XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito
29 de outubro à 02 de novembro de 2012
Instituto de Artes / Universidade Estadual Paulista
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CAMINHAR PARTILHADO: A CONTRIBUIÇÅO DAS INCERTEZAS NA
INICIAÇÅO DOCENTE EM ARTES VISUAIS.
Diana Patrícia Medina Pereira
Instituto Federal do Ceará
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/9410331193558808
Gilberto Andrade Machado
Instituto Federal do Ceará
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/3764709459727514
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa no ensino de arte que discute a narrativa e a reflexão da prática
docente em Artes Visuais no Ensino Fundamental. Caracteriza-se como um estudo de caso
realizado numa escola particular em Fortaleza-CE, durante o ano escolar de 2011. A
pesquisa evidencia como o artista/professor/pesquisador se insere no âmbito da docência,
descrevendo inseguranças e incertezas na elaboração de uma metodologia para artes
visuais. Para tanto, invoca-se a postura da prática reflexiva de Schon (2000) e promove a
reinvenção de si enfatizada por Delory-Momberger (2006). O estudo desconstrói o discurso
do vencedor e estimula a narrativa como estratégia investigativa sobre a formação do
professor. Conclui-se que o ponto de vista docente sobre suas práticas e sentimentos
alicerça a formação necessária ao ser professor.
Palavras-chave: prática reflexiva, pesquisa narrativa, artes visuais.
SOMMAIRE
Il s'agit d'une recherche en enseignement de l'art qui traite de la narration et la réflexion de la
pratique d'enseignement en arts visuels dans l'enseignement primaire. Il est caractérisé
comme une étude de cas réalisée dans une école privée à Fortaleza-CE, au cours de
l'année scolaire de 2011. L'étude révèle comment l'artiste/enseignant/chercheur relève de la
profession enseignante, décrivant l'insécurité et des incertitudes dans l'élaboration d'une
méthodologie pour les arts visuels. A cet effet, c’est invoquer la posture de la pratique
réflexive chez Schon (2000) et favoriser la réinvention de lui-même souligné par DeloryMomberger (2006). L'étude déconstruit le discours du gagnant et encourage le récit comme
une stratégie de recherche sur la formation des enseignants. En conclusion Il est observé
que la vue sur leurs pratiques d'enseignement et ses sentiments sont à la base de la
formation d'être un enseignant.
Mots-clés: pratique réflexive, recherche narrative, arts visuels.
Introdução
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“Só sei que nada sei” com esta conhecida citação de Sócrates, inicio este artigo para
evidenciar
um
conhecimento
que
desejo
mas
não
domino.
Ser
artista/educadora/pesquisadora, demanda antes de tudo uma abertura constante de
nossa percepção. Não lido com um conhecimento fechado, comprovado, delimitado,
meu material de trabalho é fluido, sensível e mutável. O que estudo são as artes
visuais, que por si só comporta várias definições. O meu local de trabalho é o
ambiente da sala de aula que é composto por seres humanos em constante
desenvolvimento. O que pesquiso é a relação entre estes dois universos. Antes de
tudo, sei que estou em constante aprendizado e devo permanecer aberta para
aprender, crescer e observar. É dentro desta proposta de formação constante que
compartilho com o leitor minha experiência. Não por serem ótimas experiências, mas
por serem dignas de reflexão e crítica como toda ação.
Esta é uma pesquisa em ensino de artes visuais.
(...) é aquela cuja ênfase está no processo de ensino de arte, seus
fundamentos e as reflexões sobre eles, sua prática e sua reflexão sobre ela.
É o ensino de arte enquanto processualidade do ser, vinculado ao fazer e
ao aprender e ensinar concomitantes, indissociáveis, interagentes e
interativos.(PIMENTEL,2006.p.311)
A autora se baseia nas proposições de Rey (2002) sobre a pesquisa em arte e
pesquisa sobre arte. “Sendo a pesquisa em ensino de artes baseada no processo de
ensino e a pesquisa sobre o ensino de artes baseada na história, na crítica e na
teoria relativas a ela.” Pimentel(2006)
Diante da análise da experiência de um ano letivo com minha prática didática,
enfatizo esta ação como pesquisa em ensino de artes pois trato de temas relevantes
que permearam esta prática.
Partindo de algumas ações que foram registradas em diários de campo desde o
planejamento escolar até as reações dos alunos, passei também a coletar a
produção de desenhos dos alunos com a finalidade de analisá-los e apresentá-los
no final do ano aos mesmos. Fez-se necessário uma revisão completa de minhas
anotações e práticas para a observação destas aulas.
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Este trabalho também é uma atividade auto-biográfica em que o relator participa
parte de sua vida. Partes importantes para a compreensão de outros dados, como
sua formação por exemplo.
(...) a atividade biográfica não é uma atividade episódica e circunstancial
limitada apenas ao relato de vida, mas uma das formas privilegiadas de
atividade mental e reflexiva segundo a qual o ser humano representa-se e
compreende a si mesmo no seio de seu ambiente social e histórico.
(DELORY-MOMBERGER, 2006, p.369)
Relatar minhas experiências na sala de aula constitui uma maneira de trabalhar
dentro do inexperiente, do iniciante, dos erros ocorridos e dos acertos também.
Disponibilizar este processo estabelece uma linha de comunicação com aqueles que
ainda não iniciaram sua prática docente e estão à beira de fazê-lo. Algo que nunca é
fácil e alimenta muitas ansiedades.
A necessidade de compartilhar este assunto é relevante pois, temos muitos temas
de sucesso expostos em artigos, monografias, etc. Porém, poucos trabalhos levam
em conta a importância da reflexão e da posterior adaptação da didática de cada
um, ou mesmo a inexperiência e a dúvida. Segundo Paulo Freire (1996, p.121) “a
humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de
que ninguém é superior a ninguém”. Trabalhar no erro, na tentativa do acerto me
parece tão válido quanto a exposição do sucesso ou até mais, pois errar é humano e
o acerto vem depois de várias tentativas.
Outro eixo importante neste trabalho é saber dividir com o outro a experiência de
forma humilde e humana ou seja partilhar minha caminhada.
Minha esperança é que os procedimentos histórias de vida se multipliquem
afim de que todos aqueles e aquelas que os utilizam e os vivem possam
encontrar, por meio dessa forma particular um novo laço social, um caminho
de humanidade partilhada. Minha convicção é que os procedimentos,
conduzidos com essa intencionalidade, alimentarão pouco a pouco uma
outra maneira de nos religarmos a nós mesmos e aos outros em uma
partilha respeitosa de nossas singularidades, em um diálogo intenso porque
tocam as questões essenciais da existência, na interpelação recíproca de
nossos a priori, de nossos pressupostos, de nossos preconceitos.(JOSSO,
2006, p.383)
Dentro desta perspectiva de dividir nossas experiências na construção de um mundo
mais humano compartilho com Josso sua esperança. O ato de compartilhar também
nossos erros nos fortalece, pois, sabemos que estamos no caminho de um
crescimento feito de acertos e erros.
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Nossa experiência de vida é construída a cada dia. Infelizmente estamos
acostumados numa sociedade mitificada onde vemos apenas sorrisos e sucessos e
nossas inquietações, indecisões, dúvidas, são ‘jogadas para debaixo do tapete’
como forma de melhorar nossa auto-imagem.
É de experiência de vida que estou tratando aqui, então, é bom o leitor estar atento
a todos os elementos que constituem esta formação. O convívio social, a formação
escolar, influências, experiências de trabalho, etc. Todo o nosso universo deve se
abrir à análise para um entendimento melhor de nossas ações.
Esta pesquisa esta formatada como um estudo de caso, pois estou coletando dados
de fatos vividos e acompanhados por mim que também sou pesquisadora. Segundo
Yin(2005) o estudo de caso descritivo permite ao investigador a descrição de
fenômenos contemporâneos dentro de seu contexto real. Elaborando diários,
coletando imagens e perfazendo meu caminho, posso estruturar minha pesquisa
como sendo um estudo de caso de uma narrativa auto-biográfica no ensino de Artes
Visuais.
A caminhada começa.
Já no finalzinho de 2010, fui convidada pela diretora de uma escola particular para
lecionar desenho e pintura, no Ensino Fundamental I. Foi uma oportunidade que
chegava em boa hora, pois estava cheia de vontade de vivenciar o que era dar aula.
Aceitei de prontidão e comecei a me integrar com o local.
O desafio estava lançado; dar aula uma vez por semana, aulas de trinta minutos de
duração. Meus alunos seriam os estudantes da segunda à quinta série. Ficaria com
uma turma do segundo ano com 18 alunos, uma turma do terceiro ano com 25
alunos, uma turma do quarto ano com 16 alunos e duas turmas do quinto ano com
31 alunos no total. O início das aulas estava marcado para o final de janeiro de
2011.
Minha escolha em trabalhar apenas com os alunos do quinto ano nesta pesquisa se
deu logo no início. Pude observar rapidamente que aconteciam muitas coisas nas
aulas e seria difícil observar com critérios mais cuidadosos todos os alunos, então
me dediquei na análise apenas destas turmas, o quinto ano A e o quinto ano B.
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O quinto ano A era composto por dezesseis alunos, sendo oito meninas e oito
meninos. A maioria dos alunos estavam na faixa etária entre os dez e onze anos.
Esta turma contava com uma aluna especial, com a idade um pouco mais avançada
e dificuldades de cognição.
O quinto ano B era composto de quinze alunos, sendo cinco meninas e dez
meninos. A maioria dos alunos estavam na faixa etária entre os dez e onze anos.
Esta turma contava com três alunos especiais que apresentavam dificuldades de
cognição.
É importante relatar aqui como eu era antes de começar a lecionar. Quais eram
minhas experiências e como eu havia me preparado para este momento.
Quando comecei a dar aulas em janeiro de 2011, ainda não havia realizado as
disciplinas de estágio supervisionado necessários para a finalização do curso de
Licenciatura em Artes Visuais pois, ainda estava em formação. Lembro que no início
deste ano, tive dificuldades em encontrar uma escola onde pudesse fazer o estágio.
Este seria o primeiro, numa série de três semestres antes da conclusão do curso de
licenciatura.
Também não havia cursado a disciplina de Metodologia do Ensino de Arte Visuais, o
que me enfraquecia ainda mais.
No primeiro dia de aula já havia preparado sozinha um planejamento completo para
todas as séries de todas as aulas do ano, dia após dia. Minha ansiedade era
tamanha que me levava a aceitar somente que tudo daria certo e ponto final. Mesmo
com planejamento debaixo do braço e o apoio da escola, eu me sentia terrivelmente
só.
A posição de professora nos coloca numa exposição tamanha, o que me causava
grande insegurança. Estar com os alunos requer um domínio que é muito difícil ter
no primeiro dia de aula. O meu primeiro dia como professora foi algo inesquecível.
As crianças pulavam de um lado para o outro e eu não sabia como acalmá-los. Não
conseguia ser ouvida e as aulas daquele dia se passaram como uma tempestade
atrás da outra.
Toda esta insegurança me causou uma certa revolta. Pensar que todas aquelas
aulas de pedagogia se desmanchavam assim nos minutos em que aqueles meninos
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pintavam e bordavam comigo, me causou desespero. Tive a nítida consciência que
nada podia nos preparar para aquele momento. Foi imersa neste sentimento de
frustração que decidi escrever meu dia-a-dia como arte-educadora e transformar
esta revolta em objeto de estudo.
O que me motivou a iniciar uma pesquisa foi a junção de alguns dados que definiam
minha situação no momento de iniciar minhas aulas como arte-educadora. Ser aluna
concludente do primeiro curso de licenciatura em Artes Visuais do estado do Ceará,
nunca ter ministrado aula nenhuma, e ser artista antes de ser educadora. As
perguntas de início desta pesquisa eram: como eu me comportaria estando nesta
situação; quais soluções eu encontraria para me sair o melhor possível naquelas
aulas e como me manteria no centro daquele acontecimento(no caso as aulas de
Artes)?
Escrevendo sobre o vivido
As ações se desenvolveram nesta instituição que está localizada num bairro de
classe média de Fortaleza e trabalha com 30 professores, 36 funcionários, e 180
alunos divididos em 14 séries. A escola trabalha desde a pré-escola, o ensino
fundamental I até o ensino fundamental II e têm uma sala específica para o ensino
de artes plásticas.
A orientação dada pela coordenadora era desenvolver trabalhos voltados à pintura
e ao desenho sem sofrer pressões com datas comemorativas, etc. Sendo assim,
pude desenvolver um conteúdo voltado para as Artes Visuais.
É válido salientar aqui as diretivas curriculares desta escola, que por ser uma
instituição referência na prática transdisciplinar e com aplicações no cotidiano de
atividades que buscam uma aproximação da consciência ecológica para os alunos,
prioriza algumas atividades bem diferenciadas das demais escolas. Como por
exemplo: realização de abaixo-assinados pelos alunos e pais solicitando mudanças
no trânsito local, realização de eventos que buscam a troca de objetos numa postura
contra o consumismo, realização de campanhas de reciclagem ou de economia dos
produtos naturais, etc.
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Apenas ilustro aqui atividades pedagógicas desta instituição, mas não é meu
objetivo discutir ou ampliar os conceitos de transdisciplinaridade, consciência
ecológica, ou militância nas escolas neste trabalho, esclareço os diferenciais desta,
na intenção de especificar melhor ao leitor, o local onde realizei minha prática
didática.
Minha primeira experiência foi uma escultura em papel jornal que aconteceu logo no
início do ano letivo, foi nosso primeiro trabalho e nos ocupou, eu e os alunos, por
dois meses ou sendo mais precisa oito aulas.
O conteúdo desta experiência foi uma escultura de uma gatinho feita em papel
jornal, fita adesiva, coberta com papel absorvente de cozinha e colorido com tinta
guache.
Diante do interesse de todos os alunos pela escultura do gatinho no primeiro dia de
aula, modifiquei todo o meu planejamento e passei a dar o mesmo objeto para todas
as séries.
Este trabalho não foi planejado, aconteceu numa decisão de última hora ou melhor
no primeiro contato com os alunos. Depois de iniciada, comecei a calcular quanto
tempo tomaria. Passamos dois meses para a realização deste primeiro trabalho.
Tomamos mais tempo que o planejado e só pude finalizá-lo depois de adiantar eu
mesma o trabalho de alguns alunos. Ou seja, moldei e esculpi, no papel jornal vários
gatinhos.
Eu prometi que cada um deles poderia ter um gatinho e agora como eu
poderia desistir desta ideia? E mais, o gatinho é um elemento marcante
para se trabalhar a obra de Aldemir Martins; um contexto perfeito para se
trabalhar as cores primárias, meus objetivos no primeiro bimestre. Além da
importância de se trabalhar papel reciclado para demonstrar como criar a
partir do que já temos. (Diário de campo11 de fevereiro de 2011)
No recorte do meu diário de campo acima citado, demonstro minha ansiedade em
inserir vários conteúdos num mesmo objeto e minha preocupação em manter um
nível de diálogo confiável com os alunos.
De qualquer maneira eu havia assumido um compromisso com os alunos de fazer
os gatinhos e isso foi feito. Nossas aulas se seguiram na construção do gatinho.
Muitos alunos o faziam sozinhos mas outros precisavam de ajuda e às vezes de
muita ajuda. Pois não sabiam dimensionar o tamanho do objeto.
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Queria integrar na mesma atividade muitas coisas e esqueci da simplicidade.
Reciclagem, Aldemir Martins, Proposta Triangular, etc.Tudo ao mesmo tempo. Não
parei para ouvir os alunos.
Desempenhando meu papel semanalmente em nossos encontros, minha ansiedade
começou a dar lugar a uma atitude de atenção contínua. Observava os interesses,
as conversas paralelas e conseguia aos poucos me aproximar dos alunos.
No final das oito aulas os gatinhos foram expostos na galeria de artes da escola.
Dentro do calendário anual desta escola existe um espaço para a galeria de artes. É
um evento que ocupa o pátio da entrada da escola e acontece no final de cada
bimestre. O objetivo desta galeria é expor os trabalhos realizados nas aulas
complementares de Artes e artesanato familiarizando a comunidade escolar:
funcionários, professores, alunos e seus familiares com a produção visual dos
discentes.
Reitero que as experiências expostas na pesquisa tratam do vivido em sala de aula
com as turmas do quinto ano, sendo que a primeira experiência aqui comentada
tratou de todas a séries do fundamental I inclusive os alunos do quinto ano.
Escrever sobre estas experiências no formato de diários de campo e depois lê-los e
repensá-los inúmeras vezes, agiu na minha prática didática de forma positiva. Pois;
Ela (a história de vida) se reconstrói a cada uma de suas enunciações e
reconstrói, juntamente com ela, o sentido da história que anuncia. Essa
história por definição não é jamais “finita”, submetida ao perpétuo não
acabamento ou, o que dá no mesmo, circunscrita a um acabamento que
está sempre adiante dela. Delory- Momberger (Op. cit. p.362)
Sendo que a cada vez que relato minhas experiências transformo esta história mais
uma vez, seja acentuando certos episódios ou detalhes, seja omitindo algumas
partes. Fica ao meu critério o que compartilho e como o faço. A partir daí a minha
história começa a tomar forma, uma forma especial que não é definida e finita, mas
sempre em acabamento.
De fato a escrita e a leitura destas experiências me fizeram abrir minha própria
história para análise. Observando as palavras utilizadas os adjetivos empregados
pude ter de forma contínua uma idéia de como andava minha cabeça no início e no
final do ano letivo. Pude observar que a experiência na sala de aula, o conhecimento
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da turma e o tempo me cercaram de refinamento no final desta vivência. E o
interessante é que esta história continua mudando.
Quando estamos imersos no cotidiano, não distinguimos com clareza nossos atos e
apenas fazemos, não temos uma visão global dos mesmos. O distanciamento
favorece esta apreciação, tornando-a mais nítida. Podemos definir alguns momentos
e perceber fatos observando a transformação destes com o passar do tempo. No
caso de escrever ou narrar estas experiências, esta percepção se torna ainda mais
clara. Sobre este aspecto e interessante observar que:
A narrativa realiza, sobre o material indefinido do vivido, um trabalho de
homogeneização, ordenação, de funcionalidade significante; reúne,
organiza e trata de modo temático os acontecimentos da existência; dá
sentido a um vivido multiforme, heterogêneo, polissêmico. (DeloryMomberger,Op. cit. p. 363)
Este sentido organizado pode trazer consigo uma maior apropriação da ação. Um
sentimento de documentação do passado e controle no presente, com a experiência
já vivida servindo de base para um crescimento maior. Ao observar estes diários
convivo por alguns momentos comigo mesmo no passado e no presente. Me
observo antes e me defino no agora. Ordeno meu caminhar de forma a perceber a
conexão entre meus passos. Passo a ligar ações e suas conseqüências de forma
ordenada e clara. Como também salientou Delory- Momberger; “a narrativa é o lugar
onde o indivíduo humano toma forma, onde ele elabora e experimenta a história de
sua vida.”(2006).
A prática reflexiva
Na formação permanente do professor, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que
se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996). Em outros termos temos aqui,
a indicação de uma prática reflexiva constante, assim como deve ser constante a
formação de um professor. “A reflexão sobre cada tentativa e seus resultados
prepara o campo para a próxima”,Schon (2000, p.33). Trabalho com um
conhecimento específico, enquanto arte-educadora, o conhecimento das artes
visuais, que recusa em definitivo qualquer delimitação. Um campo que é aberto às
experiências e vivências de nossa sociedade. Não podendo fechar-se com
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definições formatadas. Um campo
que se refaz sempre
sendo um constante
desafio para o pesquisador.
Ser artista e educadora ao mesmo tempo pode abrir vantagens e encontrar soluções
que não definimos no momento da ação exatamente, mas nos acompanha. Dentro
de uma prática como artista, encontramos soluções constantemente para
acontecimentos inesperados dentro de cada experiência. A mesma postura é
demandada em sala de aula enquanto educadora. Segundo Schon (Op. cit. p.32)
existe esta reflexão na ação que só podemos observar com um certo
distanciamento. “Podemos refletir sobre a ação, pensando retrospectivamente sobre
o que fizemos, de modo a descobrir como nosso ato de conhecer-na-ação pode ter
contribuído para um resultado inesperado”. Mesmo certos de nosso planejamento
podemos nos surpreender com a demanda de adaptações múltiplas, sejam por
questões materiais ou pessoais, devemos ter conosco sempre a disposição de
adaptação nos diferentes casos.
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(FREIRE,Opus cit p. 23). O ensino é algo em processo assim como o aprendizado.
Como um caminho que se faz ao caminhar, não temos a imagem fechada de um
objeto já definido deste processo, pois, ele é continuamente metamorfoseado e tudo
começa ao entrar na sala de aula, quando começamos a conhecer nossa turma e
ela a nos conhecer. O conteúdo é uma ponte que nos interliga aos alunos, muitos
assuntos se fazem durante as aulas e dentro destes assuntos passamos a conhecer
uns aos outros. “As qualidades e virtudes são construídas por nós, no esforço que
nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos”
(FREIRE, Opus cit, p.65). Estamos em constante construção de nós mesmos,
nossas crenças podem se desfazer ou fortificar a cada novo dia. Tenho consciência
do aprimoramento diário, na busca de um fazer pertinente com minha teoria. O ato
de ensinar nos faz esta observação a cada mensagem passada. Será isso
realmente verdade? Acredito no que digo? São questionamentos que nos reafirmam
ou nos fazem repensar nossas crenças. Nada melhor do que educar, para se lançar
neste aprimoramento diário.
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“A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo de
busca”.(FREIRE,Opus cit p.142). Temos muitos caminhos a serem vencidos, etapas
a serem cumpridas no nosso próprio processo criativo, que levantam questões tão
interessantes ou mais, quanto o resultado final. É a mesma coisa no ensino das
Artes Visuais, onde podemos observar este mesmo caminho, sendo o processo
mais importante que o resultado final. As trocas, os diálogos durante as aulas nos
fazem refletir de forma natural sobre muitos temas incluindo nossa real capacidade
de criar é o que pude observar durante minhas conversas com meus alunos.
Considerações finais
Toda caminhada têm seu primeiro passo. Meu percurso no magistério iniciou-se de
forma analisada, esmiuçada, estudada. Obtive com a experiência de me ter como
objeto de estudo, um olhar menos crítico. O que parece contraditório, mas não o é. A
excelência na sala de aula para um professor é diretamente proporcional ao seu
tempo de experiência, o entrosamento com os alunos e o aprofundamento com o
conteúdo, todos estes elementos não são conquistados de forma instantânea. Para
me sentir confiante hoje, tive que assumir meus erros e meus acertos, ouvir meus
alunos, e confiar no tempo. A crítica ainda existe é claro, mas de forma mais amena,
aceitando a dúvida de forma positiva. Pois sei que, com minha paixão de artista
posso influenciar meus alunos, com minha atenção como educadora posso ensinar
e aprender com eles e com minha experiência como pesquisadora, posso transitar
entre estes dois universos o da arte e o da sala de aula, com a mente curiosa e
aberta, disposta a aprender sempre.
Bibliografia
DELORY-MOMBERGER, Christine. Formação e socialização: Os ateliês biográficos de
projeto. Revista Pesquisa e Educação. São Paulo: USP,2006.
DUARTE, João Francisco. Porque arte-educação?. 6 ed.Campinas-SP: Papirus,1991.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. – São
Paulo: Paz e. Terra, 1996.
JOSSO, Marie Christine. As figuras de ligação nos relatos de formação: Ligações
formadoras, deformadoras e transformadoras. Revista Pesquisa e Educação,São Paulo:
USP, 2006.
REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes. acessado em
30/04/2012 disponível em: http://www.grupogaia.art.br/Sandra%20Rey%20%20Por%20uma%20abordagem%20metodolgica%20da%20pesquisa%20em%20Artes%20
Visuais.pdf.
SCHON, Donald. Educando o profissional reflexivo, um novo design para o ensino e
aprendizagem. Ed Artmed.Porto Alegre, 2000.
YIN, Robert K. Estudo de caso. Planejamentos e Métodos. 3º Ed. Porto Alegre: Bookman,
2005.
Autores
Diana Patrícia Medina Pereira
Licencianda em Artes Visuais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará. Atua como arte-educadora no ensino formal. Artista plástica, ilustradora, performer.
Pesquisa intervenção urbana e utiliza-se do grafite e da performance como linguagens para
o seu desenvolvimento poético visual.
Gilberto Andrade Machado
Professor da Licenciatura em Artes Visuais do Instituto Federal do Ceará, campus Fortaleza.
Doutor em Educação Brasileira (UFC) coordena o subprojeto Artes Visuais do PIBID/IFCE.
Lider do IRIS – Grupo de Estudos da Formação de Professores de Artes Visuais
investigando Práticas Educativas e Narrativas de ensinar/aprender Artes Visuais.
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