1 TEORIA E PRÁTICA NO SERVIÇO SOCIAL: UMA REFLEXÃO SOBRE A IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Nilvania Alves Gomes1 Camila Adriana Silva Diniz2 RESUMO Este artigo propõe realizar uma reflexão no âmbito da construção da identidade profissional, do Assistente Social, destacando alguns dos desafios profissionais enfrentados relacionados a natureza teórica e prática do serviço social na atualidade. Para tanto, este trabalho apresenta inicialmente um breve resgate histórico sobre a formação profissional, sob o contexto brasileiro, advindo do Movimento de Reconceituação a partir da década de 1960, a perspectiva ética, política e teórica trazidas pelo movimento que desencadearam mudanças no Serviço Social brasileiro. Na sequência discute sobre as três competências que integram a formação do assistente social na contemporaneidade, técnica – operativa, teórico-metodológica e ética política, e seus desafios na contemporaneidade, cuja prática profissional se insere no âmbito da correlação de poderes e forças sociais presentes na sociedade capitalista. Finalmente sugere o fortalecimento entre as competências profissionais, articuladas e mediadas, bem como as discussões contemporâneas acerca da confrontação prática aos elementos teóricos, envolto numa equação tensionada pelo pragmatismo na busca do fortalecimento da práxis profissional. Palavras-chave: Serviço Social. Identidade profissional. Formação. Trabalho profissional. 1 Discente do curso de Serviço Social na Faculdade UNA Betim, terapeuta holística. Email: [email protected] 2 Graduada em Serviço Social( PUC Minas), Especialista em Política Pública ( UFMG) e Mestre em Ciências Sociais ( PUC Minas).Docente no Centro Universitário UNA - Betim e na Faculdade de Políticas Públicas Tancredo Neves - UEMG. Email: [email protected] 2 INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe realizar uma reflexão no âmbito da construção da identidade profissional, do Assistente Social, destacando alguns dos desafios profissionais enfrentados, relacionados a natureza teórica e prática do serviço social na atualidade. Tal reflexão - sobre a construção histórica e teórico-metodológica do Serviço Social - desconsiderando o contexto em que se fez necessária a implementação da profissão na divisão social do trabalho, seria como analisar a questão social3 sob a ótica do pensamento liberal, que considera os “problemas” sociais como conseqüências de desajustes pessoais, respondendo a estes “problemas” com ações imediatistas, desprovidas de objetivos em desenvolvimento de um modelo genérico ao ser humano. Desconsiderar portanto, a questão da produção e manutenção das desigualdades sociais em atendimento aos interesses burgueses, induz a ideologia da institucionalização de uma profissão que, a serviço do “capital filantrópico”, “ajuda” aos cidadãos inaptos a sobreviverem neste sistema onde cada um vale segundo o que produz. O serviço social, para Iamamoto e Carvalho (1995), se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas classes sociais emergentes – a constituição e expansão do proletariado e burguesia industrial – e das modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder de Estado em conjunturas históricas específicas. Assim, no processo de produção e reprodução capitalista, o serviço social pode ser incluído entre as atividades que, não sendo diretamente produtivas, são indispensáveis ou facilitadoras do movimento do capital. Segundo Monteiro e Silva (2005) o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais desenvolvidas no processo capitalista, determinam novas necessidades sociais e novos impasses que passam a exigir profissionais especialmente qualificados para o seu atendimento como é o caso do serviço social. Nesta perspectiva, as conseqüências negativas do modo capitalista, manifestadas como 3 A Questão Social é expressão das desigualdades sociais constitutivas do capitalismo. Suas diversas manifestações são indissociáveis das relações entre as classes sociais que estruturam esse sistema e nesse sentido a Questão Social se expressa também na resistência e na disputa política. 3 desemprego, precarização e flexibilidade no mercado de trabalho, desigualdade social, dentre outras, necessitam fornecer respostas às necessidades imediatas das classes trabalhadoras, a fim de que estas autorizem sua própria exploração, legitimando a lógica capitalista. No contexto capitalista, o trabalho do assistente social também se estabelece numa relação de compra e venda, onde sua força de trabalho é mercantilizada. O assistente social recebe um valor pela venda de sua força de trabalho, em troca dos seus serviços; valor este determinado como o preço de qualquer outra mercadoria, ingressando sua atividade no reino do valor. Uma das pré-condições para tal ingresso é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu trabalho em atividade subordinada à classe capitalista. Todavia, a sociedade não é uma estrutura estática, e suas constantes transformações propiciam uma constante reconstrução da história, revelando a dinamicidade dos movimentos sociais que, através do protagonismo de seus membros, reavaliam, reestruturam e reconstroem seus paradigmas, reorganizando suas relações. E neste desenrolar histórico, onde são vivenciadas diversas crises, sociais, econômicas e políticas, nos mais diversos setores; o Serviço Social atravessa também suas crises, crises estas que têm sua gênese na própria crise da sociedade capitalista, cujas transformações e alterações, se fazem refletir nos diversos segmentos sociais. Segundo Paulo Netto (2010) é somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as condições histórico-sociais, para que, a divisão social (e técnica) do trabalho, constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como as do assistente social. A emergência profissional do serviço social é, em termos histórico-universais, uma variável da idade do monopólio, segundo o autor acima citado. E como profissão, o serviço social é indissociável da ordem monopólica – ela cria e funda a profissionalidade do serviço social. (PAULO NETTO ,2010, pag. 78). Diante destas perspectivas, torna-se importante refletir sobre a identidade do profissional Assistente Social, considerando sua bagagem histórica, seu protagonismo no desenrolar desta história e sua capacidade de renovação diante das exigências que perpassam seu compromisso ético, sua autonomia relativa, suas necessidades, valores 4 e aspirações pessoais; suas limitações diante das contradições do espaço onde atua sua construção de conhecimentos, enfim, decifrar sua própria identidade. O Serviço Social no Brasil e a categoria trabalho A institucionalização do serviço social como trabalho está embrionada no desenvolvimento do modo de produção capitalista, mais especificamente na passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista. Considerando o surgimento do Serviço Social no Brasil na década de 1930, onde a atuação dos agentes sociais pautava-se nos princípios cristãos de caridade e moralização, segundo a doutrina da Igreja Católica - período em que Getúlio Vargas viabilizava as leis trabalhistas, numa tentativa de conter a insatisfação da crescente massa proletariada, numa mescla de “concessões” de direitos, caridade e repressão - a gênese da profissão se estabelece portanto, numa ação de controle social, por meio de instrumentos de assistencialismo, doutrinamento moral, e propagação da ideologia de responsabilização do indivíduo pela sua condição e devotamento ao Estado e a Igreja pela “ajuda” prestada. “(...) Não podemos, no entanto, esquecer que, por sua vinculação histórica com o trabalho filantrópico, voluntário e solidário, a Assistência Social brasileira carrega uma pesada herança assistencialista que se consubstanciou a partir da “matriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando, formas enraizadas na cultura política do país, sobretudo no trato com as classes subalternas”. (GUERRA, 2000, pág. 75) Desta forma o profissional do serviço social, que anteriormente recebeu o “rótulo” do profissional que “ajuda aos pobres”, foi questionado por uma minoria de sua categoria profissional no período entre 1930/1964, no qual emergiu um novo posicionamento, pautado pela análise crítica da sociedade, cujas contradições inerentes ao sistema capitalista de produção revelam as bases de sustentação deste sistema: a produção coletiva de riquezas, cuja apropriação é privativa aos donos dos meios de produção, trazendo como conseqüência principal, o enriquecimento de poucos e o empobrecimento de muitos, conforme destaca Iamamoto: (...) “a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”. (IAMAMOTO, 1999, p. 27). 5 Devido à inquietação profissional quanto a apenas atuar sobre as sequelas da chamada “questão social”, a categoria busca então aprofundar seu olhar sobre esta questão, numa tentativa de apreender as causas sobre as quais é chamado a intervir. A postura investigadora adotada pela profissão, objetiva subsidiar as propostas para o enfrentamento das manifestações da questão social, corroborando para o fortalecimento de sua competência. De acordo com Paulo Netto (2010) o serviço social não desempenha funções produtivas, mas se insere nas atividades que se tornaram auxiliadoras dos processos especificamente monopólicos da reprodução, acumulação e valorização do capital. Tais atividades, no caso do serviço social, configuram um complexo compósito de áreas de intervenção, onde se entrecruzam e rebatem todas as múltiplas dimensões das políticas sociais e as quais a ação profissional se move entre a manipulação prático-empírica de variáveis que afetam imediatamente os problemas sociais e a articulação simbólica que pode ser constelada nela e a partir dela. O desejo de rompimento com este trabalho de cunho assistencialista - visando uma reestruturação da profissão sob parâmetros de uma fundamentação teórica e uma prática política - é desarticulado pela ditadura militar ocorrida em 1964. Contudo, a emergência de mudanças tanto no que se refere à superestrutura, quanto ao que tange a profissão propriamente dita, manteve o posicionamento e engajamento destes profissionais que lutaram pela reconceituação da profissão, marcada por eventos tais como o Congresso de Araxá em 1967, o Congresso de Teresópolis em 1972 e o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais e 1979 – conhecido como Congresso da Virada – onde a classe torna explícita sua ruptura com o serviço social e seu caráter conservador. Segundo Iamamoto (2010), o processo de renovação crítica do Serviço Social fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no país, com forte presença das lutas operárias - impulsionaram a crise da ditadura militar: a ditadura do grande capital. Em um contexto de ascensão dos movimentos políticos das classes sociais, das lutas em torno da elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e da defesa do Estado de Direito, a categoria de assistentes sociais foi sendo socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil. 6 “O Serviço Social não ficou a reboque desses acontecimentos, impulsionando um processo de ruptura com o tradicionalismo profissional e seu ideário conservador. Tal processo condiciona, fundamentalmente, o horizonte de preocupações emergentes no âmbito do Serviço Social, exigindo novas respostas profissionais, o que derivou em significativas alterações nos campos do ensino, da pesquisa, da regulamentação da profissão e da organização político - corporativa dos assistentes sociais.” (IAMAMOTO, 2010, pag., 32) Inaugura-se portanto, uma nova etapa para a profissão que se posiciona em favor da classe trabalhadora, em favor da equidade e justiça social, na defesa dos direitos humanos, e construção de uma nova ordem societária. Assim, o Assistente Social idealizado e “adestrado” pela ordem burguesa em favor dos interesses capitalistas, rebela-se contra “seu criador” buscando sua emancipação profissional, o que torna possível na atualidade, discutir propostas para emancipar também o usuário de seus serviços. Seu objeto de estudo – as contradições entre capital e trabalho – e seu foco de trabalho – o empoderamento do cidadão – vão delineando novos contornos à identidade profissional. A motivação principal deste movimento foi de atribuir ao Serviço Social um caráter científico, desenhando novos contornos ao seu status de competência. Através do diálogo com a tradição marxista, além de outras Ciências, chamadas Humanas e Sociais (Antropologia, Sociologia, Psicologia, Economia, Ciência Política); foi possível construir objetivos maiores para a atuação profissional do Assistente Social que, ao romper com o caráter conservador, assistencialista e meramente executivo, conquista novas atribuições no mercado de trabalho, reconfigurando-se numa atividade capaz de decifrar a realidade, produzir conhecimentos e provocar transformações. Embora não tendo atingido o patamar de “ciência”, o Serviço Social conseguiu se constituir como uma área de produção de conhecimentos, inserida na grande área de Ciências Sociais Aplicadas (assim é identificada nas agências de fomento como CNPq, Capes e Fapergs), isto é, constrói conhecimento6 científico. O Serviço Social é uma profissão reconhecida na sociedade na medida em que é socialmente necessária e exercida por um grupo social específico, uma categoria profissional que compartilha um sentimento de pertencimento e possui uma identidade profissional. ( FRAGA, 2010. p. 43) Fruto da crítica ao conservadorismo profissional, ocorrida entre a década de 1970 à 1980, discute-se a construção do projeto ético-político do Serviço Social, que aponta novos horizontes para a identidade profissional dos assistentes sociais. Conforme Paulo Neto (2010), os projetos profissionais retratam a imagem idealizada 7 pela profissão, apresentando seus valores, seus objetivos, suas atribuições; estabelecendo normas de conduta que norteiem suas relações com os usuários de seus serviços, profissionais de outras áreas, instituições e organizações; caracterizando uma categoria profissional organizada. Estando imbuídos de dimensões políticas, tanto no que se refere à sua relação aos projetos societários, quanto à sua própria perspectiva profissional; e uma vez sujeitos à dinâmica social e suas consequentes transformações, os projetos profissionais acompanham, às mudanças econômicas, históricas, culturais, acadêmicas e da própria composição da categoria profissional. Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas. (NETTO, 2010 p.04) O Código de Ética de 1993 foi, segundo Paiva e Salles (1996) um aliado na mobilização e qualificação do profissional assistente social, constituindo-se num mecanismo de defesa da qualidade dos serviços prestados pelos assistentes sociais e de garantia do exercício profissional, fornecendo respaldo jurídico à profissão. Iamamoto (1998), discutindo o perfil do profissional demandado na contemporaneidade, aponta três dimensões que devem ser do domínio do assistente social contemporâneo, afinado ao projeto ético político profissional. As dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa, vão direcionar o agir profissional a partir da identidade profissional construída pelo seu projeto éticopolítico. Além disto faz-se necessário apreender o caráter investigativo da profissão, onde a pesquisa, a reflexão crítica, a conduta pautada na ética e nas leis que regulamentam as relações sociais. Estes são pressupostos básicos para se compreender o Serviço Social como profissão institucionalizada, inserida no mercado enquanto especialização do trabalho. Considerando tais dimensões voltadas o trabalho do assistente social, cuja prática se insere no âmbito da correlação de poderes e forças sociais presentes na sociedade capitalista, se faz necessário que este profissional assuma seu posicionamento político - não partidário - diante das questões presentes na realidade 8 social cotidiana. Sendo as relações sociais, relações políticas, cabe ao assistente social buscar politizar-se - para ser capaz de politizar seu usuário - na busca pela transformação social, onde o conceito de cidadania venha a ser apreendido e esta venha a ser conquistada. A observação dos princípios éticos expressos no Código de Ética profissional, que reconhece e defende os princípios de liberdade, autonomia, emancipação; defesa dos direitos humanos, ampliação e consolidação da cidadania; defesa do aprofundamento da democracia; devem ser observados, sob o risco de se regredir ao tempo em que se atuava sob a perspectiva do ajuste aos “desajustados sociais”. O posicionamento profissional em favor da equidade e justiça social; empenho na eliminação de todas as formas de preconceito. A garantia do pluralismo, optando por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios do Código e com a luta geral dos/as trabalhadores/as. O compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual. O exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física, são princípios fundamentais a serem reconhecidos pelo assistente social comprometido com a profissão por este escolhida. A dimensão da competência teórico-metodológica; pressupõe que o Assistente Social seja um profissional qualificado para conhecer a realidade social na qual vai atuar em seus níveis políticos econômicos e culturais, pautando-se num rigoroso trato teórico e metodológico, que o permita decifrar a realidade social em essência, dinamicidade, e possibilidades de transformação. Assim, compreender a questão social – alicerçada na contradição entre capital e trabalho – e enquanto causa primeira das demandas às quais o assistente social é chamado a intervir, constitui-se uma importante ferramenta de proposição de ações que visem ao seu enfrentamento. Já a competência técnico-operativa onde o profissional deve reconhecer e apropriar-se de um conjunto de habilidades técnicas que lhe permitam atuar junto as instituições contratantes e cidadãos usuários, desenvolvendo ações que respondam com qualidade tanto às demandas apresentadas pela sociedade, como aquelas colocadas pela 9 instituição empregadora; precisa ser desenvolvida em sinergia com as outras duas dimensões. Iamamoto (1998) aponta a relevância de que estas três dimensões sejam apreendidas em sua complementaridade, uma vez que, desenvolvidas isoladamente, poderão transformar-se em armadilhas tais como o militantismo, o teoricismo e o tecnicismo. As particularidades reconhecidas, apropriadas e desenvolvidas ao longo do fazer profissional do Assistente Social, vão caracterizar este exercício profissional como especialização na divisão socio-técnica do trabalho, constituindo-se na instrumentalidade do Serviço Social. A apreensão desta instrumentalidade e sua aplicação dentro das diretrizes norteadoras da profissão, representam um forte condicionante para o reconhecimento social da profissão. É através desta instrumentalidade que o profissional vai transformando sua intencionalidade em ações concretas que alteram a realidade sobre a qual este profissional intervém. (...) “a instrumentalidade é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano”. (GUERRA, 2000, p. 22) Considerando a trajetória percorrida pelo serviço social, que buscou ultrapassar a fase de alienação através do desenvolvimento teórico e político; os profissionais contemporâneos devem estar atentos ao desafio de “fazerem a diferença” no mercado de trabalho, ou continuarão “pagando o preço” de sua atuação moralizadora, assistencialista e meramente executora do passado. Assim, a história de institucionalização da profissão, marcada pelas intervenções no sentido de manter a ordem social, não deve ser entendida como um fundamento da profissão, mas como um processo transitório que acompanhou a dinamicidade social e que foi largamente ultrapassada, adquirindo novos contornos, abrindo novos espaços e traçando novas linhas a este contexto histórico. Desta forma, é importante que o Código de Ética Profissional seja confrontado com a ética pessoal da pessoa que objetiva profissionalizar-se em serviço social, para que se possa avaliar a capacidade de identificar-se com a ética profissional, ou a necessidade de escolher outra profissão. As 10 teorias com que o Serviço Social dialoga devem ser reavaliadas constantemente, entendendo que esta profissão lida com questões objetivas e subjetivas e necessita, portanto, de um amplo arcabouço teórico, que possibilite a visão holística sobre o fenômeno social, rompendo de vez com o reducionismo, com a fragmentação. A instrumentalidade profissional deve ser cuidadosamente apreendida para que não se converta, em instrumentalização de pessoas; compreendido segundo Guerra como o “(...) processo pelo qual a ordem burguesa, por meio de um conjunto de inversões transforma os homens de sujeitos em objetos, meios e instrumentos a serviço da valorização do capital”.(GUERRA, 2000, pág. 22) Outra questão a ser refletida, é a relação entre teoria e prática do Serviço Social. Para Burtelar (2008), o agir profissional tem embutido em si, explícita ou implicitamente, o desvelamento do movimento entre consciência e ação, ou seja, de unidade entre teoria e prática “teoria só existe por, e, em relação à prática” Ora, considerando que o Serviço Social não tem teoria própria, ou seja, que utiliza as teorias das Ciências Sociais para fundamentar sua prática, esta visão sugere ou que as ciências sociais não servem como fundamentação, não tem sustentação científica, pois ao serem levadas à prática, percebe-se sua inconsistência; ou esta concepção sugere que a categoria profissional ainda não se encontra preparada para posicionar-se frente ao espaço contraditório de atuação específica deste profissional que é demandado pelas classes dominantes a exercer uma função de controle ao mesmo tempo que é requisitado pelas classes dominadas para propor uma ação de transformação social. Assim, o assistente social deve ter competência para atuar dentro do norteamento teórico, ou não estará “fazendo” serviço social. É fundamental discutir portanto, se é necessário reorganizar o currículo mínimo da formação em Serviço Social ou se é preciso ampliar os debates em relação à questão de tal unicidade entre teoria e prática. O processo de mediação pode ser interpretado como a prática de ações que mantenham a reprodução da força de trabalho ou como a práxis que promove respostas às necessidades humanas, constituídas em direitos. Logo, o assistente social deve reavaliar constantemente seu posicionamento: se atua a favor da classe trabalhadora ou se à serviço da manutenção do status quo. O Serviço Social inscreveuse na divisão social do trabalho em sua origem, como mero executor de intervenções 11 assistencialistas e imediatistas - assim sendo reconhecido e legitimado pela sociedade pelos resultados imediatos de sua ação interventiva - contudo, esta profissão buscou superar os estreitos limites dentro dos quais operava, debruçando-se sobre a análise crítica tanto da sociedade na qual está inscrita, como de si mesmo enquanto profissão, galgando por sua maturidade profissional. É importante reconhecer que este não é um processo finalizado, sendo crucial não se perder no comodismo, e sim avançar cada vez mais rumo aos objetivos propostos pela profissão. Teoria e Prática: Um Desafio Para o Profissional No decorrer das décadas de 1980/1990, o serviço social deu um salto qualitativo em sua formação teórica e prática, a considerar o adensamento do debate profissional, sua co-participação nos movimentos sociais em torno da elaboração e aprovação da Constituição de 1988; a regulamentação da profissão em 1993, ano em que foi aprovado o novo Código de Ética Profissional; um adensamento também das publicações editoriais, produções acadêmicas e da identidade profissional e a Proposta de diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. A profissão superou seu estágio embrionário - marcado pela execução de filantropia - acompanhando a dinâmica social, buscando emancipar-se através da aproximação da análise crítica, da apropriação de bases teórico-metodológicas, da construção de estratégias técnicooperativas e do comprometimento com seus componentes ético-políticos, que compõem sua instrumentalidade, incidindo em sua identidade profissional. Contudo, são percebidos inúmeros desafios a serem enfrentados e um deles, segundo a Iamamoto (1998) é aliar o conhecimento produzido ao longo da história da profissão à dimensão técnico-operativa da mesma. “O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social” (IAMAMOTO; 1998; p. 52) Segundo IAMAMOTO (2010) o Serviço Social brasileiro contemporâneo, apresenta uma feição acadêmico-profissional e social renovada, voltada à defesa do trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso a terra para a produção de meios de 12 vida, ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça social no terreno da história. Nessa direção social, a luta pela afirmação dos direitos de cidadania, que reconheça as efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais, é hoje fundamental como parte do processo de acumulação de forças em direção a uma forma de desenvolvimento social inclusiva para todos os indivíduos sociais. A análise dos espaços ocupacionais do assistente social – em sua expansão e metamorfoses – requer inscrevê-los na totalidade histórica considerando as formas assumidas pelo capital no processo de revitalização da acumulação no cenário da crise mundial. Sob a hegemonia das finanças e na busca incessante da produção de super lucros, aquelas estratégias vêm incidindo radicalmente no universo do trabalho e dos direitos. As medidas para superação da crise sustentam-se no aprofundamento da exploração e expropriação dos produtores diretos, com a ampliação da extração do trabalho excedente e a expansão do monopólio da propriedade territorial, comprometendo simultaneamente recursos naturais necessários à preservação da vida e os direitos sociais e humanos das maiorias. (IAMAMOTO, 2010, pag 35) Conforme Barroco (2010) deve-se considerar a necessidade de bases filosóficas para a apreensão da ética em Serviço Social. O autor pontua a dificuldade de apreensão da ética em sua dimensão filosófica, onde o Código de Ética profissional passa a ser percebido apenas como uma formalização do “dever ser” profissional, reproduzindo a confusão entre moral e moralismo. Os princípios éticos estabelecidos no Código de Ética norteiam um posicionamento em favor da equidade e justiça social, e o comprometimento com a população usuária, princípios que só podem ser assimilados mediante o debate filosófico acerca da essência de tais princípios e suas relações com o Serviço Social. Enquanto a ética profissional for concebida apenas no plano de formalização de conduta, haverá disparidades entre aparência e essência na sua aplicação prática. Desta forma, constitui-se um desafio para o assistente social aliar o conhecimento adquirido na academia à sua prática cotidiana, produzindo novos conhecimentos. Realizar uma reflexão crítica quanto à questão social no desenrolar da história e suas manifestações no cenário contemporâneo, suas multifacetadas expressões e perspectivas de enfrentamento. Avaliar o norteamento ético da profissão e sua aplicação nas relações vivenciadas pelo profissional. Confrontar a realidade com a bagagem teórica constantemente; conhecer os campos de atuação, os usuários e as demandas que se apresentam ao profissional. 13 Segundo Iamamoto (2010) a autonomia é condicionada pelas lutas hegemônicas presentes na sociedade que alargam ou retraem as bases sociais que sustentam a direção social projetada pelo assistente social ao seu exercício, permeada por interesses de classes e grupos sociais, que incidem nas condições que circunscrevem o trabalho voltado ao atendimento de necessidades de segmentos majoritários das classes trabalhadoras. A autora, ainda destaca que a artimanha é clara: as insuficiências da interpretação teórico-metodológica da prática profissional são transferidas para a categoria e imputadas às deficiências de sua competência profissional ou às suas opções sociopolíticas. Para Iamamoto, faz-se necessário, pois, elucidar o exercício profissional nas particulares condições e relações de trabalho em que se inscreve, reconhecendo tanto suas características enquanto trabalho concreto (e avançando na leitura das competências e atribuições privativas do assistente social, tais como se forjam na atualidade), quanto sua dimensão de trabalho humano abstrato, em seus vínculos com o processo de produção e/ou distribuição da riqueza social. Isso remete ao enfrentamento dos dilemas do trabalho produtivo e/ou improdutivo, cuja caracterização depende das relações estabelecidas com específicos sujeitos sociais, na órbita das quais se realiza o trabalho do assistente social. Essas projeções coletivas da categoria, materializadas nas ações de seus pares, apoiam-se em conhecimentos teórico-metodológicos concernentes ao Serviço Social nas relações entre o Estado e a sociedade de classes nas particularidades nacionais e em princípios éticos e políticos balizadores do comportamento dos profissionais, que moldam as ações empreendidas. Em outros termos, conhecimentos e princípios éticos alimentam projeções profissionais historicamente determinadas, materializando a dimensão teleológica do trabalho do assistente social: a busca, por parte da categoria, de imprimir nortes ao seu trabalho, afirmando-se como sujeito profissional.( IAMAMOTO, 2010, pag 37) 14 Considerações Finais O que se debate no Serviço Social hoje é o desenvolvimento de uma competência profissional que se fundamente no diálogo com diversas áreas do saber, e que este diálogo não cesse, após a graduação. Que se paute na ética, considerando-a um espaço para a reflexão filosófica. Que se utilizem os instrumentos profissionais reconhecendo a instrumentalidade que é própria do Serviço Social. Que se aproprie dos espaços institucionais de modo a concretizar suas competências específicas através de ações que caracterizem este saber profissional. A argumentação, a confrontação, a escuta, a reflexão, a criatividade e a ação com vistas a objetivos a curto, médio e longo prazo, são habilidades a serem utilizadas no exercício profissional. Assim, refletir sobre a identidade profissional do Assistente Social requer resgates históricos e perspectivas futuras, pois ainda é um processo em construção. O embate vivenciado pela profissão na época do Movimento de Reconceituação, onde se debatiam as perspectivas de prática tradicional, modernização conservadora e ruptura, ainda não se encerrou. Atuar sob a perspectiva de atenuar os excessos da exploração do trabalho, aceitando a sociedade capitalista e suas desigualdades sociais como naturais; viabilizar os direitos sociais do cidadão, mantendo-o dependente do profissional, das políticas públicas, ou das instituições; entender a manutenção do status quo como garantia de emprego para assistentes sociais; constitui-se uma seqüela deixada pelo Serviço Social conservador. Contudo, não são poucos os profissionais que atuam sob a perspectiva de viabilização de direitos, conscientização de responsabilidades, produção de conhecimento e socialização de informações; apontando possibilidades para que o cidadão usuário de seus serviços seja atendido em sua especificidade, em sua mediaticidade, e também em sua possibilidade de emancipação. Isto significa que a profissão avança em direção ao fortalecimento de uma identidade profissional pautada na competência teórica e prática. Observa-se, portanto, as contradições presentes nas relações sociais, e seus reflexos na profissão do assistente social e sua identidade como profissional. O refinamento desejado por grande parte da categoria, só poderá ser alcançado mediante a reflexão e o debate quanto aos componentes teórico-metodológicos, 15 técnico-operativos e ético-políticos, que compõem a instrumentalidade profissional, não apenas no sentido de identificá-los, como também de interrelacioná-los, confrontando pesquisas, produções teóricas e a práxis profissional; de modo a promover a inquietação necessária para que se desenvolvam as transformações sociais a que se propõe o Serviço Social. Através dos resultados obtidos pelas ações profissionais da categoria, é que sua identidade será reconhecida socialmente; assim, a identidade profissional pode ser orientada por uma normatização, mas é através daquilo que o assistente social “produz”, que virá o seu reconhecimento social. 16 REFERÊNCIAS BARROCO, M.L.S.; Bases filosóficas para uma reflexão sobre ética e serviço social. In: BONETTI, D. A.(Org.) et. al.: Serviço Social e ética: Convite a uma nova práxis. 11ª ed.; São Paulo: Cortez, 2010. BURTELAR, Marta. O estágio supervisionado, 5ª ed.; São Paulo: Cortez, 2008. FRAGA, Cristina Kologeski. A atitude investigativa no trabalho do assistente social. Revista Serviço. Social e Sociedade. São Paulo, n. 101, p. 40-64, jan./mar. 2010 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n101/04.pdf Acesso em: 24 de Fev. de 2013 GUERRA, Yolanda. Instrumentalidade do processo de trabalho e Serviço Social. In: Revista Serviço Social e Sociedade n. 62. São Paulo: Cortez, 2000. 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