BRASIL: RUMO À REDEMOCRATIZAÇÃO FIM DA DITADURA MILITAR O fracasso do modelo político-econômico adotado pelo regime militar ficou evidente durante o governo Figueiredo. O país tinha mergulhado numa das maiores crises de sua história, que se refletia nas elevadas taxas de inflação, no assombroso endividamento externo e no déficit público. Diversos setores da sociedade (partidos políticos, Igreja, entidades científicas, imprensa, empresariado, universidades, sindicatos) reivindicavam uma mudança de rumo para o país. A crescente onda de descontentamento social foi canalizada, pelas lideranças de oposição, para a campanha em favor das eleições diretas para presidente da república. O objetivo era conseguir que o Congresso Nacional aprovasse a emenda proposta pelo deputado Dante de Oliveira, que restabelecia eleições diretas para presidente e acabava com o Colégio Eleitoral, pelo qual se faziam as eleições indiretas. A campanha pelas diretas foi um dos maiores movimentos políticos populares de nossa história recente. Multidões entusiasmadas proclamavam nas ruas e nas praças o lema Diretas-já e cantavam o Hino Nacional. Entretanto, uma série de manobras da elite dirigente, ligada ao regime militar, impediu a implantação das eleições diretas para Presidente. O principal grupo político que se opôs à emenda das diretas era liderado pelo deputado paulista Paulo Maluf. Contrariada a vontade popular, teve prosseguimento o processo das eleições indiretas. Essa fase foi dominada por duas candidaturas: do deputado Paulo Maluf, representante oficial do PDS, embora não contasse com o apoio efetivo das forças que estavam no poder. do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, apoiado por uma heterogênea aliança política, a Aliança Democrática, composta pelo PMDB e pela Frente Liberal (formada por ex-dirigentes do PDS). Através de comícios populares, a candidatura Tancredo Neves foi se consolidando como a alternativa viável para garantir o fim do regime militar. Tancredo afirmava que iria ao Colégio Eleitoral para acabar com ele e que sua eleição seria a última eleição indireta para presidente do Brasil. Eleição de Tancredo Neves Em 15 de janeiro de 1985, forças da Aliança Democrática, reunidas no Colégio Eleitoral, conseguiram eleger Tancredo Neves para presidente da república. Tancredo Neves tinha como proposta realizar um governo de transição democrática. Falava na instauração de uma Nova República, cuja missão seria implantar um projeto de conciliação nacional, num clima de ordem e respeito às instituições. Procurando demonstrar sensibilidade social, Tancredo afirmava: enquanto houver nesse país um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda prosperidade será falsa. Atingido por grave enfermidade doze horas antes da posse, Tancredo Neves não conseguiu assumir o poder. Foi internado e submetido a cirurgias em Brasília e, posteriormente, em São Paulo. A doença evoluiu, tornando-se fatal. Tancredo morreu em 21 de abril de 1985. O país foi tomado de grande comoção em face da morte de Tancredo e das esperanças nele depositadas. O vice-presidente em exercício, José Sarney, assumiu, então, de forma plena o comando da nação. GOVERNO JOSÉ SARNEY (1985-1990) A maneira como aconteceu a transição da ditadura militar para o governo civil decepcionou a maioria das oposições políticas. José Sarney tomava posse da presidência da República. Por que a decepção? É que o passado político de José Sarney não o qualificava para assumir a liderança do novo Brasil. Pelo contrário. Sarney fez sua carreira política oferecendo apoio, direto ou indireto, à ditadura militar. Tinha sido presidente nacional do PDS. E foi liderando o PDS que ajudou a derrubar a emenda constitucional que restabelecia eleições diretas para presidente. Tinha preferido atender à voz da ditadura agonizante do que ao clamor do povo gritando "diretas-já". Tentando superar a imagem negativa que possuía, logo no início do governo, o presidente Sarney jurou honrar os compromissos políticos assumidos por Tancredo Neves. Nessa época, o governo sabia que mais de 50 milhões de brasileiros sofriam o drama da fome, da desnutrição, da falta de moradia e de mínimas condições de saúde. Era urgente melhorar as condições sociais do povo. Porém, os economistas do governo diziam que nenhuma política social daria resultados positivos se a inflação não fosse combatida. Em 28 de fevereiro de 1986, a equipe econômica do governo, liderada pelo ministro da Fazenda Dílson Funaro, tomou medidas de grande impacto para o combate à inflação. Era o Plano Cruzado, cujas medidas de maior destaque foram: extinção do cruzeiro e criação de uma nova moeda: o cruzado; fim da correção monetária; congelamento dos preços das mercadorias; reajuste automático dos salários, sempre que a inflação atingisse 20%. Era o chamado "gatilho salarial". O Plano Cruzado foi muito debatido pela sociedade. As oposições políticas do PT e do PDT protestaram. Diziam, por exemplo, que os preços das mercadorias tinham sido congelados no pico enquanto os salários tinham sido congelados pela média dos últimos seis meses. Ou seja, que os trabalhadores saíram perdendo. Os empresários também criticavam o Plano Cruzado. Falavam que o congelamento era contra as leis do mercado e que a principal causa da inflação brasileira eram os gastos excessivos do governo (déficit público). Na verdade, tanto empresários quanto líderes de esquerda, acostumados à indexação da economia, ficaram apavorados com o fim da correção monetária decretada pelo Plano Cruzado. Na época, poucos compreenderam a tese do ministro Funaro de que a indexação extremada da economia era a principal fonte de realimentação da inflação. Apesar das críticas, a maior parte da população apoiou o Plano Cruzado e foi às compras com as tabelas oficiais de preços para fiscalizar e protestar contra as remarcações. Mas a alegria durou pouco. O congelamento foi sendo derrubado pelos produtores e comerciantes. Diversos produtos "sumiam" dos mercados e só reapareciam mediante o pagamento de ágio (acréscimo ao preço tabelado). Longas filas se formavam para a compra de mercadorias tabeladas. Em 15 de novembro de 1986 seriam realizadas eleições gerais no país, de enorme importância política. O governo não queria perder essas eleições e, por isso, não mexeu no Plano Cruzado, que ainda contava com grande apoio popular. Realizadas as eleições, a maioria dos parlamentares eleitos pertencia ao PMDB e ao Partido da Frente Liberal (PFL), partidos que davam sustentação política ao governo. Então, o governo baixou o Plano Cruzado 2, reajustando os preços das tarifas públicas, do álcool, da gasolina e de uma série de outros produtos. O novo Plano não contou com o apoio da população. A sociedade sentiu-se enganada pelo governo. A inflação voltou a subir. O governo tentou aplicar novos "choques econômicos" de combate à inflação: Plano Bresser (1987); Plano Verão (1989). Todos fracassaram. Ao final do governo Sarney, a crise econômica continuava extremamente grave. O governo não conseguiu equilibrar três grandes problemas da economia: inflação, dívida externa e dívida interna do governo. Constituição de 1988 Instalada em 1º de fevereiro de 1987, a Assembléia Nacional Constituinte compunha-se dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Não foi uma Assembléia Constituinte exclusiva. Funcionou juntamente com o Congresso Nacional, sendo, por isso, chamada também de Congresso Constituinte. Depois de 20 meses de trabalho, debates e discussões com a sociedade, a Assembléia Nacional Constituinte promulgou a nova Carta Magna do país. O Brasil confirmou como regime político o estado democrático de direito. O povo pode participar da formação da vontade pública (governo) diretamente ou por meio de representantes eleitos. A forma de governo do país é a República. A forma de Estado é a federação, formada com as seguintes entidades autônomas: a União, os estados, o distrito federal e os municípios. GOVERNO COLLOR (1990-1992) Depois de quase 30 anos sem eleições diretas para presidente da República, o povo brasileiro reconquistou esse direito, exercendo-o nos dias 15 de novembro de 1989 (primeiro turno) e 17 de dezembro de 1989 (segundo turno). Numa agitada eleição presidencial que entusiasmou o país, o candidato vitorioso foi o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo, que, no segundo turno, derrotou o deputado Luís Inácio Lula da Silva. O presidente Collor conquistou grande parte do eleitorado passando a imagem de político jovem, renovador, preocupado em combater marajás (funcionário com alto salário, que desfruta as mordomias do serviço público) e em empreender a modernização administrativa do Estado, tendo como programa de governo: privatizar empresas estatais, combater os monopólios, abrir o país à concorrência internacional, desburocratizar as regulamentações econômicas etc. De imediato, o novo governo tomou medidas drásticas para combater o perigo da hiperinflação, pois nos 12 meses finais do governo Sarney a inflação acumulada chegou a 2.751,34%! No dia seguinte à posse, 16 de março de 1990, Collor anunciou um plano econômico avassalador que, entre outras coisas, bloqueou contas e aplicações financeiras nos bancos; confiscou cerca de 80% do dinheiro que circulava no país; extinguiu a moeda vigente, o cruzado, restabelecendo o antigo cruzeiro. O impacto do Plano Collor sobre a sociedade foi brutal. Entretanto, grande parte da população aceitou o sacrifício, tendo em vista o ideal de conter o processo inflacionário. Outras pessoas recorreram à justiça contra o confisco do dinheiro. Após um controle inicial do processo inflacionário, o Plano Collor não conseguiu debelar seu inimigo. A inflação voltou a crescer. O governo foi perdendo credibilidade. Depois de dois anos de mandato, começaram a explodir na imprensa do país inúmeras denúncias de corrupção envolvendo a cúpula governamental. O grande marco dessas denúncias foi a entrevista do irmão do presidente, Pedro Collor de Melo, à revista Veja, de 19 de maio de 1992. Nessa entrevista, Pedro Collor acusava o irmão de ser cúmplice de uma série de negócios misteriosos dirigidos por Paulo César Farias (o PC Farias). A gravidade das denúncias levou a Câmara dos Deputados a instituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), destinada a apurar as irregularidades. Aos poucos, foi sendo desmontada e exposta toda a rede de corrupção, sonegação fiscal e contas fantasmas do esquema PC, causando grande indignação popular. Enquanto prosseguiam as investigações, as principais ruas e praças do país foram tomadas por multidões que exigiam o impeachment ("impedimento", "afastamento") de Collor. Nesse movimento popular, destacou-se a presença dos estudantes (posteriormente chamados de caras-pintadas, por terem seus rostos pintados de verde e amarelo) clamando por ética e dignidade na vida pública. Ao final dos trabalhos, a CPI votou pela incriminação do presidente Collor, por esmagadora maioria de votos (16 a favor e 5 contra). Estava aberto o caminho legal para o processo de impeachment. Por fim, em 29 de setembro de 1992, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de afastamento do presidente, com 441 deputados votando contra sua permanência no governo. Assim, Fernando Collor foi impedido de exercer a função de presidente da República para ser julgado pelo Senado Federal.