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LAZER E EDUCAÇÃO POR MEIO DE ATIVIDADES DE AVENTURA NA
NATUREZA
Newton Norio Nabeta – Mestrando Ed. Física - UNIMEP/ GPL1
Tânia Mara Vieira Sampaio – Doutora e Docente Mestrado Ed. Física –
UNIMEP/ GPL/CNPq2
RESUMO
Esse trabalho de revisão bibliográfica pretende colaborar em entendimentos das
atividades de aventura na natureza como conteúdos do lazer e da educação. Nesse
sentido, apresenta-se um conjunto de conceituações e princípios que unem lazer e
educação como propostas de trabalho de domínio da educação física. Apresentam
igualmente o conjunto das atividades de aventura como fenômeno do lazer, e seu
potencial como vivência educacional. É fundamental que a educação física direcione
seu olhar para o tema, revendo e ampliando seus conteúdos para realização de
trabalho efetivo e autônomo, aplicando conhecimentos de sua competência em prol,
não só de um aumento de visibilidade e credibilidade da área, mas também, de uma
atuação sócio-ambiental mais responsável. Uma forma de mostrar as inter-relações
dos seres vivos e o meio ambiente ao indivíduo e de sensibilizá-lo é indo até eles. É
“senti-los na pele”, fisicamente, em contatos de primeiro grau. Através das atividades
de aventura na natureza, aonde, pelo convívio com outros seres vivos e em
ambientes naturais, cria-se o afeto e, conseqüente, respeito a si próprio, aos outros
seres vivos e ao nosso mundo.
PALAVRAS-CHAVE: Lazer, educação, aventura na natureza.
INTRODUÇÃO
O meio ambiente natural é grande e oportuno equipamento polivalente de
lazer. No entanto, o profissional de educação física, de modo geral, permanece
despreparado desde sua formação para atuar nesse âmbito e acaba por desmerecer
ou diminuir o meio ambiente natural como equipamento de lazer. Muitas vezes o
profissional, movido pelo modismo, reduz este espaço a um cenário para o consumo
hedonista, conformista e depredatório dos denominados esportes de aventura,
recreação-produto, vendidos em “pacotes”. Esta abordagem não é privilégio da área
de atuação da Educação Física, mas está presente na sociedade como um todo, a
qual desconhece, além do potencial educacional do meio ambiente intocado, o real
valor intrínseco das áreas naturais protegidas.
Sugerimos o meio ambiente natural e suas qualidades e imagens, tanto reais
quanto evocadas – paisagens, biodiversidade, risco, aventura, entre outras –, como
sendo inigualável espaço de lazer como educação, assistemática e informal. As
atividades nele realizadas serão realmente educacionais somente quando bem
planejadas e conduzidas, por profissionais preparados e competentes,
proporcionando a vivência criadora de novas formas do ser humano agir e interagir
com o mundo. Sugerimos, enfim, a afetividade para essa nova relação ser humano/
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meio ambiente. Afetividade criada, entre outras, através da contemplação,
apropriação, experienciação, reflexão, interiorização, tomada de consciência,
emancipação e transcendência.
OBJETIVO:
• discutir novas propostas a serem desenvolvidas nesse grande equipamento, e,
antes de tudo, patrimônio de valor incalculável a ser preservado;
• assimilar a educação como prioridade, mas realizada de forma prazerosa,
espontânea, desinteressada por meio do lazer;.
• Identificar as atividades de lazer denominadas físico-esportivas, por ser área de
domínio da educação física que podem ser realizadas;
• desenvolver, expandir e valorizar a atuação do profissional de educação física
nesse espaço, enquanto proposta educativa.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
Este trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica realizada nos sistemas de
bibliotecas da UNIMEP e UNESP, as quais contêm obras significativamente
importantes e atuais sobre a temática, e tendo como técnica o levantamento
bibliográfico utilizando temas chave (lazer, natureza, meio ambiente, educação ao ar
livre, entre outras), sendo realizadas as análises: textual, temática e interpretativa,
acerca da temática em foco. (LÜCKE & ANDRÉ, 1986)
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
O lazer muitas vezes é (con)fundido e reduzido a sinônimo de recreação, e
essa entendida apenas como “tarefas” e “gincanas”. Outras vezes o lazer é tido
como “algo não merecedor de seriedade”, de atenção por parte da sociedade. E,
como se sua má interpretação já não fosse o bastante o lazer é transformado em
produto e uma ferramenta a mais para o controle e a manutenção da ordem vigente.
Devemos superar definições simplistas e domínios de má fé. E entender o
lazer como uma das características do comportamento humano. E, como tal, deve
ser considerado fenômeno relevante do e para o desenvolvimento do ser humano, e,
conseqüentemente, do mundo no qual estamos inseridos. O lazer é uma esfera da
vivência fundamental, um direito inalienável que promove a dignidade humana e o
desenvolvimento pessoal e social. Segundo Nelson Carvalho Marcellino (2002), esse
desenvolvimento é uma das importantes contribuições do lazer - ao lado do
descanso e do divertimento -, porém, não lhe é dado a relevância devida, talvez
porque o entendimento do aspecto “desenvolvimento” do qual falamos seja menos
corriqueiro, em comparação aos demais.
Trata-se do desenvolvimento pessoal e social que o
lazer enseja. No teatro, no turismo, na festa, etc., estão
presentes
oportunidades
privilegiadas,
porque
espontâneas, de tomada de contato, percepção e
reflexão sobre as pessoas e as realidades nas quais
estão inseridas.(...) A possibilidade de escolha das
atividades e o caráter “desinteressado” de sua prática
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são características básicas do lazer. (MARCELLINO,
2002, p. 14).
Precisamos hoje, num esforço de ação, transpor o discurso e torná-lo
aplicação, propondo possibilidades reais, executáveis , de contribuição do lazer na
perspectiva de desenvolvimento, visando a contribuição para a formação de um s er
humano integral, crítico e criativo. Capaz de participar intelectual e culturalmente da
vida em família, no bairro, no país, no planeta. Vivenciando e gerando valores
questionadores da ordem social vigente e imposições, e que prepare mudanças na
sociedade como um todo.
A vivência de valores de uma sociedade onde impera o
sistema produtivo, transforma a vida das pessoas em
uma eterna busca por superação de forma
individualista.
A
lógica
de
desenvolvimento
desenfreado e de consumo exacerbado domina as
atitudes do ser humano. O lazer, longe de ser “uma
tábua de salvação” (...), pode contribuir para uma
inversão de tais valores. Alguns valores vividos no
lazer podem vir a transformar as atitudes adotadas na
vida de cada um e na vida da sociedade. (BAHIA,
2005, p. 40).
Este lazer, denotado por Mirleide Chaar Bahia (2005), em contraposição aos
valores do sistema produtivo atual, nos leva, naturalmente, a pensar em educação.
Em processos educativos realizados – diferentemente da atual educação tradicional
sistemática imposta para e pelas nossas escolas –, de forma fruída e prazerosa
(MARCELLINO, 2003). Os quais busquem não o controle, mas a emancipação do
indivíduo. Nas palavras de Tânia Mara Vieira Sampaio (2006), “uma educação que
se dê por meio da vivência consciente do lazer compreendendo outros valores que
não sejam os de mercado e rompendo com essa lógica hegemônica”.
Marcellino (2003) atenta para o duplo processo educativo do lazer. O autor
nos fala sobre o lazer como veículo privilegiado de educação; e lazer como objeto de
educação:
Para a prática das atividades de lazer é necessário o
aprendizado, o estímulo, a iniciação aos conteúdos
culturais, que possibilitem a passagem de níveis
menos elaborados, simples, para níveis mais
elaborados, complexos, procurando superar o
conformismo, pela criticidade e pela criatividade.
(MARCELLINO, 2003, p. 50)
Essa educação deve ser entendida, então, como processo amplo e
progressivo de transmissão e aquisição de conhecimentos e valores, de consciência
pessoal - passagem do estágio conformista para o crítico-criativo (MARCELLINO,
2003) - e sócio-ambiental - interiorização de valores, compromisso e
responsabilidade para consigo mesmo, com a sociedade e o meio ambiente. Deve
possibilitar ao indivíduo desenvolver por si mesmo, soluções eticamente positivas em
resposta às mudanças no ambiente. Faz-se assim a mudança na ordem vigente,
entendendo, enfim, a educação como instrumento de contra-hegemonia.
Michel Serres (1991) também fala de mudanças pela educação. Que cria e
reforça um ser prudente, que se julgue finito. Esse ‘novo ser humano’ moldado por
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tal educação será
‘experto’
nos
conhecimentos,
formais
ou
experimentais, versado nas ciências naturais, do inerte
e do vivo, à parte das ciências sociais de verdades
mais críticas que orgânicas e de informação banal e
não rara, preferindo as ações aos relatórios, a
experiência humana às enquetes e aos dossiês,
viajante por natureza e socialmente (...) enfim,
sobretudo ardente de amor para com a Terra e a
humanidade. (SERRES, 1991, p. 109)
Segundo Célia Serrano (2000) “procurar a natureza para lazer, descanso e
relaxamento seja através da contemplação, seja através da "adrenalina”, não deve
servir para que esqueçamos o humano que marca nosso cotidiano, mas para que
reflitamos sobre ele”. Essa reflexão tem maiores chances de se concretizar através de
adequado direcionamento promovido por profissionais como os animadores sócioculturais, que atuam no ambiente natural.
Propostas estão sendo colocadas em prática. A natureza é grande
equipamento de lazer e conveniente “sala de aula”. Nela são aprendidas lições que
se fixam no indivíduo por toda sua vida. No Brasil, ações parecem engatinhar, ou
tomam caminhos difusos, não muito claros nem como processo nem quais seus
verdadeiros objetivos.
Já em âmbito mundial, muitas intervenções são identificadas. Lá fora como no
Brasil, não há um currículo específico para se atuar nesses contextos. Porém, no
exterior, áreas de conhecimento como biologia, geologia, comunicação, história,
ciências políticas e sociais, e educação física, entre outras, interagem de forma a
potencializar o caráter educativo inerente ao contato com o meio ambiente natural. A
competência tanto das propostas quanto dos profissionais atuantes - esses, então,
advindos das mais diversas áreas específicas, inclusive e em grande parcela, da
educação física - parece estar diretamente relacionada com os graus de domínio,
integração e direcionamento desses conhecimentos. Qualitativos e quantitativos. A
educação física brasileira deve abrir novos olhares e capacitar seus profissionais
para atuarem nesse segmento de forma efetiva, ampla e autônoma.
Dentre várias aplicações ou denominações de intervenção – mais que
propriamente definições - adaptadas à língua portuguesa, as que ganharam mais
força são educação ambiental, esportes de aventura e ecoturismo. E dentro dessas –
que, em nossa visão, são essencialmente físico-esportivas –, várias outras foram
inseridas, como, por exemplo, interpretação ambiental ou trilhas interpretativas,
acampamentos de férias e turismo de aventura. A essas, podemos acrescentar
outras as quais não tiveram, digamos, tanta divulgação, mas que vem ganhando
atenção no Brasil, pois possuidoras de fundamentação teórica e de princípios, assim
como de metodologias e práticas atraentes. Citamos como exemplos, a educação ao
ar livre; educação pela aventura; e educação experiencial. Perceba como a ação é
sempre a mesma, ou seja, educação. Adjetivada com lazer no meio ambiente
natural: ar livre, aventura e experiência.
As atividades de aventura na natureza devem superar suas realidades de
meros ‘produtos a serem consumidos’. Aqui, essas atividades são consideradas
veículos valiosos, meios e não fins em si mesmas. Processos educacionais
emocionantes, prazerosos, de livre escolha e carregados de afetividade, que
acarretam em mudanças profundas.
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Joseph Cornell não se cansa de dizer que o principal
ingrediente para uma efetiva conservação dos espaços
naturais é a afetividade. Temos informações suficientes
sobre o estado atual do ambiente no mundo, sobre as
catástrofes naturais, sobre os impactos das atividades
humanas, sobre os limites do crescimento econômico,
etc. Se o conhecimento fosse suficiente, já teríamos há
muito tempo interrompido esse processo agressivo de
destruição para manter um modo de vida insustentável.
Mesmo valorizando a criatividade, nesse universo
competitivo de hoje, não conseguimos sair do círculo
vicioso em que fomos nos envolvendo há séculos.
Portanto, informações, conhecimento, ainda que
absolutamente necessários, são insuficientes para
engendrar processos de efetiva transformação na
organização social e formas de se relacionar com o
mundo. Um equilíbrio entre a razão e o sentimento é
fundamental para um entendimento mais amplo da
natureza. (MENDONÇA, 2000, p.137)
Excursionismo, caminhada, ciclismo, montanhismo e escalada, canoagem,
mergulho e toda a sorte de movimentos físico-esportivos próximos e correlacionados
a esses, são possíveis no meio ambiente natural, na perspectiva de lazer e
educação, algo que o profissional de Educação Física pode contribuir. As múltiplas
atividades de aventura na natureza são contatos diretos e ativos do ser humano com
o meio natural, que agregam um forte caráter emocional à relação.
Emoções proporcionadas e amplificadas por fatores reais ou percebidos.
Muitos desses, encontrados raramente fora desse tipo de integração: a aventura, o
risco, o desejo de auto-superação, de auto-conhecimento, a contemplação, a
reflexão. Bem conduzidas tais experiências sensíveis e emocionalmente ricas podem
potencialmente incutir no indivíduo, simultaneamente ao desenvolvimento de um
caráter crítico-criativo, uma conduta sócio-ambiental mais responsável.
Considerações finais
A realização da educação física brasileira como atividades de aventura na
natureza, seja na expressão de lazer e educação, tem marcas não só de indiferença
da área por esse segmento, mas também pela apropriação e subjugo de seus
domínios por parte de outros setores atuantes no meio ambiente natural.
Atualmente, de forma geral, as atividades físico-esportivas de aventura são
realizadas como fim em si mesmas. As vezes mal conduzidas, são reduzidas a bens
hedonistas consumíveis. Desperdiçadas como potencial educacional, podem manter
o conformismo de seus praticantes e depredar ainda mais o meio ambiente natural.
A educação física tem um grande potencial para mudar essa realidade,
revendo e ampliando seus conteúdos para, efetiva e autonomamente, realizar a
educação para e pelo lazer através de atividades de aventura. Todos esses
conhecimentos são de sua competência, o que a compromete fortemente com a
mudança dessa realidade.
Precisamos avançar na discussão da educação física como proposta
educacional emancipadora, que amplia a auto-compreensão do indivíduo e de suas
relações com o mundo em que vive. Acreditamos que através da realização da
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educação física, como atividades de aventura na natureza, geradora de emoções e
afloramento de sensibilidades e a oportunidade que essas trazem, de convívio direto
com outros seres vivos e em ambientes naturais, cria-se o afeto. Cria-se fascínio,
amor e respeito a si próprio, aos seus semelhantes, a todos os seres vivos e ao
nosso mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAHIA, Mirleide Chaar. Lazer – meio ambiente: em busca das atitudes
vivenciadas nos esportes de aventura. Piracicaba, SP: Universidade Metodista de
Piracicaba (UNIMEP), 2005. (dissertação de mestrado)
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. A. Pesquisa em Educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. 3ª ed.
Campinas-SP: Autores Associados, 2002.
_____________________. Lazer e educação. 10ª ed. Campinas, SP: Papirus,
2003.
MENDONÇA, Rita. A experiência na natureza segundo Joseph Cornell. In:
SERRANO, Célia (org.) A educação pelas pedras: ecoturismo e educação
ambiental. São Paulo: Chronos, 2000.
SAMPAIO, Tânia Mara Vieira. Educação física, lazer e meio ambiente: desafios da
relação ser humano e ecossistema. In: DE MARCO, Ademir (org.) Educação física:
cultura e sociedade. Campinas: Papirus, 2006.
SERRANO, Célia (org.) A educação pelas pedras: ecoturismo e educação
ambiental. São Paulo: Chronos, 2000.
SERRES, Michel. O Contrato Natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
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