Excelentíssimo Senhor Presidente,
Ministro Augusto Nardes.
Excelentíssimos Senhores Ministros
Membros do Ministério Público,
deste
Tribunal,
Autoridades aqui presentes,
Senhoras e Senhores,
Hoje me despeço de uma longa trajetória de vida pública.
Minha saída deste Tribunal coincide com meu aniversário de
70 anos. Ao completar 70 anos de idade, posso afirmar que meu
desejo é o de continuar olhando para frente, procurando traçar e
cumprir objetivos, sonhar e realizar sonhos. Todavia, ao completar
70 anos de idade sou compelido a encerrar minha carreira no
serviço público, o que me leva a olhar para trás e avaliar o caminho
percorrido até aqui (o que farei de forma breve, para não dar
abrigo à nostalgia que costuma frequentar despedidas).
Olhando para trás, vejo que dediquei minha vida inteira a
trabalhar como homem público. Foram 47 anos de serviço ao
Estado. Graduei-me engenheiro e economista. Logo após completar
meu mestrado em Engenharia, aos 23 anos de idade comecei a
servir à Administração Pública como professor da Universidade
Federal de Pernambuco. Aos 30, fui nomeado Secretário de Estado
de Pernambuco: por quatro anos Secretário de Educação e, por
outros quatro, Secretário de Habitação. Era o início de uma longa
jornada a serviço do país, que se prolongaria até o dia de hoje.
No Legislativo Federal trabalhei por 24 anos. Fui eleito
Deputado Federal por quatro mandatos consecutivos. Durante esse
período voltei a Pernambuco para ser Secretário de Educação
novamente. Depois me elegi ao Senado, onde permaneci pelos oito
anos de mandato. No Executivo Federal, fui Ministro de Estado de
Minas e Energia na época do racionamento, em 2001. Em 2006 fui
candidato a vice-presidente da República na chapa de Geraldo
Alckmin. Presidi a Companhia Energética de Brasília, a CEB, de
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2007 a 2009. Em dezembro de 2008 fui indicado pelo Senado à
vaga que hoje, quase seis anos depois, deixo.
Portanto, tive uma carreira contínua de homem público,
praticamente sem intervalos.
Ao olhar para trás, entendo que os relevantes cargos
assumidos me permitiram alcançar realizações que ultrapassam
honra, orgulho ou alegria pessoal. Ao perceber que tais realizações
contribuíram de fato para uma maior dignidade do povo brasileiro,
tenho a paga pelo serviço que o destino me permitiu oferecer ao
país. Sinto-me grato e privilegiado.
Dentre as realizações que mais me marcaram, a primeira
foi a aprovação popular de minha atuação como Secretário de
Estado em Pernambuco. Tanto como Secretário de Educação como
quanto Secretário de Habitação, minha administração, sempre
voltada à satisfação do interesse social, teve o comprovado
reconhecimento do povo, que me elegeu o 2º Deputado Federal
mais votado de meu estado, sem que eu tivesse histórico familiar
político ou base no interior, o que é raro em Pernambuco.
Outro momento marcante de minha vida pública foi o
movimento pela redemocratização do país, do qual participei
quando de meu primeiro mandato como Deputado Federal. Fui,
juntamente com outros deputados, dissidente do meu partido, que
era, na época, o partido do governo. Apoiamos as “Diretas Já” e
perdemos.
Nós, dissidentes, deixamos o PDS e criamos o PFL. Não
tendo alcançado quórum qualificado de dois terços para reintroduzir
na Constituição as eleições diretas para presidente, nos
recompomos na Aliança Democrática, e conseguimos eleger
Tancredo Neves pelo colégio indireto.
Me surpreendi com o cunho estritamente político de minha
primeira importante atuação como Deputado. Afinal, eu havia me
preparado para ser um técnico, um burocrata. Mas minha
participação na luta pelo restabelecimento das liberdades
democráticas deixou evidente, em definitivo, que eu era o “animal
político” de que falou Aristóteles. A partir de então, passei a
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equacionar meu perfil técnico com minha vocação de homem
público. Foi nesse espírito que procurei contribuir com o nascedouro
da Constituição da República de 1988, como parte da Assembleia
Nacional Constituinte.
Considero de grande importância o trabalho realizado na
área de educação, tanto na Câmara quanto no Senado. Tive a
honra de relatar os principais normativos que balizam o sistema
educacional brasileiro até o dia de hoje. Inicialmente relatei o
projeto que deu origem à LDB – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, que já estava há mais de dez anos na Câmara. Em
seguida, relatei as duas emendas constitucionais – do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (Fundef), na Câmara; e do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) no Senado.
Tive o privilégio, ainda, de aprovar o primeiro Plano Nacional
Decenal de Educação.
No Senado, mediante árduo trabalho, consegui relatar o
projeto de reforma do judiciário, que se encontrava há mais de
onze anos parado. Como resultado, tivemos a Emenda
Constitucional nº 45 de 2004, que, dentre outras providências,
criou o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do
Ministério Público, a súmula vinculante do STF etc.
É interessante perceber que, ao longo de todo esse
caminho trilhado, e inclusive aqui no TCU, por incontáveis vezes me
deparei com pessoas extremamente competentes, dotadas de
opiniões completamente opostas às minhas. Com elas discuti,
aprendi e evoluí, procurando manter-me coerente com meus
princípios. Nunca abri mão de minhas convicções, mas sempre levei
em consideração as convicções alheias.
Acredito que minha experiência política contribuiu para uma
atuação mais racional aqui no TCU. Constantemente o Tribunal
sofre injustas críticas por ser composto por políticos “em final de
carreira”, como alfinetam os menos informados. Coisa de quem não
sabe o que diz. A composição do TCU é muito bem equilibrada.
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Como órgão colegiado que é, o TCU só tem a ganhar com a
importante e enriquecedora combinação entre ministros advindos
da esfera técnica e ministros advindos da esfera política.
Ao se considerar que são técnicos os quatro Ministros
substitutos, um Ministro titular advindo do quadro de auditores, um
Ministro titular advindo do Ministério Público e os procuradores que
atuam ativamente junto ao TCU, conclui-se que os ministros com
histórico político são minoria nesta casa. Entretanto, considero sua
participação imprescindível para a manutenção do equilíbrio das
decisões do Tribunal. Primeiro porque, normalmente, são mais
velhos, têm mais experiência, colaboram para que se tenha uma
visão diferenciada acerca das inúmeras situações de fato que nos
desafiam.
É inegável que de cada ambiente através do qual olhamos o
mundo, levamos um novo aprendizado. Eu já olhei o mundo como
Secretário de Estado, já olhei como Presidente de Empresa Estatal,
como Deputado Federal, como Senador, já olhei como Ministro de
Estado, já disputei eleição, já ganhei eleição. Cada uma das
situações que vivenciei ampliou meu campo de visão, fazendo de
mim um quebra-cabeças apto a reconhecer e interpretar melhor as
peças que compõem a gestão pública, com viés de alguém que já
teve a oportunidade de sentir as vicissitudes a que se sujeita um
administrador público.
Portanto, acredito que a arquitetura de escolha dos
ministros do Tribunal foi bem desenhada, propiciando um saudável
equilíbrio na Corte. Não seria bom que fossem todos políticos, pois
haveria uma perda técnica; nem que fossem todos técnicos, pois se
perderia a riqueza da experiência política.
O grande desafio a ser enfrentado diuturnamente pelos
membros desta casa, como em qualquer órgão julgador, é a
interferência externa dos interessados nos resultados dos
julgamentos. Para tal enfrentamento, são armas imprescindíveis
aos Ministros a autonomia e a coragem para tomar a decisão
correta, mesmo que essa decisão não agrade, por assim dizer, aos
“poderosos do dia”.
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Convicto estou de que o trabalho de excelência que é
realizado todos os dias por cada integrante deste Tribunal é
convalidado pelo princípio da independência. Nada será mais
importante para o fortalecimento desta instituição e para a valia e
efetividade das decisões aqui tomadas do que a independência de
cada agente. Sabemos que, em verdade, ninguém é 100%
independente. Todos sofremos influências de diversas ordens, mas
quanto mais independentes forem os ministros, os procuradores, os
ministros substitutos, os auditores etc, melhor para o Tribunal,
melhor para o país.
Independência é a qualidade precípua que um membro
desta casa deve buscar. Pode-se tolerar um ministro que não tenha
uma formação técnica tão excelente, ou um ministro que não seja
muito assíduo, pois estas são defasagens passíveis de serem
compensadas. Contudo, não se pode tolerar a sujeição de um
ministro a interesses particulares. O Ministro do TCU tem que julgar
de acordo com a sua cabeça. Mesmo quando ele erra, é melhor que
ele erre com a própria cabeça do que com a cabeça de terceiros.
Porque o erro em si não é tão grave, uma vez que aqui todas as
decisões são tomadas de forma coletiva, podendo, portanto ser
“consertadas” pelos outros ministros. No entanto, se há um desvio
de conduta, o conserto pode se tornar impossível, dependendo do
número de ministros dos quais a independência foi subtraída.
Por essa razão, repito mais uma vez a lógica que expus nos
últimos anos: as ferozes críticas tantas vezes repetidas pelos
fiscalizados contra a atuação do TCU não devem ser motivo de
preocupação. Ao contrário, grave seria se os fiscalizados dissessem
que “o TCU é uma mãe” – sinalizando a frouxidão do nosso
trabalho.
Durante o tempo em que tive o privilégio de atuar nesta
casa, procurei ter em mente a todo momento que a função
principal do TCU é proteger o Erário. Por muitas vezes nos
deparamos com casos de difícil solução, em que alguns direitos
subjetivos são ameaçados. No entanto, o TCU não é Poder
Judiciário. Há sempre, para aquele indivíduo que está sendo
julgado, a possibilidade de recorrer à Justiça. Mas nós somos uma
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Corte de Contas, criada para defender o dinheiro público. Aqui
praticamos a máxima de que “o todo precede a parte”.
Nos últimos dois anos fui relator dos órgãos e entidades
que compõem a estrutura do Ministério de Minas e Energia. Nessa
condição, tive a oportunidade de trazer ao conhecimento dos
senhores ministros alguns processos importantes sobre o setor
elétrico e a Petrobrás.
Relatei, por exemplo, auditoria operacional destinada a
avaliar os efeitos da Medida Provisória 579/201, na Conta de
Desenvolvimento Energético. Pela relevância do tema, convoquei
audiência pública com o objetivo de incorporar contribuições de
diversos atores, como autoridades governamentais, representantes
de concessionários, especialistas e consumidores. Verifiquei, entre
perplexo e preocupado, que o valor assumido pela CDE para fazer
frente às medidas implementadas pela MP atingiu, até o momento,
o montante de 61 bilhões. Na tentativa de viabilizar a redução da
tarifa de energia elétrica de forma abrupta e sem estudos mais
aprofundados, a intervenção patrocinada pelo governo, a par de se
mostrar ineficaz, desorganizou o setor.
O cenário que temos hoje é o da anulação da redução de
tarifa concedida (redução essa que não valeu nem dois anos) e o
do desequilíbrio financeiro das empresas do setor, que hoje têm em
sua conta bilhões de reais a serem pagos ou pelos consumidores ou
pelos contribuintes (que no fundo são os mesmos).
Além disso, as hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste
operam hoje com apenas 17%, e as do Nordeste com ínfimos 14%
de sua capacidade – valor inferior ao que motivou a decretação do
racionamento de 2001.
Estamos, portanto, na mão de São Pedro. Eis a situação do
setor elétrico: empresas completamente desequilibradas do ponto
de vista financeiro; reservatórios vazios; redução de tarifa anulada
e; grandes dívidas a serem pagas pelos consumidores e
contribuintes.
Quanto à Petrobras, não preciso dizer muita coisa. É triste
ver a situação a que chegou a companhia. Além de ser utilizada,
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indevidamente, como instrumento de contenção da inflação, por
meio do represamento do preço dos combustíveis, foi vítima de
desvio e má gestão. O processo que trata da aquisição da refinaria
de Pasadena, nos Estados Unidos, é emblemático. O processo ainda
tem longo caminho a percorrer, mas diante dos fortes indícios de
uma operação desastrada e fraudulenta, tenho como acertada a
decisão desta Corte de Contas em citar os envolvidos e tornar seus
bens indisponíveis. Reforçam minha convicção as informações de
que personagens dessa operação estão se livrando de seus bens ou
tornando-os inalcançáveis às mãos da justiça.
Hoje me despeço deste Tribunal com a certeza de que
combater o bom combate, como acredito que fiz, só foi possível
graças à preciosa colaboração dos servidores do meu gabinete.
Faço então um especial agradecimento ao Marcelo, Rita, Dora,
Patrícia, Bia, Leidiane, Jorge, Bruna, Desirê, Danilo, André Vilanova,
André Mendonça, Jane, Luiz Felipe, Mônica, Luciana, Alexandre,
Caixeta, Sidney, Cícero, Airton. Cada um com seu dom e à sua
maneira, certamente contribuiu com o agradável ambiente de
trabalho que tivemos e para a entrega de um trabalho firme e
eficiente, a este Tribunal e a este país.
Enalteço aos meus ilustres pares pela rica troca de ideias
que possibilitaram meu amadurecimento como Ministro deste
Plenário. Ao Ministro Presidente Augusto Nardes, aos Ministros
Aroldo Cedraz, Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler,
Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro Filho, Ana Arraes e Bruno
Dantas, aos Ministros-substitutos Augusto Sherman, Marcos
Bemquerer, André Luis de Carvalho e Weder de Oliveira, meu muito
obrigado.
Agradeço ao Procurador-Geral Paulo Bugarin, aos
procuradores Lucas Furtado, Cristina Machado, Marinus Marsico,
Júlio Marcelo de Oliveira e Sergio Caribé.
Meu reconhecimento aos Secretários Alden Mangueira,
Eduardo Monteiro e Maurício de Albuquerque, e, em nome destes, o
meu reconhecimento a todos os demais Secretários, pelo valioso
trabalho prestado ao Tribunal.
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Por fim, e de forma mais que especial, expresso minha
profunda gratidão à minha esposa Socorro, companheira dedicada
e sábia conselheira, ao meu genro Feitosa, minha netinha Lulu e
meu amado neto Felipe, cujas presenças me alegram nesta tarde
grave.
Nossa Constituição hoje me impõe a aposentadoria. Em
forma de protesto, deixei-a para o último dia - para que fique
registrado que eu gostaria de continuar trabalhando. E é o que
farei. Vou continuar a oferecer à vida meus conhecimentos e
experiência, até quando Deus me permitir. Eu não uso bengala,
nem estou doente. Portanto, não há nenhuma razão para eu parar
de trabalhar. O sentimento que hoje trago comigo é de gratidão por
todo o aprendizado adquirido e pela oportunidade que tive de
colaborar, com humildade e zelo, para o desenvolvimento do nosso
país.
Muito obrigado.
José Jorge
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