A leitura e a produção textual na Cibercultura:
Reflexões acerca da possível contribuição do blog no
ensino e aprendizagem da língua materna
Gislaine Gracia Magnabosco1 (PG‐UEM)
Resumo:
Tendo em vista que, com o advento da cibercultura (LEVY, 1999) e de seus
gêneros digitais, mudanças ocorreram tanto na escrita (internetês, uso em
conjunto de várias semioses) quanto na leitura destes gêneros (mais
superficial (ALMEIDA, 2008), com mais facilidade de dispersão (MARCUSCHI,
2005)); o presente trabalho visa verificar como o blog, sendo um
hipergênero constelar (MAGNABOSCO, 2010), pode contribuir para o ensino
e aprendizagem da língua materna, mais especificamente, para o
desenvolvimento, no educando, de uma postura crítica frente ao ato de ler
e escrever.
Palavras‐chave: blog, escrita, leitura.
Abstract:
Considering that, with the advent of the cyber culture (LEVY, 1999) and its
digital genders, changes occurred in writing (internetês, the combined use
of several semiotic) and also in the reading of these genders (more
superficial (ALMEIDA, 2008 ) with more ease of dispersion (MARCUSCHI,
2005)); this study aims to verify how the blog, being an hipergênero
constelar (MAGNABOSCO, 2010), may contribute to the teaching and
learning of a maternal language, more specifically, for the development in
the educating, of a critical stance against the act of reading and writing.
Keywords: blog, writing, reading.
Introdução
Com o advento da Internet e de seus gêneros digitais, observou‐se a
construção de uma nova forma de comunicação: a comunicação digital e/ou
virtual.
Essa nova modalidade de interação acabou por modificar não só a forma
como passamos a ler (mais superficialmente (ALMEIDA, 2008) e, assim, com
maior probabilidade de incompreensão (SILVA, 2008) e dispersão (MARCUSCHI,
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐1‐
2005)); mas também a maneira pela qual interagimos: utilizamos muito mais a
escrita para nos comunicarmos do que antigamente e, dependendo do gênero
utilizado, essa escrita se afasta muito da norma padrão. Além disso, agora,
qualquer um, conectado à Internet, pode ter acesso a inúmeras informações e,
também, divulgar seus próprios textos.
Essas transformações, somadas ao grande uso das tecnologias no nosso dia
a dia, evidenciam a grande necessidade da participação da escola e,
principalmente, do professor nesse novo horizonte social, técnico e cultural já
em curso.
O crescente aumento na utilização das novas ferramentas tecnológicas
(computador, Internet, etc.) na vida social tem exigido dos cidadãos a
aprendizagem de comportamentos e raciocínios específicos. (...) [os
indivíduos, agora, necessitam dominar] um conjunto de informações e
habilidades mentais que devem ser trabalhados com urgência pelas
instituições de ensino, a fim de capacitar o mais rápido possível os
alunos a viverem como verdadeiros cidadãos neste novo milênio cada
vez mais cercado por máquinas eletrônicas e digitais. (XAVIER, 2010
online, p.01).
Nesse sentido, Reis (2009, p.100) lembra que “a escola, como instituição
de difusão de saberes e uma das responsáveis para a preparação do homem para
a vida em sociedade, não pode caminhar à margem da evolução tecnológica,
nem ignorar as transformações ocorridas na sociedade”; isto porque, na atual
sociedade do conhecimento, é imprescindível que nossos alunos (futuros
cidadãos) tenham a competência crítica necessária para compreenderem o
panorama comunicacional e informacional contemporâneo.
Assim, é preciso capacitar nossos alunos a olhar e utilizar mais critica e
seletivamente o universo digital, ou seja, é preciso letrar digitalmente (XAVIER,
2010 online, p.01) essa nova geração de aprendizes já que “os suportes digitais,
as redes, os hipertextos são, a partir de agora, as tecnologias intelectuais que a
humanidade passará a utilizar para aprender, gerar informação, ler, interpretar
a realidade e transformá‐la” (RAMAL, 2002, p.14).
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐2‐
O letramento digital
Pelo exposto observou‐se que o novo espaço de leitura e escrita que nasce
com a Internet e seus gêneros digitais promove não só “novas formas de acesso à
informação, [mas também] novos processos cognitivos, novas formas de
conhecimento, novas maneiras de ler e escrever, enfim, um novo espaço de
letramento” (AMARAL; AMARAL, 2008, p.18).
Para Soares (2002) o termo letramento pode ser definido como “estado ou
condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que
desempenham, efetivamente, as práticas de leitura e de escrita, e participam de
forma competente dos eventos de letramento” (idem, p.144). Desta forma, um
indivíduo plenamente letrado seria aquele que conseguisse “enxergar além dos
limites do código, [fazendo] relações com informações fora do texto falado ou
escrito, [vinculando‐as] à sua realidade histórica, social e política” (XAVIER, 2010
online, p.02).
Nesse sentido, para Lima e Lima‐Neto (2009, p. 48), todas as questões que
envolvem o
letramento abrangem, necessariamente, questões culturais
e
contextuais específicas, e, assim, efeitos sociais, cognitivos e discursivos distintos.
É por isso que para Barton (apud XAVIER, 2010 online, p.02) o letramento, antes de
constituir um conjunto de habilidades intelectuais, é uma prática cultural, sócio e
historicamente estabelecida.
Destarte, ao transpormos essas reflexões para a atual Cibercultura (LEVY,
1999), na qual o homem é chamado a ler e escrever utilizando‐se das mais diversas
tecnologias existentes e na qual as práticas de leitura e escrita passam a incluir
representações gráficas, visuais e sonoras; observamos que novas exigências são
solicitadas aos sujeitos: agora, faz‐se necessário que estes sejam capazes de
construir significado a partir de diferentes fontes (textos, gráficos, imagens, sons);
conseguindo avaliar e analisar criticamente uma informação ‐ incluindo as questões
da variedade social e cultural, bem como de autoria, credibilidade e utilidade;
tendo, ainda, a habilidade de trabalhar em grupo, solucionando, rapidamente, os
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐3‐
problemas encontrados e compartilhando tal resolução; sendo capazes de aprender
a aprender nessa sociedade de constantes mudanças e descobertas tecnológicas
(TAVARES, 2009).
Observa‐se, de tal modo, que um novo letramento é exigido: o letramento
digital e, neste sentido, uma maior participação da escola para a promoção desse
letramento. Assim, a escola passa a possuir o grande desafio de realizar uma
formação humana mais compatível com a cena pós‐moderna: a preparação de uma
geração autônoma na construção de seu próprio conhecimento, capaz de, não só
personalizar suas estratégias de aprendizagem, como, também, analisar e produzir
diversos textos “com um senso forte de ceticismo instruído” (SNYDER, 2009, p.44).
As tecnologias digitais no ensino: a constituição de uma “nova”
forma de ensinar e aprender
Viu‐se que a promoção do letramento digital está, em grande parte,
relacionada a uma maior participação da escola e, consequentemente, a uma nova
postura dos professores.
Para Lévy (1999) o educador, na era da cibercultura, precisa estimular a troca
de conhecimentos entre os alunos, desenvolvendo estratégias metodológicas que os
levem a construir um aprendizado contínuo, de forma autônoma e integrada,
habilitando‐os para a utilização crítica das tecnologias.
Neste sentido, Xavier (2010, online) comenta que um ensino que contempla o
uso das tecnologias de comunicação e informação pode promover uma nova forma
de aprender, “mais dinâmica, participativa, descentralizada e pautada na
independência, na autonomia, nas necessidades e nos interesses imediatos de cada
um dos aprendizes que são usuários frequentes das tecnologias de comunicação
digital” (idem, p.03).
Desta forma, para o autor, o uso (ou o não uso) das tecnologias no ensino
conseguiria promover duas formas de aprender: uma “velha” que se centraria no
professor, na absorção passiva, no trabalho individual, em um ensino estático, no
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐4‐
qual o professor ‘sabe‐tudo’ e o aprendizado é predeterminado; e outra “nova”, na
qual as tecnologias seriam utilizadas visando um ensino mais dinâmico, centrado
nos alunos, que, muito mais motivados, participariam ativamente na construção do
seu conhecimento, sendo o professor um articulador, auxiliando os alunos a
aprenderem a aprender e a trabalharem coletivamente.
Observa‐se que a “nova” forma de aprender possibilita uma modificação não
só no papel do aluno (mais autônomo, responsável e participativo em sua
educação), como também no papel do professor (orientador e facilitador do
processo de ensino e aprendizagem), ocorrendo uma valorização tanto do
letramento tradicional quanto do letramento digital, uma vez que tais tecnologias
seriam associadas ao método tradicional servindo de ferramenta de ensino e/ou
apoio metodológico e pedagógico para a promoção de um ensino e aprendizagem
mais contextualizados e adequados às mudanças do mundo e, assim, às
competências necessárias para a Cibercultura.
Desta forma, podemos dizer que, ao munirmos nossa prática pedagógica com
as tecnologias digitais, estaremos não só adequando o ensino às novas exigências
da sociedade, como também nos voltando para a promoção de um ensino que
valoriza e favorece a participação ativa dos alunos (sujeitos de sua aprendizagem,
em conformidade, então, com os pressupostos teóricos do sócio‐interacionismo), e,
igualmente, para a realização de uma aprendizagem significativa (tal qual
postulado por Ausubel (apud MARTIN;SOLE, 2004)).
O computador e a Internet já fazem parte do capital cultural (BOURDIEU,
2001) da maioria de nossos alunos, daí acreditarmos que esse professor
está a partir do contexto cultural desse aluno, criando possibilidades para
sua própria produção ou a sua construção do conhecimento, além de
permitir ao que ainda não tem acesso à cultura digital, a possibilidade de
apropriar‐se desse novo saber. (REIS, 2009, p.104).
Logo, o uso das tecnologias de informação e comunicação no ensino, além de
enriquecer
metodologicamente
nossas
aulas,
pode
resgatar
e
valorizar
conhecimentos e habilidades que os alunos já possuem servindo, então, de ponte
para a aquisição de novos conteúdos (por meio de um ensino e uma aprendizagem
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐5‐
mais contextualizados e, desta forma, mais significativos), possibilitando, ainda,
um trabalho pedagógico voltado para a reflexão acerca de tais tecnologias e de
suas práticas discursivas.
O ensino mediado pelas novas tecnologias: a contribuição do
hipergênero constelar blog .
Com o advento da Internet, muitas ferramentas de comunicação surgiram.
Neste trabalho nos focaremos nos gêneros digitais, mais particularmente, no blog.
Assim, antes de comentar acerca da possível contribuição do blog para o ensino e
aprendizagem da língua materna e, igualmente, para a consolidação do letramento
digital, conceituaremos o blog.
Em um trabalho anterior (MAGNABOSCO, 2010), buscamos mostrar que a
heterogeneidade conceitual do blog (ora visto como diário online ora como suporte
textual) não consegue contemplar as práticas da blogosfera. Assim, após uma longa
explanação, optamos por conceituar o blog como um hipergênero.
Ao conceituarmos o blog como um hipergênero, o entendemos como um
gênero virtual ou digital que, por alocar‐se em um software
hipermidiático, se configura como um gênero híbrido, formado pela junção
(sobreposição) de outros gêneros (materializados ora explicita ora
implicitamente por meio de links) que convergiriam, coerentemente, para
sua constituição formal, funcional e interacional. Neste sentido,
entendemos que o blog seja formado a partir: 1) do post inicial (que por
sua vez traria uma diversidade de gêneros: depoimentos, desabafos,
contos, comentários, reportagem, entre outros); 2) dos links dos
comentários (que, também, podem trazer uma diversidade de gêneros:
debate, discussão, conversa, opinião); 3) dos links que levam a outros
sítios (como ao perfil do (a) mantenedor (a) do blog; a links patrocinados,
ao blogroll, aos posts anteriores, links para contato, links de imagens
(animações, vídeos), entre outros); que, se conectariam, para formar um
único gênero. (MAGNABOSCO, 2010, p.07)
Além disso, dada a heterogeneidade de blogs existentes que, mesmo
divergindo em relação às temáticas e interesses, mantêm traços estáveis que
permitem irmaná‐los (como, por exemplo, a estrutura composicional, seu contexto
de uso, a escrita mais subjetiva e menos monitorada, o compartilhar de pontos de
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vistas, a interação por meio de links, entre outros), consideramos que o blog seja
um hipergênero organizado em constelação.
Araújo (2010) utiliza esse termo para analisar os chats da web. Para ele, um
gênero organizado em constelação, seria um gênero maior (‘gênero mãe’) a partir
do qual outros ‘gravitariam’. Assim, embora divergissem em suas respectivas
funções sociais, esses gêneros seriam cognatos, uma vez que trariam marcas do
‘gênero mãe’, o que os tornariam membros de uma mesma constelação genérica,
entendendo por constelação
um conjunto de gêneros que são irmanados pela relação genérica que
existe entre eles, ou seja, todos pertencem à mesma família e, por isso,
são variedades de um único gênero que, por ser complexo, atende a
propósitos comunicativos distintos. (...) O fato de serem membros de uma
constelação, no entanto, não tornam homogêneos esses gêneros. Cada um
possui seu ‘brilho’ próprio e atende a uma função social distinta. (ARAUJO,
2010, p.04)
Observa‐se, assim, que, por ser um hipergênero constelar, o blog, no que
concerne ao ensino e a aprendizagem da língua materna, permite não só um
contato real com as práticas discursivas (é um dos locais onde a língua
efetivamente é empregada), como também possibilita, por meio da comparação
textual dos inúmeros blogs existentes, a realização de um trabalho que priorize a
conscientização acerca dos elementos que interferem na produção de um texto: as
formas de circulação, os contextos de produção (vinculados ou não com instâncias
discursivas
‐
midiáticas,
educacionais,
políticas,
religiosas),
as
intenções
comunicativas, o interlocutor, a própria temática do blog (que pode interferir e
condicionar a utilização de determinada variedade linguística e de determinado
gênero e tipologia textual), as questões de autoria (validade de determinada
informação, questões acerca do plágio), entre outras.
O blog permite, assim, um contato rico com a linguagem, possibilitando a
imersão dos alunos em tal universo não só como consumidores de informações, mas
também, e principalmente, como produtores e pensadores das práticas discursivas.
Nesta perspectiva, o blog se torna uma importante ferramenta de reflexão e
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐7‐
pesquisa textual sendo, igualmente, uma importante ferramenta auxiliar nas
produções textuais, já que, além de sua confecção e publicação serem gratuitas,
há a ampliação do público leitor dos alunos, trazendo para o cenário da escrita um
destinatário real – não mais, apenas, o leitor‐avaliador (professor).
Modifica‐se, então, um quadro usual da escola: os alunos, que muitas vezes
vêem o livro didático como o único modelo de escrita e de leitura, não lendo,
muitas vezes, outros gêneros fora da escola e, ainda, simulando, constantemente,
um
interlocutor
para
suas
produções
(o
que
acaba
por
gerar
textos
descontextualizados e repletos de clichês, sem um real posicionamento do produtor
já que este vê a escrita como algo utilizado, unicamente, para e na escola com
vistas à obtenção de uma nota); acabam, agora, com a utilização do blog, lendo
outras produções além das vinculadas ao livro didático e à escola e, ainda, se
tornam, realmente, produtores textuais.
Neste
sentido,
observa‐se
que
o
blog
pode
ser
uma
ferramenta
potencializadora para o ensino: além de ser algo que atrai os alunos (usuários das
tecnologias fora dos espaços escolares), com a utilização do blog é possível
resgatar uma motivação para a aprendizagem da língua materna, uma vez que os
alunos realmente entrarão em contato com os seus usos, observando sua
importância para a mediação de qualquer prática discursiva, inclusive as suas, já
que, ao tornarem seus textos públicos, “seu conteúdo, sua forma, sua pontuação,
sua ortografia, passam a ter importância, (...) e, [assim], passa a ter sentido a
busca pela correção, pela reescritura, pela argumentação mais sólida, (...) pela
frase mais estruturada” (MAGDALENA;COSTA, 2003, p.63).
É por isso que Gomes (2005) comenta que o blog pode ser utilizado de duas
formas, ambas importantes para o ensino e aprendizagem: como recurso
pedagógico e como estratégia pedagógica. No primeiro caso, o blog é visto como
um espaço de acesso à informação especializada e como um espaço de
disponibilização de informação por parte do professor. Privilegia‐se, assim, o pólo
do professor (produtor de conteúdos para os alunos lerem e, no máximo, comentá‐
los). No segundo caso, o blog assume a forma de um portfólio digital, um espaço de
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intercâmbio e colaboração para o debate e para a integração e construção do
conhecimento (idem, p.312‐313). Volta‐se, então, para a participação dos alunos,
que deverão, com a orientação do professor, produzir textos e postá‐los para
outros leitores, sendo, desta forma, os grandes responsáveis por todo o processo de
construção do conhecimento (abrangendo, aí, a pesquisa, a seleção, a organização
e reorganização das informações em torno de um determinado tema, reflexão e
síntese destas informações, escrita e reescrita, entre outras).
Vê‐se assim que o blog pode contribuir de diversas formas para o ensino e
para a aprendizagem: pode ser uma fonte de e um incentivo à pesquisa de
conteúdos diversos (de informações, opiniões) e, consequentemente, para a
reflexão acerca de tais conteúdos; um loccus para a interação e produção textual;
um portfólio digital (ARAUJO JUNIOR, 2008; GOMES, 2005) permitindo aos alunos (e
aos seus seguidores) um acompanhamento e uma reflexão sobre o aprendizado,
gradualmente, construído e ali postado; pode contribuir para o desenvolvimento da
criatividade dos educandos (por meio da personalização do blog), sendo, por fim,
um novo canal de comunicação para a educação, “incentivando a cooperação e a
colaboração” (ARAUJO JUNIOR, 2008) em uma aprendizagem mais significativa e
contextualizada à cultura contemporânea e às suas exigências.
O uso do blog na educação: relato de algumas experiências
Seja promovendo um ensino mais contextualizado e significativo, que
valorize a participação do aluno como um sujeito ativo na construção do seu
conhecimento, ou, ainda, apenas como um loccus para a pesquisa e a reflexão, o
blog pode, em muito, auxiliar no ensino e aprendizagem da língua materna, como
vimos nos tópicos anteriores.
Nesta
parte
do
trabalho
pretende‐se
relatar
algumas
experiências
pedagógicas que primaram pela associação das tecnologias digitais ao ensino
tradicional, apontando quais foram as vantagens de tal uso e os problemas
encontrados. Iniciaremos, assim, pela experiência de Reis e Silva (et. al., 2007).
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐9‐
Tendo como inspiração uma atividade interdisciplinar sobre Lixo e Cidadania
com alunos do 7º ano, propôs‐se a construção de blogs para a pesquisa e o registro
dos resultados encontrados. Os autores observaram que, com o uso dos blogs, os
alunos ficaram mais motivados e participativos na construção coletiva dos
conhecimentos, confrontando, por meio das postagens e dos comentários, os
conteúdos publicados pelos outros alunos.
[Essa experiência com blogs] evidenciou o interesse e o envolvimento dos
alunos durante a execução das atividades. Mostraram‐se motivados à
participação e demonstraram autonomia na confecção dos blogs e na
seleção do material. (...) A participação de alunos de outras séries com
comentários, sugestões e informações demonstrou abrangência,
interatividade e capacidade dos blogs de, através da hipertextualidade,
permitir a multiplicidade de conhecimentos e potencializar a
interdisciplinaridade. (REIS; SILVA et. al., 2007, p.06)
Para os autores, o blog foi uma importante ferramenta no desenvolvimento
da interação e do estímulo à pesquisa, permitindo, ainda, uma reflexão sobre as
questões do
trabalho
em
grupo
(cooperação, aprendizagem
colaborativa,
necessidade de constituição de grupo coeso, motivado por um objetivo comum),
despertando grande interesse nos alunos que, realmente, se empenharam na
confecção da atividade proposta.
Outra experiência é a de Lopes (2010, online). O autor realizou, juntamente
com alunos de três turmas do curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), na disciplina Literatura Brasileira, uma proposta de produção de blogs
aliados à prática de seminários. Foram estabelecidos critérios de avaliação da
produção dos alunos em seus blogs, visando garantir a qualidade da produção, a
pesquisa contínua sobre o tema e a interatividade, estes critérios eram: frequência
mínima de postagem (uma por semana); variedade nos tipos e gêneros textuais
assim como nas mídias utilizadas em cada postagem; interatividade entre os grupos
(cada grupo deveria visitar os dos outros grupos e comentar as postagens);
obrigatoriedade no estabelecimento de uma rede de contatos e navegação através
das ferramentas “meus amigos” e “links favoritos” (visando a fácil circulação por
todos os blogs produzidos).
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐ 10 ‐
O autor comenta que tal experiência se relevou muito gratificante uma vez
que os alunos, dado a exigência de criação de textos próprios sobre a temática
solicitada, além de lerem mais fontes e refletirem sobre elas, se preocuparam em
adequar seus textos (linguagem, gênero) aos possíveis leitores, informando,
inclusive, as referências consultadas e utilizadas, assumindo, assim, uma atitude
mais responsável frente as suas produções. Além disso, observou‐se uma maior
participação dos alunos (inclusive daqueles que raramente se manifestavam em
sala) e uma maior qualidade nos seminários (uma vez que sua preparação foi
compartilhada com os outros alunos, que, ao lerem as postagens, acompanharam e
comentaram o desenvolvimento do conteúdo). Assim, com o uso do blog, o
seminário não ficou restrito apenas a apresentação em sala e visando, unicamente,
uma nota; mas sim à construção de um loccus para a pesquisa, produção e o
compartilhar de conhecimentos, feitos pelos próprios alunos e voltados para um
público leitor real (não só vinculado a instituição de ensino).
Contudo, o autor relata que também houve problemas
[um] problema encontrado diz respeito à dificuldade de inclusão digital do
aluno. Foram muitos que encontraram dificuldade no desenvolvimento da
proposta por não terem computador em casa ou por não tê‐lo conectado à
Internet. A saída encontrada foi a de reunirem‐se, cada grupo,
periodicamente, na casa de quem tivesse computador conectado à Internet
e de distribuir as atividades de edição levando isso em consideração, de
modo que àqueles que não tinham acesso caseiro à Internet fizessem
atividades tais como pesquisa em fontes bibliográficas, escritura e revisão
dos textos. (...) Na condição de professor, o maior problema encontrado
foi a falta de tempo e condições físicas para acompanhar a produção de
todos os blogs (LOPES, 2010, online).
Outra experiência, também realizada na UEM, foi a confecção de um curso
Leitura e Escrita em Blogs (2010, online), voltado para a capacitação e preparação
de professores (da rede pública e particular do ensino) para o uso dos blogs. O
curso fora realizado presencialmente (8h) e virtualmente (por meio da leitura e
comentários das postagens referentes às temáticas abordadas no encontro
presencial), visando não só munir os professores de um referencial teórico acerca
dos blogs, mas, igualmente, permitir que eles, realmente, conhecessem e
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐ 11 ‐
utilizassem tal ferramenta (daí boa parte do curso ocorrer virtualmente). Por meio
dos comentários confeccionados pelos participantes do curso, é possível constatar
que boa parte dos professores ainda não se sentem preparados para o uso de tal
ferramenta em sala, seja porque acreditam que os alunos possuem mais
conhecimentos que eles, seja porque, ainda, não sabem como adequar tal uso aos
conteúdos obrigatórios do ensino.
Observa‐se que as experiências aqui relatadas, embora curtas, permitem
vislumbrar que o uso do blog pode ser estendido do Ensino Fundamental à
Universidade, favorecendo práticas que estimulem uma aprendizagem mais efetiva
e participativa, contextualizada às necessidades contemporâneas. Contudo, tais
relatos evidenciam também que, embora a escola possua um papel fundamental
para a promoção e a consolidação do letramento digital (uma vez que a Internet ‐ e
qualquer outra tecnologia ‐ por si só, não consegue promover uma reflexão, uma
criticidade e a ampliação dos saberes dos alunos) ela, muitas vezes, não se
encontra preparada para tal (seja pela infraestrutura, seja porque os professores
não se encontram preparados, entre outras).
Considerações Finais
Por tudo o que foi exposto, vê‐se a grande necessidade de a escola estar no
mundo, ou seja, de não se fechar ao mundo tecnológico no qual estamos inseridos,
uma vez que a ela e, principalmente, aos professores, cabe o grande papel de
“coordenar roteiros seguros e eficientes para a construção do conhecimento do
aluno navegante” (PINHEIRO, 2005, p.146), promovendo, assim, o letramento
digital.
Desta forma, é preciso que a escola e o corpo docente estabeleçam, como
adverte Paulo Freire (1996), uma postura criticamente curiosa sobre tais
tecnologias, reconhecendo a necessidade de aprender e reinventar competências,
desenvolvendo novas habilidades que favoreçam ao domínio dos conhecimentos
(técnicos e pedagógicos) necessários para o uso das novas tecnologias em sala de
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐ 12 ‐
aula de forma a contribuírem, realmente, para a promoção de um ensino e uma
aprendizagem mais qualitativas e significativas.
O desafio que se coloca hoje é o de descobrir novas maneira de se explorar
os recursos da interlocução digital, visando apontar as diferenças entre as
mídias, explicando a finalidade e a utilidade de cada uma. O desafio que
se tem hoje é resgatar o destinatário perdido, a motivação para escrever,
a consciência da importância do ler para a formação do ser. E uma das
grandes vantagens das tecnologias atuais é que, para se relacionar, para
utilizá‐las, os usuários precisam escrever e ler. Daí o grande benefício: os
professores devem utilizar e aproveitar o fato de que seus alunos vivem
conectados para conscientizá‐los sobre os diferentes ambientes existentes,
sobre a necessidade da adequação da linguagem (...), sobre a importância
da criticidade (...) já que, muito mais do que uma ferramenta lúdica, a
internet e seus gêneros podem contribuir para uma aprendizagem efetiva,
uma vez que, além de oferecer informações variadas, permite um trabalho
real com a língua. (MAGNABOSCO, 2009, p.61)
A escola deve, então, “aproveitar esse momento de inovações tecnológicas e
modernizar suas práticas e propostas de ensino e aprendizagem, tanto na forma
quanto no conteúdo, atendendo às novas necessidades impostas pelo mundo
dinâmico e globalizado” (AMARAL; AMARAL, 2008, p.12). Assim, é importante que a
escola se prepare e se abra para o trabalho e para a reflexão acerca dos gêneros
digitais, uma vez que eles (como vimos no caso do blog) permitem um contato real
com as diversas materializações textuais, proporcionando uma transformação na
forma de ensinar e aprender: “do monopólio do saber [passa‐se] à construção
coletiva do conhecimento (...) do isolamento individual aos trabalhos em equipes
interdisciplinares e à parceria no processo de educação” (AMARAL;AMARAL, 2008,
p.12). Além disso, a promoção e a consolidação de um letramento digital e,
consequentemente, de um ensino e uma aprendizagem mais contextualizados
(voltados para o desenvolvimento de uma autonomia e uma criticidade frente ao
universo intelectual e cultural no qual estamos inseridos), se tornam necessários
não só tendo em vista uma “adequação às demandas econômicas do capitalismo
(...)[mas sim] como uma necessidade (...) de sobrevivência no Século do
Conhecimento” (XAVIER, 2010, online).
Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐ 13 ‐
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