CÂMARA MUNICIPAL – DESCONTO NO SUBSÍDIO POR FALTA ÀS SESSÕES EXTRAORDINÁRIAS, NÃO REMUNERADAS – PARECER Ivan Barbosa Rigolin Este artigo se constitui de um parecer à Câmara Municipal de Alumínio, sobre caso real relativo a apontamento, pelo e. TCE – SP, a indicar que deveriam ser descontadas do subsídio mensal dos Vereadores o valor, proporcional, relativo às sessões extraordinárias a que faltassem durante o mês de competência. Ocorre que tais sessões extraordinárias não são remuneradas mas gratuitas, daí a perplexidade que a ocorrência ensejou, em razão da qual se expediu este seguinte parecer. “Câmara Municipal. Sessões ordinárias pagas e sessões extraordinárias gratuitas. Desconto por falta às extraordinárias. 1. Se as sessões extraordinárias são gratuitas, não poderá incidir desconto nos subsídios dos Vereadores, os quais são devidos pelo comparecimento às sessões ordinárias 2 remuneradas, por falta extraordinárias, que são às gratuitas. sessões 2. O acessório segue sempre o principal, e se inexiste subsídio não poderá existir desconto, que simplesmente não teria sobre o quê incidir. A lógica mais primitiva o determina, não fazendo qualquer sentido pretender-se diversamente. CONSULTA O ilustre Presidente da Câmara Municipal de Alumínio, SP, o Vereador Eduardo Jesus de Melo, mais uma vez nos honra com uma consulta sobre tema de interesse daquele Legislativo, a seguinte: “Para atender necessidade da Câmara Municipal de Alumínio encaminhamos a Vossa Senhoria esta consulta, solicitando que elabore um parecer jurídico a respeito do assunto. Existem na Câmara Municipal as sessões ordinárias e extraordinárias, conforme disposição do Regimento Interno. Este, no seu Art. 103, que abre a Seção I "Das Sessões Ordinárias", prevê: 3 “Art. 103 As sessões serão semanais, realizando-se às quartas-feiras, com início às 18 horas, exceto nos feriados e pontos facultativos.” Depois, na Seção II "Das Sessões Extraordinárias", há o seguinte Art. 119: “Art. 119 As sessões extraordinárias serão convocadas pelo Presidente da Câmara, em sessão ou fora dela. § 1º Quando feita fora de sessão, a convocação será levada ao conhecimento dos Vereadores através de comunicação pessoal e escrita, com antecedência mínima de dois (2) dias. § 2º As sessões extraordinárias poderão realizar-se em qualquer dia e hora, inclusive nos domingos e feriados. § 3º As sessões extraordinárias não terão duração determinada, devendo encerrar-se após a deliberação ou o adiamento de todas as proposições constantes da pauta. § 4º Nas sessões extraordinárias a Câmara deliberará exclusivamente sobre a matéria para a qual tenha sido convocada.” Ainda, é necessário apontar que por força da Lei Municipal nº 1.083/2008, cópia anexa, foram fixados os 4 subsídios dos Vereadores do Município de Alumínio para a 5ª Legislatura, de 2009/2012. O art. 2º da citada lei prevê que haverá descontos em faltas às sessões, equivalente à proporção de sessões realizadas no mês. Não há na lei qualquer previsão de pagamento de sessões extraordinárias, como já ocorreu anteriormente, em leis que fixavam os subsídios em outras legislaturas, o que leva ao entendimento de que essas sessões não são remuneradas. E por isso, sempre que foram realizadas e algum Vereador se ausentou, não houve desconto. No entanto, em recente visita da fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, surgiu a dúvida, se faltas em sessões extraordinárias realizadas no mês acarretariam o desconto também ou não. Portanto, feitas essas considerações, pergunta-se: 1) A previsão de desconto contida no art. 2º da Lei Municipal nº 1.083/2008, vale para qualquer sessão, ordinária ou extraordinária ? 2) Se o desconto for devido também para sessão extraordinária, qual o critério para realizá-lo ?” Tendo assim historiado o caso, o consulente nos solicita 5 urgente parecer. PARECER I – Reza a citada Lei municipal de Alumínio nº 1.083, de 14 de julho de 2.008, para o que aqui interessa focar: “Art. 2º O Vereador que faltar, sem justificativa, nos termos do Regimento Interno, sofrerá desconto em seu subsídio equivalente à proporção de sessões realizadas no mês correspondente.” Em atenção à regra do paralelismo ou da simetria constitucional, o Município de Alumínio estabeleceu na sua legislação que não existirá nenhum pagamento para as sessões extraordinárias, como informou o ilustre consulente. Essas sessões portanto, uma vez convocadas e realizadas, não ensejam o pagamento de subsídio algum aos srs. Vereadores, à semelhança da regra vigente para o Congresso Nacional por força do disposto no art. 57, § 7º, da Constituição Federal (redação da EC nº 50, de 14/2/06). II – Pode-se asseverar que inexiste jurisprudência, muito menos superior, sobre este assunto ventilado na consulta, e por mais de um motivo. É certo que apenas após a EC 50, de 2.006, a Constituição proibiu ao Congresso remunerar sessões extraordinárias a Senadores e a Deputados Federais, já que anteriormente àquela Emenda eram remuneradas ou 6 indenizadas. Um modismo ditado antes pelo clamor da imprensa e suas conseqüências na opinião pública do que por motivo técnico, é o que sempre nos pareceu aquele episódio. Mesmo após a EC 50/06, absolutamente não é certo que também Estados e Municípios estejam proibidos de as remunerar, porque nada na Constituição de 1.988 obriga a que Estados e Municípios sigam as regras do funcionamento interno do Congresso Nacional – como a Carta de 1.969 obrigava, pelo seu art. 200. Assim, apenas mais recentemente a maioria dos Municípios aderiu ou vem aderindo à regra constitucional federal de não mais remunerar os Vereadores pela participação nas sessões extraordinárias das Câmaras Municipais – frise-se: antes por pressão dos Tribunais de Contas dos Estados que por convicção ou por outro motivo técnico. A Constituição, repita-se, a tanto não os obriga. Desse modo, dificilmente existem quaisquer ações judiciais sobre esse tema do desconto de subsídio por sessões extras a que não compareçam os Vereadores, muito menos ações que já tenham chegado aos Tribunais superiores. Além do mais, o tema nos Municípios, de duas, uma: ou é muito pouco ventilado ou está resolvido na legislação local, que muitas vezes informa se se descontam as ausências – o que nos parece um claro despautério, absolutamente sem sentido algum como se irá demonstrar - ou se não se descontam, como parece óbvio ululante. 7 III – Sabe-se, desde que o homem inteligente e capaz de raciocínios pisou o planeta, que, pode-se dizer que em tudo que se saiba, o acessório segue o principal. Os juristas latinos, no seu sintetismo lapidar, cunharam há mais de um milênio naquela direção a fórmula acessorium corruit sublato principal, a significar que não se concebe o acessório desgarrar-se da realidade a que serve como apêndice, como qualificador ou como aspecto secundário ou adventício. O acessório, para ser acessório, precisa de um principal de que ser acessório, ou de outro modo será uma criatura sem criador, um filho sem pai, um sobproduto de um produto inexistente. Se o principal, no caso presente, não é pago, então como poderia haver algum desconto no pagamento que é inexistente ? Se o acessório for diferente do principal, ou se caminhar em direção diversa daquela de sua matriz, então passará a constituir, provavelmente, outro principal e não mais um acessório, exatamente porque apenas se concebe um acessório que descreva, que atenda, que sirva ou que condicione alguma realidade que lhe seja anterior e principal – é a lógica mais singela e primitiva. Não foi por outro motivo que De Plácido e Silva, em seu festejadíssimo Vocabulário jurídico, ensina que o acessório “Como substantivo, expressa a própria coisa, fato ou ato que, dependente do principal, a ele se juntou.” (Destaque original, da 18ª ed. Forense. RJ, 2.001, p. 30), sendo que pouco antes dissera sobre o acessório que 8 “Como adjetivo, significa, de igual modo, a qualidade de tudo que, não sendo principal, se ligou ou faz parte dele.” (mesma obra, mesma página). Acessório sem principal, ou diferente do principal, seria uma perna sem um corpo, ou as folhas independentes da árvore, ou uma tintura sem cor, ou ainda - exemplo clássico em direito do que seja principal e acessório – uma casa sem o terreno que a sustente. Talvez um filho que exista sem ter sido gerado por seus pais explique ainda mais claramente a noção, porque de fato podem existir incontáveis casais sem filhos, mas se existe algum filho é porque teve um pai e uma mãe. Para os pais, e para este argumentativo efeito, o filho representa mero acessório, sem o qual eles sobrevivem incólumes e inalterados; o filho, porém, e ainda para este dissertativo efeito, é sempre acessório aos pais, dependente da prévia existência dos pais, sem alternativa. Em não sendo assim, então com todo efeito se poderia admitir a criatura sem seu criador. IV – O Código Civil brasileiro reza: “Art. 92 Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” Não falaria diferente, nessa questão da mais necessária lógica. E partindo para outro ramo jurídico – o direito 9 constitucional, e o processo legislativo – temos que, dentro do tema de acessório e principal, é sabido e certo que não existem regulamentos autônomos, na medida em que se não existe lei a regulamentar não tem sentido a idéia de um regulamento de algo inexistente, ou um regulamento de nada. A hoje prosaica e divertida noção da geração espontânea, comum na idade média, a seu turno ilustra o que seria um acessório sem principal, os microorganismos nascendo por si sós, sem derivação paternal e sem causação por terceiros. V – No caso presente revela-se virtualmente inconcebível imaginar-se o desconto, nos subsídios mensais dos Vereadores, devido a faltas a sessões da Câmara que não são remuneradas, caso das sessões extraordinárias. Se neste caso o principal não é pago, então como pode ensejar desconto quando não atendido ? De onde se desconta o que é gratuito ? Qual a fonte de remuneração para se descontar o que não é nem foi pago ? De que pagamento anterior se desconta o que não é pago ? Se não existe fonte de recurso, de onde deve provir o desconto ? De onde se extrai o desconto pelo trabalho não realizado, se esse trabalho é gratuito, e se não houve pagamento ? Uma tal idéia contraria, repita-se à exaustão, a mais rudimentar noção de lógica, pois que ninguém extrai um acessório de um principal que não existe. 10 VI – A prevalecer a tese de que devem ser descontadas faltas a trabalhos gratuitos, então com a mesma lógica devem ser descontadas importâncias por faltas dos cidadãos convocados para serviços como participação de júris em sessões judiciais, ou para trabalho em dias de eleições, ou ainda para servir como testemunha em julgamentos, todos esses sendo trabalhos gratuitos. Se acaso, por algum motivo, o convocado falta a essas convocações, então se pode imaginar qualquer conseqüência possível para essas faltas, porém jamais o desconto sobre algum pagamento, se não haveria pagamento algum a ser realizado pelos mesmos serviços. Alguma multa, alguma repreensão, alguma coerção física ou mesmo alguma condução forçada se poderia conceber para coibir ou para apenar semelhantes abstenções, porém nunca, em nenhuma circunstância ou hipótese, um desconto sobre o pagamento, e pela única razão de que não existe, existiu ou existiria pagamento algum. Se não haveria pagamento, então desconto é que não caberia, já que ninguém deduz uma parcela de pagamento de um pagamento que inexiste. Quando o pagamento é zero, nada dele se pode descontar. VII – Deduz-se a falta às sessões gratuitas do pagamento das sessões ordinárias, remuneradas - alguém poderia argüir. Não, nunca ! Nada se revela juridicamente mais falso ! Em direito não se compensam realidades juridicamente diferentes, nem se baralham fatos geradores de obrigações ou de penalizações sem expressa previsão legal. No caso presente não existe nenhuma previsão, nem no 11 Regimento Interno da Câmara, nem na Lei municipal nº 1.083, de 2.008, nem de pagamento de sessões extraordinárias, nem – obviamente - de desconto por falta às sessões extraordinárias, nem muito menos de compensação das faltas àquelas sessões gratuitas por desconto sobre o subsídio devido pelo comparecimento às sessões ordinárias, que são pagas. Nada disso nem de longe está ventilado pela lei municipal. Os descontos são previstos sobre as sessões ordinárias, ou sejam aquelas que são pagas, proporcionalmente ao número de faltas com relação ao número de sessões ordinárias realizadas. Se o RI e a lei municipal nem sequer prevêem remuneração sobre sessões extraordinárias, então de onde se pode extrair fundamento jurídico para deduzir qualquer parcela do pagamento das sessões que são pagas, por falta às que não são pagas ? Não se prejudica direito algum de ninguém sem expressa previsão legal, porque o princípio da legalidade estrita, constante do art. 37 da Constituição Federal, proíbe taxativamente uma tal conduta. Se alguém é multado, é porque existe lei nesse sentido. Se alguém deve pagar imposto, é porque esse gravame foi criado por lei. Se paga alguma taxa por serviço público que lhe é prestado é porque alguma lei anterior a instituiu. Se alguém paga preço público por utilidade prestada pelo poder público, é porque alguma lei o criou nesse sentido e dimensão. Se de seu salário como empregado são deduzidas certas parcelas – como INSS, imposto de renda, pensões judiciais, contribuições associativas ou sindicais -, é porque alguma 12 lei assim determinou a cada caso. Se de seu salário se descontam dias faltados ao serviço, é apenas porque a lei trabalhista assim o previu e estabeleceu, expondo previamente as regras do jogo contratual. Se é assim atua em termos práticos o princípio da legalidade – CF, art. 37 -, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei conforme diz a mesma Constituição no art. 5º, inc. II, então se indaga como será possível deduzir da propositada omissão da lei municipal a permissão apenas para descontar, quando não existe sequer previsão para pagar. A resposta é evidentemente negativa, pois que ninguém pode deduzir ou entrever descontos da remuneração de alguém no silêncio da lei, e na falta de expressa, clara e inequívoca previsão legal nesse exato sentido. De mais a mais, e como já foi exalçado, como pode existir apenas o ônus punitivo de um bônus remuneratório que não existe ? VIII – Se prevalecer a tese de descontar algo do que não é pago, então são de esperar as seguintes possíveis situações: a) se durante um mês houver por exemplo 3 (três) sessões ordinárias, pagas, e 4 (quatro) extraordinárias, gratuitas, e se o Vereador faltar às quatro extraordinárias, então deverá talvez recolher à Câmara algum valor, porque faltou a mais sessões do que as a que compareceu ?; b) se houver duas sessões ordinárias, pagas, e duas extraordinárias, gratuitas, e se o Vereador faltar às duas extraordinárias, então recebe zero como subsídio ao fim do mês ? Então o mandato passa a ser gratuito ? Então 13 por causa de trabalho gratuito a que não compareceu o Vereador perde ele o direito ao subsídio do trabalho pago a que compareceu regularmente ? E a Constituição, art. 29, inc. VI, que manda a Câmara fixar o subsídio do Vereador, pode acaso ser descumprida, passando então o trabalho do Vereador a ser gratuito, contra a Constituição ? E, ainda, indaga-se se a lei municipal, que na forma da Constituição fixa o subsídio do Vereador, poderá nessa hipótese ser abertamente descumprida, furtando-se a Câmara pagar o comparecimento das sessões ordinárias, que precisam existir, apenas porque o Vereador faltou a sessões extraordinárias, que são gratuitas e que nunca, jamais precisam, existir ? Evidentemente não. Sacrifica-se assim o principal obrigatório pelo acessório facultativo,que jamais precisaria ter sido marcado ? Que espécie, ou que raio, de lógica seria essa, que contraria a razão mais primigênia ? A prevalecer uma tal idéia – respeitosamente sem pé nem cabeça -, então o que apenas se espera dos Presidentes de Câmaras Municipais, como agentes públicos responsáveis e idôneos, é jamais determinar a realização de sessões extraordinárias para os Vereadores que lidera, com vista a não prejudicar eventualmente o seu direito aos subsídios pelo seu trabalho obrigatório. Sim, porque se por algum motivo os edis faltarem ao trabalho gratuito, então com isso perderão a remuneração do trabalho pago, a que adquiriram direito ... E o Município, sem o trabalho nas sessões extraordinárias, poderá ver-se privado de serviços parlamentares urgentes e 14 imprescindíveis, como o são para exemplificar a aprovação da lei orçamentária, a aprovação da LDO e do plano plurianual, ou a aprovação de programas de atendimentos urgentes cuja premência sempre ocorre nas comunidades, referentemente aos mais variados serviços, setores e assuntos. Sim, porque obrigar agentes públicos, obrigatoriamente remunerados por ordem direta da Constituição Federal, a trabalharem de graça – e sob pena de desconto no subsídio obrigatório ! – não pode ser reputado uma imposição idônea ! Tal comportamento não pode, com todo efeito, ser aceito, na medida em que o trabalho deve ser remunerado, e nesse sentido os exemplos de proibição do serviço gracioso são variados, como o caso do Estatuto dos Funcionários, que invariavelmente proíbe a designação de serviços gratuitos aos servidores públicos, ou o da CLT, que proíbe a imposição de trabalho gratuito, algo bastante similar, com alguma dramatização, ao trabalho escravo... E quando a Constituição estabelece como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, no art. 7º, inc. VII, a garantia de salário, nunca inferior ao mínimo (com destaque nosso), com isso simplesmente impede a designação de serviço gratuito a alguém ! Não se argumente que o Vereador, por ser político, deixa de ser trabalhador urbano, ou que não tem direitos sociais. Tanto é trabalhador urbano que seu pagamento sofre desconto previdenciário ao INSS, o qual lhe gera aposentadoria e benefícios próprios dos trabalhadores urbanos. 15 Então, para efeito de “garantia de salário”, o Vereador é um trabalhador como outro qualquer. Trabalho imposto graciosamente não atende o regramento constitucional, a começar pelo demagógico, inconstitucional e inapropriado § 7º do art. 57 constitucional, editado para agradar as galerias e amansar um pouco a opinião pública. Porém, mais do que exigir do parlamentar trabalho gratuito, descontar faltas, a esse trabalho, do seu trabalho remunerado, é somar um impropério ao outro, e adicionar o torpe ao monstruoso, num ato de selvageria institucional que contraria todas as tendências do moderno direito laboral, mil vezes garantido e assegurado como nenhum outro na Constituição Federal. IX - No caso presente vá lá, releve-se que o Município tenha fixado que o trabalho dos Vereadores nas sessões extraordinárias seja gratuito. Para isso simplesmente aderiu ao já referido modismo dos parlamentares federais, que aprovaram a Emenda Constitucional nº 50, de 2.006, a qual modificou o § 7º do art. 57 da Carta para proibir o pagamento de indenização por sessão extraordinária do Congresso Nacional. Fê-lo o Município consulente simplesmente por deixar de prever remuneração para as sessões extras da Câmara Municipal, e nem mesmo o fez de modo declarado e explícito, e, como repisado, não precisaria sequer tê-lo feito porque nada na Constituição de 1.988 obriga aos Municípios seguirem as regras de funcionamento do Congresso Nacional, como mais ou menos obrigava na Constituição de 1.969, pelo art. 200. Vá lá, repita-se, para argumentar. Se o Município assim o quis, é de se respeitar sua autonomia de vontade, exercitada como foi na Lei municipal nº 1.083, de 14 de julho de 2.008. 16 Daí, entretanto, a se extrair a conclusão de que se devem descontar faltas às gratuitas sessões extraordinárias, deduzindo-se não se sabe o que nem quanto do subsídio devido pelo comparecimento às obrigatórias sessões ordinárias, com todo respeito, é ir longe demais. O Vereador, a prevalecer a anacrônica e tautológica idéia, seria apenado e punido por servir de graça, e extraordinariamente, seu Município e sua população, em sessões, que seja reiterado à exaustão, jamais precisam existir, nem jamais precisam ser designadas pela Presidência. Se nenhum parlamento do mundo doravante designar sessões extraordinárias para os seus membros, o mundo legislativo seguirá tal e qual, placidamente, sem a menor alteração – talvez melhor. Com todo efeito, desde que o mandato dos Vereadores brasileiros passou a ser remunerado como regra incontornável - e antes mesmo da promulgação da atual Constituição -, então esse mandato deixou de vez de ser considerado algo como serviço honorífico, daqueles tradicionalmente classificados como “de relevante interesse público”, e o subsídio correspondente passou a ter caráter alimentício como qualquer salário, vencimento ou soldo militar. E se o trabalho nas sessões extraordinárias é trabalho parlamentar tanto quanto o nas sessões ordinárias, então nada justifica a gratuidade do seu desempenho, porém muito pior que isso é imaginar que pela falta a tais trabalhos não remunerados possa o parlamentar sofrer desconto na paga de seu trabalho ordinário, regular e obrigatório. Sacerdócio é sacerdócio, mas mandato parlamentar não é bem isso... 17 X – A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo não desconta, jamais, do subsídio dos Deputados as faltas às sessões extraordinárias realizadas pelo Legislativo paulista. Consultados por nós alguns Deputados para confirmar o que de resto já era sabido, não somente o confirmaram quanto se manifestaram “escandalizados” com a idéia ! Jamais lhes passou pela imaginação, desde 2.006, a hipótese de sofrerem descontos, em seu subsídio regular, pela ausência a sessões facultativamente marcadas, gratuitas, e cuja inexistência em nada afetaria a regularidade dos trabalhos parlamentares obrigatórios nas sessões ordinárias – apenas exigindo maior carga de trabalho nas sessões ordinárias. CONCLUSÃO Vista esta argumentação, e em conclusão, assim se resume a resposta aos dois quesitos formulados pelo ilustre consulente: 1) o desconto previsto na Lei municipal nº 1.803, de 14 de julho de 2.008, art. 2º, vale apenas para o trabalho nas sessões ordinárias, que enseja pagamento de subsídio, nunca para o trabalho gratuito ou gracioso, materializado nas sessões extraordinárias acaso convocadas na forma legal e regimental. A própria dicção do dispositivo elucida a questão, ao prever que 18 Artigo 2º O Vereador que faltar, sem justificativa, nos termos do Regimento Interno, sofrerá desconto em seu subsídio equivalente à proporção de sessões realizadas no mês correspondente. (Destaque nosso) Ora, se haverá desconto sobre o subsídio, então não poderá haver desconto se não existir subsídio – para que o dispositivo faça sentido; 2) quesito prejudicado com a resposta ao primeiro. Parece, no mais, que nem sequer haveria como racionalmente estabelecer alguma proporção entre o eventual e acidental (sessões extraordinárias) com relação ao pré-estabelecido e regular (sessões ordinárias). É este nosso parecer.” 19