Nome: Flávio Campos de Lima.
E-mail: [email protected]
Instituição de Ensino: PUC-SP
Orientadora: Profª Drª Maria Constança
LA BOÉTIE E SEU TEMPO
Resumo. O filósofo e magistrado Étienne de La Boétie escreve entre 1546 e 1548 um
importante texto, trata-se de sua ilustre obra, o “Discurso da servidão voluntária”.
(Discours de La servitude volontaire). Tais datas são explicitadas por seu grande amigo,
o também filósofo Michel de Montaigne. Montaigne comenta em sua obra intitulada
“ensaios” (Essais) a obra de seu amigo La Boétie que morre prematuramente aos 32
anos deixando uma obra fundamental para aqueles amantes da antropologia, da
psicologia e da filosofia. Parece que o principal objeto de estudo do filosofo La Boétie
nesta obra é o homem. La Boétie vai investigar a rigor qual é a origem da escravidão
existente entre os homens, buscando saber, se é ela autorizada pela natureza ou se esta é
uma invenção social. Tal problema leva La Boétie a percorrer os acontecimentos
históricos e filosóficos cujo objetivo parece ser encontrar uma possível resposta a esta
complexa questão. Após percorremos suas paginas, podemos observar que para o
filosofo a dominação humana não pode ser autorizada pela natureza que, a seu ver, fez
todos os homens iguais. Resta assim, sustentar a tese que ela, a dominação, só pode ser
uma invenção social. De modo que para La Boétie o homem é escravizado pelo próprio
homem, ou seja, por si mesmo.
É difícil entender que todos os homens habitantes de uma sociedade, isto em todo o
mundo, obedeçam por sua livre e espontânea vontade a um único homem que dite como
estes homens devem ou não se comportar. Este fato é para La Boétie muito complexo.
Ora, como entender que pessoas nascidas livres, aceitem a escravidão sem
questionamento, transferindo assim, seus direitos a um único representante? É muito
estranho que um só homem possa privar milhões de habitantes de um Estado, de sua
liberdade e não haja revolta por parte desses dominados:
[...] como é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas nações ás
vezes suportem tudo de um tirano só, que tem apenas o poderio que lhes dão
que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto aceitam suporta-lo.
Não que a ele sejam obrigados por força maior, mas porque são fascinados e,
por assim dizer, enfeitiçados apenas pelo nome de um que não deveriam
temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel para com todos
eles
Essa voluntariedade parece ser inconsciente, pois, pode acontecer que este homem
seja escravo e não o saiba. Tal esquecimento dar-se em sua desnaturação, ocorrida ao
longo da história, sem que ele perceba. Assim, o homem poderá crer que as coisas
foram sempre assim, e que é normal existir aqueles que comandam e aqueles que
nasceram para apenas obedecer sem que caiba ai, nenhuma oposição aos comandantes.
Se aceita a tese que não é por meio da força que o tirano obtém seus servos, para
que o tirano deixasse de existir, bastaria que o povo não mais lhe desse aquilo que na
verdade ele não possui, como por exemplo, os reis do Egito que andavam com a
“cabeça pegando fogo”, e o povo aceitava essa “verdade” sem desmascará-los. Mas,
segundo La Boétie, existe um por que do povo não tirar a mascara do tirano, o motivo
seria, a transformação dos homens, por parte do tirano, em “homens efeminados”, sem
coragem alguma. Sabendo que este povo foi conduzido a covardia extrema, o tirano,
ver-se a vontade para realizar o que bem entender, como correto, verdadeiro ou falso,
pois ter certeza que os homenzinhos não lhe farão oposição alguma.
Parece possível afirmarmos que para La Boétie o homem é livre por natureza, mas
este não sabe mais reconhecer aquilo que lhe é bom nem natural. Esse esquecimento
ocorre quando ele, o homem, passa a viver em sociedade, pois adquire hábitos e
costumes que não possuía em sua natureza primeira. De tal maneira que, La Boétie, diz
ser este segundo momento da existência humana, uma segunda natureza. Esta segunda
natureza, parece ser adquirida por meio da educação que ele recebe agora no meio
social e não mais natural como era antes. A força dos hábitos adquiridos no meio social
pelo homem possui um poder esmagador que logo destrói os ensinamentos naturais,
assim, o homem logo perde aquilo que lhe era natural:
Não há dúvida de que, inicialmente, é a natureza que nos dirige segundo as
tendências boas ou más que nos deu; mas também é preciso concordar que
ela tem ainda menos poder sobre nós que o hábito; pois, por melhor que seja
o natural se perde se não é cultivado, enquanto o hábito sempre nos
conforma a sua maneira, apesar de nossas tendências naturais. As sementes
do bem que a natureza põe em nós são tão frágeis e finas que não podem
resistir ao menor choque das paixões nem á influência de uma educação que
as contraria. Não se conservam bem, abastardam-se tão facilmente e até
degeneram, como ocorre a essas árvores frutíferas que, tendo sua própria
espécie, conservam-se enquanto as deixam crescer naturalmente; mas
perdem-na para dar frutos completamente diferentes, logo que as enxertam.
Talvez fique claro na citação acima que, para La Boêtie o costume é um tirano que
força o homem a perder aquilo adquirido por meio da natura que o educa, de maneira
que este viva naturalmente, sem que tenha início sua degeneração. Assim, La Boétie
parece sustentar a tese que, as leis naturais, pouco ou quase nada, podem fazer contra o
império dos costumes que se impõem e dominam o homem. Isso talvez aconteça,
porque o homem não é um ser totalmente racional, ele, é também possuidor de paixões
que às vezes lhe dominam. Sendo as leis naturais fracas e insuficientes perante a força
tirânica do meio em que o homem vive. Assim, cada um será aquilo que o meio lhe
fornece como certo ou errado. O filósofo ilustra o exemplo dado, quando mostra dois
animais que foram criados: um no campo e outro no ceio domestico:
Contam que Licurgo, legislador de Esparta, criara dois cães, ambos irmãos,
ambos amamentados com o mesmo leite, e os habituara, um na cozinha
doméstica e o outro correndo pelos campos, ao som da trompa e do
cornetim. Querendo mostrar aos Lacedemônios a influência da educação
sobre o natural, expôs os dois cães na praça pública e colocou entre eles uma
sopa e uma lebre: um correu para o prato e o outro para a lebre. Vede, disse
ele, e, no entanto irmãos! O legislador soube dar tão boa educação aos
Lacedemônios, que, cada um deles teria preferido sofrer mil mortes a
submeter-se a um senhor ou reconhecer outras instituições que as de Esparta.
Assim, segundo La Boétie, a primeira razão da servidão voluntária acontece por
intermédio dos costumes que, aos poucos, se tornam os tiranos do homem sem que este
perceba. Mas encontra partida, há aqueles que por costumes, não abrem mão de sua
liberdade em hipótese alguma, preferem a morte, á serem submetidos ao jugo de um
senhor que eles não aceitam. É o caso dos Lacedemônios que, quando foram convidados
a falarem por que não aceitaram os favores do rei, disseram que, sua liberdade não
poderia ser posta a venda, e aqueles que isso faziam, não sabiam o que é ser livre:
Conhecestes o favor de um rei, mas não sabes como é doce a liberdade, nada
sabes da alegria que ela proporciona. Oh! Se tivesses apenas uma ideia,
aconselhariar-nos-ias a defendê-la, não só com a lança e o escudo, mas com
as unhas e os dentes. Só os Espartanos diziam a verdade; mas aqui cada um
falava conforme a educação que havia, recebido. Pois era impossível que o
Persa lamentasse a liberdade de que jamais gozara, os Lacedemônios ao
contrario, tendo saboreado a doce liberdade, nem mesmo concebiam que se
pudesse viver na escravidão.
Na citação acima, talvez fique claro o paradoxo existente no discurso de La Boétie,
pois ao mesmo tempo em que os hábitos e costumes podem escravizar um povo, estes
possibilitam um caminho seguro rumo à liberdade. Para que seja possível o despertar da
liberdade, é necessário que, haja uma educação voltada para tal finalidade. Ora,
pergunta La Boétie, como pode alguém lutar por algo que nunca teve, nem saber o que
significa? Assim, somente aqueles que foram acostumados a ser livres, possuem essa
consciência e é impossível abrir mão dela.Ao longo do texto, La Boétie explicita vários
exemplos de homens ilustres que desde criança não aceitaram em hipótese alguma a
submissão, como é o caso de Catão que, por pertencer a uma família nobre, visitava
com frequência o ditador Sila.
Palavras-chave: homem, desnaturação, costume, dominação.
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