Comunidade Autossustentável: os três grandes desafios
Em uma Ecovila com terrenos privativos, diante de qualquer impasse nas decisões do
grupo, um ou vários proprietários podem se isolar nos seus sítios ou mesmo, em situações
extremas, vendê-los, o que acaba frustrando a construção aspecto comunitário e de
convivência.
Por outro lado, um projeto como imaginamos de uma comunidade autossustentável
compartilhada, com terra indivisível, sem terrenos particulares, enfrenta em seu processo
de criação três grandes desafios. Estes devem ser enfrentados e contornados pelo grupo o
que leva a um aprimoramento na arte da vida comunitária e na resolução de conflitos
inerentes das relações interpessoais intracomunitárias.
1. Reunir o grupo de Membros Fundadores que irá viabilizar a compra coletiva da terra.
É um grande desafio inicial porque as pessoas se acostumaram a ser individualistas
valorizando o Eu e, por conseguinte, o Meu. Então, a dificuldade nesta etapa reside
no fato das pessoas, que tem condições financeiras para serem Membros
Fundadores, a princípio hesitam em investir suas poupanças INDIVIDUAIS em um
projeto COLETIVO. Mesmo que esta poupança individual seja, muitas vezes,
insuficiente para adquirir sozinha uma terra, um patrimônio, por menor que seja.
Além disso, esta poupança individual se desvaloriza no banco que além de cobrar
tarifas caras para mantê-la, não a renumera com juros mínimos que possam ao
menos fazer face à inflação. Apesar de ser o projeto coletivo uma maneira
interessante desta pequena poupança individual se valorizar e se multiplicar a longo
prazo aplicada num patrimônio que é a terra, sem os riscos que oferecem o mercado
financeiro, em geral existe resistência das pessoas em realizar esta transição.
2. Contornar as diferentes opiniões, conceitos e preferências.
Este segundo grande obstáculo chega quando o grupo de membros fundadores está
fechado e pronto para adquirir a propriedade. E se prolonga até depois da compra
coletiva da terra e instalação da comuna ecossustentável.
Ele surge nas reuniões. Quando se percebe que ali estão dezenas de individualidades,
de conceitos, de teorias, de preferências, enfim, de egos.
Onde vai ser a Ecovila?? Haverão animais?? Pode comer carne?? Haverá um lado
espiritual ?? Estas e muitas outras questões serão levantadas e deverão ser debatidas
e decididas pelo grupo. Como vencer mais esta dificuldade diária de conflito de
interesses, de opiniões, de egos??
Deveremos compreender e ter em mente que:
- Existe algo de grandioso que une todos os que estão alí e que estas questões são menores
se comparadas à este ponto maior de comunhão. Este elo superior É O PROJETO EM SI.
Todas as questões e impasses que surgem são mínimos se comparados com a ideia da
comunidade autossutentável em si, de um novo modelo de convivência e de sociedade.
Então, tendo isso em mente A CADA MOMENTO, devemos dar sempre pouca importância a
nossa posição sobre cada assunto posto em debate diariamente e não nos agarrar é ela
além dos argumentos que temos sobre o tema;
- Baseado no que foi dito anteriormente, cada um dos membros comunitários deve tentar
se posicionar nos debates disposto a ceder. SEMPRE.
Um membro se posiciona: “ Eu quero levar meus cachorros para a ecovila” ou outro diz: “
Eu não gosto de cachorros, já fui mordido e tenho alergia” .
Diante do impasse e conscientes que a questão é SEMPRE menor diante do projeto como
um todo, o primeiro diz: “ Como você tem alergia eu abro mão de levar meus bichos”; E o
segundo se posiciona, também cedendo: “ Eu tenho este problema do medo e da alergia
mas acho que posso conseguir superar e conviver com os cachorros”.
Os DOIS estão dispostos a ceder, então muito mais facilmente pode-se chegar a um
consenso ou a um caminho do meio. Se em todas as situações diárias nos colocamos em
posição de ceder, já que nada é tão importante quanto o projeto em si, podemos avançar e
ultrapassar, a cada momento, este segundo grande desafio.
É mais ou menos aquela situação que todos já devem ter vivenciado ao menos uma vez:
Duas pessoas chegam numa porta de entrada e uma cede a vez pra outra. E vice-versa. E
ambas insistem em ceder, para que a outra parte entre primeiro. E esta situação dura
alguns segundos por excesso de gentileza e desapego de ambas as partes.
3 – Se adaptar à realidade rural e de ter que fazer tudo com as próprias mãos.
Este terceiro grande desafio é mais individual. Como somos todos seres urbanos e fomos
acostumados a comprar ou pagar pela maioria das coisas que precisamos, desde água e
alimento até serviços de reparos e entregas, temos que nos adaptar a uma nova realidade
onde seremos, nós mesmos, responsáveis por plantar, cuidar, colher, preparar, construir,
entre muitas outras coisas. Quase tudo que hoje delegamos para outros fazerem em troca
de pagamento, teremos que fazer nós mesmos. Este é outro grande desafio, pois não faz
parte de nossa cultura urbana.
A vida no campo tem um ritmo diferente. O trabalho é duro, mais físico, menos mental. O
ambiente oferece, aos nossos seis sentidos, um nível de informação bem menor.
Mas as recompensas são enormes já que o fruto do trabalho é a vida. E o contato com a
Natureza e a Terra retorna um alto grau de energia vital que nos faz sentir renovados a
cada manhã.
A Natureza tem seu tempo. Precisamos aprender, gradativamente, a controlar nossa
ansiedade urbana e respeitar o ciclo natural das coisas acontecerem. Na cidade quando
queremos comer uma salada de tomates vamos ao supermercado e em uma hora a salada
estará temperada na mesa. No ambiente de uma comunidade autossustentável, esta salada
pode demorar três meses pra ser servida. Desde a semente até a colheita. Mas, a partir daí
ela estará sempre disponível em abundância e com certeza terá outro sabor.
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