O MUGIDO, OU A FORMATAÇÃO DE UMA POLÍTICA BRASILEIRA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS [...] ele não soube responder-lhes que tinham uma palavra transitória, uma palavra que é um som fugidio, espécie de mugido, sinal de necessidade e não da manifestação da inteligência. São privados da palavra eterna que estava no passado, que estará no futuro. (BALLANCHE, apud RANCIÈRE, 1996:37). Este ensaio se propõe discutir as questões ambientais atuais, mais especificamente as relacionadas às mudanças climáticas, sob o ponto de vista da política pública, sua formulação e seu entendimento como Política ou Polícia em um sistema democrático, com especial atenção para o caso brasileiro. Ademais, propõe-se uma crítica das formas de governo contemporâneas que sob a alcunha de promotoras da democracia, resultam em uma gestão da vida social em que o que menos se leva em conta é o potencial de afirmação política da vontade individual, em benefício de uma coletividade desconhecida e pretensamente feliz com aquilo que se diz ser capaz de proporcionar com a política pública. Assim, trata-se esse tipo de intervenção institucional na sociedade como forma de ação policial, destinada a regular verticalmente as ações individuais em prol de conjunto disperso e acrítico. Para tanto, deve-se tomar em conta o seguinte: que o âmbito da Política, que aqui se defende, é o da igualdade e da liberdade, calcadas no respeito à heterogeneidade. Além disso, há que se ressaltar que em uma sociedade pautada pela diferença e pela disparidade, fazer Política é buscar a emancipação da livre expressão; todo o resto é mugido. Nessa perspectiva, o tratamento das questões relacionadas às mudanças climáticas e à atenuação do aquecimento global é apresentado como a configuração de uma política pública internacional, transformada em uma imensa rede com aparelhos infiltrados nas diversas sociedades nacionais, com a pretensão de difundir uma série de mecanismos e técnicas de controle. Isso se verifica pelo fato de que seus dois principais mecanismos – A ConvençãoQuadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês) e o Protocolo de Quioto – constituem um aparato de regulação da atividade humana nos âmbitos econômico e político – função de Polícia – como forma de conter o avanço do processo de superaquecimento da atmosfera do planeta e fazê-lo retornar a um nível mais aceitável, definido em relação a um percentual determinado das emissões de Gases do Efeito Estufa – GEE – que cada país apresentava em 19901. Com efeito, emprega-se à questão das mudanças climáticas a conotação de um espaço de supervalorização do Estado em um: [...] movimento que faz aparecer a população como um dado, como um campo de intervenção, como objeto da técnica de governo; e o movimento que isola a economia como setor específico da realidade e a economia política como ciência e como técnica de intervenção do governo neste campo da ciência e como técnica de intervenção do governo neste campo da realidade. (FOUCAULT, 1979b:291). Dessa maneira, busca-se um enfoque na discussão dos processos de Polícia (RANCIÈRE, 1996) como uma questão de governamentalidade (FOUCAULT, 1979b) que, por seu enfoque no Estado, o colocando na posição de monstro hiperpolítico (STOTERDIJK, 1999), impede as manifestações individuais de livre-pensamento e vontade de potência (NIETZSCHE, 2000), encarcerando a sociedade em um sistema de servidão (LA BOÉTIE, 2008) que tem como único foco de expressão a voz ininteligível de um reganho: o mugido. Palavras-chave: Mecanismos de Polícia; Governamentalidade; Democracia Brasileira; Política Pública de Mudanças Climáticas; Título.