situações de negligência ou abandono por parte da genitora, sendo, portanto, responsáveis por toda a educação e subsistência; E, como secundárias, quando prestam cuidado aos netos na ausência dos pais, seja em razão de trabalho, viagem, dentre outras; e como terciárias, nos casos em que são requeridas para uma atividade específica. Observa-se que o desempenho do novo papel que assumem os avós, no âmbito familiar moderno, ultrapassa a imagem que outrora ocupava o imaginário coletivo, ou seja, a dos avós como exclusivos transmissores de legados geracionais, como ressalta Vitale (2005): ― a herança simbólica, a transmissão da memória familiar‖. A referida autora complementa esta afirmação, destacando que ―os avós que estão em nossa volta ou os que alguns de nós somos hoje tendem a se distanciar dos modelos guardados em nossas lembranças‖. (P. 93). Portanto, os avós são geralmente caracterizados e lembrados por meio do lugar que ocuparam na família, bem como do próprio lugar. Assim sendo, torna-se notável, nos dias atuais, o fato de que a responsabilidade e/ou colaboração dos velhos, seja financeira e/ou moral, sobrepõese à elegância dos cabelos brancos, os quais anteriormente representavam, apenas, respeito, afetividade, companheirismo e tranquilidade. Por conseguinte, no interior das famílias, a relação de cuidados das avós para com os netos também é alvo de modificações culturais e sociais, como expressa Vitale (2005), ao classificar os avós 106 como uma espécie de ―pais adotivos‖, considerando aqui o sentido mais amplo da palavra. Peixoto (2000) corrobora essa afirmação, quando diz que os avós ―recomeçam uma segunda carreira de pais‖. Tal situação pode ser observada nas seguintes falas: - Ela me chama de mãe e ele de pai. Os pais que ela conhece é ele e eu. A mãe dela ela chama é de ‗Ninha‘. Ela não chama de mãe, não ! (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) - A mãe dele mesmo, ele chama é de ‗fia‘. Mas, ele sabe quem é a mãe dele mesmo, porque eu passo para ele. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) Nos casos dos netos Elias e Perla, suas genitoras constituíram novos relacionamentos e famílias. Na medida em que é possível, auxiliam financeiramente, embora seja pouco. Quanto aos contatos com suas genitoras, a mãe de Elias o visita: Ela visita! E ela vem pra cá, quando eu não posso ir com ele lá, ela vem aqui, leva ele pra lá, nas férias. Já no caso de Perla, o contato é mais restrito, pois sua mãe reside em outro estado. Esse cuidado ―de forma ampliado‖, se é que se pode dizer assim, também foi identificado na narração de Dona Rosa, quando se pronunciou sobre sua condição de avó cuidadora de neto, antes de seu problema de saúde, o qual já foi relatado em capítulo anterior: - Eu acho muito importante, viu ! É muito ... eu trabalhava muito né !? Sofri muito para criar eles por que a mãe deles não tinha responsabilidade, e era tudo comigo. Eu trabalhava, dava comida, dava tudo a eles. Tudo era meu. Tudo era eu, por que ela né !? A vida dela era viver jogada aí pelo mundo. Agora é que ela se aquietou mais, depois que eu...Mas, toda vida eles foram comigo para escola. Ia buscar e ia deixar. Pra médico. Pra tudo! tudo! Ela nunca fez nada por eles não. (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos) - Eu gostava de cuidar dos meus netos. Eu adorava cuidar deles. Eu ia trabalhar de manhã, eu me levantava às 05:00 horas, aí fazia três mamadeira de mingau, uma para cada qual, né! Aí, dava o mingau deles e ia trabalhar. E eu gostava muito...Me separei deles por causa de doença, mas...Se eu não tivesse adoecido e ...Eu num tinha me separado deles não. Porque eu não podia trabalhar mais e meu marido não tinha pensão. Não tinha como eu sustentar eles. E a mãe deles era uma irresponsável (e ainda é) e não tinha como sustentar os bichim, né! (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos) 107 O cuidado faz parte da vida, perpassando etapas diversas, as quais compreendem, desde a concepção, desenvolvimento e até o momento final da vida. Costenaro e Lacerda (2002) consideram que ―ter cuidado com alguém ou com alguma coisa é um sentimento inerente ao ser humano, ou seja, é natural da espécie humana, pois faz parte da luta pela sobrevivência e percorre toda a humanidade‖. (P. 29). Retomando as considerações referentes aos novos papéis intergeracionais, Camarano (1999) entende que: [...] as novas imagens do envelhecimento, que expressam as mudanças sociais e redefinem identidades, vem acompanhadas de uma rediscussão sobre a família, envelhecimento e sobre a dialética entre dependência/interdependência entre gerações. (P. 86). Desse modo, considera-se que a presença das avós na família se modifica, ao mesmo tempo em que se intensifica, no contexto da sociedade atual. Karl Marx (1989) menciona que, ―na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas necessárias e independentes de suas vontades‖. (P. 136). Assim, observa-se que há nas trocas/relações intergeracionais o sentido de contribuição/colaboração à própria dinâmica social da vida humana. Destarte, não se pode desconsiderar que os avós cuidadores de netos, sujeitos desta pesquisa, assumem também, em suas múltiplas funções, a de educar. Cuidar também é educar. Passando a vivenciar uma situação que, muitas vezes, lhes aparece como inusitada, a população envelhecida assume também outra função na sociedade contemporânea: a de cuidador dos netos. Segundo Osterne (2001), os avós se interessam, cada vez mais, por solicitar a guarda judicial59 de seus netos, além da tendência a incorporarem as características maternas e ou paternas na relação com esses infantes e/ou adolescentes, embora a resposta biológica de seu organismo já esteja de forma lenta e debilitada. 59 Sobre a Guarda Judicial, o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, no artigo 33º, esclarece que: ―a guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança e ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se à terceiros, inclusive aos pais.‖ (2000: p.311) 108 Esta condição a que estão expostos os avós do século XXI, de acordo com Vitale (2005) e Petrini (2004), caracteriza a família como espaço de mudanças entre gerações, no qual os avós participam diretamente da organização da nova estrutura familiar, oficializando ou não este cuidado. No tocante às novas dimensões da vida familiar e à presença das avós nestas cenas, Vitale (2005) acrescenta: Por sua vez, essas famílias, desprovidas de proteção social, têm necessidade de incrementar as trocas intergeracionais para responder às exigências dos diversos momentos de seu ciclo de vida. Os avós, como já foi apontado, participa ativamente dessas trocas. (P.100). Desse modo, na atualidade, os avós oferecem aos seus netos muito mais do que simples proteção, pois se tornam cuidadores integrais e até legais de seus netos, ocupando, realmente, posição de pais substitutos dos netos, inclusive, também no campo das discussões. Assim sendo, pode-se perceber que o sentido da palavra cuidar se torna vasto neste debate. Impõe que se ressalteo fato da obrigação educacional também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, enfatizando assim o grande caráter de responsabilidade conferido ao detentor da guarda judicial. Há, portanto, de se considerar a relevância da palavra educar para estes avós, os quais diferem dos avós de outrora, e que, além da transmissão de legado geracional, contribuem, cotidianamente, na formulação do saber (ou seja, do conhecimento) de seus netos. Para Durkheim (1955), os resultados, aprendizados e experiências de uma geração são repassadas por seus descendentes, quase que de forma conservada, graças aos livros e monumentos figurados, tradição oral, dentre outras. Quanto ao termo educação, o autor francês o reserva para a ação que uma geração de adultos exerce sobre infantes, jovens e adolescentes, caracterizando-a como uma influência toda especial. Pode-se, com efeito, perceber que o novo papel que os avós passam a exercer, nos dias atuais (o de cuidadores de netos), implica a estes avós um sentido mais vasto da palavra cuidado, haja vista que a função educadora também se faz presente neste cuidado. Assim sendo, as avós assumem também a função de transmissores de comportamentos e saberes, bem como das histórias familiares. 109 Durkheim (1995) ressalta, ainda, não ser possível educar os filhos da forma como pretendem seus genitores. E, acrescenta que a função educativa também possui papel de ―preparar as crianças‖. (P.39). Ele acresce à ideia de que a sociedade se refere a uma entidade moral duradoura, a qual liga as gerações e o legado de cada uma, conservado e acrescentado. Vitale (2005) faz uma relevante e inquietante reflexão ao se referir às novas funções que os avós assumem na atualidade, no âmbito familiar, ao ponderar que a condição de ser avô ou avó se transforma ao longo do decurso de vida, inclusive, podendo ser substituída por tempos mais complicados. ―Ser avós ou chefes de família?‖, esta é, portanto, uma indagação que aflige os avós no século XXI. A população velha é um segmento em constante crescimento no contexto mundial. Este aumento, entretanto, também trouxe novos desafios a essa categoria na contemporaneidade. Hoje, os avós passam a ser os responsáveis diretos para com seus netos. Na redefinição dos laços familiares, eles assumem um papel de protagonistas principais na vida desses descendentes, inclusive, no tocante ao seu sustento, independente da presença ou ausência dos genitores dessas crianças e/ou adolescentes. Camarano (1999), ao apresentar sua pesquisa sobre o velho brasileiro, acentua seu papel na família e mostra que esse tende a passar da condição de dependente para a de provedor. Algumas avós sentem-se, até mesmo, obrigadas a cuidar de seus netos pela própria situação de dependência econômica em que se encontram seus filhos, recebendo em sua casa tanto os filhos adultos quanto os netos. Observa-se, portanto, que os arranjos familiares, em que estão inseridas estas pessoas já velhas, organizam- se para enfrentar situações diversas e adversas, tais como: o que fazer em face do envelhecimento populacional, de maior dependência dos jovens e do próprio ―enxugamento‖ do Estado. - E foi uma confusão...elas namoravam, e arrumaram esses namorados, e caíram na besteira de arrumar bucho...Aí, ficaram dentro de casa e eu aconselhava...Bem novinha elas...(Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) - O pai da Perla nunca ajudou em nada. Nunca deu nem um kilo de açúcar. Os outros avós nunca deram nada a ela. E eu, eu ajudei foi as duas. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) 110 No decorrer dessa pesquisa, observou-se que as avós maternas eram as ―maiores responsáveis‖ em assumir seus netos. Em algumas vezes, a genitora da criança (ou adolescente) trabalhava para ajudar, como no caso da mãe de Perla. Todavia, a contribuição da avó (seja financeira e/ou afetiva) esteve sempre presente nestas relações. (Diário de Campo, 30 jul. 2012). No caso de D. Ana, a qual tem uma outra filha que mora no apartamento vizinho ao seu, a entrevistada enfatizou que do momento que ela retornou para a casa de seus genitores com o filho (neto da informante) até os dias de hoje, ela (a filha) é alvo de preocupação e dependência econômica da entrevistada. D. Ana, por várias vezes, evidenciou sua apreensão com o futuro desta filha, principalmente, após sua morte. (Diário de Campo, 26 set. 2012). No que se refere à função das avós na família contemporânea, Vitale (2005) compreende que: No entanto, as mudanças dos laços familiares e a vulnerabilidade que atinge as famílias demandam novos papéis, novas exigências para essas figuras, personagens que ganham relevo não só na relação afetiva com os netos, mas também como auxiliares na socialização das crianças ou mesmo no seu sustento, mediante suas contribuições financeiras. (P. 94). Concordar com Magalhães (1989) é compreender que, no contexto da contemporaneidade, são atribuídas responsabilidades mais complexas às avós no que concerne a ―cuidar‖ de seus netos, quando o referido autor considera que as especificidades de papéis e significados, atribuídos à velhice, foram distintos e em consonância com cada período histórico. Assim, os padrões concernentes a esse cuidado e a relação avós-netos estão estabelecidos tanto cultural quanto socialmente. Ao pensar sobre idade e períodos históricos, Motta (1998) destaca: As sociedades, em diferentes momentos históricos, atribuem um significado específico ás etapas do curso de vida dos indivíduos: infância, juventude, maturidade, velhice. Também estabelece as funções e atribuições preferenciais de cada grupo de idade na divisão social do trabalho e dos papéis na família. (P. 225). Ante a atual conjuntura, observa-se que os avós que passam a cuidar de seus netos, os provêem de sustento diário e de sua contribuição como educadores, direcionando um processo civilizatório e até mesmo estabelecendo comportamentos e 111 normas que direcionarão os netos por sua vida adulta, atuando na formação de valores, padrões e regras. Considera-se aqui, portanto, a amplitude que assume o vocábulo cuidar para as avós, na atualidade. Ainda sobre a transmissão de valores na relação avós e netos, bem como dos estudos que versam sobre esta temática, Peixoto (2000) assim se posiciona: Eles aproveitam para transmitirem alguns valores morais e sociais (respeito aos outros, sobretudo aos mais velhos; honestidade; importância dos laços familiares, o valor do trabalho, as histórias da família ...), pois muitos deles acham que os pais de hoje são muito negligentes nessas questões. No Brasil, essa temática tem sido, entretanto, pouco debatida, tanto nos estudos sobre as questões da família contemporânea como naqueles que pesquisam e tratam do envelhecimento. (P.107). Sob essas condições, na sociedade moderna, as avós oferecem aos seus netos muito mais do que simples proteção e carinho. Assim sendo, este experimento suscita o interesse em conhecer e analisar a inserção das avós (mulheres envelhecidas) na família, bem como na sociedade, discutindo a relação que envolve envelhecimento e família. Nas considerações de Peixoto (2000), [...] as noções de avô e de avó são relativamente recentes. Na 60 Europa, até o século XVIII, a imagem da grand-parentalité estava vinculada à velhice, á decadência e à morte. Ao longo dos anos, observa-se a transformação do papel dos avós, conseqüência do aumento da esperança de vida e do recuo do modelo patriarcal até então assimilado á uma autoridade forte da geração mais velha e, assim, à uma distância afetiva. As relações afetivas entre avós e netos emergem nos anos de 1930, quando os primeiros se tornam auxiliares dos pais na socialização das crianças. (Pp.97-98). Quanto aos assuntos abordados nesta pesquisa, não se pode desconsiderar o surgimento de alguns questionamentos, como este: haverá, portanto, uma inversão de papéis para essas avós que tiveram seus papéis ―ampliados‖ ante o contexto da globalização e suas conseqüências? 60 Termo usado em francês para caracterizar o estudo dos avós. 112 Nesta perspectiva, os/as avós surgem como protagonistas nas cenas das relações familiares no mundo contemporâneo, cujo vínculo vai além, haja vista a complexidade que envolve esta relação (avós-netos). É mister evidenciar que, na contemporaneidade, a significativa presença dos avós pode ser constatada em diversas situações, que os envolvem de forma complexa e/ou até mesmo subjetiva, conforme se observa no raciocínio de Vitale (2005): Por essas razões, a figura clássica da vovozinha sentada na cadeira de balanço, cabelos brancos, fazendo tricô ou crochê, presente nos livros infantis, pouco corresponde ao perfil dos avós atuais, possivelmente em todos os segmentos sociais, considerando-se as mudanças por que passou a família, em especial a partir da segunda metade do último século. (P.101). Compreendendo a complexidade da teia familiar, Petrini (2003) aflui ao debate, considerando a família como complexo simbólico importante, e acrescenta que ―o complexo simbólico da família é o primeiro ponto de apoio, o primeiro cimento da sociedade.‖ (P.72). Nesta perspectiva, Vitale (2005) acrescenta ainda, que os avós ―parecem se apresentar como rede de apoio concreta, mesmo para aqueles mais pobres, como laços dentre as gerações que conferem a identidade à história familiar‖. (P.54). Assim sendo, convém destacar o fato de que a família conta com a colaboração dessas pessoas mais velhas de formas diversas, seja no cuidado diário com os netos, seja em circunstâncias mais complexas que envolvem as relações intergeracionais, como suporte afetivo e socioeconômico tanto para os filhos, quanto para os netos, conforme evidenciam Peixoto (2000) e Vitale (2005). Nesta pesquisa, observou-se que Dona Rosa e Dona Conceição foram surpreendidas com situações que não imaginaram para as filhas, ou seja, elas serem mães na adolescência e ela ainda assumir a responsabilidade financeira destas, mesmo durante a vida adulta. Vitale (2005) faz uma importante, bem como preocupante reflexão, ao destacar as atribuições que os avós, principalmente, para o sexo feminino61, assumem na atualidade, ao mencionar que: ―a condição de ser avô ou avó se modifica ao longo do percurso de vida: os belos anos de ser avós podem dar lugar a anos mais 61 Ao considerar o cuidado como uma atribuição do sexo feminino, conforme será abordado no decorrer desta pesquisa, especificamente no tópico 4.3 denominado: Cultura X natureza do feminino. 113 difíceis‖. (P. 98). Acrescenta que ―As relações intergeracionais e de gênero compõem o tecido para se pensar a condição de ser avô (ó)‖. (P.104) Ante as questões até aqui discorridas, surge, portanto, a relevância de se estudar alguns pontos ligados à velhice, na sociedade brasileira contemporânea, e sua interação no contexto das relações entre gerações; destarte, problematizar o decurso do envelhecimento na contemporaneidade reveste esta pesquisa de relevância tanto acadêmica quanto social. Suscitadas algumas considerações acerca da categoria família e da contribuição das relações intergeracionais, no contexto familiar, no capítulo a seguir, buscou-se apresentar um debate sobre a categoria velhice e sua importância no contexto da contemporaneidade. 114 4 ABORDAGENS SOBRE A TEMÁTICA VELHICE ―A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda não pensou sobre aquilo que todo mundo vê.‖ Arthur Schopenhauer 4.1 Velhices: entre conceitos e preconceitos Da década de 1960 em diante, a temática velhice/envelhecimento passou a ser estudada pelas Ciências Sociais, embora de maneira tímida. Já na década de 1980, o fenômeno do envelhecimento passou a ser vislumbrado de fato, inclusive, com relevância teórica. Tanto o descaso quanto a escassez de material teórico, em relação a esse assunto foram evidenciados e denunciados por Beauvoir (1970), autora de destaque no estudo da temática, ao expressar que havia uma ―conspiração de silêncio‖, pois, à medida que não possuíam um lugar social, os velhos também não conquistavam lugar teórico. As especulações sobre o envelhecimento humano são, de tal modo antigas que remontam à própria história da humanidade. Em períodos históricos, sociedades e culturas diferentes, o debate em si sempre foi alvo de controvérsias e reflexões. Pode-se, pois, dizer que não há unanimidade a respeito do assunto. Os conceitos elaborados sobre a velhice surgem como produtos de determinada época. No plano individual, envelhecer significa aumentar o número de anos vividos. Convém ressaltar, entretanto, que as especificidades atribuídas a este conceito variam de acordo com cada momento histórico, bem como da sociedade em que se está inserido, simultaneamente, influenciada por outros aspectos62. 62 Sendo eles de natureza social, biológica, cronológica e psicológica. 115 É oportuno mencionar que não há uma definição exata de velhice, porquanto existe uma multiplicidade de aspectos, indissociáveis uns dos outros, que esta assume. Assim, o envelhecimento não procede de um só fator, mas representa diversos fenômenos funcionando conjuntamente. Beauvoir (1990) ratifica o pensamento ora exposto, ao esclarecer que a velhice não corresponde a um fato estático, e sim ao resultado e ao prolongamento de um processo. Envelhecer relaciona-se à idéia de mudança, caracterizada por um declínio, e envolve também aspectos biológicos, psicológicos, existenciais e culturais. Segundo a referida autora: [...] Mas a vida do embrião, do recém-nascido, da criança é uma mudança contínua. Caberia concluir daí, como fizeram alguns, que nossa existência é uma morte lenta? É evidente que não. Um tal paradoxo desconhece a essencial verdade da vida; esta é um sistema instável no qual, a cada instante, o equilíbrio se perde e se reconquista: é a inércia que é sinônimo de morte. Mudar é a lei da vida. É um certo tipo de mudança que caracteriza o envelhecimento: irreversível e desfavorável – um declínio. (P. 17) Mascaro (1997) corrobora o pensamento da autora acima ao afirmar que: Ao lado dos fatores genéticos, os aspectos sociais e comportamentais também são muito importantes. O processo de envelhecimento humano precisa ser considerado num contexto mais amplo, no qual circunstâncias de natureza biológica, psicológica, social, econômica, histórica, ambiental e cultural estão relacionadas entre si. (P.50) Envelhecer está inserido num processo complexo e multidimensional, que começa a ser determinado no nascimento. Alguns autores defendem o argumento de que este processo se inicia no útero materno. Outros consideram o envelhecimento como o tempo de vida em que o organismo passa por consideráveis transformações visivelmente expressadas no declínio de sua força, disposição e aparência, as quais podem ou não incapacitar/comprometer o desenvolvimento vital. Estudar ―as velhices‖ é considerá-las em seu contexto plural e também real, ante as multiformes manifestações da questão social, num contexto contemporâneo rico de desafios. Ferrigno (2003), em conformidade com Beauvoir (1990), alerta sobre essa ―pluralidade de formas de envelhecer‖. Definir velhice é, 116 portanto, compreendê-la em sua particularidade e complexidade, sem desconsiderar o significado e importância dela nos dias atuais. Segundo Ferrigno (2003), corroborando a percepção de Beauvoir (1990), sobre as características singulares da velhice, tem-se que: Principalmente a partir da segunda metade da vida o ser humano vai mudado sua forma de orientação no mundo; vai deixando de ser orientado externamente para ser orientado cada vez mais pelo seu interior. Com isso e graças ao acúmulo de experiências singulares, ou seja, que somente ele vivenciou, vai formando uma subjetividade única. Portanto, as idiossincrasias de cada idoso tendem a se manifestar de modo cada vez mais exuberante. Como decorrência desse processo de diferenciação ou de singularização, cada um se torna na velhice mais e mais incomparável a qualquer outro ser idoso; torna-se cada vez mais ele mesmo. (Pp.135-136) Convém ressaltar que a velhice compõe um das etapas do ciclo natural da vida, sendo este nascer, crescer, amadurecer, envelhecer e morrer; e as alterações que a caracterizam têm origem no próprio organismo, e acontecendo de forma gradual. Seguindo este raciocínio, em Ferrigno (2003), citando Bobbio, constata-se que ―a velhice não está separada do resto da vida que a precede: é a continuação de nossa adolescência, juventude e maturidade‖. (P. 81) Como, porém, identificar a idade da velhice? Responder a esta indagação não é tão simples assim, haja vista que, em períodos históricos diferentes, em sociedades e situações sociais distintas, a pessoa pode ser considerada velha com 70, 60 e até mesmo, aos 40 anos de idade. Nas palavras de Bosi (1994), Além de ser um destino do indivíduo, a velhice é uma categoria social. Tem um estatuto contingente, pois cada sociedade vive de forma diferente o declínio biológico do homem. (P. 77). No que se refere a limite de idade estabelecida legalmente, no Brasil, temse a Lei 10.74163, de 1º de outubro de 2003, dispondo sobre o Estatuto do Idoso e 63 Conforme Art 118. A lei entrou em vigor decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação, ressalvado o disposto no caput no art. 36, que vigorou a partir de 1º de janeiro de 2004. 117 dando outras providências, estabelece como idoso todo aquele com idade igual ou superior a 60 anos. Relevante é compreender que a velhice corresponde a um fenômeno biológico, um processo heterogêneo e individual, sofrendo por sua vez influência do meio sociocultural. Sobre este assunto, Fraiman (1991) contribui no debate: A idade é uma das variáveis que regulam o comportamento social e as relações entre indivíduos e grupos, em todas as sociedades. Ela conglomera e torna homogêneas grandes classes de indivíduos, submetendo-os às normas sociais que não apenas os beneficiam, mas também estigmatizam e até os prejudicam, por desconsiderar as diferenças individuais. (P.19). Fraiman (1991) ressalta que, para o senso comum, velho é aquele que possui muitos anos de idade e uma vasta experiência acumulada, diferenciando-o assim dos demais. Muitos são os termos utilizados para se reportar a este importante estágio de vida, podendo destacar, por exemplo: idoso, terceira idade, quarta64 idade, nova idade, idade avançada, geração de cabelos brancos, melhor idade, feliz idade, velho, velhote, dentre outros. Vale frisar que tais palavras surgem não como sinônimos, todavia, como uma forma de eufemizar a palavra velho, haja vista esta ser associada ao que ―se joga fora‖, a algo desprezível. Nas palavras de Ferrigno (2003), ―a palavra ‗velho‘ não é agradável‖. (P.68). Relevante mencionar que as análises sociológicas, e até mesmo demográficas, seguem a mesma modificação conceitual, haja vista que estas terminologias, embora vinculadas a processos biológicos, são elaborações de cunhos sociais ou culturais. Ainda quanto às nomenclaturas, Peixoto (1998) acrescenta que O termo ‗velho‘ tem assim uma conotação negativa ao designar, sobretudo, as pessoas de mais idade pertencentes às camadas populares que apresentam mais nitidamente os traços do envelhecimento e do declínio. (P.78). 64 Para Ferrigno (2003), alguns gerontólogos chamam a velhice avançada de Quarta idade, identificado-a pela ―decorrência da acentuação das limitações físicas e da presença mais provável de patologias, inclusive mentais‖. (P. 74). 118 Evidencia-se que tais termos são responsáveis pela constituição de uma identidade estigmatizada. Há, portanto, o surgimento de terminologias diversas para se tratar do assunto velho ou velhice. Releva destacar, ao abordar esse contexto, que segundo Peixoto (1998) a expressão ―terceira idade‖ teve origem na França, em 1962, ao ser inserida uma política de integração social da velhice, a qual objetivava a alteração da imagem dos indivíduos envelhecidos, haja vista que, até este período, a velhice era considerada exclusão social. Em outras palavras, aos velhos destinava-se o asilo. Quanto às palavras velho e velhote, a autora acrescenta ainda que estas eram aplicadas para aqueles que não detinham o status social, ou seja, os despossuídos e/ou indigentes, de modo a reforçar suas condições de exclusão. Já a designação de idoso era mais polida, se assim é possível dizer. Era reservada aos sujeitos que possuíam status social proveniente das seguintes circunstâncias65: experiências em cargos políticos, posição financeira privilegiada ou de alguma outra atividade de destaque na sociedade. Tais classificações, de acordo com Peixoto66 (1998), nasceram num período histórico em que nas relações de produção, a força de trabalho, era o bem precioso, cujas categorias menos favorecidas tinham para vender. Com a diminuição desta força, o sujeito inseria-se na categoria de velho (sem atividade laboral e desassistido pelo Estado, situações que legitimavam seu estado de pobreza). Por isso, ainda hoje, associa-se velhice à invalidez e à decadência. Assim como Peixoto (1998), Beauvoir (1990) e outros autores analisados neste estudo, Ferrigno (2003) apresentou a ideia de decadência relacionada à velhice, e posiciona-se quanto a isso: 65 Ou seja, determinadas categorias, tais como: os ricos, os dirigentes políticos e/ou religiosos, os inetelectuais, dentre outros que possuíam valor social. 66 Segundo a autora, a partir dos anos 60, surge uma nova política social francesa, voltada para a velhice, que elevou o valor das pensões, e conseqüentemente, o prestígio dos aposentados. Os vocábulos velho e velhote foram substituídos por idoso, em textos oficiais. Assim, as pessoas envelhecidas passaram a ser tratadas com maior respeito. No final da década de sessenta, tais transformações chegaram ao Brasil que assimilam a noção francesa de idoso, passando a utilizar o termo em alguns documentos oficiais. Desse modo, Terceira Idade passa a ser a nova fase da vida, compreendida entre a aposentadoria e o envelhecimento, caracterizando um envelhecimento ativo e independente. Vale frisar que a expressão Terceira Idade traz consigo um convite a práticas de atenção e cuidados com a saúde, ou seja, a boa qualidade de vida. O termo Terceira Idade (troisième age) foi cunhado pelo gerontólogo francês Huet. 119 Nessa perspectiva a velhice é tida como sinônimo de decadência, daquilo que já foi ou que ‗já era‘ expressão bastante usada, principalmente pelos jovens. Em minha opinião, devemos falar de adultos jovens e adultos velhos. O idoso não deixa de ser um adulto, continua sendo um adulto, um adulto mais velho. (P. 52). Ainda no que tange a esse descaimento vinculado à velhice, convém salientar que, sob essa óptica de ponderação, predomina a visão do envelhecimento, ou seja, em seu aspecto biológico e suas implicações em estado individual. Ante o debate sobre o conceito de velhice, vale frisar que se torna tarefa árdua atribuir uma definição exata para velhice, principalmente quando se quer caracterizar uma pessoa como velha, utilizando, apenas, o critério da idade. Beauvoir (1990) pondera que a categoria velhice não expressa uma realidade bem definida. E, acrescenta que o processo de envelhecimento resulta da interligação do sujeito com a sociedade, ao mencionar que velhice é Um fenômeno biológico com conseqüências psicológicas que se apresentam através de determinadas condutas consideradas típicas da idade avançada. Modifica a relação do homem no tempo e, portanto, seu relacionamento com o mundo e com sua própria história. Por outro lado, o homem nunca vive em estado natural: um estatuto lhe é imposto também na velhice, pela sociedade a que pertence. (P. 11). A autora postula a noção de que a idade modifica a relação do indivíduo com o tempo. Destaca a definição de velho como alguém que possui longa vida por trás de si, e adiante uma expectativa de sobrevida em demasiado limitada. Os velhos têm suas perspectivas reduzidas pela sociedade, pelas restrições decorrentes da própria idade. Segundo a autora, porém, ―(...) a relação com o tempo é vivida diferencialmente, segundo um maior ou menor grau de deteriorização do corpo‖. (P.15). Apesar de Beauvoir (1990) admitir não ser fácil descrever a categoria velhice, a mencionada alvitra defini-la a partir de três dimensões, sendo estas: biológica, psicológica e existencial. De acordo com a autora, ―o que torna a questão complexa é a estreita interdependência desses diferentes pontos de vista‖. (P.15). Assim sendo, concebe a velhice numa perspectiva de totalidade. 120 Na análise elaborada por Fraiman (1991), a idade pode ser conceituada em quatro dimensões: cronológica, biológica, social e existencial. A primeira foi instituída, principalmente, em funções de práticas administrativas, ou seja, relacionase à definição de papéis ocupacionais. É marcada pela data de aniversário da pessoa. Seguindo o raciocínio de Fraiman (1991), corrobora com esta percepção Ferrigno (2003) ao destacar esse pensamento: No caminho em direção à fase da Terceira Idade, em decorrência de inúmeros fatores culturais contemporâneos, os contatos sociais, tendem a rarear, isto é assiste-se a um progressivo esvaziamento de papéis, fato que determina ao idoso um crescente isolamento ou recolhimento ao espaço doméstico. A aposentadoria, a viuvez, a perda de amigos, e a chamada ‗síndrome do ninho vazio‘, esta última caracterizada pela debandada dos filhos emancipados, são fenômenos que impõem aos mais velhos uma expressiva diminuição de funções. (P.52). Ainda que seja, todavia, um fator importante, objetivamente mensurável, a idade cronológica não é considerada suficiente para definir o ser velho, pois não expressa a condição da pessoa, haja vista que o fundamental não é o mero transcurso do tempo, contudo a qualidade deste, o que se vivenciou e a qualidade do ambiente que a cercaram. Na perspectiva de Fraiman (1991), Por si só a idade cronológica de um indivíduo nada nos revela sobre sua existência, personalidade, intelectualidade, produtividade e energia vital. A Pessoa é muito mais do que a simples expressão de suas atuais condições físicas e de saúde, uma vez que a dimensão mental, experiencial também age, se modifica a cada instante. (P.21). Esta realidade que supera as limitações físicas do corpo, ao tentar evidenciar a energia vital e intelectiva, foi evidenciada na fala de Dona Ana, ao mencionar que, - Eu acho ruim é porque eu não posso andar quase, por causa da artrose, né! Tenho problemas nas pernas, no corpo todinho. Mas, Hoje, eu fui pra oração e na volta, um rapaz que anda num carro me trouxe até aqui. Tem também a minha bengala...E, mesmo assim, eu vou pra reunião. (Depoimento concedido por Dona Ana, 74) 121 Neste relato, a entrevistada frisou que faz uso da bengala para auxiliá-la no deslocamento diário, e, mesmo assim, a citada é bastante participativa nas reuniões do condomínio, bem como nas atividades da igreja evangélica a qual é congregada, afirmando gostar de participar de tudo. Convém destacar que, para o início da velhice, nos países em desenvolvimento, foi estabelecida a idade de 60 anos, e para os países desenvolvidos 65 anos, perspectiva definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), assim como utilizada como referencial pela Organização das Nações Unidas (ONU). Conforme a autora anteriormente citada, a idade biológica se refere às condições orgânicas, ou seja, transformações fisiológicas, anatômicas, hormonais e bioquímicas do organismo, consideradas símbolos da idade avançada. Na opinião de Mascaro (1997), o envelhecimento biológico é, em regra, descrito pela exposição de uma série de insuficiências, perdas e limitações. Nesse período, alguns aspectos mais visíveis são diminuição do vigor físico, esquecimento, dificuldade de locomoção, falta de firmeza nas pernas e mãos, enrugamento da pele, cabelos brancos, dentre outros. Estes podem provocar rejeição da própria imagem. Marcas peculiares da velhice são também observadas na respostas da seguintes avós: - Às vezes, eu me esqueço das coisas. Não é toda vida não, né! Às vezes, vou botar uma coisa ali num canto, aí não sei coma foi que eu botei. Aí, depois, com um bom pedaço, né!? Que eu vou, eu fico sentada ali, que eu fico com a cabeça (...) aí, eu me lembro aonde é que fico com a cabeça (...), aí eu me lembro aonde é que ta. È pouco, num é muito não. Mas, já to me esquecendo já... (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos). - O que eu tenho pra dizer é assim... Porque agora eu não sou mais como eu era, porque aqui e acolá, eu tenho assim um problema... Tenho pressão alta...Uma vez eu fui extrair um dente que eu tenho aqui, que tá bem molim, aí eu cheguei lá, não pude nem extrair porque eu tava com a pressão muito alta, acredita ? (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos). - E, ás vezes, não tenho... Eu fico sem coragem de ir para igreja. É assim... Às vezes eu vou...ás vezes num vou...É assim...cansada né!?. Sinto muita dor nas pernas. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos. Convém lembrar, entretanto, que este conjunto de transformações físicas não ocorre a um tempo só, haja vista que o envelhecer é processual, assim, as 122 mudanças físicas vão surgindo paulatinamente e em si mesmas, variando de pessoa para pessoa. Conforme Bosi (1994), ―antes do afastamento definitivo há um declínio lento, intermitente, acompanhado de dolorosa lucidez.‖ (P.76). O envelhecimento como fenômeno biológico é um processo básico, consequência de uma evolução contínua, iniciada com o nascimento e com término na morte. De acordo com Mascaro (1997), a idade biológica é definida pela herança genética, bem como pelo próprio ambiente. A idade social, por sua vez, está relacionada com a participação do individuo na vida produtiva, e, por que não mencionar, laboral. Nesta, a sociedade dita as regras. É determinada por normas67 e expectativas sociais, sob as quais as pessoas são categorizadas em termos de seus direitos e deveres como cidadãos. Mascaro (1997) complementa, ressaltando que a idade social se refere às normas, crenças, estereótipos e eventos sociais que controlavam pelo critério de idade a função dos velhos. É cediço dizer que, nas sociedades ocidentais, é comum associar o envelhecimento com a egressão da vida produtiva pelo caminho da aposentadoria. Bosi (1994), ao analisar a velhice na sociedade industrial, ressalta que a rejeição sofrida pelo ser humano velho se vincula à perda da força de trabalho, porquanto ―(...) ele já não é produtor nem reprodutor‖. (P.77). E acrescenta ainda que ―quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização‖. (P.78). Quanto à idade existencial, Fraiman (1991) pondera ser esta a soma de experiências pessoais e de relacionamento, adquirida e acumulada no decorrer do tempo: A idade social, determinada por regras e expectativas sociais, categoriza as pessoas em termos dos direitos e deveres que têm como cidadãos, atribuindo tarefas a ser desempenhadas, mais ou menos relacionadas às idades cronológica e biológica. (P. 20) Ainda sobre os ―marcos da idade‖ ou ―idades da vida‖, Mascaro (1997) acrescenta que, embora seja estipulada por uma sociedade, deve-se tomar como 67 Para Mascaro (1997), as normas dão origem ao relógio social o qual determina o que os indivíduos em determinadas épocas históricas, sociedade e cultura devem ou não fazer. Exemplos: de escolher uma profissão, de casar, de ter filhos, de começar a trabalhar, de se aposentar, de ir para escola, de sair do colégio, dentre outros. 123 maior relevância o fato de que ― ‗a idade da velhice‘ é relativa e não tem o mesmo significado para todas as pessoas‖. (P.42). A autora defende a ideia da existência da singularidade do processo de envelhecimento. A referida autora define a idade psicológica como uma das componentes das ―idades da vida‖. Esta é mais abrangente e envolve mudanças de comportamento, consequências das modificações biológicas do envelhecimento. É influenciada por regras e perspectivas sociais, bem como por componentes de personalidade. Importa referir a noção de que, para conceituar o fenômeno em alusão, a velhice, faz-se necessário compreendê-la num âmbito complexo, considerando a interdependência de seus múltiplos aspectos. Vale frisar que, neste segmento, estão incluídos indivíduos diferenciados entre si, acrescentando os pontos de vista socioeconômico, demográfico e epidemiológico. Quanto aos indicadores sociais deste grupo populacional, Parahyba (1998) destaca que os diferenciais via renda, sexo e educação costumam ser bastante significativos. Beauvoir (1990) e Loureiro (2000) apoiam esta reflexão, ao alertarem para o fato de que a velhice só deve ser compreendida em sua totalidade, porque esta não representa, apenas, um fato biológico, mas também cultural. Deste modo, pode-se perceber que a forma de imaginar, bem como de viver o envelhecimento, depende da conjuntura histórica, dos valores e do lugar que este velho ocupa na sociedade. Assim sendo, observa-se que a velhice corresponde a uma invenção 68 social historicamente produzida. Destarte, pode-se mencionar que existe grande diversidade de velhices, as quais variam de acordo com a classe social, condição biológica, sexo, estado funcional, dentre outros aspectos. Com efeito, ao pesquisar sobre ―as imagens da velhice‖ com a pretensão de apresentar uma definição para esta categoria, é conveniente expressar que não há modelos de envelhecimento e/ou de velhice. Ao abordar as tentativas de definir a velhice, Leonardo Boff 69 , em seu artigo designado Oficialmente Velho faz excelente e sábia consideração, ao dizer que 68 69 Conforme Magalhães (1989). Leonardo Boff é teólogo, professor e membro da Carta da Terra. Doutor em Filosofia da Religião, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Uiversidade Federal do Rio de Janeiro. Para maiores 124 ―Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos de muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina‖. Assim sendo, percebe-se que os estudos que versam sobre a velhice reportam diversidade. Muitas teorias antigas compreendiam o envelhecimento como um declínio e/ou fraqueza do organismo, considerando a velhice, portanto, como uma doença. Desse modo, associada à patologia, os cientistas tentavam descobrir a cura para seus males. Sobre esta questão, Mosquera (1993) ensina que ―velhice em si não é anormalidade nem doença, é apenas uma fase da vida humana enquadrada na grande dimensão da ‗adultez‘70. A velhice é uma conseqüência natural do desenvolvimento humano‖. (P. 15). Todavia, não se pode negar que existam definições deturpadas, as quais ocasionam o surgimento de estigmas e estereótipos, que desvirtuam a realidade e colaboram para emergência de fatores negativos, como preconceito e discriminação, conforme analisado no próximo tópico. 4.1.1 Sob as lentes do estereótipo Vista sob este ângulo, a velhice pode ser avaliada sob a óptica do mito e das ideias errôneas, tanto no que diz respeito ao processo de envelhecimento, quanto à própria velhice individual. Vale salientar que, ao iniciar os registros para escrever seu livro sobre a velhice, Simone de Beauvoir relata que escutava, frequentemente, a seguinte frase: ―mas que assunto triste!...‖ informações, acessar o site www.leonardoboff.com . Quanto ao artigo Oficialmente Velho, este se encontra na íntegra, em anexo, ao final deste trabalho. 70 Mosquera (1993) divide a velhice em três etapas, a saber: ―adultez‖ velha inicial (de 65 a 70 anos de idade), ―adultez‖ velha plena ( varia entre 70 e 75 anos de idade) e ―adultez‖ velha final (vai dos 75 anos de idade até a morte). 125 Na abordagem da temática do envelhecimento, convém exibir também, dentre outros aspectos (sociais, econômicos, culturais), uma forma de pensamento denominada preconceito, a qual atinge o segmento longevo. No que se refere a esta atitude de ―natureza universalizante‖, Ferrigno (2003) corrobora com o presente estudo quando diz: [...] nossa sociedade desenvolveu pouca tolerância e compreensão em relação aos ‗diferentes‘, aos ‗desviantes‘, ou as chamadas ‗minorias‘. A esse conjunto quase infindável de tipos de pessoas podemos incluir categoriais sociais como: judeu, negro, mulher, homossexual, pobre, idoso, etc. Paradoxalmente e ironicamente, verificamos que as minorias somadas constituem-se na grande maioria da população! No entanto, ainda que minoritários, os padrões de comportamentos, eleitos como ideais pela civilização, têm uma força gigantesca e surpreendente. (Pp.132-133). Corroborando a percepção de Ferrigno (2003), Éclea Bosi (1994) destaca: Em nossa sociedade de classes, dilacerada até as raízes pelas mais cruéis contradições, a mulher, a criança e o velho são, por assim dizer, instâncias privilegiadas daquelas crueldades – traduções do dilaceramento e da culpa. (p. 11) Por se fazer referência a preconceito, torna-se assinalado dizer que, na sociedade contemporânea71, há exacerbada valorização do novo, do belo, do jovem, e, que fácil é observar a velhice no outro. Ao não se reconhecer em sua velhice, é mais comum (talvez mais simples, menos doloroso) comentar a velhice identificada no próximo, como se pode verificar na dificuldade de defini-la na fala das próprias avós: - Eu digo assim por que...eu acho que depende da...da situação da pessoa, porque a minha avó, minha sogra velhinhas elas viviam tão bem. Eram bem cuidadas pelos filhos, né! E até que ela já faleceu... Ela faleceu com noventa anos... mas, ela era uma velhinha feliz . A gente chegava lá, e ela era alegre, e conhecia a gente, e eu espero quando chegar na minha velhice ser assim né ? (risos). Eu espero... Eu espero chegar lá, se Deus me permitir, né! Entendeu? (Depoimento concedido por Dona Rosa) - Lá pros sessenta e sete anos, lá pros oitenta é que a gente vai ficando velha... (pausa). E as mudanças.... eu acho que muda, porque a gente não é mais do jeito de como era mais nova...assim 71 Corpo ágil, saudável e forte é valor presente na sociedade contemporânea. Portanto, a perda desse ―conjunto‖ também consiste numa forma de banimento e discriminação da velhice. 126 pra caminhar...sei lá! Numa coisa e noutra... (Depoimento concedido por Dona Conceição) Além da dificuldade de falar sobre a própria velhice, esta imagem é fortemente associada à ideia de morte. Dona Conceição era sempre a mais resistente sobre este assunto, todavia, deixava escapar em sua fala planos vinculados à preocupação com o neto, bem como proximidade da morte - Velhice? O que eu sei sobre negócio de velhice é assim ...[silêncio!] Eu acho assim... [silêncio!] Ah! Eu penso assim...já falei até para mãe do Elias, eu disse ‗Fia‘ quando eu ficar bem velhinha ou quando eu morrer, aí é o tempo de tu cuidar dele, viu ! (Depoimento concedido por D. Conceição, 67 anos) É salutar exprimir que a veiculação dos estigmas da velhice ocorre de formas diversas, como, por exemplo, propagandas, novelas, programas de humor, exibição do corpo jovem e saudável, da moda, produções literárias que tratam o velho com deboche72, bem como permeia as relações sociais. Desenvolvendo um raciocínio parecido, Bosi (1994) menciona a existência de uma ―ferida aberta em nossa cultura‖, reportando-se à velhice oprimida, despojada, banida e desvalorizada. No que se refere a outras formas de ―opressão da velhice‖, as quais Oliveira (1999) denominou de ―movimentos invisíveis e reais da opressão‖, Bosi (1994) acrescenta: Oprime-se o velho por intermédio de mecanismos institucionais visíveis (a burocracia das aposentadorias e dos asilos), por mecanismos psicológicos sutis e quase invisíveis (a tutelagem, a recusa do diálogo, e da reciprocidade que forçam o velho a comportamentos repetitivos e monótonos, a tolerância de má-fé que, na realidade, é banimento e discriminação), por mecanismos técnicos (as próteses e a precariedade existencial daqueles que não podem adquiri-las), por mecanismos científicos (as ―pesquisas‖ que demonstram a incapacidade e a incompetência sociais do velho). (P. 18). 72 Caduco, ancião, avançado em anos, idoso, são algumas formas, mais ou menos, pejorativas, que se reporta à pessoa velha. 127 Se a tolerância com os velhos é entendida assim, como uma abdicação do diálogo, melhor seria dar-lhe o nome de banimento ou discriminação. (P. 78). Vale frisar que, considerando a categorização pela idade cronológica, na organização social brasileira, essa, além de privilegiar os sujeitos mais jovens em detrimento dos mais velhos, haja vista refletir o sistema de produção vigente73, também subsidia crenças e opiniões negativas acerca do indivíduo envelhecido. Nesse sentido, Ferrigno (2003) alerta para a noção de que a predominância da imagem jovem é tão forte que, em algumas situações, se chega até a induzir nos mais velhos caricaturas do que seria caracteristicamente juvenil, de modo tal que o velho tem que negar a velhice e identificar-se com o jovem. Sobre esta perniciosa tendência de ―juvenilização‖, Ferrigno (2003) pensa desse modo: Em torno da figura do jovem foi criado durante as últimas décadas um marketing bem definido. O conceito de juventude está fortemente associado a mercadorias e serviços que prometem vitalidade, beleza, sensualidade e liberdade. Assim, os consumidores de qualquer idade, mesmo os mais velhos, sonham com a possibilidade de adquirir alguns dos propalados atributos juvenis. (Pp.64-65) Imagens negativas ou até mesmo de não aceitação desta fase da vida denominada velhice também foram referidas em textos, contos, poesias e poemas elaborados por escritores famosos. Como exemplo, pode-se destacar74: Lygia Fagundes Telles (ao mencionar que ―a velhice é um horror!‖), Rubem Alves (ao escrever ―A Pior Idade‖), Cecília Meireles (em sua poesia denominada ―O Retrato‖), Vinícius de Moraes (em seu poema ―Velhice‖), dentre outros. Alarcon75 (2008), baseado em Norbert Elias, chama a atenção para a necessidade da sociedade contemporânea afastar-se de suas fantasias e de seu tabu ao se acercar de certos fenômenos, como por exemplo: o envelhecimento. Essas reflexões, referentes à negação da velhice, são passíveis de observação na fala das entrevistadas, ao se reportarem sobre suas compreensões quanto à velhice, na sequência: 73 Inserido num processo de globalização, marcado pela instantaneidade e descartabilidade de modo a favorecer o culto à juventude, à virilidade e à força, em detrimento da velhice associada à decadência. 74 Esses textos e/ou poesias encontram-se ao final deste trabalho compondo o item ―Anexos‖. 75 Professor dos cursos de História e Geografia, da Universidade Federal de Campina Grande. 128 - O que eu entendo por velhice (silêncio). Vixe, eu nem sei te dizer. Isso aí eu não sei nem lhe responder (risos). Sei não. Isso aí eu não penso. Isso aí não...É porque eu ainda não cheguei no tempo de pensar isso aí não...esse negócio de velhice, não! (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos) - Mais, por enquanto, eu não tenho como dizer né ? (silêncio). Só se for ainda daqui pra frente...eu não sei como explicar como é, porque hoje em dia eu me sinto bem. Por enquanto, eu ainda resolvo, né?. Minhas coisas eu ainda resolvo só...é...negócio de médico...negócio de resolver alguma coisa aí, né? Eu resolvo só. Ainda to né (risos). Eu ainda sei (risos). (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos) Contribuindo nesse debate, sobre esse aspecto negativo da sociedade perante a velhice, Beauvoir (1990) expõe que, para esta imagem social, se registra: [...] a do velho louco que caduca e delira e de quem as crianças zombam. De qualquer maneira, por sua virtude ou por sua objeção, os velhos situam-se fora da humanidade. Pode-se, portanto, tratá-los sem escrúpulos, recusar-lhes o mínimo julgado necessário para levar uma ida de homem. (P.10). Em sua obra A Velhice, Beauvoir (1990) esclarece que não há mudança significativa na forma como a sociedade lida com os mais velhos, referindo-se ao Período Medieval e o Moderno, haja vista que em ambos o ser humano velho era visto como tendo valor social reduzido. No primeiro, porém, o longevo era considerado adulto, e, só posteriormente surgiu sua condição de ser percebido como velho. Na condição de Alarcon (2008), ainda ressaltando os estigmas negativos sofridos pelos velhos, o autor exprime a idéia de que há uma força viva permeando a sociedade no que concerne ao ―poder dos jovens em relação aos velhos‖, poder este expresso pelo autor com arrimo em Bobbio, na ―crueldade que se expressa na zombaria dos velhos desvalidos‖. (p.394). Todavia, é expresso bem como pela constituição de uma imagem de fealdade reservada aos personagens da velhice. Em tal direção, conforme avaliação de Ferrigno (2003), em consonância com Alarcon (2008), avalia que: Tudo que é novo é bom, bonito e interessante. Tudo que é velho é ruim, feio e desprovido de interesse. O antigo tem de lutar para sobreviver: seja um ser humano, uma casa, uma praça, uma rua. Tudo tende a ser destruído e substituído pela última moda. (...) Tudo se destrói com rapidez e sem escrúpulos. Tudo se alija sem maiores 129 discussões em nome da expansão econômica e do progresso. De que progresso? O progresso que interessa ao consumo inesgotável e à destruição de tradições e valores e bens urbanos e rurais (P.56) Sob o ponto de vista de Elias, a modernização das relações não conseguiu abolir a desvalorização absoluta da velhice. Segundo ele, isso não seria plausível, haja vista o envelhecimento trazer consigo uma dimensão resignada pela sociabilidade moderna. Ainda sobre essa recusa social, quer seja esta explícita ou não nos dias atuais, Alarcon (2008) pondera: Cada vez mais sabemos sobre o corpo e a velhice e, ao mesmo tempo, isolamos a morte no espaço privado e privatizado no interior das câmaras inacessíveis dos hospitais. Mais que isso: somos cada vez menos capazes de nos sensibilizar frente ao momento em que o corpo dá sinais de que se transforma. O nosso desejo é a permanência, é a vida eterna, é a eterna juventude, é a rigidez, a força e a beleza. Os nossos maiores temores são o inesperado e a finitude, e deles nos afastamos com vigor. (P.398) É digno de se exprimir a idéia de que, até mesmo de uma forma involuntária, com de atitude considerada ―positiva‖, todavia movida pelo preconceito, esta pode ser ofensiva à pessoa velha. Como exemplo disso, pode-se ressaltar a crônica do educador, escritor e psicanalista Rubem Alves, chamada ―Gestos Amoros76‖ (publicada no Jornal Folha de São Paulo, em 27.05.2008), quando o citado descreve seu sentimento de inferioridade ante de um ato ―simples‖ e cortês de uma jovem. Ainda sobre as imagens negativas imputadas à velhice, observa-se, também, que a elaboração do significado de velhice é permeada por um conjunto de fatores (crenças, mitos, preconceitos e estereótipos), os quais nesta sociedade se revelam por meio de representações pejorativas e/ou apelidos depreciativos, que abrangem tanto o fenômeno do envelhecimento, quanto o indivíduo que envelhece, inflingindo-lhes sentimentos: vergonha e inferioridade, levando a atitudes 77 preconceituosas e de exclusão para com esse segmento etário da população. 76 Rubem Alves, excelente cronista, também tratou o tema velhice . A crônica relata quando o autor depara, pela primeira vez, a velhice e proporciona ao leitor uma reflexão sobre o tratamento que recebem as pessoas mais velhas. Referida crônica também consta no item ―Anexo‖. 77 No item designado ―Anexo‖ também está o poema denominado ―Como se Morre de Velhice‖, no qual em poucas palavras a autora Cecília Meireles expõe a dor da indiferença que se sofre, muitas vezes, na velhice. 130 Assim, convém salientar que o rechaço sofrido pelo segmento etário denominado velho está intrinsecamente vinculado à fuga dos ―padrões‖ estipulados e/ou cultuados pela sociedade vigente, em que um corpo velho que não produz nem reproduz (biologicamente e capitalistamente) está fadado à marginalização. Dessa forma, percebe-se que a opressão da velhice ocorre numa multiplicidade de maneiras, sendo algumas explicitamente brutais e outras tacitamente permitidas. No item denominado ―Anexos‖, compartilha-se com o leitor a sugestão do filme intitulado: Stardust – O Mistério da Estrela, no qual é possível identificar situações abordadas neste segmento, como: o culto à beleza, à jovialidade, a imagem da bruxa representada pela mulher envelhecida, a negação da velhice, dentre outras. 4.2. Laços intergeracionais Ao abordar este assunto, inicialmente, faz-se necessário destacar o sentido ativo que assume o termo ―geração‖. A definição desta palavra corresponde à ação de gerar, de engendrar um ser vivo, um período de vida, bem como a produção ou desenvolvimento de alguma coisa. Família, linhagem, genealogia são alguns dos substantivos que associam significados ao vocábulo geração. É fato que aumento da longevidade ocasiona uma coexistência maior no decorrer do tempo, beneficiando bisnetos, netos, filhos, pais, avós e bisavós. Convém destacar que os laços geracionais podem chegar a quatro, ou até mesmo cinco gerações. A aproximação geracional possibilita troca mútua, no contexto familiar do cenário contemporâneo e suas nuances. São gerações distintas, como por exemplo, avós e netos convivendo no tempo. Fato este que possibilita à geração mais velha também a adquirirem novos conhecimentos, tais como: utilizar aparelho celular, realizar cursos de informática para usar o computador com seus netos, dentre outras. No âmbito intergeracional da família seus membros se estabelecem como sujeitos e seres sociais. É com origem na família que se pode compreender o comportamento de cada pessoa, à luz da organização e funcionamento de um sistema 131 de relações, cuja conjuntura demarca e atribui sentido a tudo o que acontece no seu interior. A ideia de geração traz consigo o conceito de parentela. Os sistemas de parentesco são concebidos como estruturas formais da sociedade. Leite (2004) aborda estes sistemas, e sobre eles esclarece que são constituídos a partir dos arranjos e combinações de três relações básicas: as de descendências (entre pais/filhos e/ou entre mães/filhos), de consanguinidade (entre irmãos) e de afinidade (firmada com o casamento). As funções do núcleo familiar, concedidas com base em sua organização em termos de parentesco, são relevantes tanto para a família quanto para a sociedade em que está inserida, haja vista ser a ela (a família) o principal vínculo entre indivíduo e sociedade, conforme esclarecem Leite (2004) e Vitale (2002). Quanto à força e coesão existentes nos laços de parentesco, Bosi (1994) pondera que: De onde vem, ao grupo familiar, tal força de coesão? Em nenhum outro espaço social o lugar do indivíduo é tão fortemente destinado. Um homem pode mudar de país; se brasileiro, naturalizar-se finlandês; se leigo, pode tornar-se padre; se solteiro, tornar casado; se filho, tornar pai; se patrão, tornar-se criado. Mas, o vínculo que o ata à sua família é irreversível: será sempre o filha da Antônia, o João do Pedro, o ―meu Francisco‖ para a mãe. Apesar dessa fixidez de destino nas relações de parentesco, não há lugar onde a personalidade tenha maior relevo. (P.425). É preciso evidenciar que a socialização é fator importante no estudo das relações intergeracionais78, haja vista a técnica de transmissão do mundo social dar-se por via das relações. Importante é imprimir destaque ao fato de que a herança simbólica familiar é transmitida através das gerações. Destaca-se, por adequado, que à figura dos avós é atribuída esta responsabilidade de perpetuar o legado geracional. No tocante à transmissão, Vitale (2003) aponta que: 78 No item ―Anexos‖, compartilha-se com o leitor a indicação do filme denominado UP, Altas Aventuras. Neste, é possível verificar a relevância das relações intergeracionais (com destaque para avós e netos). De uma maneira lúdica e divertida, análises realizadas na presente pesquisa são também identificadas no citado filme. 132 As relações intergeracionais compõem o tecido de transmissão , reprodução e transformação do mundo social. As gerações são portadoras de história, de ética e de representações peculiares ao mundo. As gerações, no entanto, estão construídas umas em relação às outras. (P.91). Ainda sobre esta transmissão das experiências vividas, Ferrigno (2003) complementa este debate, acentuando que: [...] a transmissão de ensinamentos a partir do vivido fica mais imediatamente clara quando se fala de uma contribuição das gerações mais velhas para as mais novas. Vários autores se referem aos idosos como agentes de preservação da memória cultural. (P.177) Quanto aos conteúdos recebidos e enunciados por gerações mais velhas, a autora alerta ao dizer que estes podem ser coligados em: legados de ordem (os quais se referem à organização, educação e responsabilidade), legados de solidariedade (os quais fazem alusão ao amor, respeito, colaboração, senso de justiça, amizade...) e legados de fé (que compreendem à espiritualidade). Entende-se que tais legados representam as bases da vida familiar para as avós, conforme explana a autora anteriormente citada. Destarte, torna-se evidente perceber que as transições entre gerações pressupõem ou provocam processos peculiares de transmissão, formação, socialização, ensino e aprendizagem. No que se refere às variáveis que influenciam as relações entre avós e netos, Dias (2002) assinala que estas são distintas e compreendem ―idade, gênero, mediação dos pais, distância geográfica, trabalho e saúde dos avós, o nível sócio-educacional da família, ocorrência de eventos destrutivos (separação, crises, doenças), entre outros‖. ( P. 2). No caso da Dona Ana, avó entrevistada, todos residiam na mesma casa, ou seja, os genitores e seu neto, o qual nasceu doente com problemas respiratórios e teve maior atenção de sua avó materna, desde que nasceu. Esse cuidado da avó, no entanto, era compartilhado com os genitores do garoto. Dona Ana preocupava-se em esclarecer sempre a seguinte situação: Nós que cuidamos dele. Nós tudim ! Eu, a mãe dele e o pai dele. Nós tudo! 133 Ainda conversando sobre esse cuidado partilhado entre a avó e os genitores do garoto, Dona Ana verbalizou que Pra num desagradar ninguém, eu chamo ele é nosso filho, por que ele é filho de nós três. Na inteligência de Oliveira (1999), a situação pela qual avós e netos se percebem juntos, em sentido trivial, comporta uma multiplicidade de conflitos que envolvem a vida interior dos sujeitos, bem como as relações mais amplas com a vida social, haja vista que, em algumas situações, a união desfeita passa a insinuar um descompromisso dos pais em relação à criação de seus filhos. A aproximação de avós e netos para uma vida em comum, embora muitas vezes não pareça, traz junto de si uma gama variada de conflitos. Alguns são nítidos, como no caso dos netos cujos pais se separam, outros mais velados, quando os pequenos ficam apenas uma parte do dia com os avós, enquanto os pais estão fora trabalhando. Não menos conflitivas são ainda as situações vividas por crianças que são criadas junto com os netos consangüíneos, elas que praticamente foram abandonadas pelos pais. Estes todos, porém, são conflitos internos, vividos dentro de uma dada relação interpessoal. Outros, de natureza externa, relacionados com a condição social dos sujeitos, também merecem ser considerados no desenvolvimento do tema. (P. 266) É delicado o debate acerca de como se originou a situação de os avós assumirem a criação dos netos ou, conforme o caso, dos pequenos deixados aos seus cuidados por pessoas que recusam a paternidade ou a maternidade, com os inúmeros compromissos decorrentes. (P. 267) Sobre esta a relação entre a separação dos genitores (dentre outros fatores) e a aproximação entre avós e netos, tem-se as particularidades nos seguintes discursos: - Por que a mãe deles é daquelas pessoas que não quer nada com a vida. É assim...gostava das pessoas erradas. Só gostava de vagabundo. Aí, o primeiro que ela gostou, teve logo dois filhos, que é o César e a Bia. Aí, ela deixou ele e foi morar mais nós, dentro de casa. Aí, ela pegou e e arranjou outro que é o pai do Wilson . Vagabundo também. Aí o meu marido morreu. Ela vivia jogada pelo mundo, pra cima e pra baixo, com o menino né ! ...Aí, eu peguei e botei dentro de casa. Aí, ficou comigo morando. Já o Wilson veio pra minha companhia logo que nasceu. Mas, eu criei todos três todos bem pequenininhos. (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos). 134 - Foi assim... Ele nasceu, o menino...quando foi com dois ou três meses, ele pegou uma gripe que começou a cansar e nunca mais ficou bom. Nós que cuidamos dele. Nós tudim. Eu (avó materna), a mãe dele e o pai dele...Nós tudo !!!(Depoimento concedido por Dona Ana, 74 anos). Nesse caso, mesmo ambos genitores sendo presentes, a atenção, os cuidados diários e até o auxílio financeiro dedicados pela avó (D. Ana) não foram dispensados...Digamos que o cuidado foi, inicialmente, compartilhado... (Diário de Campo, 09 ago. 2012). Nesta ocasião, relatou que possui cuidado com seus netos como se fossem seus filhos. Ficou emocionada, e começou a chorar ao verbalizar seu amor e atenção...Sobre os outros netos, mesmo os que não moram (ou nunca moraram com ela, ela disse: ―eu ajudo, por que eu ajudo eles tudo, né!‖. A referida ao mencionar que ajuda à todos, referiu-se ao caçula, um bisneto com oito meses de vida, o qual não vive em sua companhia. Todavia, também é ajudado financeiramente por ela. “Desde o primeiro eu já cuido”. Euforia ao falar dos netos, de seu amor para com eles, de seu sentimento em ser útil e de cuidar... (Diário de Campo, 09 ago. 2012). - Foi assim, por que eu tinha uma filha e ela tava namorando com um rapaz, aí ela saiu grávida dele. Aí ela ficou dentro de casa, aí depois, ela começou a gostar de outro. Aí, ela foi falou pra mim que queria se ajuntar com esse rapaz. Aí, eu fui e disse assim: vá se ajuntar, mas o menino eu vou ficar com ele, por que... Eu era muito pegada com o menino. Aí, eu tive medo por que podia ele ir par companhia desse homem, dele não ser pai dele e bater nele. Aí, ela disse: tá certo mãe! Pode ficar com ele ! Aí, eu fui fiquei criando ele. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos). -O pai dele não manda nada. Um tempo a mãe dele (avó paterna) mandou um recado pra levar ele (o garoto) lá. Aí, eu conversei com a mãe dele, e ela disse: é mãe leva ele lá!‘ Aí, nós levemos. Quando nós cheguemos lá, minha filha, ele tinha levado uma pisa tão grande da polícia. E o menino já grande, o menino vendo tudo. O bichim viu ele com o corpo todo cheio de peia. Aí, ele perguntando assim: ‗E o que foi isso vózinha (avó paterna)?‘ E, eu fiz assim com o olho pra ela não dizer. Aí, ela disse: ‗ Não, meu filho foi que ele levou ...assim, assim....Aí, ele botou aquilo na cabeça e só vivia perguntando,perguntando...Aí, outra vez, eu levei ele lá de novo, que ele queria ver ele pra dá uma bicicleta. E aí, que quando nós chegamos lá, aí ele tava preso. Aí, eu conversei com ele... Elias...eu não vou levar mais você lá não, e nem ele pise lá em casa, por que a gente vai e você vê é coisa feia lá ...é peia...é preso. E ele perguntou: ‗ por que?‘. Aí, eu fui e disse para ele que era porque ele ‗coisa‘ droga. Aí, ele disse: ‗mãe, nunca mais no mundo eu quero ir lá...E, não foi ais não! (Depoimento concedido por Dona Conceição). A ênfase que esta entrevistada concedeu à palavra medo foi consolada quando a genitora do infante disse que a Dona Conceição poderia permanecer com ele. A genitora do garoto tinha 15 anos de idade quando deu à luz seu primeiro filho. Atualmente, a citada tem outro filho (uma menina), fruto de seu segundo companheiro 135 e que mora com o casal. Quanto ao menino, criado pela avó materna, foi cogitado por sua genitora que o registro de nascimento fosse elaborado no nome da avó. Tal solicitação, contudo, não foi permitida pelo cartório, segundo Dona Conceição. - Acho que ela imaginou assim... Eu penso que ela imaginou assim...que o marido dela não é o pai do Elias, né? E, pensou assim também, mas a mãe cuidou dele desde novinho... Ela saía pros cantos e eu ficava com ele... Também ela imaginou assim...Eu acho que eu vou deixar é ele com a mãe mesmo. E quando ela foi pra casar, ela disse assim: ‗É mãe eu não vou levar não. Fica pra mãe ! Fica pra mãe! (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos). Convém salientar, com suporte nas relações entre avós, filhos e netos, que é possível refletir sobre a situação social destas interações. Consoante a autora supracitada, o grupo familiar ―(...) visto do prisma de parentesco, se constitui em laços de compromissos e lealdade entre os seus membros, tanto na linha de descendência como na de ascendência‖. (P.37). Considerando as trocas nestas relações, Fonseca (2002) alerta: Os primeiros nascidos de uma geração freqüentemente passam seus primeiros anos com uma avó que, cuidando deles, cumpre as únicas obrigações familiares. Vinte anos depois, quando a obrigação se transforma em direito, a vó pode muito bem reivindicar, na sua velhice, a companhia de um dos netos mais novos. (P. 32). Vitale (2002) defende o argumento de que a figura dos avós, na contemporaneidade, expressa uma importância de forma a fazê-los emergir como protagonistas nas cenas das relações familiares, no mundo globalizado. Na contemporaneidade, a significativa presença dos avós pode ser constatada em diversas situações, as quais os envolvem de forma complexa e/ou até mesmo subjetiva. Ao compreender a diferença entre a avó no passado79, e a avó do presente, Vitale (2005) ressalta que, Por essas razões, a figura clássica da vovozinha sentada na cadeira de balanço, cabelos brancos, fazendo tricô ou crochê, presente nos 79 Mascaro (1997) menciona esta imagem da avó em tempos passados, contando histórias para os netos e apresentando marcas, como cabelo preso num cocó, bengala, dentre outros. 136 livros infantis, pouco corresponde ao perfil dos avós atuais, possivelmente em todos os segmentos sociais, considerando-se as mudanças por que passou a família, em especial a partir da segunda metade do último século. (P. 101). O âmbito familiar é local onde são recriados os códigos, ensejando, dessa forma, uma teia de relações significativas para seus membros. Mediante o sistema de parentesco são criados os vínculos sociais e é suposta uma ligação afetuosa (seja mais intensa ou mais diluída), entre os componentes da família, conforme o nível de parentesco. A família é um sistema complexo de relações, haja vista que nela seus membros partilham um mesmo contexto social de pertença. Falar de família também se refere a memória e transmissão. É bom ressaltar que os laços de afetividade, determinados pelas regras que permeiam as relações sociais familiares, também exprimem sua contribuição com vistas a manterem unidos os membros da família. Conforme Vitale (2002), ―(...) a rede social e as trocas intergeracionais, ou seja, as solidariedades familiares ajudam a existência destas famílias‖. (P. 54). Na oportunidade, D. Conceição lembrou de falar sobre outros netos que residem nas proximidades do Residencial Vitória e que, no horário das principais refeições (almoço e jantar), eles sempre estão por aqui. ... (Diário de Campo, 26 jul. 2012). Em conversa com D. Ana, ela revelou também que conzinha pra muitos, pois na hora do almoço a casa é cheia. Pois, ela faz o almoço e aqueles netos que moram próximo vem buscar a misturinha deles. A entrevistada tem sempre a mesma preocupação com os netos no cotidiano, a sobrevivência, a alimentação...Ao lado do apartamento de D. Ana mora uma das filhas dela. Constatou-se também que o apartamento de D. Ana é uma espécie de ponto de apoio, dentre outros momentos, principalmente, nas horas de refeições. (Diário de Campo, 25 set. 2012). No tocante às relações intergeracionais, Petrini (2003) expressa que, em meio a um cenário de mudanças, faz-se necessário destacar o surgimento de outros arranjos familiares, diferentes, bem como das características que as relações intergeracionais passam a ostentar, além das funções que toma para si a família na atualidade. Desenvolvendo um raciocínio parecido, Ferrigno (2003) expõe : Se as gerações são continuamente construídas, desconstruídas e reconstruídas, a relação entre elas está sempre sendo refeita. Novas 137 relações, por sua vez, determinam novos comportamentos das gerações, num envolvimento dialético e de retroalimentação permanente. Ficamos, então, instigados a saber o que ocorre na relação entre gerações. Conflito ? Competição ? Cooperação ? Afetividade ? Indiferença ? Autoritarismo ? Igualitarismo ?. (Pp. 4546). Vitale (2002), corroborando os pensamentos de Petrini (2003) e Ferrigno (2003), evidencia que o núcleo familiar se organiza de forma peculiar no enfrentamento dos ―percalços do cotidiano‖. Faz-se necessário ressaltar que a singularidade da forma que cada família encontra para manter (ou cuidar) de seu equilíbrio e sobrevivência interage com os relacionamentos interpessoais e intergeracionais de seus membros. Na relação avós-netos, focalizada neste trabalho, pode-se observar a existência de um vínculo de troca entre estas duas gerações, tão distintas e próximas ao mesmo tempo, parecendo até mesmo uma relação de complementaridade. Sobretudo no que tange ao desenvolvimento dos seus netos, a influência é recíproca nesta relação. Segundo Ferrigno (2003), ―todavia, não há como negar a reciprocidade de influências nas relações entre as gerações‖. (P.144). Assim sendo, é possível afirmar que a relação entre essas duas gerações possui caráter mutuamente relevante. Vitale (2002), assim como Ferrigno (2003), defende a ideia de que a rede de parentesco é caracterizada por um ―sistema de trocas de ajudas mútuas‖. Interessante...durante as conversas com a D. Ana ele sempre fazia menção „as mensalidades‟ dos netos. Nas primeiras visitas não compreendi. Mas, posteriormente a situação foi clareando...Estas referiam-se ao auxílio financeiro que a entrevistada para os netos, mesmo aqueles que não moravam com ela, residindo na mesma cidade que ela morava ou até mesmo no interior, D. Ana ia deixar...Com o passar do tempo, a doença e o avançar da velhice já não mais contribuíam para que ela viajasse para ver os netos e deixar „as mensalidade pra comprar alguma coisa pra eles‟. (Diário de Campo, 08 jan. 2013). É no cotidiano que avós e netos se descobrem, modificam- se, completam- se e influenciam- se. Esta relação entre gerações é fundamental para o desenvolvimento global do neto, principalmente no que se refere aos aspectos culturais, psicoevolutivos e formativos, como pensa Andrade (2008). 138 Na concepção de Peixoto (2000), Os avós têm muito a transmitir. Às memórias individuais se conjugam às memórias coletivas e as lembranças não se limitam às suas trajetórias pessoais nem à vida familiar; seus relatos falam de acontecimentos políticos e sociais assim como das transformações do bairro e da cidade e da evolução dos costumes. (P.108). Conforme essa autora, na esfera cultural, os avós representam a voz da experiência, ou seja, o passado, desconhecido por aqueles que não vivenciaram (os netos). Fator importante para compreensão intelectual de fatos atuais, tanto na vida pública quanto na privada. Na compreensão de Vitale (2005), por meio da figura das avós pode-se observar que ―as mulheres têm tido papel privilegiado nos processos de transmissão da cultura familiar. Nesse sentido, as avós emergem como elo entre as gerações e revelam um tempo familiar e coletivo‖. (P.102) A imagem dos avós, através do aporte de sua experiência, surge também como estimulante à criatividade, à motivação e à linguagem, para com seus netos. Andrade (2008) ratifica esta premissa, ao considerar que: Esta troca cultural é também uma troca afetiva entre o avô e o neto que além de estimular a potencialidade intelectual e relacional de ambos, favorece a manutenção da memória histórica permitindo a redescoberta de uma presença ativa do velho na família, riqueza esta que a sociedade nem sempre reconhece e aprecia. (P.10). Quanto ao apoio psicoevolutivo, a autora acima mencionada esclarece que esta relação exerce função positiva na constituição do EU de seus netos, principalmente em situações, como processos projetivos, suporte, autonomia, perdas, lutos, separação dos genitores, próprios de cada fase de crescimento e desenvolvimento tanto do infante quanto do adolescente. Já no aspecto formativo, esta relação assume caráter de apoio na compreensão da vida, bem como na experiência de separação e de morte. Tal suporte apresenta relevância para a formação dos netos no que diz respeito ao enfrentamento de situações diversificadas, no decorrer das fases da vida. 139 Nas relações com os netos, é possível identificar o surgimento da linguagem do afeto, criando-se uma relação de cumplicidade entre estas duas gerações, permitindo que avós e netos usufruissem da liberdade de expressões de carinhos e brincadeiras. - Quando a Rita saí de casa que ele fica aí, ele não gosta de sair não...De primeiro ele não fazia isso não. Mas, agora ele faz. Ele num gosta de sair que é pra não me deixar só. Eu quero muito bem a ele. (Depoimento concedido por Dona Ana, 74 anos). Pode-se perceber aqui que a entrevistada enfatizou a atenção que o neto tem por ela. A recíproca também é verdadeira. Existe entre eles uma reciprocidade (Diário de Campo, 25 set. 2012). O amor e carinho dos avós cuidadores de netos é sempre expressado, quer no dito, como também no não-dito. No caso da D.Conceição, ela gostava de repetir sempre em suas narrações: Ele é meu bem querer. Quero muito bem a ele. (Diário de Campo, 30 jul. 2012). Leite (2004) defende o argumento de que existem duas situações, as quais permitem estabelecimento de verdadeiros laços entre avós e netos, a saber: cuidar e criar. Segundo a mencionada, estas favorecem o desenvolvimento de múltiplas trocas, considerando os mais diversificados domínios, os quais podem ser expressos nas mais variadas esferas, como, por exemplo: conselhos, passeios, ajudas80, confidências, dentre outras. Nas relações estabelecidas entre avós e filhas ou avós e netos, é inevitável surgirem questões de cuidados com os netos. Sobre o ato de aconselhar, Bosi (1994) pondera: Aquilo que se viu e se conheceu bem, aquilo que custou anos de aprendizado e que,a final, sustentou uma existência, passa (ou deveria passar) a outra geração como um valor. As idéias de memórias e são afins: memini e moneo , ‗ eu me lembro‘ e ‗eu advirto‘, são verbos parentes próximos. (P.481). Tais recomendações, advertências e/ou conselhos foram também identificado nas falas das avós entrevistadas neste trabalho, os quais podem ser verificados nas falas a seguir: 80 Relevante é considerar que estas ajudas podem assumir tanto o caráter físico (através dos cuidados diários), quanto financeiro. 140 - Eles tem respeito e educação. Eu ainda dou carão. Eles pode ta fazendo qualquer coisa e quando algum diz: ‗lá vem a vó!‘ (risos)... (Depoimento concedido por Dona Ana, 74 anos). Este relato a D. Ana conta com muito orgulho, haja vista já ser velha e com dificuldades para andar, enfatiza que ainda possui moral e destaca sua autoridade com seus netos para chamar-lhes atenção e advertir, mesmo para aqueles que não moram mais com ela e já são adultos. (Diário de Campo, 25 set. 2012). - É responsabilidade, viu! ...ter cuidado pra saber como é que eles andam...É assim! E eu e o Elias...eu quebro muito minha cabeça com o Elias porque eu sou doente da pressão, e quando ele vai pro colégio aí é que eu recomendo um bocado de coisa. Eu digo: cuidado lá no colégio! Não queira brincadeira. Quando sair de lá, é no caminho de casa. Aí, não queria brincadeira com ninguém. Olha as arenga! É assim... Quando for passar num canto, cuidado ! Repare! É assim... E enquanto ele não chega eu não sossego. É assim..E ele atende! (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos). Considerando o sistema de trocas intergeracionais, são evidenciados os fenômenos da solidariedade e de apoio (tanto emocional quanto financeiro) entre as gerações familiares, apontado por Ferrigno (2003), bem como demonstrado nas palavras de Vitale (2002), quando a citada menciona que os avós surgem: [...] como personagens-chaves diante das fragilidades conjugais, da recomposição familiar e monoparentalidade. Eles parecem se apresentar tanto como rede de apoio concreta, mesmo para aqueles mais pobres, como laços dentre as gerações que conferem identidade à história familiar. (Pp.53-54) Assim sendo, pode-se constatar que as redes familiares proporcionam alguma forma de apoio, de acordo com seus desenhos de classes, bem como suas possibilidades situacionais. Andrade (2008) ressalta que a responsabilidade de cuidar de netos, muitas vezes inesperadas nesta etapa de vida dos avós (ou seja, na velhice), impacta sobre a saúde física-emocional desses avós, podendo, inclusive, afetar sua qualidade de vida. Considerando tal relação em duas vertentes, sendo elas o risco e o afeto, a citada autora pondera que: ―Contudo, as relações com os netos envolvem também sentimentos, senso de obrigação familiar, e satisfações que em muitos casos sobrepõe-se sobre o ônus que o cuidar de netos pode acarretar‖. (P.19). 141 - Eu tenho tanta pena dele...(choro). Por que ele não tem pai. O pai que ele conhece é esse aqui (avô paterno). Na igreja, ele se ajoelha orando pela ‗fia‖ (mãe biológica). Ele fica de joelho orando pela mãe dele. (Depoimento concedido por Dona Conceição, 67 anos). - É muito bom a gente cuidar de neto! (pausa) Dá um trabalho...Mas, a gente...é a segunda mãe, né? Como é um segundo filho pra gente, né? Eu amo meus netos mais do que amo meus filhos. Eu adoro meus netos. Aliás, eu tenho aí um pequenininho que...ave Maria...é tudo pra mim! (lágrimas). (Depoimento concedido por Dona Rosa, 61 anos). - Aonde eu to, se eu sentir que ele ta faltando alguma coisa...Eu ligo logo pra mãe dele pra saber se ela já resolveu...(Depoimento concedido por Dona Ana, 74 anos). No caso de D. Ana, os genitores do garoto nunca se ausentaram. Dessa forma, o cuidado era compartilhado... Conforme narra a D. Ana, Essa família aí sempre morou comigo, em Viçosa do Ceará, depois Fortaleza, depois Maracanaú. Observei também que mesmo já velha e com as limitações decorrentes da própria idade, D. Ana exerce as tarefas domésticas, e sempre durante os momentos de conversas estava atenta ao fogo da panela, à panela de pressão e, preocupada se a comida estava boa. (Diário de Campo, 25 set. 2012) Sobre esse ―senso de obrigação familiar‖, no sentido de cuidar dos netos e seu sentimento de missão cumprida, Dona Ana contou que gostaria de ser lembrada pela família pela seguinte frase: Aí vai uma véinha heroína !, referindo-se ao dia de sua morte e ao apoio, bem como suporte familiar, por ela dedicado no âmbito doméstico. Outro fator importante, abordado por grande parte dos estudos sobre as relações familiares, refere-se à proximidade geográfica que pode influenciar nas relações entre membros da família. A distância espacial se revela como elemento essencial para a solidariedade familiar, bem como para a criação dos laços afetivos. Ressalta-se, todavia, que este feito não pode ser compreendido como regra geral, haja vista que outras situações diferenciadas podem ser encontradas81. Apesar de D. Ana afirmar que “não tem diferença” no que se refere ao cuidado ofertado ao primeiro neto (e o que reside mais próximo) e os demais netos, descobri que ela sempre se dedicou mais a este neto, e que ele é criado, inclusive, com alimentação diferenciada. ―É por que ele não come toda coisa...já se acostumou a comer assim umas coisas...”. A avó se preocupa também em proporcionar uma alimentação de melhor qualidade, além de ajudar em outras coisas também (material escolar, dentre outros...). ― Ah! Eu ajudo com roupa, 81 A distância espacial nem sempre significa distanciamento afetivo, entretanto, pode influenciar nessa relação (avós-netos). 142 ajudei muito na medicação, com os remédios, e no cuidado de dar conselhos...”. (Diário de Campo, 25 set. 2012). A relação entre avós e netos, além de aproximar gerações, ensejam uma releitura de vida entre os membros da família, sem desconsiderar aqui o sentimento de continuidade da vida expressa por meio do nascimento dos netos. Assim sendo, sobre esta relação, Peixoto (2000) considera: Transmissões materiais, transmissões afetivas, e apoios diversos formam o circuito das solidariedades e das transmissões entre as gerações e constituem elementos de base da reprodução familiar. Os avós são o apoio com que os netos podem contar, ainda que não compartilhem concepções de vida semelhantes. (p.110) Embora, alguns estudos que abordam as relações avós e netos realcem os benefícios direcionado aos netos, há de se compreender, portanto, a existência de uma reciprocidade, conforme Ferrigno (2003), nos benefícios originados pelo relacionamento entre essas duas distintas gerações. 4.2.1 Avosidade: o tornar-se avó ... Neste ensaio universitário, foi considerada como necessária a inclusão deste tópico no intuito de apresentar a visão de alguns autores sobre a função de ser avó (ou avô), etapa humana esta também denominada de avosidade ou vovozice. A avosidade consiste num termo cunhado pela Psicogerontologia (campo da psicologia relacionado ao estudo do envelhecimento). Semelhante à palavra maternidade82, a expressão avosidade define um conjunto de transformações relevantes na vida adulta, o qual compreende também o modo de o indivíduo se relacionar com seus filhos, família, e consigo mesmo. Podendo ser definida como laço de parentesco, a avosidade83 está intimamente vinculada às funções materna e paterna, das quais, contudo, se distingue 82 83 Exposto em tópico anterior: 4.3 – Cultura e natureza feminina. O uso do termo avosidade não é muito comum, situação esta que passa a ser compreendida, para Redler (1986), como sendo um tipo de resistência e/ou enfrentamento ao tema. 143 desempenhar papel categórico na formação do sujeito. (OLIVEIRA; VIANNA; CARDENAS, 2010). Araújo (2002) e Guedes (2000) complementam, acentuando que a avosidade se localiza nas filiações trigeracionais do ponto de vista pessoal, social e familiar. Ter um neto (a) significa um novo laço geracional e, até mesmo, promessa de vida. No que concerne à relação entre família e intensidade dos laços, Peixoto (2000) pondera: A concepção da família como pilar fundamental da organização da existência dos indivíduos revela simultaneamente a intensidade dos laços que as unem ao ambiente familiar e sua singularidade, implicando uma forte solidariedade entre seus membros. (Pp.66-67). Retomando o assunto sobre avosidade, tem-se que esta corresponde ao momento em que as relações intergeracionais são enfatizadas e que o núcleo familiar assume novas formas ou características, as quais também irão influenciar nas dinâmicas relacionais, principalmente na contemporaneidade, haja vista que a ―nova família‖, ao abranger uma geração a mais, pode reunir respostas imediatas a situações (sociais, econômicas...) a que ela foi ou passa a ser submetida. Convém destacar que o fato de se tornar avó ou avô, em qualquer circunstância, implica alteração no lugar em que se ocupa na família e/ou própria dinâmica, fato este que poderá ter conotação positiva e enriquecedora, negativa e relacionada à perda (como, por exemplo, da liberdade e do descanso), bem como de ―peso‖ (ao vivenciar uma ―dupla maternidade‖), considerando a complexidade dessa responsabilidade. O relacionamento de avosidade se aproxima bastante dos sentimentos maternos e paternos. Dessa forma, pode-se dizer que a avosidade compreende a lógica do apoio familiar, haja vista que este não significa, apenas, uma obrigação, pois ―representa um princípio de vida e um elemento fundador das relações familiares‖. (PEIXOTO, 2000). Vale salientar que a relevância da reciprocidade na relação estabelecida entre avós em netos foi reconhecida, principalmente, durante a década de 1980 e, desde então, o interesse pela avosidade acendeu consideravelmente. Dentre outros 144 fatores que colaboraram para esta situação, está a elevação da expectativa de vida, a qual proporciona maior tempo de permanência dos sujeitos na função de avós, conforme versam Oliveira; Vianna; Cardenas,(2010). Lembra-se, contudo, que a condição de avó (ou avô) ao se fazer presente, independe da anuência do indivíduo, conforme pondera Freitas (2006). Destarte, tal função requer a elaboração do questionamento do próprio papel como filho e como mãe, no sentido de que não se repitam os erros e se compensem as faltas, de acordo com Gerondo (2006). Vale frisar que o ser avó84 (avô) surge no cotidiano familiar carregado de idealizações e planejamentos junto á chegada do novo neto (a). O fenômeno da avosidade, no entanto, também é considerado singular e pessoal, pode não ser tão natural quanto se pensava, e, portanto, surgir acompanhado de conflitos e angústias. E este momento, a chegada do neto, poderá suscitar novas responsabilidades, as quais poderão ser de natureza efêmera ou não. Diante do exposto, convém evidenciar a relevância do exercício da avosidade nos dias atuais, haja vista a diversidade dos modos de vida no âmbito das famílias, fato este que, conforme Peixoto (2000), não significa que as trocas intergeracionais tenham se elevado ou se reduzido, todavia, ocorre é que as relações adquiriram outras formas em face das exigências e das circuntâncias. 4.3. Cultura e natureza feminina Conforme abordado anteriormente, a experiência do envelhecimento retrata heterogeneidade, compreendendo a diferença também entre os sexos (feminino e masculino). Neste tópico, buscou-se analisar a imagem do envelhecimento, bem como as peculiaridades vinculadas ao gênero feminino. 84 É válido lembrar que o ―Ser avó‖, nos dias atuais, pode implicar não ter ―muita idade ou idade avançada‖, haja vista a existência de avós jovens, fato este recentemente observado na personagem Lucimar (interpretada pela atriz Dira Paes), na novela Salve Jorge, que está no ar pela emissora Rede Globo, todavia, elas (as avós jovens ou jovens avós) não são o foco deste estudo. 145 Estudos que discutem sobre o envelhecimento populacional conferem (dentre outros tópicos), destaque à chamada ―feminização da velhice‖, segundo Debert (1999) e Peixoto (1997), fato este que emerge do menor índice de mortalidade entre a população idosa do sexo feminino. A redução da mortalidade favoreceu, então, ambos os sexos, todavia, foi mais expressiva entre as mulheres, resultando, assim, em maior representatividade entre elas. Conforme visto anteriormente85, falar da velhice, principalmente, da velhice feminina, é também mencionar o desprestígio atribuído a esta, em diferentes épocas e sociedades. Ao abordar as narrativas mitológicas86 e a história87, verifica-se que a relevância e a valorização da mulher estavam associadas estreitamente ao seu papel de mãe e procriadora. Na sociedade contemporânea, ainda é possível observar expressões de estereótipos e preconceitos em relação à pessoa envelhecida. Quanto ao sexo masculino, este é vinculado à imagem de força e mantenedor da família. Tal análise é reforçada nas palavras de Sarti (2003), quando ela menciona o ―lugar de homem e lugar de mulher‖, destacando que o papel masculino corresponde ao ―de prover teto e alimento, do qual se orgulham os homens.‖ (p.62) Analisando concepções de caráter genérico, na sociedade atual, verificase que a função reprodutora atribuída à mulher, de forma a compreendê-la a partir da potencialidade de gerar filhos, lhe confere uma série de outros valores, os quais passam a ser aceitos como inerentes à natureza de mulher, ou seja, atributos de sua condição feminina, segundo esclarece Leite (2004). Considerando essa percepção, convém salientar que a maternidade é compreendida como natural. Em outras palavras, própria do status maternal da mulher, ou, ainda, conforme a autora acima mencionada, ―a sua própria natureza de mulher a faz ser maternal, dedicada‖. (P.45). 85 Assim sendo, o ser mulher está Alusão ao item 4.1.1, do presente estudo, intitulado : ―Sob as lentes do estereótipo‖. 86 ―As narrativas mitológicas contam-nos que a mulher idosa, infértil, não se identificaria mais com a Grande mãe, que tem poder de fecundação e de nutrição.‖ (MASCARO, 1997: p.17). 87 ―No folclore brasileiro, a bruxa é também vista como uma mulher velha, magra, enrugada, feia, suja e coberta de trapos, que perambula misteriosamente pela noite fazendo maldades e assustando as crianças. Os sertanejos do nordeste imaginam a fome na figura de uma velha esquelética, que espalha miséria por onde passa.‖ (MASCARO, 1997: p.18) 146 intrinsecamente relacionado ao fato de ser mãe, imputando-lhe assim ilusões, ou seja, construções sociais de naturalidade à maternidade. Ainda quanto a este papel atribuído ao sexo feminino, Sarti (2003) acrescenta que ―a autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe, num universo simbólico em que a maternidade faz da mulher mulher, tornando-a reconhecida como tal, senão ela não será uma potencialidade, algo que não se completou‖. (P.64). Beauvoir (1980) corrobora esse pensamento, ao esclarecer que tais concepções vinculadas ao papel feminino, na sociedade, conferem a este gênero características adquiridas no seu cotidiano, como, por exemplo, o de ser paciente e calma. Também a expressão de ―naturalidade‖ das atividades ligadas ao lar são designadas às mulheres, conforme demonstra Beauvoir (1980): Cotidianamente a cozinha ensina-lhe paciência e passividade; é uma alquimia; cabe-lhe obedecer ao fogo, á água; esperar que o açúcar derreta, que a pasta fermente e também que a roupa seque, que as frutas amadureçam. Os trabalhos caseiros aparentam-se a uma atividade técnica; mas são por demais rudimentares, por demais monótonos para convencer a mulher da causalidade mecânica. Aliás, mesmo nesse terreno, as coisas têm seus caprichos, há tecidos que encolhem e outros que não encolhem ao serem lavados, manchas que desaparecem e outras que não, objetos que quebram sozinhos, poeiras que germinam como planta. (P. 364). Observa-se que, a crença naturalista engloba e institui relações de causalidade natural-lógicas, as quais irão definir todas as relações sociais da mulher, de modo a afirmar a capacidade biológica feminina de gerar filhos, fator este que para Leite (2004) implica uma série de atribuições, a saber: a) O cuidado e a criação das crianças de forma praticamente exclusiva e individual por parte da mãe biológica; b) Uma mística maternal baseada no amor incondicional aos filhos, que constitui uma gratificação suprema para a mulher (basicamente aos filhos próprios); c) O acesso à maternidade e às experiências emocionais provenientes desse fenômeno como fatores essenciais para a constituição da feminilidade (ser mulher é ser mãe); d) Uma série de atributos da personalidade feminina como ternura, compreensão, tolerância, intuição, passividade, cuidado com os outros, que são esperados, primordialmente, na conduta das mulheres em todas as suas relações humanas, pelo fato de serem mães. (Pp. 45-46). 147 É fato que a identificação do sexo feminino é composta por um legado de atribuições sobre as mulheres que norteou (e ainda acompanha) a experiência de todas elas. Ao considerar o feminino como experiência e não particularidade, pode-se compreender que desde a infância as diferenças infligidas pela sociedade permeiam, nitidamente, o dia a dia destas relações com modelos comportamentais préestabelecidos. Desse modo, observa-se que as responsabilidades que incidem sobre a mulher são inculcadas desde que estas ainda são crianças, ou seja, nos primórdios da educação familiar. As crianças são instigadas a se identificarem com modelos do que é feminino e masculino (com brinquedos, cores, dentre outros...) para melhor exercerem os papéis correspondentes e as atribuições de cada sexo. Apoiando as afirmações anteriores expressas também no pensamento de Leite (2004) e Beauvoir (1980), destacam-se as declarações de Osterne (2001): O cotidiano das meninas, primeiro na família, depois na escola e nas relações sociais, é permeado por ofertas de modelos de comportamento mais dóceis, mais delicados, com caminhos pouco definidos no mundo das decisões, mas muito fortes no que se refere a papéis secundários e submissos. Já dos meninos, são esperados a iniciativa, a agressividade para enfrentar os fatos corriqueiros, o constante acerto nas investidas sexuais, a escolha de caminhos característicos de pessoas fortes e vencedoras- os provedores. Inculca-se nos meninos a crença na existência de um homem viril, corajoso, forte, esperto, conquistador e imune às fragilidades, inseguranças e angústias da vida. (P.121). Tratando sobre a distinção entre natureza e cultura, torna-se imperativo mencionar que aos homens foram associados às conquistas e participações no mundo público, como vivências no mundo da cultura. Às mulheres, porém, tocaram as atividades que ―parecem ser irrelevantes‖. Assim sendo, a posição da mulher na sociedade passa a ser proveniente de suas funções biológicas, e reservam-se à esfera privada. Tais oposições, identificadas em preceitos culturais, atribuem ao homem tudo o que é construído, ordenado e valorizado. Em síntese, o significado de ―cultura‖, enquanto à mulher (definida por símbolos que reforçam suas funções sociais e biológicas) o de ―natureza‖. Alguns autores apontam que para as mulheres, mais que os homens, estava o envolvimento com materiais ―sujos‖ e perigosos da vida, dando à 148 luz e lamentando a morte, respectivamente, além de cozinhar, desfazer-se de fezes, dentre outras circunstâncias análogas e submissas, limitadas ao âmbito doméstico. Segundo Laplantine (2000), ―a cultura é o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros‖. (P.120). Assim sendo, de maneira adquirida, a cultura permite que as pessoas aprendam com seus antepassados modos de viver e imputar valores a comportamentos, além de discernir o que pode ou não ser adequado, conforme os parâmetros de cada sociedade. As atitudes de cada indivíduo são consideradas símbolos, com um significado distinto, fundamentados na cultura em que cada sujeito está inserido. Ainda quanto às questões suscitadas a respeito da relação natureza e cultura entre os sexos, Leite (2004) evidencia que, [...] o papel social feminino faz com que as mulheres criem a partir de sua própria essência, enquanto o homem é livre para ou forçado a criar artificialmente, isto é, através dos meios culturais e dessa maneira manter a cultura. Por essas razões as mulheres são identificadas ou simbolicamente associadas com a natureza, em oposição aos homens que são identificados como cultura. Conseqüentemente, elas se vêem como os outros as vêem, e reproduzem o que a sociedade quer que elas sejam. Dentro do princípio, ‗ser mulher é ser mãe‘ e ‗ser mulher-avó é ser mãe duas vezes. (P.47). Em rejeição ao determinismo biológico, surge o termo gênero, o qual passou a ser utilizado na década de 1970, com o intuito de produzir uma reflexão acerca da diferença sexual. Para Osterne (2001), ―foram as feministas americanas as primeiras a usar o termo com o objetivo de destacar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo‖. (P.117). Quanto à posição da figura feminina no contexto familiar, no passado era comprometida com o lar, designada ao casamento e à educação dos filhos. Já nos dias atuais, as mulheres saem de casa para exercer atividades laborais fora do ambiente doméstico, colaborando com uma parcela indispensável da renda para 149 manutenção da casa, ou até mesmo chefiam famílias. Em suma88, conforme alerta Osterne (2001), há de se considerar ―a presença da mulher na complexidade social‖. Neste sentido, Vitale (2005) corrobora no debate, ao esclarecer que: Nas famílias mais empobrecidas, há hoje uma elevada proporção de mulheres mais velhas que, sem terem tido melhores possibilidades educacionais, trabalham recebendo, conseqüentemente menor renda. Essas são, entretanto, chefes de família, provedoras de um grupo familiar que, com freqüência tem poucas pessoas trabalhando. (P.101, apud CAMARANO 1999) Há de se considerar, portanto, que a contemporaneidade trouxe novos desafios e/ou até mesmo conflitos para as mulheres no que tange às transformações no contexto familiar, liberdade sexual, bem como alterações nas formas de procriação e educação da prole. A cultura ainda se faz forte, contudo, ao vincular a imagem feminina às tarefas domésticas, a ser a guardiã do afeto e da moral da família, e ao ato de cuidar, o qual ainda tende a ser imputado às mulheres como sendo constitutivos de sua condição feminina. Vale frisar que, embora não sendo prescritos, estes papéis são assumidos. Assim sendo, com âncora no juízo moral, estabelecido na sociabilidade 89 burguesa , valores como altruísmo e maternagem90 tornam-se presentes no cotidiano das mulheres, as quais passam a acumular uma dupla jornada de trabalho. Às mulheres impõe-se a responsabilidade de cuidar de seus familiares (sejam eles crianças, adolescentes, velhos e/ou enfermos...) a fim de cumprir normas historicamente elaboradas e interpretadas como próprias da índole feminina. Ainda em conformidade com Leite (2004), Beauvoir (1980) e Osterne (2001), Ferrigno (2003) colabora nesta discussão: ―percebi que as mulheres tendem a 88 Importante destacar, no Brasil, a partir de 1970, o impulso dos movimentos feministas. 89 Conforme Szymasnky (2003), dentre as teorias e modelos que versam sobre a categoria família, destaca-se aquele que faz alusão à família nuclear burguesa, ou seja, o que compreende a seguinte composição: pai, mãe e filhos. A citada autora acrescenta ainda que ―fora desse contexto as famílias são consideradas incompletas ou desestruturdas‖. (P. 24). 90 Bandinter (1985) estabelece uma importante diferença entre os termos maternagem e maternidade. Segundo a referida autora, o primeiro compreende a capacidade de cuidar de um infante, educá-lo moralmente para a vida em sociedade. Tal capacidade está associada ao cuidado geral desempenhado pela mulher, haja vista esta condição ser socialmente aprendida no decorrer da vida de uma mulher (como por exemplo: cuidar de parentes em períodos de doença). Sendo fruto de uma condição sóciohistórica, o estigma da maternagem é vinculado ao campo feminino, embora podendo ser exercida também pelo sexo masculino. Quanto à maternidade, a condição de gerar e parir uma criança, corresponde a uma característica essencialmente feminina. 150 manter uma preocupação maior com a família e efetivamente cuidam mais de seus familiares, ou seja, mantêm os papéis de cuidadoras que a cultura forjou para elas‖. (P.171) Verificam-se, destarte, declarações, no campo do senso comum, de que o vínculo da figura feminina como sendo cuidadora independe do lugar que a citada ocupe na teia familiar - cônjuge, companheira, irmã, tia, mãe, filha, avó. Desde que seja mulher, sua ―missão‖ de cuidar está predestinada pela sociedade, de modo que o ato de cuidar do outro esteja presente em seu cotidiano, como ação naturalizada, rotineira ou repetitiva. Vitale (2005) complementa tal exposição: No esteio das relações intergeracionais, os avós, mais especialmente a mulher, podem conviver não só com o cuidado das crianças, mas também com o dos mais idosos da família. Da mulher se espera e se delega à assistência à geração mais nova e às mais velhas. (P.101). Sarti (2003), em concordância com o pensamento de Vitale (2005), esclarece que a mulher ―é quem cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar‖. (P .64). É importante perceber que, para o sexo feminino, o mundo da casa, compreendido na esfera privada, foi o projeto de vida imposto pela sociedade, de modo que assumi-lo e administrá-lo fizesse parte das suas atividades cotidianas pelo simples fato de ter nascido mulher. O desempenho do papel das mulheres na esfera familiar realça o processo de legitimação dessas ações/atividades entrelaçadas aos códigos de cada época e/ou sociedade em que se vive. Assim sendo, Sarti (2003) argumenta que ―o homem é considerado o chefe de família e a mulher a chefe de casa. Essa divisão complementar permite, então, a realização das diferentes funções da autoridade na família”. (P.63). Quanto ao ―toque feminino‖ impresso nas mais diversas relações sociais, Vitale (2005) prioriza o recorte da figura dos avós, e sustenta que, As relações de gênero imprimem um perfil na relação avós-neto. Diz o ditado popular que ser avó é ser mãe duas vezes; e ser avô é ser pai com açucar. Abranda-se o modelo paterno, perpetuam-se os cuidados femininos. Talvez as coisas não sejam assim tão lineares: 151 os modelos de atenção e vínculo com as crianças são revisitados, transformados e/ou mantidos com o nascimento dos netos. Mas, por certo, os avós, homens e mulheres, dão um sentido diferente a essa relação, segundo suas experiências familiares e seus relacionamentos sociais de gênero. (P.101). É fato que o envelhecimento populacional significa mudanças de pesos dos diversos grupos etários no total da população, em decorrência da queda da fecundidade e da mortalidade. É esta última que veio seguida, porém, de avanços nas condições de saúde e ocasionou transformações em todo o ciclo da vida, até mesmo nos papéis sociais atribuídos a cada idade e sexo. Enfocando as relações intergeracionais e de gênero, indaga-se qual o papel desempenhado pelas avós, no âmbito familiar de hoje, ao considerar um contexto de mudanças dos laços familiares, os quais lhes demandam novas exigências e funções. Neste sentido, Camarano (1999) aponta que as mulheres envelhecidas, na atualidade, além de suporte familiar, assumem também papéis não esperados, fato que lhes possibilita, no contexto de uma sociedade contemporânea (forjada pelas desigualdades sociais e/ou pela trajetória das reformulações do próprio lugar da mulher na sociedade), tornarem- se importantes agentes de mudança social. Assim sendo, no cotidiano das famílias, faz-se significativa a presença da avó, sendo necessária a identificação de mais esclarecimentos sobre estas velhasavós, tornando o ambiente familiar campo significativo a ser questionado e elucidado, além de ser preciso compreender quais outros aspectos estão em volta dos sujeitos desta pesquisa. 152 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ―São momentos que eu não me esqueci Detalhes de uma vida, histórias que eu contei aqui. (...) Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi...‖ Roberto Carlos Confidencia-se o fato de que, embora enfrentado qualquer expensas, durante a investigação em tela, esta se revelou, tanto no caminhar acadêmico quanto pessoal, como experiência ímpar. Isto porque, embora se continue na busca pelo aperfeiçoamento do conhecimento, tendo como alvo o mesmo objeto de pesquisa, relembra-se as palavras de Bosi (1994) ao mencionar que ―(...) não se lê da mesma forma o mesmo livro‖. (P. 58). A elevação do número do segmento populacional denominado velhice reflete em mudanças muito mais do que demográficas, pois se relaciona com outros fatos e acontecimentos sociais relevantes, como, por exemplo, alterações na economia e no modo de vida, que têm como consequência a reconfiguração dos modos de solidariedade entre as gerações na família. Para Vitale (2005), estas transformações atingem também as funções dos membros no âmbito familiar. Discutir relações intergeracionais, família e as mudanças ocorridas nesta torna-se tarefa complexa. Durante este estudo, observou-se que muitos autores buscaram desconstituir a concepção do modelo ideal que permeou a sociedade brasileira por um longo período, fazendo compreender-se que o conceito de família possui dimensão social e simbólica, e, portanto, esta instituição passou (e passa) por várias transformações. Todavia, na fala das entrevistadas foi possível constatar, ainda, fortes características da família nuclear burguesa ao desejarem que suas filhas consigam constituir “famílias estruturadas”. Ante a atual conjuntura, no que se refere aos ajustamentos da categoria família, ressalta-se que estes funcionam como uma espécie de ―estratégia‖ traçada para o enfrentamento dos desafios impostos pelo cotidiano, objetivando, assim, garantir a sobrevivência de seus membros, no interior dos grupos familiares. Nos 153 relatos apresentados, nesta pesquisa, percebeu-se que tanto o amparo material quanto o afetivo compõem estas estratégias. Compartilha-se com os consulentes deste estudo o fato de que, ao longo desta produção científica, foram observadas, nas histórias das avós entrevistadas, marcas diversas, das quais umas apregoavam tristezas, em outras, sentimentos de solidariedade, amor, carinho, pena, proteção, responsabilidade e, até mesmo, o de dever cumprido. Assim sendo, constatou-se que o cenário familiar também é permeado por tensões e divergências. As particularidades da vida moderna cooperam para a formulação de um novo perfil de relações entre avó e netos, nos dias atuais. Nos depoimentos das avós entrevistadas foi possível perceber que quem antes recebia os netos para os almoços de domingo, hoje em dia, faz parte da dura rotina destes, por motivos distintos que fortalecem os laços entre estas duas gerações. Nos termos de Alcântara (2010), ―a convivência entre os velhos e seus familiares permite repensar as trocas, as interações e a forma como são engendradas no espaço doméstico‖. (P. 107). Neste estudo, constatou-se também que as adversidades da vida obrigaram a se mudar o foco da estrutura da família nuclear, transformando o modo de vida dentro das famílias contemporâneas, as quais passam a criar articulações entre as gerações, elaborando outros códigos que mantêm certo substrato básico de gerações anteriores. Portanto, falar em relações intergeracionais na família é adentrar num mundo complexo. Assim sendo, destaca-se a participação cada vez mais ativa das avós, já velhas, no âmbito doméstico. Ao perceber a existência de três ou quatro gerações no mesmo domicílio, a assistência financeira também passa por uma mobilidade geracional. Na atualidade, os velhos passaram de dependentes a provedores principais numa sociedade capitalista, portanto, consumista. Tal situação foi percebida nos relatos das avós que passaram a ser o amparo de suas famílias, auxiliando os netos que moram em suas companhias (e também os que não moram) com dinheiro, e, até mesmo, com alimentos. 154 É fato, porém, que a família, bem como a sociedade moderna, privilegiam o jovem em detrimento do velho. Cabe aqui a seguinte reflexão: quem é o jovem e quem é o velho, nesse contexto, senão os netos e os avós ? Triste é perceber que a imagem de ser velho hoje, numa sociedade utilitária, é permeada por mitos e preconceitos, incorporados e transmitidos por gerações. Esta situação foi constatada na fala e abordagens com os sujeitos entrevistados, sempre numa mesma perspectiva: a negação de sua velhice e a facilidade de identificá-la e aceitá-la, apenas, no outro. A percepção de velhice vinculada à rejeição foi homogênea entre elas (as avós). Talvez, como mecanismo de defesa, para não encarar a própria morte, ou para maior aceitação social. Nesta pesquisa notou-se que a relação geracional vai além de um simples ―cuidar de netos‖. Assim, há, portanto, uma complexidade que pode ser denominada de rede de relações, a qual é mobilizada para resolver aquilo que é urgente. O ―ser avó‖, por definição, está implicado numa relação tríáde, que envolve avós, filhos e netos. A avosidade é um tema ainda pouco estudado, e a relevância dessas avós na atual conjuntura permite também que seja analisado o pano de fundo que se apresenta e/ou norteia estas relações. No ambiente familiar, a figura da avó demonstra importância, no apoio afetivo, educacional, financeiro, bem como em ocasiões de drama familiar, haja vista a fluidez de seus vínculos, como, por exemplo: separação dos pais, novos relacionamentos ou, até mesmo, a morte de um dos genitores. Geralmente, as avós cuidam dos netos para colaborar com os filhos. Em ocasiões distintas, como podemos conhecer nesta pesquisa, tais necessidades motivaram o acolhimento desses netos, a saber: irresponsabilidade, incapacidade dos pais em assumi-los. Nestas circunstâncias, as avós incorporam a responsabilidade materna e se consideram as principais substitutas para essa atribuição, como constatadas aqui. O ato de cuidar toma proporções mais extensas haja vista o fato de que este se vincula também à preocupação de ensinar moralmente o que é correto aos seus netos, responsabilidade esta que as avós cultivam na formação da personalidade 155 de seus netos. Vale lembrar que um bom legado deixado pelos avós pode ser decisivo para a constituição dos valores de seus netos. Verificou-se que, em nenhum dos casos abordados havia situação regularizada, no que concerne à oficialização do cuidado, mediante o pedido de guarda judicial; todavia, existe anuência de, pelo menos, um dos genitores dessas crianças e ou adolescentes com relação ao neto ser cuidado pela avó. Sobre a guarda judicial, o artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente enfatiza que: ―a guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança e ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de oporse a terceiros, inclusive aos pais.‖ (2004: 311). O detentor da guarda tem o dever de assegurar à criança ou adolescente total assistência. Nos casos aqui estudados, embora não formalizados perante a Justiça, observou-se que as avós cuidadoras de netos preenchem todos os requisitos há pouco expostos. Diferentemente de outrora, hoje, as famílias passam a receber de volta, no sentido de apoiar ou até mesmo sustentar, seus filhos adultos, os quais retornam para a residência dos genitores, na maioria das vezes, trazendo netos para a população mais velha. Tal situação não decorre, em grande parte, de questões afetivas, e, sim por necessidades, impactos das questões sociais que, como não são fatos isolados, refletem na população jovem na figura dos filhos e, por consequência, estende-se aos netos. A falta de recurso financeiro, o desemprego e a maternidade precoce são alguns dos fatores que contribuem para o retorno a esses domicílios. Com efeito, em relação às modificações nos caminhos de vida dos mais velhos e de seus filhos adultos, a influência das avós cresceu. Conquanto as avós tentem negar as aparências, o cuidado com os netos, não disfarçam as evidências de uma sociedade com características do mundo globalizado, onde a redução do Estado propicia consequências em áreas distintas, tanto nas vidas e nas relações entre pessoas e entre as gerações. As limitações físicas também existem e foram evidenciadas, neste estudo, nos depoimentos das avós. Convém mencionar que estes velhos, apesar da precariedade do benefício da aposentadoria, assumem o suporte econômico familiar, de modo a garantir-lhe a 156 sobrevivência, no contexto social que estão inseridos, como verificados nos resultados desta pesquisa, mesmo quando são, apenas, aposentados com rendimentos diminutos. Dessa forma, a imagem das avós da atualidade vai além daquela da vovozinha na cadeira de balanço, contando histórias, representando, apenas, respeito, companheirismo e tranquilidade. No que respeita à prioridade de políticas públicas e/ou garantia de direitos (condições de saúde, aposentadoria digna) para esse segmento populacional, percebe-se que estes ainda deixam muito a desejar, haja vista que, muitas vezes, o discurso referente à ―primazia‖ não se concretiza ou deixa ambiguidades. Tal circunstância terá, pois ligação com a capacidade da sociedade em reafirmar (de maneira consciente ou não) a exclusão para com seus velhos? Não se pode negar, contudo, que para os avós, a companhia dos netos traz consigo a volta dos sonhos destas, demonstrando, em algumas ocasiões, até um maior sentido afetivo para suas vidas. O relacionamento entre avós e netos pode ser marcado pelo prazer e trocas intensas, principalmente de cuidados. Considera-se que há nesta relação (avós e netos) a reciprocidade, ou seja, para os netos surgem oportunidades como entender o ciclo vital, ampliar a noção de família, permanecer no seio da família biológica (mesmo não tendo seus genitores como seu responsável) e aprender a respeitar os mais velhos. Enquanto isso, para os mais velhos, os benefícios desta relação podem ser compreendidos como sendo: melhor socialização e utilização do tempo ―livre‖ da aposentadoria, além da possibilidade de voltar a fazer planos. O maior o contato entre avó-neto possibilita uma relação mais intensiva entre estes sujeitos. Embora neste estudo as avós não tenham verbalizado claramente tal relação, as atitudes, demonstrações de preocupação e atenção permitiram esta conclusão. Assim, pode-se compreender que a responsabilidade e o carinho foram estabelecidos com base na convivência entre estes, de modo que a distância geográfica, conforme elucida Dias (2002), influencia diretamente na relação avós e netos. Atualmente, os avós passam a ser os responsáveis diretos por seus netos, pois na redefinição dos laços familiares, assumem o protagonismo na vida destes, 157 inclusive, no tocante ao sustento, independentemente da presença ou ausência dos genitores dessas crianças e ou adolescentes. Deste feito, conforme Peixoto (200), criar netos, assim como substituir os pais, passam a ser exigências das circunstâncias, fato confirmado nos depoimentos das avós ora entrevistadas. Interpretando por este prisma, a rede de parentesco na contemporaneidade parece funcionar bem, tendo a solidariedade entre os membros da família como ápice. Não é bem assim, entretanto, pois, nesta pesquisa, as avós cuidadoras de seus netos vivenciam esta circunstância muito mais por uma falta de opção do que mesmo por escolha. Assim, por intermédio desta investigação, pretendeu-se ampliar o debate sobre as relações intergeracionais, suas contribuições e implicações, na perspectiva das relações e reorganizações familiares, na contemporaneidade. Acredita-se que foi possível responder positivamente às hipóteses de investigação propostas, bem como atingir os objetivos do presente estudo. Ante o conteúdo ora desvendado, compreende-se ser impossível pensar numa sociedade sem a presença de seus velhos. Destarte, problematizar o processo de envelhecer, na atualidade, reveste esta pesquisa de relevância, tanto acadêmica quanto social. Desse modo, considera-se que seria de fundamental importância se designar, desde a infância, mediante conteúdo programático e/ou eventos escolares, novas visões sobre a imagem da velhice, desvinculando-a de idéias negativas, como incapacidade e descartabilidade. Espera-se, então, que este trabalho contribua para uma análise apropriada das temáticas abordadas, no contexto da sociedade contemporânea, bem como do debate de questões que deste trabalho possam advir, sem qualquer pretensão de esgotar a discussão, haja vista não ser este o objetivo. 158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALARCON, Agra do O. Norbert Elias e uma narrativa acerca do envelhecimento e da morte. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.15, n.2, p.389 – 400, abr-jun 2008. ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Da velhice da praça à velhice da roça: revisitando mitos e certezas sobre velhos e famílias na cidade e no rural. Campinas, São Paulo: 2010. ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas, São Paulo: Editora Alínes, 2004. (Coleção Velhice e Sociedade) ANDRADE, Carmen Maria (org). Avó-neto: uma relação de risco e afeto. Santa Maria: Biblos, 2008. ARANTANGY, L e Posternak, L. Livro dos avós. Na casa dos avós é sempre domingo ?. São Paulo: Artemeios, 2005. BACELAR, Rute. O lugar da avó. Recife: Fundação Antônio dos Santos AbranchesFASA, pp. 11-41, 2002. BAPTISTA, Dulce M. T. O debate sobre o uso de técnicas qualitativas e quantitativas de pesquisa. In: MARTINELLI, Maria Lúcia (org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras, pp 32-39, 1999. BANDINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BARROS, V. A. & SILVA, L. R. A pesquisa em história de vida. In: I. B. GOULART (org). Psicologia Organizacional e do Trabalho; teoria, pesquisa e temas correlatos. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 134-158. 2002. BAUMAN, Z. Modernidade Liquída. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 159 BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução: de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BENINCÁ, C. R. S e GOMES, W. B. Relatos de mães sobre transformações familiares em três gerações. Estudos de Psicologia, 3 (2), p. 177-205. 1998. BEZERRA, Teresa Cristina E. “A pesquisa, o processode criação do conhecimento e o serviço social: pistas na construção do objeto e do projeto de pesquisa. Texto elaborado para subsidiar as disciplinas de Pesquisa em Serviço Social I e II. Fortaleza: mímeo, p. 1-21, 2002. BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópoles: Vozes, 1999. BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. Sâo Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembranças de velhos. 3 ed. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOURDIEU, Pierre.O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069/90. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza/ FUNCI, 2000. BRASIL. Lei n° 10.471 de 01 de outubro de 2003. Estatuto Nacional do Idoso. Brasília, DF, 2003. BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família: cotidiano nas camadas médias paulistanas.. São Paulo: Vértice Editora, 1990. BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Resenha: “A teoria crítica da família”. In: Cadernos de Pesquisa, nº 37. São Paulo, p.25- 79, 1981. 160 CAMARANO, Ana Amélia. (org.). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA, 1999. CAMARANO, A. A.; KANSO, S.; MELLO, J. L e PARSINATO, M. T. Família espaço de compartilhamento de recursos e vulnerabilidade. In: Estudos macroeconômicos do IPEA, p. 137-167, 2004. CAMPOS, F. A. Trabalho e consciência de classe: A história de Dona Antônia e Dona Maria na luta pela terra. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, FAFICHUFMG. p.40- 57, 2004. CARDOSO, Ruth C. L. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. In: CARDOSO, Ruth C. L. (org). A aventura Antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: paz e Terra, 2004, p. 95 à 105. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. (org). O lugar da família na política social. In: A família contemporânea em debate. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003. COSTA, Carlos Frederico Corrêa da. Aspectos teóricos/metodológicos da História Oral. Aquidauana-MS: Departamento de História (cópiado). COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1989. COSTERANO, R. S. G.; LACERDA, M. R. Quem cuida de quem cuida ? Quem cuida do cuidador ?. 2 ed. Santa Maria: Unifra, 2002. CRESS 3ª Região, Cons. Regional de Serviço Social/CE Direitos e Garantias: Instrumentos Legais. Fortaleza: publicação CRESSl, 2004. CRISTINA, Tereza. OSTERNE, Socorro. FERNANDA, Wilda. Diagnóstico Social do Município de Maracanaú: mapeamento preliminar das vulnerabilidades e riscos sociais. Maracanaú, 2005. 47 p. CRUZ, Suenya Santos da. O fenômeno da pluratividade no meio rural: atividade agrícola de base familiar. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 110. São Paulo: Cortez, 2012. 161 DEBERT, Guita G. Problemas relativos à utilização da história de vida e história oral. In: CARDOSO, Ruth C. L. (org). A aventura Antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: paz e Terra, 2004, p. 141 à 156. DEBERT, Guita G. e GOLDSTEIN, Donna M. Políticas do corpo e o curso da vida. São Paulo: Sumaré, 2000. DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processo de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Edusp/Fapesp, 1999. DELLMAN-JENKINS, M.; BLANEMEYER, M. e OLESH, M. Adults in expander grandparents roles: considerations for practice, policy, and research. Educational Gerontology, 28, 219-235. 2002. DIAS, C. M. S. B. Os avós na literatura psicológica. Revista Symposium. Ed. 1. P. 31-40. DURHAM, Eunice R. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspecivas. In: CARDOSO, Ruth C. L. (org). A aventura Antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: paz e Terra, 2004, p. 17 à 38. DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. Edições Melhoramentos. São Paulo, 4ª ed, p.25-56, 1955. FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Disponível em: < http://www.dicionarioaurelio.org>. Acesso em: 2012 e 2013. FERREIRA, Marieta de M. História oral: um inventário das diferenças. In: FERREIRA, Marieta de M (coord). Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, pp 01-14, 1998. FERRIGNO, José Carlos. Co-educação entre gerações. Petrópolis, RJ: Vozes; São Paulo: SESC, 2003. FONSECA, Claúdia. Caminhos da adoção. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 162 FRAIMAN, Ana Perwin. O que é Gerontologia Social. In: Coisas da idade. São Paulo: editora Hermes, 1991. FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Assoc. Editorial Humanitas, p. 17-83, 2006. FREITAS, E. V. de et al. (2006) Tratado de Gerontologia e Geriatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. FREIRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. GAULEJAC, V. de. La societé malade de La gestion: idéologie gestionnaire, pouvoir managérial e harcélement social. Paris: Seuil, 2005. GERONDO, V. L. (2006). As avós idosas cuidadoras de netos hospitalizados. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Universidade Federal do Paraná, Curitiba (PR), Brasil. GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo. Editora: UNESP, 1991. GIDDENS, Anthony. Sociologia do corpo: saúde, doença e envelhecimento. In:_______Sociologia. Tradução de Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, p. 128-149. 2005. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2002, 175 p. GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. GONDIM, Linda M. de Pontes. LIMA, J. Carlos. A pesquisa como artesanato intelectual: considerações sobre método e bom senso. João Pessoa: Manufatura, 2002. GONDIM, Linda Maria Pontes (org.). O projeto de pesquisa no contexto do processo de construção do conhecimento. In: Pesquisa em ciências sociais: o projeto da dissertação de mestrado. Fortaleza: UFC, p.17-38, 1999. 163 GROSSI, Yonne de Souza e FERREIRA, Amauri Carlos. Razão narrativa: significado e memória. In: História Oral. São Paulo, USP, nº IV, junho de 2001. GUEDES, S. L. (2000). A concepção sobre a família na geriatria e gerontologia brasileiras: ecos dos dilemas da multidisciplinaridade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15 (43), 69-82. HAGUETTE, Maria Teresa Frota. Metodologias qualitativas na Sociologia. 8 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. HINORAKA, Giselda Maria F. Novaes. Família e Casamento. Revista do Advogado, 2001, n. 62, p. 16-24-72. São Paulo/SP. IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade. In: O Serviço Social na Contemporaneidade. 7. ed.São Paulo:Cortez, p.17-41, 2004. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 11 de fevereiro. 2013. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica. Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. n. 29. Rio de Janeiro: 2012. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Demográfico 2010. Famílias e domicílios. Resultados da amostra. Rio de Janeiro: 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estudos e Pesquisas/ Informação Demográfica e Socioeconômica. Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil. n. 09. Rio de Janeiro: 2002. KALOUSTIAN, S. Manoug (org). Família Brasileira: a base de tudo. 4ª ed. Brasília:Cortez, 2000. 164 LANG, Alice B. da Silva gordo. História Oral: muitas dúvidas, poucas certezas e uma proposta. In: MEIHY, José Carlos Sebe (Org). (Re) Introduzindo História Oral no Brasil. Série Eventos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996. LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2000. LASCH, Christopher. Refúgio no mundo sem coração; In: A família: santuário ou instituição sitiada ?. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1991. LEITE, Iolanda L. Gênero, família e representação social da velhice. Londrina: Eduel, 2004. P.33-71. LOZANO, Jorge E. A. Práticas e estilos de pesquisa na história oral contemporânea. In: FERREIRA, Marieta de M. & AMADO, Janaína (orgs). Usos & abusos da história oral. Trad.br. Luiz Alberto Monjardim et al. 7ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005 p. 16 – 25. LOPES, E. S. L.; NERI, A. L.; PARK, M. B. Ser avós ou ser pais: os papéis dos avós na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Universidade Aberta da Terceira Idade. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2005. LOPES, E. Suely de Lima e PARK, M. Brandini. Representação Social de Crianças acerca do velho e do envelhecimento. In: Estudos de psicologia, 12 (2), p.141-148. São Paulo: FAPESP, 2007. LOUREIRO, Altair. Velhice, O tempo e A morte.Brasília: UNB, 2000. MAGALHÃES, D. N. A invenção social da velhice. Rio de Janeiro: Papagaio, 1989. MARTINELLI, Maria Lúcia (org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras, 1999. MARX, Karl. Contribuição para a crítica da economia política. Prefácio. Paulo: Mandacarú, 1989. MASCARO, Sônia de Amorim. O que é velhice. São Paulo: Brasiliense, 1997. São 165 MELLO, S. Leser. Família: perspectiva teórica e observação factual. In: A família contemporânea em debate. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MINAYO, Maria Cecília Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. MONTÃNO, Carlos. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 110. São Paulo: Cortez, 2012. MOSQUERA, J. J. M. Pessoa idosa: problema ou esperança ?. v. 38, nº 149. Porto Alegre: Veritas, 1993. MOTTA, Alda Brito da. Chegando pra idade. In: BARROS, Mirian Lins de. (org). Velhice ou terceira idade ? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998. NERI, Anita Liberalesso (org). Palavras-chave em Gerontologia. 2ª ed. Campinas: Alínea, 2005. NOVAES, Maria Helena. Psicologia da terceira idade: conquistas possíveis e rupturas necessárias. 2ed. Rio de Janeiro: editora NAU, 2000. OLIVEIRA, Alessandra R. VIANNA, Lucy G.; CÁRDENAS, Carmen J.; Avosidade: visões de avós e de seus netos no período da infância. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v.13, n. 3, 2010. Disponível em: <http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180998232010000300012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 jan. 2013. OLIVEIRA, Paulo de Salles. Vidas compartilhadas: cultura e co-educação de gerações na vida cotidiana. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1999. ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. (Coleção Repertórios) OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Família, pobreza e gênero: o lugar da dominação masculina. Fortaleza: EDUECE, 2001. 166 PARAHYBA, Maria Isabel. Evolução da mortalidade dos idosos. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais,11. 1998, Caxambu. Anais...Caxambu: ABEP, 1998. PEIXOTO, Clarice E. (org). Família e Individualização. Rio de Janeiro: FGV, p. 63111, 2000. PEIXOTO, Clarice E. “Histórias de mais de 60 anos”. Em dossiê gênero e velhice, p 148-158, 1997. PEIXOTO, Clarice E. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade... In: BARROS, Mirian Lins de. (org). Velhice ou terceira idade ? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998 p. 69 – 84. PEIXOTO, Clarice Ehlers “Histórias de mais de 60 anos”. Em dossiê gênero e velhice.1997. p. 148-158. PEIXOTO, Clarice Ehlers; LUZ, Gleice Mattos. De uma morada à outra: processos de re-coabitação entre as gerações. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 29, p. 171179. 2007. PETRINI, João Carlos. Pós-modernidade e família: um intinerário de compreensão. São Paulo: EDUSC, 2003. PRADO, Danda. O que é família. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. REDLER, P. Abuelidad: más allá de la paternidad. B.A. Legasa, 1986. QUEIROZ, Maria I. Pereira de. Relatos orais: “do indizível” ao “dizível”. In: VON SIMSON, Olaga de Morais. Experimentos com história de vida. São Paulo: VERTICE, 1998. REMEN, R. N. O paciente como ser humano. São Paulo: Summus, 1993. ROSA, Merval. A velhice. In: Psicologia da idade adulta. Coleção psicologia evolutiva. V.IV . Petrópoles: Vozes, 1991. P. 75-134. 167 SADER, E. e PAOLI, M. Célia. Sobre ―classes populares‖ no pensamento sociológico brasileiro In: CARDOSO, Ruth C. L. (org). A aventura Antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: paz e Terra, 2004, p. 39 à 68. SAMARA, Eni de Mesquita. A Família Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. SANTOS, S. M. A.Idosos, família e cultura: um estudo sobre a construção do papel do cuidador. Campinas: Alínea, 2003. SARTI, Cynthia A Família e individualidade: um problema moderno. In: A família contemporânea em debate. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2ªed rev. São Paulo:Cortez, p. 62-66, 2003. SINGLY, François de. Sociologia da família contemporânea.Trad. Rute Esteves Mota. Lisboa: Ed. Textos e Grafia, p. 7-16, 2011. SZYMANSKI, Heloisa. Teorias e ―teorias‖ de famílias. In: A família contemporânea em debate. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003. SZYMANSKI, Heloisa. Viver em família como experiência de cuidado mútuo: desafios de um mundo em mudança. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 71. São Paulo: Cortez, 2003. TEPEDINO, Gustavo. A disciplina constitucional das relações familiares. In: Vicente Barreto (org). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. VITALE, Maria Amália Faller. Famílias monoparentais: indagações. In: Revista Serviço Social e Sociedade. ed 71.São Paulo:Cortez, p. 45-61, 2002. VITALE, Maria Amália Faller. Socialização e família: uma análise intergeracional. In: A família contemporânea em debate. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 168 VITALE, Maria Amália Faller; ACOSTA, A. R. (orgs). Avós: velhas e novas figuras da família contemporânea. In: Família: redes, laços e políticas Públicas. 2.ed.São Paulo:Cortez, p. 93-103, 2005. WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre: SagraLuzzato, 1998. YAZBECK, Maria C. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 110. São Paulo: Cortez, 2012. 169 ANEXOS 170 Fotos da Maquete Virtual - Projeto Salgadinho (Residencial Vitória) FIGURA 09: Frente do empreendimento Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/SEINFRA, 2009. FIGURA 10: Visão aérea dos blocos Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/ SEINFRA, 2009. 171 FIGURA 11: Visão aérea completa do empreendimento Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/ SEINFRA, 2009. FIGURA 12: Visão aérea do Salão de Festas e Área de Lazer Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/ SEINFRA, 2009. 172 IGURA 13: Salão de Festas do Residencial Vitória Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/ SEINFRA, 2009. FIGURA 14: Área de Lazer do Residencial Vitória Fonte: Serviço Social da Coordenadoria de Habitação/ SEINFRA, 2009. 173 IDADE DA PEDRA ―Sou da idade da pedra lascada. A velhice é um horror. Era uma jovem tão bonita. Mas para não envelhecer Você tem que morrer jovem. E ninguém quer morrer jovem‖. Lygia Fagundes Teles 174 A PIOR IDADE 03/02/09 Deve ter sido um demônio zombeteiro disfarçado de anjo que inventou que a velhice é a "melhor idade". Chamar velhice de "melhor idade" só pode ser gozação ou ironia. O que me faz lembrar o acontecido há muitos anos. Naqueles tempos não havia o orgulho em ser negro. As alusões à cor eram tão proibidas quanto as sugestões sexuais. "Ela está grávida" -ninguém dizia isso, a palavra "grávida" era obscena, chula. Em vez da verdade nua e crua, uma expressão que todo mundo entendia sem que a palavra obscena fosse pronunciada era "Ela está num "estado interessante‘"… Pois uma família protestante se preparava para receber a visita de um conhecido pastor negro. (Um parêntese. Nos Estados Unidos, a palavra "negro" era e é ofensiva. Em vez de "negro" ["nigro"] usa-se "black", "black is beautiful". A palavra "negro" era mais ofensiva ainda na sua forma corrompida "niger". As crianças eram educadas para o racismo como se fosse a coisa mais natural, e eram ensinadas a cantar numa brincadeira "Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by his toe" -"Agarre o crioulo pelo dedão…"). Acontecia que o tal pastor -isso era bem conhecido de todos- sofria de um humilhante complexo por causa da sua cor. Os hospedeiros ficaram angustiados diante da possibilidade de que sua filha de seis anos -um doce de menina- fizesse inocentemente alguma referência a esse fato. Trataram então de adverti-la: "Não diga jamais que o reverendo Clemente é negro…". A menina ouviu e aprendeu. O hóspede chegou, tudo estava correndo às mil maravilhas, a menina doce se apaixonou pelo reverendo Clemente e, num momento de carinho, assentada no seu joelho, ela tomou a sua grande mão negra nas suas minúsculas mãos brancas e disse: "Sua mão é branquinha, sua mão é branquinha…". É precisamente isso que acontece quando os alto-falantes das salas de embarque nos aeroportos anunciam: "Terão prioridade para o embarque gestantes, crianças, pessoas com dificuldade de locomoção e pessoas da melhor idade". Já reclamei com os funcionários, dizendo-lhes a minha irritação. Eles me disseram que nada podiam fazer porque as ordens vinham de cima. Concluo que "em cima" não há nenhum velho. O que é melhor? Ser respeitado ou ser desejado? Velhice é quando a gente começa a ser tratado como "objeto de respeito" e não como "objeto de desejo". Mas o que quero não é ser olhado com respeito, mas com desejo… 175 Aconteceu faz 25 anos, uma tarde, no metrô, vagão cheio, tudo bem, eu me via jovem, pernas fortes, segurei-me num balaústre. Meus olhos começaram a passear pelo rosto dos passageiros -cada rosto é mais misterioso que um universo- até que meus olhos se encontraram com os olhos de uma jovem que me olhava, eles, os seus olhos, sorriam para mim e eu fantasiei que ela me desejava. Ficamos assim por alguns segundos trocando olhares de namorado até que ela, num gesto delicado, se levantou e me ofereceu o seu lugar… Seu gesto me disse sem palavras: "O senhor é velho. Eu o respeito. Eu lhe dou o meu lugar…". Nesse momento percebi que a minha idade era a pior de todas. A melhor idade era a dela, da mocinha que me deu o lugar… Sugiro um nome diferente para essa idade, que não é ironia, mas poesia: "Pessoas portadoras de crepúsculos no seu olhar…". Rubem Alves 176 Retrato "Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face?― Cecília Meireles 177 GESTOS AMOROSOS “Idoso” é palavra de fila de banco e de supermercado; “velho”, ao contrário, pertence ao universo da poesia DEI-ME CONTA DE que estava velho cerca de 25 anos atrás. Já contei o ocorrido várias vezes, mas vou contá-lo novamente. Era uma tarde em São Paulo. Tomei um metrô. Estava cheio. Segurei-me num balaústre sem problemas. Eu não tinha dificuldades de locomoção. Comecei a fazer algo que me dá prazer: ler o rosto das pessoas. Os rostos são objetos oníricos: fazem sonhar. Muitas crônicas já foram escritas provocadas por um rosto -até o mesmo o nosso- refletido no espelho. Estava eu entregue a esse exercício literário quando, ao passar de um livro para outro, isto é, de um rosto para outro, defrontei-me com uma jovem assentada que estava fazendo comigo aquilo que eu estava fazendo com os outros. Ela me olhava com um rosto calmo e não desviou o olhar quando os seus olhos se encontraram com os meus. Prova de que ela me achava bonito. Sorri para ela, ela sorriu para mim… Logo o sonho sugeriu uma crônica: ―Professor da Unicamp se encontra, num vagão de metrô, com uma jovem que seria o amor de sua vida…‖ Foi então que ela me fez um gesto amoroso: ela se levantou e me ofereceu o seu lugar… Maldita delicadeza! O seu gesto amoroso me humilhou e perfurou o meu coração… E eu não tive alternativas. Como rejeitar gesto tão delicado! Remoendo-me de raiva e sorrindo, assentei-me no lugar que ela deixara para mim. Sim, sim, ela me achara bonito. Tão bonito quanto o seu avô… Aconteceu faz mais ou menos um mês. Era a festa de aniversário de minha nora. Muitos amigos, casais jovens, segundo minha maneira de avaliar a idade. Eu estava assentado numa cadeira num jardim observando de longe. Nesse momento chegou um jovem casal amigo. Quando a mulher jovem e bonita me viu, veio em minha direção para me cumprimentar. Fiz um gesto de levantar-me. Mas ela, delicadíssima, me disse: ―Não, fique assentadinho aí…‖ Se ela me tivesse dito simplesmente ―Não é preciso levantar‖, eu não teria me perturbado. Mas o fio da navalha estava precisamente na palavra ―assentadinho‖. Se eu fosse moço, ela não teria dito ―assentadinho‖. Foi justamente essa palavra que me obrigou a levantar para provar que eu era ainda capaz de levantar-me e assentar-me. Fiquei com dó dela porque eu, no meio de uma risada, disse-lhe que ela acabava de dar-me uma punhalada… 178 Contei esse acontecido para uma amiga, mais ou menos da minha idade. E ela me disse: ―Estou só esperando que alguém venha até mim e, com a mão em concha, bata na minha bochecha, dizendo: ―Mas que bonitinha…‖ Acho que vou lhe dar um murro no nariz…‖ Vem depois as grosserias a que nós, os velhos, somos submetidos nas salas de espera dos aeroportos. Pra começar, não entendo por que ―velho‖ é politicamente incorreto. ―Idoso‖ é palavra de fila de banco e de fila de supermercado; ―velho‖, ao contrário, pertence ao universo da poesia. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao seu livro clássico o nome de ―O idoso e o mar‖? Já imaginaram um casal de cabelos brancos, o marido chamando a mulher de ―minha idosa querida‖? Os alto-falantes nos aeroportos convocam as crianças, as gestantes, as pessoas com dificuldades de locomoção e a ―melhor idade‖… Alguém acredita nisso? Os velhos não acreditam. Então essa expressão ―melhor idade‖ só pode ser gozação. Folha de São Paulo, 27 de Maio de 2008. Rubem Alves 179 COMO SE MORRE DE VELHICE Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, morro, Senhor, de indiferença. Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa. Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença. Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale à ofensa. De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa. Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença. Cecília Meireles 180 OFICIALMENTE VELHO Neste mês de dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas. Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos. A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior"(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face. Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis. Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator de algumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano, submetido ao "silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável. 181 Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal. Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome. Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade". Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa:"eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus. Parafraseando Camões, completo: Mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida. Leonardo Boff 182 STARDUST- O Mistério da Estrela Sinopse e detalhes do filme Este filme baseia-se na história de Neil Gaiman e conta a trajetória de Tristan, um jovem que passa a procurar uma estrela cadente que ele prometeu à sua amada, a fim de conquistar o seu amor, até a data de seu aniversário. A jornada o leva a uma terra esquecida e mística. Na Terra Encantada, Tristan descobre que a estrela é uma linda garota chamada Yvaine. Mas, durante a busca, ele descobre que não é o único que deseja encontrar a referida estrela, pois, príncipes competindo pelo trono e bruxas obcecadas pela beleza e eterna juventude, também parecerem querer algo dela. Com lançamento no dia 12.10.2007, este é um filme norte-americano e obedece às seguintes classificações de gênero: fantasia, aventura, drama e família. Apresentando humor inteligente e efeitos especiais, possui tempo de duração de 127 (cento e vinte e sete) minutos. O filme Stardust - O Mistério da Estrela consiste num conto de fadas moderno, direcionado ao público adulto, que reúne romance, comédia e aventura. Neste, é possível observar, além de outros aspectos, alguns fatores apresentados na pesquisa em alusão, dos quais podem ser elencados: A imagem da bruxa representada pela mulher envelhecida O culto ao belo A busca incessante pela juventude eterna A identificação da velhice no outro A velhice como um mal (ou uma doença) A cobiça da jovialidade 183 Imagens do filme 184 Up, Altas Aventuras Sinopse e detalhes do filme O filme narra uma história de ação, a qual tem como protagonista Carl Fredricksen, um vendedor de balões que, aos 78 (setenta e oito) anos de idade, mora sozinho, e, que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Ocorre que o terreno onde a casa está localizada desperta interesse num empresário, que deseja construir no local um edifício. Após um incidente em que acerta um homem com sua bengala, Carl passa a ser considerado uma ameaça pública, e, portanto, é forçado a ser internado num asilo. Como estratégia para impedir que isto aconteça, ele enche milhares de balões em sua casa, fazendo com que ela levante vôo. O objetivo de Carl é viajar para uma floresta na América do Sul, num local onde ele e Ellie sempre sonharam morar, mas nunca foi possível. Entretanto, quem o acompanha nessa aventura é Russell, um menino de 8 (oito) anos de idade, escoteiro e amante da natureza. O enredo conta também com a participação de outros personagens divertidos: Kevin (a ave tropical) e Dug (um golden retriever falante). Inicialmente, a relação entre ambos (velho e menino) não se dá de maneira natural, tendo em vista que Carl Fredricksen evita Russell. Contudo, posteriormente, o garoto ensina-o uma outra maneira de ver vida, novos sonhos, novas expectativas. Então, a relação intergeracional compreendida neste filme, embora de caráter lúdico, leva-nos a algumas reflexões no que se concerne ao objeto de estudo da presente pesquisa. O filme Up, Altas Aventuras é a 10ª longa-metragem de animação. Produção da Disney Pixar e apresentado em Digital 3-D. É um filme norte-americano (lançado nos Estados Unidos em 29.05.2009), corresponde ao gênero animação e possui duração de 96 (noventa e seis) minutos. Revelou também sucesso de bilheteria. 185 Imagens de cenas do filme 186 APÊNDICES 187 APÊNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO CUIDAR OU SER RESPONSÁVEL ? UMA ANÁLISE SOBRE A INTERGERACIONALIDADE NA RELAÇÃO AVÓS E NETOS AUTORA: Sâmea Moreira Mesquita Alves (Discente do Mestrado Acadêmico de Poíticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará – UECE). a ORIENTADORA: Prof . Dra. Maria do Socorro Ferreira Osterne (Professora da Universidade Estadual do Ceará – UECE). SUMÁRIO DO PROJETO: Refere-se de uma pesquisa qualitativa, com vistas à obtenção do título de Mestra, cujo objetivo é: Analisar a intergeracionalidade presente na relação entre avós (que cuidam de netos) e netos, bem como compreender o contexto dessa relação nas camadas populares. CONSENTIMENTO: Com base no exposto acima, afirmo que aceito participar da pesquisa em alusão, de forma voluntária, e também para a divulgação dos dados por mim fornecidos. ____________________________________ Data: ____ / ____ / _______. Assinatura do participante Debati este projeto com o participante, utilizando linguagem compreensível e adequada. Avalio ter propiciado as informações necessárias para os depoentes, conforme os princípios éticos da pesquisa, considero também que eles tenham compreendido meus esclarecimentos. Informo que o entrevistado (a) não pagará e nem será remunerado por sua participação. Acrescento ainda que as informações fornecidas serão utilizadas, exclusivamente, para os fins desta pesquisa. ____________________________________ Data: ____ / ____ / _______. Assinatura do responsável 188 ESTRUTURA DA ENTREVISTA / DEPOIMENTOS 1. PERFIL 1.1 Sexo: ( )M ( )F 1.2 Idade: 1.3 Profissão: 1.4 Situação Conjugal: 1.5 Renda 1.6 Religião: 1.7 Iidade de seu neto (a) : 2. QUESTÕES SUBJETIVAS 2.1 Onde residia anteriormente com sua família ? 2.2 Qual a compreensão de velhice, na sua percepção ? 2.3 Qual a/as motivações que a levaram a ser cuidadora de seu neto(a) ? 2.4 Quando ele (a) passou a ser cuidado por você ? 2.5 O que é ser cuidador para você ? 2.6 Qual a origem do rendimento familiar? 2.7 Participa de alguma Programa de Política Social?