Paraguaios acusam Brasil de imperialismo Governo Duarte defende negociação, mas insatisfações se avolumam no país, principalmente contra Itaipu Lourival Sant’Anna, de Assunção O mundo dá voltas, e o presidente Lula é prova disso. Mas por essa nem ele esperava. Depois de passar décadas denunciando o imperialismo, Lula virou alvo da mesma denúncia. O jornal ABC Color, o maior do Paraguai, recebeu o presidente domingo passado com um editorial que ocupava toda a primeira página, intitulado: Brasil, um país imperialista e explorador. O editorial era centrado nas supostas iniqüidades da Itaipu Binacional antiga obsessão do jornal, desde o anúncio do tratado sobre a hidrelétrica, em 1973. O tom do artigo, que fala do perigo de violência contra os imigrantes brasileiros (500 mil, segundo o governo) se as “injustiças” contra o Paraguai não forem sanadas, destoa um pouco da abordagem do tema no Paraguai. Mas as insatisfações contra o grande vizinho se avolumam entre os paraguaios. E não só entre eles. Pelo menos desde a eleição do presidente boliviano Evo Morales, no fim de 2005, a percepção de que chegou a hora de um acerto de contas ganha corpo entre os vizinhos. As queixas da Bolívia em relação à exploração do gás não eram novas, mas Evo foi capaz de transformá-las em plataforma de campanha. Eleito, partiu para cima do Brasil e venceu os dois rounds que disputou. Primeiro conseguiu rever para cima o preço do gás. Depois, a pretexto de reestatizar a refinaria da Petrobrás, que ocupou militarmente, comprou-a na bacia das almas, para no dia seguinte entregá-la em parceria à PDVSA, da Venezuela de Hugo Chávez, seu mentor ideológico. A bravura de Evo e os dividendos que produziu causaram impressão. O paralelismo com o Paraguai é óbvio - tanto o gasoduto como a hidrelétrica são fruto de investimento brasileiro para explorar a riqueza natural do vizinho e grande fonte de renda dos Estados. “Sem dúvida a Bolívia nos deu mais coragem”, admite o presidente da Comissão de Energia, Recursos Naturais e Meio Ambiente do Senado, Ronald Dietze, de oposição, majoritária na Casa. “Mas não se deve abordar o tema com pressões, como faz Evo. Há muitos instrumentos de negociação.” Essa é também a visão do presidente Nicanor Duarte Frutos. “Provavelmente os populistas encontrem motivação de exacerbar o nacionalismo para ganhar adeptos e levar a uma confrontação”, disse ao Estado o chanceler Rubén Ramírez Lezcano. “Não é o caso do governo paraguaio. Acreditamos que todas as soluções podem ser encontradas na mesa de negociação.” Mas a moderação dificilmente prevalecerá na campanha presidencial que começa no Paraguai, para a eleição de abril. O ex-bispo Fernando Lugo, líder nas pesquisas, promete levar o Brasil à Corte de Haia, para “recuperar a soberania energética” do país. Um assessor de Lugo disse a um interlocutor brasileiro para “não se preocupar com seu discurso duro, pois isso é marketing”. Falar mal do Brasil em geral (há muitas queixas comerciais) e de Itaipu em particular faz sucesso no Paraguai. Até Duarte no início do mandato alertava para a violência contra brasileiros, mas com o tempo se foi suavizando. Aldo Zuccolillo, dono do ABC Color, tem uma explicação para a suposta condescendência. “Todos os governantes e funcionários paraguaios que passam pela Binacional, incluindo os de agora, ficam multibilionários”, acusa. “Venderam a soberania do Paraguai.” Sua principal crítica é aos juros pagos pela dívida de Itaipu, hoje em 7,5%, mas que já foram mais altos. “Aqui, os bancos oferecem 7% a nós, comerciantes”, argumenta Zucolillo, dono da maior imobiliária do Paraguai. Ele considera “ilógico e intolerável” que a dívida tenha crescido desde que começou a ser paga, em 1985. “Pensam que somos tontos.” Por causa da curva de amortização da Tabela Price, só no ano passado o principal da dívida começou a ser abatido. A construção da hidrelétrica, ao custo de US$ 12 bilhões, foi bancada pela Eletrobrás, que captou recursos no Brasil e no exterior. BUNKER “A contabilidade de Itaipu é um bunker”, compara Zuccolillo, de 78 anos, que editou o livro Itaipu, Águas que Valem Ouro, em 1975. “Não tem controle do Congresso, do Tribunal de Contas, da Controladoria, de ninguém. Os brasileiros também deveriam estar preocupados.” Pelo Tratado de Itaipu, metade da energia pertence a cada país. Como o Paraguai só consome 5%, o Brasil compra 45% do sócio. Os brasileiros pagam, em média, US$ 31,95 por megawatt/hora e os paraguaios, US$ 19,20. A diferença se deve à energia excedente, não-contratada, que recebem de graça, e incide mais sobre o preço médio paraguaio, por causa do volume. Mesmo assim, os paraguaios se dizem lesados e querem cobrar mais. Para o consultor Ricardo Canese, o Brasil deveria pagar no mínimo US$ 40. Itaipu rende ao Paraguai - além de 95% da energia que consome - US$ 320 milhões ao ano, cerca de um quarto da sua receita. Os paraguaios queriam a revisão do Tratado de Itaipu, incluindo a possibilidade de vender a energia para outros vizinhos. O presidente Lula descartou qualquer mudança. E fez uma sugestão: “Usem a energia e desenvolvam o país.” Na Argentina, rival histórico se tornou parceiro Para analista, investimentos do Brasil não causam reação negativa Ariel Palacios, de Buenos Aires Historicamente, a Argentina sempre encarou o Brasil como um rival pela liderança na América do Sul. A crise de 2001 e 2002 pôs a pique o sonho do país de ser uma potência regional e a relação com o Brasil passou a ser encarada como de parceria. “As elites empresariais argentinas não se sentem ameaçadas por um eventual imperialismo brasileiro”, avalia o ex-secretário de Indústria Dante Sica. “O Brasil tem um rumo. Na Argentina, não o vemos como imperialista, mas como um país que está no caminho de consolidar sua liderança regional. Talvez nos países pequenos isso seja visto como imperialismo.” Para o analista político Rosendo Fraga, a relação dos dois países, longe de parecer-se à dos Estados Unidos com um país centro-americano, é similar “à que a Itália ou a Espanha podem ter com a Alemanha” na União Européia. “Há um século existia uma relação de equilíbrio - ou de vantagem argentina -, mas hoje o PIB brasileiro é quatro vezes maior que o argentino.” Segundo ele, na Argentina sempre houve duas tendências em relação ao Brasil: “Uma procurou a conciliação e evitou o conflito. Outra, mais nacionalista, viu o Brasil como o adversário ou concorrente regional; esta, quando a Argentina começou a perder posições relativas, passou a encarar o Brasil como uma ameaça.” Rosendo diz que “até o momento” os investimentos brasileiros na Argentina não provocaram reações negativas. “Mas é difícil prever o futuro, pois o nacionalismo argentino é intermitente e cíclico.” O historiador José Ignacio García Hamilton diz que “o declínio argentino criou em muitos cidadãos o sentimento de humilhação e ressentimento, mas contra os EUA”. Pelo Brasil, haveria “admiração”. García Hamilton ressalva que em geral os argentinos tendem a “invejar” os triunfadores. “É possível que no futuro apareçam sentimentos de hostilidade. Mas, até o momento, isso não se manifestou.” BURGUESIA Outra posição tem Claudio Lozano, da Central dos Trabalhadores Argentinos e candidato a prefeito de Buenos Aires (a eleição será no próximo dia 3) pelo partido Movimento por Buenos Aires, de esquerda. Para ele, a Argentina não foi alvo do “imperialismo brasileiro”, mas outros países da região sim, especialmente a Bolívia. “Em São Paulo, a burguesia só faltou pedir ao presidente Lula a invasão da Bolívia por causa da Petrobrás”, diz. “O governo do Brasil não é imperialista, pois tem uma atitude de integração. Mas seu empresariado, sim, tem aspirações imperiais.” Uruguaios acham país mais egoísta que imperialista 'O Brasil não é visto como um país imperialista pelos uruguaios, mas como um país com ocasionais atitudes egoístas”, diz Daniel Chasquetti, analista político da consultoria Radar, de Montevidéu. “De forma geral, é bem visto. É um sócio grande que em alguns momentos nos ajuda e em outros nos complica a vida.” Ele observa que a situação do Uruguai é diferente da do Paraguai. “O nível de dependência comercial paraguaia é bem grande. As exportações uruguaias ao Brasil não representam 20% do total.” Presença econômica é vista como ameaça na Bolívia Ruth Costas Para a Bolívia, o sentimento imperialista faz mais sentido se dirigido contra o Brasil que contra os EUA. Primeiro pela questão histórica - e todo o ressentimento gerado pela perda do Acre. Depois, porque a presença econômica do Brasil na região é arrebatadora: investimentos brasileiros representam 18% do PIB boliviano e só a Petrobrás é responsável por 30% da arrecadação do governo. Para diplomatas, embora Evo Morales não seja “antibrasileiro”, há correntes de linha dura em sua gestão e nos movimentos sociais que vêem o Brasil como ameaça. Políticos que concordam com a tese ajudaram a aprofundar ação de nacionalização do setor de gás e petróleo - como o ex-ministro dos Hidrocarbonetos Andrés Soliz Rada. A população vê com bons olhos a tentativa de submeter empresários estrangeiros e a Petrobrás, mas não tem arraigado sentimento antibrasileiro. “Os bolivianos em geral ainda simpatizam com os brasileiros, até mais que com os venezuelanos, apesar de o presidente Hugo Chávez estar se esforçando tanto para ampliar sua influência ”, diz o analista político boliviano Carlos Cordero. Na Venezuela, a ambigüidade que marca as relações entre Chávez e Lula cria situação atípica se considerado o grau de polarização que marca a sociedade desse país: o Brasil é visto com bons olhos tanto pelos chavistas quanto pela oposição, embora o conflito de interesses no que diz respeito à política para a América Latina já desgaste a relação. “Há crescente desconfiança mútua”, diz o cientista político Carlos Romero. “O protagonismo de Chávez na nacionalização do setor de gás e petróleo na Bolívia é a prova de que ele está em rota de colisão com o Brasil”, atesta Fernando Gerbase, ex-embaixador da Venezuela no Brasil. “Ainda não podemos falar num sentimento ‘antibrasileiro’, até porque aqui o discurso anti-EUA tem mais apelo. Porém, não há dúvida de que Chávez tem projeto hegemônico para assumir a liderança na América Latina.” Para o cientista político Alberto Garrido, desde a visita de George W. Bush ao Brasil Chávez tenta melhorar alianças com Bolívia, Equador e Argentina. “Para Chávez, nada poderia ser mais inoportuno que aliança baseada no etanol entre Brasil e EUA, seu maior inimigo.” Itaipu defende transparente preços e diz que gestão é A direção de Itaipu nega que falte transparência à sua gestão. “Estamos submetidos ao sistema de controle mais evoluído do planeta”, diz o diretor-geral brasileiro da empresa, Jorge Samek. Segundo ele, Itaipu segue os Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos dos Estados Unidos (US Gaap) e está se ajustando à Lei Sarbannes-Oxley, aprovada pelo Congresso americano em 2002, e considerada a mais rigorosa em governança corporativa. Samek explica que, como binacional, Itaipu não pode ser submetida ao Tribunal de Contas da União (TCU) ou à Controladoria-Geral paraguaia, sob pena de ferir a soberania de um ou outro país. Mas as compras são feitas por leilão eletrônico, e a empresa sofre auditorias internas e externas. “Desde 2003, só vende no Brasil para a Eletrobrás, controlada pelo TCU.” Ele acrescenta que os juros de 7,5% e a tarifa que o Brasil paga pela energia da usina são os praticados no mercado. O senador Ronald Dietze alega que o Japão ofereceu empréstimo de US$ 220 milhões para a instalação de máquinas no Lago Iguazú, com juros de 0,75%. Samek responde que esse é um valor ínfimo, com carência de 40 anos, e equivale a uma doação. “Peça para o Japão emprestar US$ 20 bilhões com esse juro”, ironiza. “Mesmo com o menor risco de sua história, o Brasil não consegue internar dinheiro a menos de 8% ao ano.” O consultor Ricardo Canese lembra que a Venezuela financia petróleo para o Paraguai a 4%. E argumenta que o Paraguai paga US$ 750 milhões ao ano por 30 mil barris diários de petróleo e vende por US$ 250 milhões ao Brasil energia equivalente a 220 mil barris/dia. Ou seja, recebe um terço por sete vezes mais energia. Para Samek, isso é a maior prova do benefício de Itaipu. “O Paraguai tem a energia mais barata do mundo”, diz ele. “Além disso, querer comparar modais de energia diferentes é como comparar o preço do feijão com o da carne.” Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO http://www.exercito.gov.br/Resenha - Acessado em 27/05/2007