Julia Kerr Catunda Machado
Adolescentes brasileiros infectados pelo HIV: características epidemiológicas
e adesão terapêutica
Dissertação apresentada ao curso de PósGraduação da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo para obtenção do
título de Mestre em Medicina
São Paulo
2009
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Julia Kerr Catunda Machado
Adolescentes brasileiros infectados pelo HIV: características epidemiológicas
e adesão terapêutica
Dissertação apresentada ao curso de PósGraduação da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo para obtenção do
título de Mestre em Medicina
Área de concentração: Pediatria
Orientadora: Professora Dra. Veronica Coates
São Paulo
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pela Biblioteca Central da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Machado, Julia Kerr Catunda
Adolescentes brasileiros infectados pelo HIV: características
epidemiológicas e adesão terapêutica./ Julia Kerr Catunda Machado.
São Paulo, 2009.
Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo – Curso de Pós-Graduação em Medicina.
Área de Concentração: Pediatria
Orientador: Veronica Coates
1. HIV 2. Terapêutica 3. Cooperação do paciente 4. Epidemiologia
5. Adolescente 6. Estudos retrospectivos
BC-FCMSCSP/53-09
À minha querida família, com amor:
Aos pais, Sonia e Pedro, e ao irmão João Pedro;
Ao José Carlos e ao nosso bebê;
À avó Marila e aos tios Roberto, Ricardo e Flávia;
À Ana Maria e Assírio;
À afilhada Sofia e seus pais, Juliana e André.
“Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de
nenhum de seus benefícios”
Salmo 103:2
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Veronica Coates, pelo incentivo, confiança e paciência.
À querida Profa. Dra. Maria José Carvalho Sant’Anna, pela participação, amizade e
apoio sempre presentes.
À Dra. Flávia Jacqueline Almeida, pela colaboração fundamental na realização desta
dissertação.
À Dra. Maria Fernanda Bádue Pereira, pela colaboração na coleta de dados.
À Dra. Sílvia Regina Marques, pela colaboração na realização da pesquisa bibliográfica.
Ao tradutor Pedro Valladão Catunda, pela versão deste trabalho para a língua inglesa.
Ao Prof. Dr. Eitan Naaman Berezin, Profa. Dra. Lília Freire Rodrigues de Souza Li,
Profa. Dra. Regina Célia Lucizani Müller e Profa. Dra. Silvana Brasília Sacchetti,
membros do exame de qualificação, por sua valiosa contribuição no aprimoramento
deste estudo.
Às amigas Dra. Roberta Machado Rissoni, Dra. Andrea Kussama Matsunaga, Dra.
Ana Cláudia Guersoni e Dra. Fernanda Stella de Almeida pelo apoio e incentivo.
À Rosângela Arrabal, secretária do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de
Ciências Médicas de São Paulo, por toda paciência e orientação.
À Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, pela oportunidade
de realizar o curso de pós-graduação.
À Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, pela manutenção da
estrutura necessária à realização deste trabalho.
Ao Departamento de Pediatria, pela oportunidade de continuar aprendendo.
Aos pacientes e seus responsáveis, pela motivação deste estudo.
Ao CAPES, pelo auxílio financeiro na realização deste trabalho.
Abreviaturas e Símbolos
AIDS .......... Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ARV ........... Antirretrovirais
AZT ...........
Zidovudina
CD4 ...........
Linfócitos T CD4+
COHERE ... Collaboration of observational HIV epidemiological research Europe
DNA ........... Ácido Desoxirribonucléico
EUA ........... Estados Unidos da América
F ................
Sexo feminino
HAART ......
Terapia antirretroviral altamente ativa
HIV ............
Vírus da imunodeficiência humana
HTLV-III ..... Vírus linfotrópico humano de leucemia de células T tipo III
LAV ...........
Vírus associado à linfadenopatia
log .............
Logaritmo
LT-CD4+ ...
Linfócitos T CD4+
M ...............
Sexo masculino
n ................
Número de pacientes
p ................
Nível de significância
RNA ........... Ácido Ribonucléico
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................1
1.1 Adolescência......................................................................................................4
1.1.1 Adolescência e HIV......................................................................................4
1.2 Breve histórico do vírus e tratamento.................................................................6
1.2.1 Evolução do tratamento ARV.......................................................................7
1.3 Situação atual da Infecção pelo HIV e da AIDS .................................................8
1.3.1 Situação no mundo(7) ...................................................................................8
1.3.2 Situação no Brasil(8) .....................................................................................9
1.3.3 Transmissão Vertical ...................................................................................9
1.4 Adesão terapêutica ..........................................................................................11
1.5 Revelação do diagnóstico ................................................................................12
2 OBJETIVOS...........................................................................................................14
3 CASUÍSTICA E MÉTODO .....................................................................................15
4 RESULTADOS.......................................................................................................18
5 DISCUSSÃO ..........................................................................................................23
6 CONCLUSÕES ......................................................................................................28
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................29
FONTES CONSULTADAS.....................................................................................36
RESUMO ...............................................................................................................37
ABSTRACT............................................................................................................38
APÊNDICE.............................................................................................................39
1 INTRODUÇÃO
A adolescência, definida pela Organização Mundial de Saúde como o período
que vai dos 10 aos 19 anos completos(1), apresenta características comportamentais
peculiares. É quando ocorre a busca e desenvolvimento da própria identidade, que
cursa com oposição aos pais, questionamento dos valores aprendidos na infância e
flutuações de humor. Nesta fase surge a necessidade de fantasiar um futuro
imaginário e sair do presente, acompanhada da sensação de invulnerabilidade e
onipotência. Desenvolve-se o exercício da sexualidade e existe a necessidade de
pertencer a um grupo(2). Tudo isso gera inúmeros conflitos em relação a uma doença
crônica e estigmatizante como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS),
que precisa de grande comprometimento pessoal para ter boa evolução.
Passar pela adolescência infectado pelo Vírus da Imunodeficiência Humana
(HIV) apresenta desafios específicos não apenas aos jovens, como também para
suas famílias e cuidadores(3,4). É necessário refletir sobre adesão terapêutica,
posologia, revelação do diagnóstico e planejamento de vida, além de decisões do
adolescente sobre o tratamento, relacionamentos, intimidade, escolaridade e
carreira profissional(5,6).
Há aproximadamente 33 milhões de pessoas infectadas pelo HIV em todo o
mundo. A porcentagem global de adultos infectados continua estável desde 2000,
mas o número absoluto de soropositivos está aumentando. Isso se deve ao maior
tempo de vida proporcionado pelo tratamento, além do número de infecções novas
superar o de mortes(7). Desde a década de 80 até junho de 2008, o Ministério da
Saúde notificou 506.499 casos de AIDS no Brasil, sendo 11.079 em jovens de 13 a
19 anos e 17.304 em menores de 13 anos(8).
Nas últimas três décadas, desde o aparecimento dos primeiros casos de
AIDS, assistimos a enorme avanço dos métodos terapêuticos, que transformaram a
evolução da doença de debilitante e fatal em crônica e controlável(9,10). A Terapia
Anti Retroviral Altamente Ativa (HAART), combinação de drogas antirretrovirais que
bloqueiam a replicação do HIV em diferentes estágios de seu ciclo vital, provou ser
2
capaz de aumentar a expectativa e qualidade de vida, além de diminuir o risco de
transmissão(11). Para alcançarmos estes objetivos, são necessários altos níveis de
adesão ao tratamento, pelo menos 95%(12-14). Neste contexto, adesão pode ser
definida como a proporção de comportamentos relacionados à saúde que
correspondem às recomendações médicas(13). Quando essa condição não é
respeitada, o nível sérico da medicação permanece em doses sub-ótimas,
permitindo a multiplicação do HIV. Essa situação pode levar ao desenvolvimento e
sobrevivência de cepas resistentes às drogas disponíveis, levando à perda de
eficácia não apenas do medicamento em uso, mas também de outros que possam
apresentar padrão de resistência cruzada e ocasionalmente de toda uma classe de
drogas(15).
Jovens de 15 a 24 anos representam aproximadamente 45% das novas
infecções por HIV no mundo(7). Estudos norte-americanos recentes sugerem que a
maioria dos adolescentes e adultos jovens com idades de 13 a 24 anos seja
infectada sexualmente: os de sexo masculino através de relação homossexual,
sendo apenas uma pequena porcentagem por uso de drogas injetáveis ou relação
heterossexual; as de sexo feminino através de relação heterossexual, com mínima
porcentagem de uso de drogas injetáveis(16). Dados brasileiros até 2005 mostravam
que entre jovens de 10 a 19 anos do sexo masculino 33% da transmissão era
atribuída ao uso de drogas injetáveis, 21% a relações homossexuais e 14% a
relações heterossexuais. Na mesma faixa etária para o sexo feminino a transmissão
por relação heterossexual representava 70% e o uso de drogas injetáveis 13% das
novas infecções(17).
Mundialmente, 370.000 crianças e adolescentes menores de 15 anos foram
infectados pelo HIV em 2007, aumentando o número de soropositivos de
aproximadamente 1,6 milhão em 2001 para cerca de 2,0 milhões. Estima-se que
mais de 90% das crianças infectadas tenham adquirido o vírus por transmissão
vertical (durante o parto, aleitamento materno ou gravidez). Uma pequena fração da
transmissão em crianças é causada por transfusão de sangue e hemoderivados,
abuso sexual, seringas contaminadas ou atividade sexual (sendo esta última
significativa entre adolescentes)(7).
3
Sem tratamento, ocorre rápida progressão para AIDS no primeiro ano de vida
em aproximadamente 20% das infectadas pelo HIV(18). A introdução da HAART
levou a declínio significativo da morbidade e mortalidade em crianças(19,20), sendo
que a falha terapêutica está frequentemente relacionada a adesão inadequada(21,22).
Com tratamento, muitas estão chegando à adolescência; algumas com má evolução
clínica, porém a maioria com grande expectativa de vida(23,24).
Graças ao progresso dos conhecimentos pediátricos, o número de
adolescentes com doenças crônicas tem aumentado consideravelmente(25,26). Esses
jovens têm maiores chances de sofrer isolamento psicossocial e ter baixa
autoestima, sendo frequentemente associados a comportamentos de risco como
abandono escolar, drogadição e atividade sexual desprotegida(27-29). É comum haver
dificuldade de adesão entre adolescentes com doenças crônicas, mais ainda no uso
dos antirretrovirais (ARV)(30).
AIDS está comumente associada a déficit cognitivo, doença e morte dos pais,
desestruturação familiar, depressão e distúrbios de comportamento(31,32). Além disso,
eles podem precisar de esquemas terapêuticos complicados devido a experiências
de tratamentos anteriores(33). A toxicidade e complexidade dos ARV são desafios
substanciais no contexto de vida dos pacientes(34,35). Por outro lado, sabemos que a
resposta à HAART depende da sensibilidade do vírus aos ARV e de adesão quase
perfeita(33,36). A redução da carga viral (número de cópias do RNA do vírus HIV-1 na
circulação)
é
o
parâmetro
mais
rápido
para
avaliação
da
resposta
ao
tratamento(37,38).
Para avaliar a adesão, são descritos métodos diretos e indiretos, de acordo
com a forma de mensuração. Cada um tem vantagens e desvantagens, porém
nenhum fornece uma avaliação precisa. Os métodos diretos ou objetivos são mais
dispendiosos e de difícil aplicação, como os dispositivos eletrônicos de
monitoramento, medição de níveis sorológicos dos medicamentos, entre outros. Os
métodos indiretos ou subjetivos abrangem a avaliação de parâmetros laboratoriais
de resposta terapêutica através de carga viral e CD4, auto-relato, contagem de
pílulas, adesão estimada pelo profissional de saúde, entre outros. Na falta de um
4
padrão-ouro, acredita-se que a combinação de diferentes métodos seja o melhor
caminho para aferir a adesão(13).
1.1 Adolescência
A adolescência é um período fundamental do processo de desenvolvimento
humano que representa a transição entre a infância e a idade adulta. Caracteriza-se
principalmente pela transformação, que ocorre de forma integrada nos campos
biológico, psicológico e social.
Com a puberdade surgem caracteres sexuais secundários e ocorre o estirão
de crescimento. A menarca e a semenarca inauguram a capacidade reprodutiva. O
pensamento infantil, limitado ao raciocínio concreto, é enriquecido pelo raciocínio
abstrato, que permite ao jovem elaborar hipóteses, deduzir e interpretar os fatos à
sua volta. Sua atenção está voltada para o autoconhecimento, a busca da identidade
pessoal e sexual, de independência e autonomia.
Muito voltado para si mesmo, o adolescente atravessa a chamada
“onipotência juvenil”, quando tende a assumir posições radicais e se tornar mais
agressivo e contundente. A oposição constante lhe confere uma sensação de
independência. Após este movimento de confronto, o jovem terá condições de
encontrar seus referenciais e formar opiniões próprias(39).
1.1.1 Adolescência e HIV
Os adolescentes infectados pelo HIV constituem uma população heterogênea
no que se refere à forma e idade em que ocorreu a transmissão, com conseqüências
para suas condições clínicas, imunológicas, psicossociais, culturais e histórico de
tratamento.
5
Os que se infectaram por transmissão vertical podem ser diagnosticados na
infância ou adolescência, com variações no comprometimento imunológico e na
exposição aos ARV. Em geral encontram-se nos estágios iniciais da puberdade,
podendo ocorrer retardo puberal e alterações no desenvolvimento somático e
emocional. Os que tiveram diagnóstico durante a infância frequentemente
apresentam vínculos sólidos com o serviço de saúde e cuidadores por estarem em
tratamento há muitos anos.
Os principais desafios encontrados na assistência a esse grupo são a
revelação do diagnóstico, orfandade, desestruturação familiar e início da atividade
sexual. Parte desse grupo atinge a adolescência exposto a múltiplos regimes ARV,
apresentando vários efeitos adversos, com reduzidas opções terapêuticas e
necessidade de acesso a novas drogas.
A fantasia de invulnerabilidade, própria do adolescente, pode levá-lo a criar
dificuldades para assimilar seu diagnóstico e seguir um esquema terapêutico,
comparecer ao serviço de saúde e realizar exames laboratoriais, rotinas que podem
entrar em conflito com sua maneira mágica de se relacionar com o tempo e com a
idéia de indestrutibilidade e cura. A atitude contestadora e transgressora associada à
busca de independência costumam dificultar uma boa adesão ao tratamento.
Os adolescentes que adquiriram o HIV por transmissão horizontal são mais
velhos, em geral estão nos estágios finais da puberdade e foram recentemente
infectados, tendo tido pouca ou nenhuma exposição aos ARV. Costumam
apresentar vínculos frágeis com o serviço de saúde e cuidadores. Frequentemente
apresentam agravos sociais diversos, problemas escolares e de inserção
profissional. Grupos marginalizados como a população de rua, os profissionais do
sexo e os usuários de drogas têm ainda maiores dificuldades de acesso aos
serviços de saúde, e quando chegam aos mesmos apresentam estados mais
avançados
da
infecção.
Muitos
deles
recebem
o
diagnóstico
durante
o
acompanhamento pré-natal, agravando a situação de maternidade/paternidade na
adolescência.
6
Existe ainda um grupo significativo de adolescentes em que a origem da
infecção não é clara, o que pode sinalizar dificuldade especial na abordagem e
acompanhamento desses jovens e seus familiares.
A identificação com o grupo de pares, tão importante nesse período da vida,
pode ser prejudicada se o adolescente se sentir “diferente”. Sua autoestima pode
estar fragilizada pela doença, pela imagem corporal ou pelos efeitos da medicação
usada. Muitos adolescentes em acompanhamento queixam-se de solidão,
preconceito e discriminação(40).
1.2 Breve histórico do vírus e tratamento
Os primeiros casos de AIDS foram descritos em 1981, nos Estados Unidos, a
partir da identificação de infecções oportunistas em homossexuais masculinos:
pneumonia por Pneumocystis jiroveci, anteriormente conhecido como Pneumocystis
carinii, e sarcoma de Kaposi(41-43). Publicações seguintes descreveram a doença em
hemofílicos, indivíduos em uso de hemoderivados, usuários de drogas endovenosas,
crianças nascidas de mães infectadas e parceiras sexuais de homens infectados(15).
O vírus só foi identificado em 1983, quando um grupo de virologistas do
Instituto Pasteur de Paris, chefiados por Montagnier, isolou-o do linfonodo de um
paciente com linfadenopatia persistente, denominando-o LAV (Lymphadenopathy
Associated Vírus)(44). No mesmo ano, um grupo americano liderado por Robert Gallo
identificou um vírus com características iguais às do isolado francês e denominou-o
HTLV-III (Human T Cell Leukemia Lymphotropic Virus Type III)(45).
Em 1986, o Comitê Internacional de Taxonomia dos Vírus propôs a
designação HIV (Human Immune Deficiency Vírus)(46). No mesmo ano, um outro
vírus, semelhante ao já então caracterizado, foi isolado de dois pacientes com AIDS
originários da África ocidental, sendo denominado HIV-2(47).
7
O HIV é um dos vírus que apresenta a maior taxa de mutação conhecida.
Esta alta taxa de mutação traz conseqüências importantes. No campo da resposta
imune ao HIV, a variabilidade genética pode levar ao aparecimento de variantes que
escapam ao sistema de defesa humoral ou celular. No campo da terapia ARV, esta
alta taxa de variabilidade genética pode gerar variantes menos suscetíveis às
drogas(15).
1.2.1 Evolução do tratamento ARV
Licenciado para uso humano em 1987 pela Food and Drug Administration,
órgão que controla a produção de remédios e alimentos nos Estados Unidos, a
Zidovudina (AZT) tornou-se a primeira sustância aprovada para tratamento da AIDS.
Já em 1989 foi relatada resistência do vírus a esta medicação, e desde então
observa-se resistência a todos os ARV disponíveis, bem como resistência
cruzada(15).
A partir de 1996 desenvolveu-se a HAART, combinação de medicamentos
contra a AIDS, inaugurando uma nova fase. Atualmente dispomos de 19 drogas
ARV para tratamento de crianças e adolescentes no Brasil(40).
O número de drogas usadas e sua combinação podem variar imensamente,
resultando em esquemas posológicos muito diversos para cada paciente.
Frequentemente somam-se ainda aos ARV drogas contra infecções oportunistas e
outras.
8
1.3 Situação atual da Infecção pelo HIV e da AIDS
1.3.1 Situação no mundo(7)
Após quase três décadas de epidemia, a AIDS continua a desafiar todos os
esforços da humanidade. Atualmente, para cada duas pessoas que começam a
tomar drogas ARV, outras cinco se tornam infectadas. Apenas em 2007,
aproximadamente 33 milhões de pessoas viviam infectadas pelo HIV em todo o
mundo e 2,0 milhões morreram de causas relacionadas a ele. O número anual de
novas infecções caiu de 3,0 milhões em 2001 para 2,7 milhões em 2007(7).
O resumo global estimado da epidemia do HIV/AIDS até dezembro de 2007
pode ser visto no quadro 1:
Quadro 1. Resumo global da epidemia do HIV/AIDS até dezembro de 2007(7)
Número de pessoas
TOTAL
vivendo com HIV/AIDS
Adultos (a partir de 15 anos)
31 milhões
Crianças (até 14 anos)
2,0 milhões
Novas infecções pelo HIV
TOTAL
em 2007
Adultos (a partir de 15 anos)
Crianças (até 14 anos)
Mortes por AIDS em 2007
TOTAL
33 milhões
2,7 milhões
2.330.000
370.000
2,0 milhões
Desde o início da epidemia, o HIV já causou aproximadamente 25 milhões de
mortes no mundo todo e gerou profundas modificações demográficas nos países
mais intensamente acometidos. A África subsaariana continua sendo a região mais
afetada, abrigando 67% de todas as pessoas infectadas pelo HIV e 75% das mortes
por AIDS em 2007.
9
As mulheres respondem por metade de todas as pessoas infectadas pelo HIV
no mundo. Nos últimos 10 anos, a proporção mundial de mulheres infectadas
estabilizou-se, mas em muitas regiões o número absoluto está aumentando(7).
1.3.2 Situação no Brasil(8)
Desde o início da década de 80 até junho de 2008, o Ministério da Saúde
notificou 506.499 casos de AIDS no Brasil. Desse total, 333.485 foram identificados
no sexo masculino e 172.995 no sexo feminino. O número de óbitos pela doença
acumulados até 2007 é de 205.409.
Observa-se que a razão de sexo (M:F) no Brasil vem diminuindo ao longo da
série histórica, passando de 15,1:1 em 1986 para 1,5:1 em 2006. Esse fenômeno é
acompanhado por um número cada vez maior de crianças atingidas. Com relação às
gestantes, foram notificados 41.777 casos desde 2000. Observa-se incremento mais
intenso do número anual de notificações até 2004, e mais discreto a partir de então.
Em menores de 13 anos, em 2007, a transmissão vertical foi responsável por
91% das infecções. Quanto às principais categorias de exposição entre homens em
2007, as relações sexuais responderam por 72% dos casos de AIDS, com maior
prevalência nas relações heterossexuais, que é de 44%. Entre as mulheres, a
transmissão do HIV se deu predominantemente pela via sexual, 96%(8).
1.3.3 Transmissão Vertical
O primeiro caso de transmissão vertical no Brasil foi notificado em 1985 e até
junho de 2008 foram registrados 11796 casos nesta categoria(8).
A transmissão vertical do HIV ocorre pela passagem do vírus da mãe para o
bebê durante a gestação, o parto ou a amamentação, sendo que cerca de 35%
10
dessa transmissão ocorrem durante a gestação, 65% acontecem no periparto e há
um risco acrescido de transmissão através da amamentação de 7% até 22% por
exposição (cada mamada).
Com uma prevalência de 0,41% de infecções pelo HIV em gestantes, estimase que 12.456 recém-nascidos sejam expostos ao HIV anualmente. A taxa de
transmissão vertical do HIV, quando não são realizadas todas as intervenções de
profilaxia, atinge cerca de 25% dos recém-nascidos de gestantes infectadas pelo
HIV, podendo ser reduzidas a níveis entre 1 e 2% com a aplicação de medidas
adequadas durante o pré-natal e puerpério. Essas intervenções são: o uso de
antirretrovirais a partir da 14ª semana de gestação; utilização de AZT injetável
durante o trabalho de parto; realização de parto cesáreo, quando indicado; AZT oral
para o recém-nascido exposto, do nascimento até 42 dias de vida e inibição de
lactação associada ao fornecimento de fórmula infantil até os seis meses de idade.
Em estudo multicêntrico no Ministério da Saúde, conduzido pela Sociedade
Brasileira de Pediatria, a taxa estimada de transmissão vertical do HIV no Brasil em
2004 foi de 6,8%, variando entre 13,4% na região Norte e 4,3% na região CentroOeste. Observou-se que em locais onde as medidas profiláticas preconizadas pelo
Ministério da Saúde foram implantadas na rotina do pré-natal as taxas de
transmissão vertical foram reduzidas a menos de 2%.
Legislação, tecnologia e insumos para redução da transmissão vertical do HIV
já existem e são disponibilizados pelos governos federal, estaduais e municipais,
porém a análise dos dados vem demonstrando marcadas diferenças regionais nas
taxas de incidência e de transmissão vertical, num claro reflexo de que são
necessárias medidas efetivas para sua redução a índices aceitáveis(48).
11
1.4 Adesão terapêutica
A adesão ao tratamento envolve muito mais do que a ingestão de
medicamentos. Deve ser compreendida de forma ampla, incluindo estabelecimento
de vínculo entre o usuário e equipe de saúde, acesso à informação,
acompanhamento clínico-laboratorial, compartilhamento das decisões acerca do
tratamento e adequação do tratamento a hábitos e necessidades individuais. O
estabelecimento e manutenção da adesão à terapia é meta difícil de ser alcançada
em doentes crônicos, mesmo quando o esquema é simples e o paciente
sintomático.
O
comparecimento
às
consultas
marcadas,
a
ingestão
diária
de
medicamentos, os regimes alimentares adequados e a realização de exames são
atividades que exigem envolvimento do paciente e também de seus cuidadores.
O adolescente pode apresentar dificuldades de adesão ao tratamento por
diversos motivos: paladar ruim, tamanho e quantidade de pílulas, efeitos adversos
dos medicamentos, falta de compreensão sobre a necessidade do tratamento,
(especialmente quando desconhece seu próprio diagnóstico), receio de sofrer
preconceito nos grupos sociais, atitudes oposicionistas e de revolta, inclusive por
não aceitar o fato de ser soropositivo(40).
O acompanhamento e avaliação da adesão ao tratamento são grandes
desafios para quem trabalha em saúde, uma vez que os métodos ou procedimentos
disponíveis não fornecem uma avaliação precisa(40).
Marhefka et al(49) (EUA, 2006) aferiram a adesão de 54 crianças e
adolescentes com idades de um a 13 anos (média sete anos) a partir de dados
fornecidos pela farmácia responsável pela entrega da medicação aos pacientes,
considerando aderentes aqueles que retirassem 80% ou mais dos ARV prescritos.
Os autores ponderam vantagens e desvantagens do método utilizado. Por um lado,
obter informações da farmácia é relativamente fácil e tem baixo custo, além de não
12
superestimar a adesão tanto quanto o auto-relato. Porém pode subestimar situações
em que a medicação foi retirada mas não consumida e não permite a detecção de
dificuldades em relação aos intervalos e às recomendações alimentares.
Em estudo brasileiro de 2007, Crozzati(50) observou a concordância das
concentrações plasmáticas com a adesão auto-referida à medicação ARV em 76%
de 95 crianças e adolescentes com idades de zero a 12 anos (média dez anos).
Concluiu que o teste da adesão auto-referida é adequado para identificar os
verdadeiros negativos mas pouco sensível para os verdadeiros positivos.
Diversos estudos de adesão aos ARV em crianças e adolescentes utilizaram
o método do auto-relato. Williams et al(31), em estudo multicêntrico americano (2006),
avaliaram a adesão de 2088 pacientes de três a 18 anos (mediana 11 anos) que
adquiriram o HIV por transmissão vertical. Murphy DA et al(14) (EUA, 2003) aferiram
a adesão de 114 adolescentes de 12 a 19 anos contaminados por relação sexual ou
uso de drogas injetáveis. Ambos discutem as limitações da adesão auto-referida,
considerando os riscos de superestimativa e incapacidade de detecção de períodos
intermitentes de má adesão.
A combinação de diferentes métodos tem sido sugerida como a melhor
alternativa para aferir a adesão terapêutica.
1.5 Revelação do diagnóstico
A revelação do diagnóstico é um aspecto fundamental da assistência ao
paciente, que pode influenciar sua maneira de lidar com a doença. Deve ser tratada
como um processo gradual, progressivo e contínuo. A abordagem deve ser
individualizada e o momento apropriado. O nível de informação e a priorização dos
assuntos dependerão do contexto psicossocial e familiar em que o jovem estiver
inserido(17).
13
Abadía-Barrero e LaRusso(51) (2006) reforçaram a importância da revelação
gradual, de acordo com o nível de entendimento presente em cada idade.
Acompanharam 18 crianças com idades de um a 15 anos infectadas por
transmissão vertical, que viviam em uma casa de apoio onde não se falava
abertamente sobre HIV/AIDS. Observaram que até os seis anos as crianças
aprendiam a aceitar a medicação sem questionar sobre a doença, pois as respostas
dos adultos eram sempre confusas ou contraditórias. Dos sete aos nove anos
podiam perceber o estigma que envolvia a palavra AIDS, mas ainda confusas sobre
como aquilo as afetaria. Dos dez aos 12 anos sentiam vergonha e raiva diante da
ameaça de estarem associados aos valores sociais negativos atribuídos à AIDS. A
ausência de um diálogo honesto as tornava especialmente vulneráveis às
mensagens negativas sobre pessoas soropositivas. A partir dos 13 anos, os
adolescentes demonstravam entendimento precário sobre as implicações do
HIV/AIDS em suas vidas e cinismo em relação ao próprio tratamento, ao futuro e às
informações sobre riscos à sua saúde. Na falta de um processo educacional
adequado, os adolescentes paravam de acreditar que a AIDS podia ser uma doença
grave e fatal, tornando-se vulneráveis a comportamentos de risco como relações
sexuais desprotegidas e não adesão ao tratamento.
Todos os adolescentes infectados pelo HIV devem ter ciência de seu
diagnóstico, independentemente da forma de transmissão. Isso facilita em muito o
cuidado continuado(17). Conceber o paciente como sujeito de seu processo saúdedoença deve fazer parte do atendimento integral aos infectados pelo HIV.
14
2 OBJETIVOS
Relacionar características epidemiológicas e do tratamento ARV de pacientes
adolescentes infectados pelo HIV à adesão terapêutica.
15
3 CASUÍSTICA E MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo e retrospectivo.
Foram revisados os 65 prontuários de adolescentes que tinham diagnóstico
de infecção pelo HIV anterior ao período estudado e eram acompanhados no
ambulatório de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. Sabendo que
habitualmente as avaliações não ultrapassam seis meses, estabeleceu-se o período
de 14/9/2007 a 28/3/2008, sendo coletados os dados de consultas realizadas nesse
intervalo. Foram considerados os prontuários de 46 pacientes com idade de 10 a 19
anos completos. Todos estavam em tratamento com ARV.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Registraram-se os dados de idade, sexo, estágio de desenvolvimento puberal
de Tanner, escolaridade, composição do núcleo domiciliar, idade ao diagnóstico,
forma de transmissão, conhecimento do diagnóstico, carga viral, tempo de
tratamento ARV, primeiro esquema ARV utilizado, quantidade de esquemas ARV
utilizados e adesão terapêutica.
A escolaridade foi classificada em adequada e atrasada. O conceito de atraso
escolar obedeceu às Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, segundo a
qual o ensino fundamental obrigatório deve iniciar-se aos seis anos de idade, com
duração de nove anos, com mais três anos para concluir o ensino médio. A idade
considerada ideal para o ano escolar deve ter sido completada no segundo semestre
do ano anterior até o primeiro semestre do ano corrente(52).
O exame de quantificação de carga viral de HIV-1 foi realizado pelo Instituto
Adolfo Lutz Central de São Paulo, utilizando a técnica b-DNA, kit HIV 3.0 RNA. O
limite mínimo de detecção foi de 50 cópias/ml e o máximo 500.000. Devido à ampla
variância das medidas de carga viral, os testes estatísticos foram realizados com
16
transformação logarítmica, substituindo as indetectáveis por 49. Não houve medidas
superiores ao limite máximo de detecção.
Durante o acompanhamento ambulatorial do serviço de Infectologia
Pediátrica, o exame de carga viral foi solicitado a cada três ou quatro meses
conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.
Um esquema de três ou mais medicações ARV simultâneas foi definido como
HAART.
O número de esquemas ARV utilizados levou em conta apenas as mudanças
por falha terapêutica. Alterações impostas por intolerância medicamentosa ou
interrupção na fabricação de drogas não foram consideradas como um novo
esquema.
Falha terapêutica foi definida como a ocorrência de deterioração clínica e/ou
piora dos parâmetros laboratoriais imunológico e/ou virológico, de acordo com os
critérios do Ministério da Saúde(22,37)(Quadro 2).
QUADRO 2. Critérios de falha terapêutica(22).
Critérios clínicos:
-
deterioração neurológica;
-
falha no crescimento e/ou desenvolvimento neuropsicomotor;
-
novo evento indicativo de progressão clínica (exceto no contexto de reconstituição imunológica).
Critérios imunológicos:
-
mudança de categoria imunológica;
-
redução maior que 20 a 25% na contagem absoluta de linfócitos T-CD4+ (LT-CD4+) (em relação
ao valor mais elevado atingido no esquema atual) em pelo menos duas determinações seriadas,
na ausência de infecção recorrente que explique diminuição transitória de LT-CD4+;
-
para crianças com níveis de LT-CD4+ <15%, decréscimo persistente igual ou maior que 5% (por
exemplo: de 15% para 10%, ou de 10% para 5%).
Critérios virológicos:
-
resposta virológica inferior à minimamente aceitável depois de três a seis meses de tratamento:
redução <0,7 a 1,0 log, dependendo do esquema ARV utilizado, em relação ao nível inicial;
-
aumento persistente da carga viral depois do início do tratamento >0,5 log;
-
retorno persistente da carga viral à detecção depois de um período de indetecção.
17
A aferição da adesão foi realizada pela equipe de Infectologia Pediátrica da
Santa Casa de São Paulo, baseada na combinação de três métodos indiretos:
-
avaliação dos parâmetros laboratoriais de resposta terapêutica: carga viral
e contagem de LT-CD4+;
-
auto-relato, considerando as respostas do paciente e acompanhante ao
questionário “abordagem da adesão” (Quadro 3);
-
estimativa dos profissionais de saúde, que traduz a impressão geral da
equipe sobre o paciente, levando em conta sua assiduidade, interesse e
postura(53).
A adesão foi classificada em três níveis: boa, duvidosa e ruim.
QUADRO 3. Questionário “abordagem da adesão”.
Nos últimos 3 dias, quantas doses esqueceu de tomar?
O acompanhante sabe as doses e horários?
Existe dificuldade para tomar a medicação?
Alguém vê o paciente tomando a medicação?
Para análise descritiva das variáveis qualitativas foram usadas porcentagens
e para variáveis quantitativas medidas resumo (média, desvio-padrão, mediana,
mínimo e máximo) e Boxplot.
No estudo de associação entre variáveis foram utilizados os testes de
Kruskal-Wallis e Mann-Whitney, além da correlação de Spearman. O nível de
significância (α) considerado foi 5%.
As análises foram feitas nos programas Epi Info versão 3.4.1 e SPSS versão
13.0 for Windows.
18
4 RESULTADOS
A idade dos pacientes variou de dez a 19 anos completos, sendo a média e a
mediana iguais a 14 anos. Cinqüenta por cento eram do sexo feminino.
O registro do estágio de Tanner estava ausente ou incompleto na imensa
maioria dos prontuários, impossibilitando a utilização desse dado.
A escolaridade foi considerada atrasada em 50% dos pacientes.
Quanto à composição do núcleo domiciliar, 63% dos pacientes moravam com
seu pai e/ou mãe biológicos, 30% com outros familiares e 7% com pais adotivos.
A idade média ao diagnóstico foi de cinco anos (mínimo um mês e máximo 15
anos) e a mediana quatro anos.
A forma de transmissão foi predominantemente vertical (85%), com 15% de
contaminação desconhecida.
Oitenta e três por cento dos pacientes conheciam seu diagnóstico de infecção
pelo HIV.
A mediana da carga viral à época da análise do prontuário foi de 3,17log (1,69
- 5,16), sendo a média 3,09log.
A média e a mediana de tempo de tratamento foram iguais a 8 anos, sendo o
mínimo três meses e o máximo 15 anos.
Trinta e nove por cento dos pacientes iniciaram o tratamento com três drogas
ARV (esquema triplo=HAART), 41% com duas drogas (esquema duplo) e 20% com
uma única droga (monoterapia).
19
O número de esquemas ARV utilizados por cada paciente foi em média
quatro (Desvio Padrão 3,2), variando de um a 14, com mediana de três. Vinte e dois
por cento usaram apenas um esquema ARV, 30% usaram dois a três esquemas,
33% quatro a seis e 15% usaram sete ou mais esquemas.
A adesão terapêutica foi considerada boa em 48% dos pacientes, duvidosa
em 26% e ruim nos outros 26%.
Não houve diferença significativa da adesão em relação à idade, idade ao
diagnóstico ou tempo de tratamento ARV (Tab. 1).
Não foi observada associação da adesão com sexo, escolaridade,
composição do núcleo domiciliar, forma de transmissão, conhecimento do
diagnóstico ou primeiro esquema ARV utilizado (Tab. 2).
TABELA 1. Medidas resumo da idade, idade ao diagnóstico, carga viral (log), tempo de tratamento e
número de esquemas ARV utilizados para cada nível de adesão terapêutica.
Medidas resumo
Adesão Terapêutica
p
Boa
Duvidosa
Ruim
Idade (anos)
0,7425
Média
14,05
14,97
13,83
Desvio Padrão
2,45
3,39
2,39
Mediana
13,70
14,03
13,68
Idade ao diagnóstico (anos)
0,4461
Média
6,23
4,67
4,74
Desvio Padrão
4,26
4,91
3,33
Mediana
4,46
2,67
4,67
Carga Viral (log)
0,0001*
Média
2,26
3,59
4,11
Desvio Padrão
0,94
1,07
0,97
Mediana
1,69
4,02
4,37
Tempo de tratamento (anos)
0,4471
Média
7,14
9,33
8,95
Desvio Padrão
4,74
3,15
3,38
Mediana
7,28
9,34
9,23
Número de Esquemas ARV
0,0124*
Média
2,91
4,08
5,83
Desvio Padrão
3,08
1,88
3,86
Mediana
1,00
4,50
4,00
*p<0,05 = estatisticamente significante
20
TABELA 2. Características dos pacientes distribuídas pela classificação da adesão terapêutica.
Características
n (%)
Boa
46 (100%)
Masculino
23 (50%)
Feminino
23 (50%)
Escolaridade
46 (100%)
Adequada
23 (50%)
Atrasada
23 (50%)
Núcleo domiciliar
46 (100%)
Pais biológicos
29 (63%)
Familiares
14 (30,5%)
Pais adotivos
3 (6,5%)
Forma de transmissão
46 (100%)
Vertical
39 (84,8%)
Desconhecida
7 (15,2%)
Conhecimento do diagnóstico 46 (100%)
Sim
38 (82,6%)
Não
8 (17,4%)
Primeiro esquema ARV
46 (100%)
Monoterapia
9 (19,6%)
Terapia Dupla
19 (41,3%)
HAART
18 (39,1%)
Dados apresentados em n (%).
Adesão Terapêutica
Duvidosa
Ruim
Sexo
11 (48%)
11 (48%)
5 (22%)
7 (30%)
7(30%)
5 (22%)
12 (52%)
10 (43%)
7 (31%)
5 (22%)
4 (17%)
8 (35%)
17 (59%)
5 (36%)
0
8 (27%)
4 (28%)
0
4 (14%)
5 (36%)
3(100%)
17 (43%)
5 (71%)
10 (26%)
2 (29%)
12(31%)
0
17 (45%)
5 (63%)
10 (26%)
2 (25%)
11(29%)
1 (12%)
5 (56%)
4 (21%)
13 (72%)
2 (22%)
6 (32%)
4 (22%)
2 (22%)
9 (47%)
1 (6%)
A carga viral mostrou-se associada à adesão terapêutica, com p=0,0001. Não
houve diferença significativa de carga viral entre os pacientes que tiveram adesão
duvidosa e ruim (Graf. 1, Tab. 1).
21
GRÁFICO 1. Distribuição de carga viral (log) de acordo com a adesão terapêutica
representada pelo diagrama de boxplot.
p=0,1488
*p=0,0026
*p=0,0000
Duvidosa
*p<0,05 = estatisticamente significante
O número de esquemas ARV utilizados estava associado com a adesão
terapêutica (p=0,012). Não houve diferença estatisticamente significante do número
de esquemas ARV utilizados entre quem apresentou adesão duvidosa e ruim (Gráf.
2, Tab. 1).
22
GRÁFICO 2. Distribuição do número de esquemas ARV utilizados de acordo com a
adesão terapêutica representada pelo diagrama de boxplot.
*p<0,05 = estatisticamente significante
23
5 DISCUSSÃO
Vivemos a terceira década da epidemia de AIDS. Os avanços desenvolvidos
no tratamento da infecção pelo HIV transformaram o prognóstico e a expectativa de
vida dos soropositivos. Crianças infectadas chegaram à adolescência e enfrentam o
desafio de conciliar um tratamento que não admite falhas com o processo de busca
e desenvolvimento da própria identidade, envolvidos pelo estigma, preconceito e
discriminação social. A atmosfera de segredo dificulta passos fundamentais do
desenvolvimento como pertencer a um grupo ou exercitar a sexualidade(54).
É típico da adolescência o chamado “pensamento mágico”, que traz uma
sensação de invulnerabilidade. Assim, temos adolescentes soropositivos que
acreditam que não serão atingidos pela doença, por isso abandonam o tratamento,
até que a imunodeficiência se manifesta de maneira incontestável obrigando-os a
voltar ao serviço de saúde. O número de adolescentes cadastrados no ambulatório
de Infectologia Pediátrica à época desta pesquisa era 65, porém apenas 46 (70,8%)
estavam em seguimento regular.
Outras características próprias da adolescência também comprometem a
adesão ao tratamento. Sua personalidade instável pode obedecer ou desafiar as
recomendações médicas. Há uma contradição de papéis, ora de uma criança
dependente, ora de um indivíduo auto-suficiente. É comum o adolescente fantasiar
um futuro imaginário e sair do presente, como se assistisse passivamente à própria
vida acontecer. Existe ainda uma distorção de percepção do tempo, levando à
postergação dos cuidados com a saúde em nome de urgências irracionais.
Em nosso levantamento, a idade não apresentou relação com a adesão
terapêutica. Giacomet et al(55) (2003) também não encontraram associação entre a
idade e a adesão terapêutica aferida por auto-relato em estudo multicêntrico italiano
envolvendo 129 crianças e adolescentes com idades de 4 meses a 17 anos
(mediana 8 anos). Mellins et al (2004)(34), utilizando o método do auto-relato em 77
crianças e adolescentes de três a 13 anos (média 8 anos), e Williams et al (2006)(31)
24
relacionaram o aumento da idade à má adesão. Estudo multicêntrico europeu
COHERE de 2008 mostrou pior resposta virológica em crianças, alertando para
possível associação à resistência viral(56).
Em nossa pesquisa, a adesão não apresentou diferença entre sexos,
enquanto Williams et al (2006)(31) associaram o sexo feminino à não adesão. Em
estudos multicêntricos realizados com adultos, Nicastri et al(57) (2005) não
encontraram diferenças entre sexos, enquanto Collazos et al(58) (2007) associaram o
sexo feminino a melhor resposta ao tratamento, considerando os parâmetros
virológico e imunológico.
A escolaridade não se mostrou associada à adesão terapêutica em nosso
estudo, embora Williams et al(31) (2006) tenham encontrado relação de escolaridade
inadequada com não adesão ao tratamento. Esse dado pode ter sofrido influência do
sistema de ensino vigente no ensino público brasileiro, que não reprova alunos por
mau rendimento, apenas por faltas. O desempenho e interesse escolar dizem
respeito, entre outras questões, ao projeto de vida do adolescente, assunto
relevante quando tratamos de uma doença incurável. Observamos em algumas
famílias uma postura de descrédito em relação ao futuro do jovem devido à doença.
Nossos dados não encontraram diferença da adesão terapêutica em relação
ao núcleo familiar, porém apenas 7% da amostra residia com pais adotivos, o que
pode ter dificultado a comparação. Na cidade de São Paulo, os pacientes que vivem
em instituições são encaminhados para outros serviços, justificando o grande
percentual encontrado de jovens que viviam com seus pais(63%) ou familiares
(30%). Williams et al(31)(2006), Giacomet et al(55)(2003) e Marhefka et al (2006)(49)
relacionaram a presença de pais adotivos ou cuidadores que não sejam familiares
com maior adesão terapêutica.
O contexto familiar dos jovens que adquiriram HIV de sua mãe merece
atenção especial. O convívio com outro(s) soropositivo(s) na família e o modo como
eles lidam com a questão influencia enormemente o comportamento do adolescente.
Percebemos maior adesão ao tratamento entre os filhos de mães também
25
aderentes. Ao contrário, quando a mãe abandona o próprio tratamento, não toma as
medicações corretamente ou precisa de internações frequentes, observamos atitude
semelhante no(a) filho(a). O falecimento dos pais também costuma ter impacto
negativo sobre o jovem, gerando sensação de impotência e desânimo frente à
doença(59).
A idade média ao diagnóstico foi de 5 anos, com mediana de 4 anos,
refletindo falhas no diagnóstico pré-natal para a amostra estudada. Em nosso
estudo, não encontramos associação entre adesão terapêutica e idade ao
diagnóstico.
Nossos pacientes adquiriram o vírus em sua maioria (85%) por transmissão
vertical, o que está de acordo com a literatura, considerando a idade do diagnóstico.
No Brasil, a prevalência de transmissão vertical foi de 84,5% em menores de 13
anos, até junho de 2008. Pacientes de 13 anos ou mais responderam por 2,4% dos
casos de transmissão vertical notificados em 2008 no Brasil(8). Neste estudo,
selecionamos adolescentes já seguidos no serviço de Infectologia Pediátrica da
Santa Casa de São Paulo, onde a idade máxima para iniciar acompanhamento é de
13 anos. Acreditamos que isso tenha contribuído para a taxa de transmissão vertical
que encontramos. Não observamos relação entre a forma de transmissão e a
adesão terapêutica em nosso levantamento. Também na literatura não encontramos
diferença de adesão em relação à forma de contaminação pelo vírus(14,34,36,60).
Entre os sete pacientes de transmissão desconhecida, dois receberam
transfusão sanguínea e dois tinham história de internação hospitalar na década de
90. Os outros três tinham pai ou tio infectado pelo HIV, sendo que um paciente
apresentou condiloma perianal. Em nenhum caso foi possível comprovar
transmissão sexual.
Nosso trabalho não mostrou associação da adesão terapêutica com o
conhecimento do diagnóstico, o que pode ter sido influenciado pelo grande número
de pacientes (83%) que conheciam sua condição de soropositividade. A literatura é
controversa ao relacionar conhecimento do diagnóstico com adesão ao tratamento.
26
Williams et al (2006)(31) também não encontraram associação da adesão com o
conhecimento do diagnóstico. Butler et al (2009)(62) não encontraram diferença
significativa da qualidade de vida antes e depois da revelação do diagnóstico.
Marques et al (2006)(61) e Battles et al (2002)(59) observaram repercussão positiva da
revelação do diagnóstico sobre os cuidados de saúde. Por outro lado, Giacomet et al
2003(55) encontraram menor adesão entre as crianças que sabiam seu diagnóstico.
Outrossim, Biadgilign et al (2008)(60) e Marhefka et al (2006)(49) relacionaram melhor
adesão entre pacientes que não conheciam seu diagnóstico.
Alguns pacientes infectados pelo HIV são órfãos desde muito pequenos,
criados por seus familiares: tios e avós, principalmente. São famílias que herdaram
vários problemas, como cuidar de uma criança com mal sem cura e marginalizado
pela sociedade, além da responsabilidade de explicar ao menor o que isto significa.
É frequente a família criticar os pais diante do jovem, culpando-os pela doença e
morte. Algumas escondem o diagnóstico da criança e até inventam outra patologia
para justificar a quantidade de consultas, exames e remédios. Várias razões
explicam esta atitude, entre elas culpa e vergonha. Às vezes o jovem descobre a
doença
por
si
desencontradas,
mesmo:
ele
lendo
primeiro
rótulos
dos
ARV
desconfia
e
depois
soropositividade. Abadía-Barrero e Larusso (2006)
(51)
e
ouvindo
tem
informações
certeza
de
sua
encontraram reações piores
em adolescentes que descobriram o diagnóstico sozinhos. A revelação da doença à
criança ou adolescente é um momento delicado e importante, que merece cuidado
especial tanto por parte da equipe de saúde como da família e cuidadores.
Em nosso estudo, a adesão terapêutica apresentou associação significativa
com a carga viral, fato já bem documentado em outros estudos(14,31,63-65).
Não encontramos associação do tempo de tratamento com a adesão
terapêutica em nosso estudo. Marhefka et al (2006)(49) associaram melhor adesão
terapêutica à menor duração do HAART.
A comparação da adesão terapêutica entre os que iniciaram com diferentes
esquemas ARV (monoterapia, terapia dupla ou HAART) não mostrou diferença
27
estatisticamente significante. Giacomet et al (2003)(55) associaram maior adesão
terapêutica ao uso de HAART.
Os pacientes do nosso estudo não tiveram o diagnóstico de HIV e nem
iniciaram o tratamento ao mesmo tempo. Isso explica a heterogeneidade encontrada
no primeiro esquema ARV utilizado, pois cada um usou o que havia disponível à
época do início de seu tratamento.
Encontramos menor número de esquemas antirretrovirais usados entre os
pacientes que tinham melhor adesão terapêutica (Gráf. 2), achado semelhante ao de
Souza et al(66), reforçando a importância da adesão para evitar falha terapêutica.
A adesão aferida por método indireto realizada em nosso estudo apresentou
associação com a carga viral e o número de esquemas ARV utilizados, mas não
com as características epidemiológicas dos adolescentes. Esses resultados podem
ter sido influenciados pelo pequeno número de pacientes, o que limitou a análise
estatística.
A adesão excelente é fundamental para obter a redução de morbimortalidade
que o HAART oferece. Isso pode ser dificultado por questões psicossociais que
surgem com força na adolescência, somadas aos desafios próprios da AIDS. Num
país como o Brasil que proporciona acesso universal aos ARV, fazem-se
necessárias políticas públicas de atenção global à saúde do jovem e sua família ou
cuidadores, com abordagem multiprofissional capaz de reconhecer e encaminhar as
particularidades da doença nesta fase de vida(67,68).
28
6 CONCLUSÕES
As características epidemiológicas de idade, sexo, escolaridade, composição
do núcleo domiciliar, idade ao diagnóstico, forma de transmissão e conhecimento do
diagnóstico não apresentam associação com a adesão terapêutica dos pacientes
estudados, bem como o tempo de tratamento ARV e primeiro esquema ARV
utilizado.
Neste estudo, os pacientes que apresentam melhor adesão terapêutica têm
menores valores de carga viral e utilizam menor número de esquemas ARV.
29
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de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2009.
RESUMO
Nas últimas três décadas, desde o aparecimento dos primeiros casos de AIDS,
assistimos a enorme avanço dos métodos terapêuticos, que transformaram a
evolução da doença de debilitante e fatal em crônica e controlável. Crianças
infectadas estão chegando à adolescência e trazendo desafios específicos não
apenas aos jovens, como também para suas famílias e cuidadores. Este estudo
retrospectivo descreveu as características epidemiológicas e do tratamento de 46
pacientes adolescentes infectados pelo HIV acompanhados em serviço universitário
especializado, relacionando-as à adesão terapêutica aferida pela combinação de
três métodos indiretos. As características epidemiológicas de idade, sexo,
escolaridade, composição do núcleo domiciliar, idade ao diagnóstico, forma de
transmissão e conhecimento do diagnóstico não apresentaram associação com a
adesão terapêutica, bem como o tempo de tratamento e o primeiro esquema
antirretroviral (ARV) utilizado. Os pacientes que apresentaram melhor adesão
terapêutica tinham menores valores de carga viral e utilizaram menor número de
esquemas ARV.
Palavras-chave: 1. HIV 2. Terapêutica 3. Cooperação do paciente 4. Epidemiologia
5. Adolescente 6. Estudos retrospectivos
38
Machado JKC. Brazilian adolescents infected by HIV – epidemiologic characteristics &
adherence to treatment. Thesis. Sao Paulo: School of Medical Sciences of Santa Casa
de Sao Paulo; 2009.
ABSTRACT
Over the last three decades since the first AIDS cases appeared we have witnessed
a huge progress in therapeutic methodologies transforming the evolution of the
disease from debilitating and fatal into chronic and controllable. Infected children are
arriving at adolescence and bringing specific challenges not only to youngsters but
also to their families and caregivers. This retrospective study sets forth
epidemiological and treatment characteristics of 46 HIV-infected adolescents
followed in a specialized university service relating said characteristics to therapy
adherence assessed through a combination of three indirect methods.
Epidemiological characteristics regarding age, sex, school level, household
composition, age of diagnosis, mode of infection and knowledge of diagnosis did not
reveal any association with therapy adherence, nor with treatment time and the initial
antiretroviral scheme. Patients with good therapy adherence presented lower viral
load and used a smaller number of antiretroviral schemes.
Keywords: 1. HIV 2. Therapeutic 3. Patient compliance 4. Epidemiology 5.
Adolescent 6. Retrospective studies
39
APÊNDICE
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